(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 25/05/2017)
Há pouco mais de dois meses, quando toda a recuperação económica e financeira agora confirmada estava a acontecer, Wolfgang Schäuble dizia, em declarações públicas, que Portugal tinha de se certificar de que não precisava de um resgate. Esta semana disse que Mário Centeno, o ministro que estaria a levar o País para um novo resgate, era o Cristiano Ronaldo do Ecofin.
As almas mais crédulas pensarão que Schäuble está a dar o braço a torcer e a elogiar Portugal. Nada disso. Está a fazer o mesmo que antes, mas por outros meios. Os portugueses não têm muita consciência de como a solução política encontrada em Portugal (incluir comunistas e esquerdistas numa maioria parlamentar de um país acabado de ser intervencionado) e a reversão de medidas impostas pela troika criou incómodo no poder europeu dominado pelo PPE e pela Alemanha. Para o ministro das Finanças alemão é fundamental anular qualquer efeito político deste sucesso.
Schäuble está a tentar absorver Mário Centeno, pondo-o a trabalhar para a sua carreira europeia, que dependerá sempre da vontade alemã. Se Centeno der sinais de mudança de lealdade, Costa deve despachá-lo para Bruxelas o mais depressa possível
O elogio de Schäuble pretende garantir, de forma imediata, que o assinalável sucesso português, que está a ser notícia um pouco por todo o lado, não tem o rodado político socialista António Costa como protagonista, mas o politicamente inexperiente Mário Centeno. É até um pouco mais do que isto. Quer insuflar alguém que a falta de arcaboiço político torna sensível à lisonja e é fácil de deslumbrar por uma possível e até provável carreira europeia. Schäuble não está a elogiar o governo português, está a tentar e provavelmente conseguir absorver Mário Centeno. Com isso, consegue um dois em um: ganha Centeno para o seu lado, que passa a trabalhar mais para a sua carreira europeia, que dependerá sempre da vontade alemã. Até porque sabe que é muito improvável uma carreira política portuguesa. Esta perspetiva mudará as suas prioridades. E isso pode dividir as hostes do governo português, dando mais força a um ministro que não olha para a “geringonça” com grande simpatia e que terá muito mais dificuldade em enfrentar a vontade alemã.
Não será nada difícil deslumbrar Mário Centeno. Quem se lembra dos pormenores das trapalhadas com a administração da Caixa Geral de Depósitos percebeu que a familiaridade de relações do ministro e do seu secretário de Estado com o António Domingues foram, provavelmente, fruto de um deslumbramento infantil que o levou a fazer promessas que não sabia se podia cumprir. Centeno poderá agora ser tratado como “Super Mário”, mas nem esta recuperação é trabalho apenas ou sobretudo seu, nem nos esquecemos como ele foi, desde o primeiro dia, o elo fraco deste governo. Temo que assim volte a ser. A promessa de uma carreira europeia já está a dar sinais no inchado ego do ministro, que escreve artigos em que define o futuro da Europa. Acredito que até já se tenha convencido que a recuperação é fruto exclusivo do seu trabalho, que Costa e os restantes ministros são adereços e que o Bloco e o PCP são um bloqueio. Centeno pode ser tomado por amnésia e esquecer-se que nenhuma das suas propostas iniciais sobreviveu às negociações iniciais da “geringonça”. Nenhuma contribuiu para estes resultados. E pode também esquecer-se que foi Costa e até PCP e Bloco que o seguraram nas trapalhadas da Caixa.
Apesar de inexperiente, Mário Centeno foi escolhido por ter facilidade de diálogo com Bruxelas. Há mesmo quem diga que o seu nome foi soprado de lá. Nisso, e não na estratégia económica ou financeira, foi um ativo fundamental para o governo. Mas era um ativo enquanto representava o País junto de Bruxelas. Não se pode permitir que seja um representante de Bruxelas no governo português. Não, quando a solução política em Portugal estará sempre em tensão com as escolhas políticas da Comissão, dominada pelo PPE e pelos países do norte. Costa precisa de gerir essa tensão, não precisa de a transferir para dentro do governo.
Se Centeno der sinais de mudança de lealdade, Costa deve despachá-lo para Bruxelas o mais depressa possível. Não porque isso tenha qualquer utilidade para o País – aprendemos qualquer coisa com Barroso e Constâncio –, mas porque seria trágico que o governo passe a ter no seu interior quem, em vez de estar a trabalhar para o primeiro-ministro e para o país, trabalhe para uma carreira de burocrata de luxo e para aqueles com quem temos de negociar. Tudo o que Portugal dispensa no momento em que ganha algum espaço de manobra é um ministro das Finanças fácil de manipular por interesses conflituantes com os nossos.
Ovar, 25 de maio de 2017
Álvaro Teixeira
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