(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 06/03/2017 Daniel Oliveira
Apesar de conseguir dar um retrato mais completo e compreensível de todo o caso do BES e de lhe acrescentar alguns novos pormenores, a investigação de Pedro Coelho, jornalista da SIC que já fora responsável pelo trabalho sobre o BPN, não nos dá novidades em relação a todas as suspeitas que tínhamos. Dá-nos provas definitivas sobre a incúria consciente de Carlos Costa e sobre as suas responsabilidades diretas no desfecho que o caso teve. E isso faz toda a diferença.
Que Carlos Costa sabia tudo o que era necessário saber para intervir de forma pronta e determinada, não precisaríamos desta excelente reportagem para confirmar. Todos os dados são, quanto a isto, evidentes há muito tempo. O estado do Grupo Espírito Santo e o efeito que estava a ter no BES eram um segredo de polichinelo. Um segredo de tal forma público que o BPI o descreveu, preto no banco, em agosto de 2013, num documento dirigido ao regulador. Que as contas do “polvo” do Espírito Santo eram uma fraude também. Que a capitalização do GES era feita às custas da destruição do banco, contaminando a área financeira com a área não financeira, igualmente. Mas mesmo perante todos os alertas, vindos de fontes nacionais e externas, Carlos Costa ficou quieto. E enquanto observava sem agir, avisava sem impedir, muitos clientes do BES, sem qualquer experiência de investimento, eram transformados em investidores à força no buraco sem fundo da Rio Forte.
Na Comissão de Inquérito ao caso BES, Carlos Costa explicou a sua perturbante apatia: “No fim de 2013 o Banco de Portugal não dispunha de factos demonstrados que dentro do quadro então aplicável permitissem abrir um processo formal de verificação de idoneidade” de Ricardo Salgado. E o governador jurava não tinha retirado a idoneidade apenas porque “os condicionamentos legais” não o permitiam. “Se pudesse faria? Há muito tempo.” Já na altura citara pareceres de dois juízes que explicavam que ele não podia agir e foi, poucos dias depois, desmentido por um deles. Pedro Maia garantia que o parecer dizia exatamente o oposto.
Agora, através desta reportagem, sabemos que foram os próprios serviços do Banco de Portugal que lhe disseram que tinha todos os instrumentos para afastar Ricardo Salgado. Uma nota informativa dos técnicos da instituição garantia-lhe, em novembro de 2013, que ele não tinha de esperar que o banqueiro fosse condenado pela justiça ou cometesse qualquer ilícito. A reavaliação da idoneidade podia ter uma função preventiva. Ao contrário do que afirmou aos deputados, Carlos Costa tinha poderes para além da mera pressão. E sabia-o.
É provável que a razão para a inação de Carlos Costa tenha sido a apontada pela deputada Mariana Mortágua: ele via os administradores dos bancos em geral e do BES em particular como “colegas”, não como regulados. E isso criava uma cumplicidade que permitiu a Ricardo Salgado arruinar o BES para tentar salvar o seu grupo, enganar e roubar milhares de clientes e deixar uma fatura de milhares de milhões de euros para o Estado português. Tudo nas barbas do regulador.
Carlos Costa teve acesso a todos os sinais de perigo. E tinha os instrumentos para agir. Sabíamos tudo isto antes de ver “Assalto ao Castelo”. Agora sabemos que ignorou os seus próprios serviços.
Temos as provas que faltavam para saber que as suas omissões foram conscientes e premeditadas. Depois de tanta incompetência e incúria, o governo anterior decidiu agradecer a cumplicidade política que sempre demonstrou e reconduzi-lo no cargo.
É inamovível. Mas a sua permanência como governador do Banco de Portugal afeta a credibilidade do regulador, do sistema financeiro nacional e do país. Em relação ao mal que já provocou, pouco podemos fazer. Resta impedir que continue. Pressionando para que se demita.
Ovar, 7 de Março de 2017
Álvaro Teixeira
Sem comentários:
Enviar um comentário