por estatuadesal
(Entrevista a Jerónimo de Sousa, in Expresso, 25/11/2017)
(Apesar de muitos o detestarem, e alguns acharem mesmo ainda que os comunistas "comem criancinhas", o PCP é um partido cuja influência não pode ser ignorada na sociedade e na política portuguesa, mais ainda agora que suporta no parlamento a actual solução governativa. Por isso esta entrevista é importante. Para perceber o presente da Geringonça e se no futuro se poderá - ou não -, prefigurar uma Geringonça 2.0, eventualmente com outros contornos formais, mas navegando dentro do quadro idêntico - ou até mais amplo, de objectivos. Uma coisa fica clara: para o PCP a legislatura é para durar quatro anos. Depois, como diz Jerónimo, "perante o pano é que se talha a obra".
Estátua de Sal, 25/11/2017)
No final do debate orçamental, Jerónimo de Sousa falou com o Expresso. A atual legislatura é para levar até ao fim mas, quanto à próxima, os comunistas não se comprometem. O líder do PCP recusa uma nova “posição conjunta” ou acordos pré-eleitorais com os socialistas. Jerónimo não disfarça que “há um pedregulho difícil de remover” entre os dois partidos. São diferenças insanáveis e que obrigam os comunistas, não só a marcar terreno, mas também as devidas distâncias.
Diz que se acentuaram as contradições com o PS. O PCP acha que a atual solução política se esgotou?
É uma solução que não é repetível. Num quadro de eleições e trabalhando nós para uma perspetiva de legislatura...
... o fim desta legislatura não está em causa? Não é um recado para dizer que para o ano não aprovam o OE?
A nossa perspetiva é de uma legislatura. Mas, nas próximas eleições para a AR e mantendo-se a relação de forças atual, continuo a considerar que não é preciso uma posição conjunta. Obviamente, muita coisa acontecerá entretanto e isso é fazer futurologia, mas pode não ser necessária uma posição conjunta. É preciso que o futuro Executivo afirme, neste caso concreto o PS, que vai prosseguir esta linha de avanços e de justiça social.
O PS forma Governo com maioria relativa e sem acordos conjuntos como Guterres?
Na posição conjunta ficou claro que o PCP não abdica da sua independência e autonomia de decisão, afirmando perante o PS que votaríamos a favor de medidas positivas e votando contra o que não consideramos positivo. Aliás, isso aconteceu em muitas votações e foi evidente no caso Banif. Sem drama nenhum.
O impacto nas autárquicas fez o PCP rever sua posição? O modelo já vos prejudicou o suficiente para se voltar a repetir?
Não. Foi decisivo o papel do PCP para ver PSD e CDS saírem do Governo. O objetivo político era interromper a política de terra queimada e, perante uma calamidade, a primeira resposta foi repor alguma justiça, ainda que de forma insuficiente. No futuro próximo não abdicamos deste princípio: há necessidade de uma política alternativa patriótica e de esquerda.
O resultado das autárquicas pesou sobre como lidar com o PS na próxima legislatura?
Não pesou. Nem alterou o nosso comportamento e perspetiva.
Mudou, pelo menos, a estratégia de comunicação do PCP sobre os seus ganhos. Dizia que o BE era mais expedito.
Percebo o BE, a tentar meter a bandeirinha. Nós empenhámo-nos a fundo na discussão do OE e conseguimos muitas coisas. Depois, vemos outros fazer anúncios desses mesmos avanços. Fomos agora mais expeditos mas numa expressão honesta, nunca tentando pôr ovos em ninho alheio. O nosso problema não é que o BE nos acompanhe, mas que as pessoas percebam o que é a marca do PCP.
Este é o melhor dos três orçamentos da geringonça?
Este OE do Governo PS consolida os avanços alcançados em 2016 e 2017 e portanto tem um ponto de partida diferente. Ainda assim, apesar das limitações e insuficiências, é um Orçamento que vai mais longe nos avanços.
Qual foi a medida do PCP de alteração ao OE mais arrancada a ferros ao PS?
Desbloqueamento dos investimentos, na Educação, Saúde e Transportes (fim das cativações) e a proposta que prevê a possibilidade de contratação na Administração Pública.
Depois das autárquicas, ouviu camaradas seus dizerem que a ‘geringonça’ não foi uma boa ideia?
Continuo a ter como referência a resolução política do XX congresso aprovada por unanimidade. Eu ando pelo país e há alguma tristeza em relação ao resultado das autárquicas, daí a haver arrependimentos... isso não tem expressão.
No Comité Central não foi motivo de crítica?
Não, aliás as últimas reuniões do CC têm sido praticamente todas por unanimidade. Nos contactos que temos no terreno há muita confusão. Muitos consideram que há uma maioria de esquerda, outros que há um acordo das esquerdas. E nós dizemos que é um governo minoritário do PS e que não há um acordo parlamentar.
Mas depois de 2019, não querem continuar a dar a mão ao PS?
Daremos a mão ao povo e faremos tudo para conseguir novos avanços.
Se o PS ganhar sem maioria absoluta e o PCP não estiver disponível, empurra-o para um bloco central. Prefere isso?
Este processo tem valido a pena. Não temos nenhum arrependimento das posições que tomámos e pelo que conseguimos avançar. Quanto às próximas eleições deixemos o povo decidir. Diálogo haverá sempre. Mas com que programa se vai apresentar o PS?
Fazer parte do Governo está fora de questão?
Participar no Governo para quê? Para uma política que não resolve os problemas centrais ou para realizar uma política de crescimento económico e de justiça social? O meu partido sente-se orgulhoso, até aqui, pelo trabalho muito exigente que foi feito, num quadro de contradições. Depois, perante o pano é que se talha a obra...
Pode haver um entendimento pré-eleitoral com o PS? Já foi falado?
Não. Há aqui um pedregulho difícil de remover. Em matérias estruturantes, o PS não abdicou de uma política de direita.
A possibilidade do ministro das Finanças presidir ao Eurogrupo aumenta o ‘pedregulho’ ou pode mudar alguma coisa?
A experiência com responsáveis portugueses nas instituições europeias não é, propriamente, para entusiasmar. Demonstrou-se que não é condição suficiente para que os interesses de Portugal sejam defendidos. O diretório de potências da UE é quem determina.
O Governo às vezes esquece-se que não tem a maioria absoluta?
Não é uma orientação geral, mas tem acontecido. Obviamente não queremos ser juízes-conselheiros nem a voz da consciência do Governo do PS. Não queremos favores nem lugares. Queremos ajudar a resolver problemas.
“Não sou o suprassumo da batata”
Tancos, incêndios, INFARMED. Costa é um primeiro-ministro para as boas notícias e tem dificuldade em lidar com as más?
Não sou capaz de fazer uma análise a perfis, mas em relação aos incêndios não houve a resposta que se justificava. Era preciso uma resposta imediata, aparecer com um sentido de esperança, de reposição das condições de vida de muitas pessoas e empresas.
Isso deve-se a alguma falta de humildade?
Não, acho que foi mais subestimação do que propriamente indiferença.
... ou falta de conhecimento do mundo real que o Jerónimo conhece bem?
Na sua responsabilidade governativa, acho que tem conhecimentos. Mas essa realidade foi capaz de o surpreender. O primeiro-ministro não percebeu o sentido exato do drama que aconteceu.
É um problema dos chamados ‘políticos de gabinete’?
Há muitos. Não me considero o suprassumo da batata no contacto direto. Mas é evidente que tenho a vantagem de viver no meio em que nasci e fui criado, de muita iniciativa, de calcorrear milhares de quilómetros. Depois, há características próprias que permitem a aproximação das pessoas.
Acha que o primeiro-ministro demorou a pedir desculpa?
Para mim, o mais importante era ter tido uma resposta eficaz.
Já pediu desculpa por atitudes que tomou, nomeadamente, no seu partido?
No meu partido nunca ninguém me exigiu um pedido de desculpa. Às vezes peço, mas não por razões políticas. Obviamente.
Declarações de António Costa geram “preocupação”
O líder do PCP confia na palavra de António Costa e “ainda” não considera que o Governo esteja a dar o dito pelo não dito no caso da contagem integral do tempo de serviço dos professores para efeitos de descongelamento de carreira. Mas há necessidade de esclarecimento. “Um retrocesso teria leituras e consequências políticas”, avisa.
O Governo assinou um acordo com os professores e já diz que é uma ilusão pensarem que vai ser contado o tempo de serviço. Está a incumprir o que acabou de acordar?
Independentemente desta declaração, o importante é tomar como adquirido que na questão da progressão das carreiras o tempo deve contar para todos. Sejam professores, enfermeiros, médicos, forças de segurança, trabalhadores da Justiça. Esta consideração teve acolhimento. Outra coisa é discutir o modo e o calendário em que será concretizado. Propomos que o Governo discuta isso com os sindicatos.
Essa é a proposta do PCP. Mas o Governo vem dizer que é uma ilusão que os professores pensem que o tempo conta todo...
Não acompanhamos essa afirmação. A proposta que fizemos em sede de orçamento salvaguarda que o tempo conta. Até porque ninguém entenderia que o tempo de trabalho efetuado não viesse a ser contado!
Então, como entende as declarações do primeiro-ministro?
É uma declaração sem expressão concreta naquilo que estamos a aprovar no OE. Fica a preocupação, obviamente.
O Governo pode estar a dar o dito pelo não dito?
Ainda não considero isso. Seria profundamente negativo um retrocesso em relação aos passos que foram dados.
O que foi acordado entre o PCP e o PS? Falou-se concretamente que seria tido em conta o tempo todo de serviço?
O mais importante, numa fase preliminar de exame comum, foi a consideração que a progressão das carreiras deveria ser concretizada até ao final da legislatura. Ouvimos opiniões diferentes, nomeadamente do ministro das Finanças que admitiu ir além de 2019. Batêmo-nos para que fosse concretizado na legislatura. Houve um entendimento que nós consideramos que continua a valer.
Mas aí não está o tempo de serviço... O PCP presume que está incluído?
Presumimos que sim! Não se justificaria uma concordância se não houvesse essa salvaguarda em relação à contagem do tempo!
Quando se ouve o primeiro-ministro falar, nota-se um entendimento diferente...
Para nós o entendimento é claro em relação aos limites da legislatura e à contagem do tempo. A proposta que fizemos partia dessa consideração e dessa possibilidade. A única coisa que se compreenderá, tendo em conta os montantes, é o faseamento no tempo e o modo de consideração. Não questionamos o direito adquirido pela contagem do tempo de serviço.
Se o Governo não fizer a contagem do tempo de serviço dos professores nesta legislatura está a incumprir o acordo?
Digamos que ninguém esperaria, muito menos os trabalhadores, que isso não fosse considerado na progressão das suas carreiras.
É uma surpresa a forma como a questão está a ser colocada pelo Governo?
Entendo-a como uma afirmação que precisa de ser clarificada.
Confia na palavra de António Costa?
Continuo a confiar, sim.
O silêncio do ministro das Finanças sobre este dossiê é motivo de preocupação?
O primeiro e principal responsável é o primeiro-ministro. É ele quem tem a responsabilidade das escolhas. Lembro-me de, há uns tempos, o ministro das Finanças colocar esta questão além da legislatura. Mas houve evoluções na fase de exame comum que consideramos positivas. Vamos ver o desfecho.
Marcelo disse que as pessoas podiam ter ilusões e que nada voltaria a ser como dantes, referindo-se em concreto ao tempo de serviço dos professores.
A tese que a destruição de direitos não pode ser reposta é preocupante. Lembra a afirmação de um dirigente do PSD de que o país estava melhor, mas o povo estava pior. Não há desenvolvimento sem que o povo se sinta bem. Não estamos a reivindicar direitos novos, mas a restituição do que foi extorquido. Um retrocesso desta natureza teria leituras e consequências políticas.
O primeiro-ministro disse que o Estado só vai pagar aquilo que consegue.
E nós consideramos que o Estado tem condições de pagar aquilo que é devido aos trabalhadores.
De outra maneira: gostou de ouvir Costa a repetir as palavras de Marcelo?
Não fico triste nem alegre, faço uma avaliação política.
O Presidente da República mudou de atitude? Teme que haja dificuldade de promulgação do OE?
Não tenho nenhum indicador que me leve a ter essa preocupação. É evidente que hoje temos um quadro muito complexo. A CIP aumentou de galão em termos de pressão. Lá veio, mais uma vez, a ameaça de Bruxelas. Mas a essas ameaças e avisos a resposta deve ser de firmeza e não de cedência.
O PM e o PR estão a acusar essa pressão dos patrões e de Bruxelas?
Não faço juízos de intenção. Constato um facto que não é novo: sempre que há um encaminhamento positivo das coisas, lá vêm as imposições como se fossem os mandões do meu país. Acho inadmissível essa pressão! Há umas semanas, o Conselho Europeu defendeu a valorização dos salários mas depois, quando há uma proposta concreta...
... 600 euros, que o PCP pede desde 2015. É uma batalha que perdeu?
A nossa batalha tem sido por este valor. O Governo vai invocando a concertação social mas é bom lembrar que a responsabilidade do aumento do salário mínimo não é do CES. O Governo não pode encontrar ali o biombo. Fico chocado que um trabalhador que trabalhe a vida inteira recebendo na casa dos 500 euros vá empobrecendo. É uma contradição insanável: trabalhar e ir empobrecendo!
É um dos amargos de boca desta solução governativa?
Isso não constava da posição conjunta.
Porque foi fechado um acordo entre o BE e o PS...
O BE partiu do pressuposto que aquilo era um mínimo. Quem tem alguma experiência de negociação sabe bem que quando se apresenta uma proposta ela é sempre o máximo. O BE também está de acordo com a nossa proposta. O problema continua a ser a falta de determinação do Governo. Apresentámos a proposta, ela foi recusada. Podemos usar aqui o nosso chavão — a luta continua.