por estatuadesal |
(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 20/07/2017)
A última novidade é o facto do Presidente da República ter respondido a uma carta de uma sobrevivente de Pedrógão, que justamente se queixava de várias falhas do Estado, e o governo não o ter feito. Na SIC, Clara de Sousa até perguntou a Pedro Marques se o executivo não se sentia “humilhado”. A partir disto construiu-se uma nova narrativa, diferente daquela que punha o Presidente a reboque do governo, sempre pronto para aparar os seus golpes: num mar de incompetência que assola, como nunca antes aconteceu, o Estado, há um Presidente absolutamente excecional. Uma ilha de competência e sensibilidade.
Tirando nos momentos de crise, como foi a queda do primeiro governo minoritário de Cavaco Silva (Soares), a substituição de Barroso por Santana com a posterior dissolução do Parlamento (Sampaio) e o curto segundo governo de Passos substituído por Costa (Cavaco), os presidentes fazem, desde meados dos anos 80, pouco mais do que gerir imagem, influenciar a vida política e lidar com o simbólico das coisas. É uma tarefa importante mas, com o mínimo de talento, pouco desgastante. E é por isso que é preciso ser especialmente inepto para conseguir o milagre de atingir os níveis de impopularidade que Cavaco Silva atingiu. Pelo contrário, esta é área em que Marcelo é rei. E é quase só nisso que se tem de concentrar.
Se os jornalistas comparam um telefonema a uma das vítimas à resposta prática a todas as tragédias pessoais e coletivas que Pedrógão criou não se podem espantar que os políticos aprendam, para serem reeleitos, a valorizar a boa história para os jornais em vez da resposta aos reais problemas das populações
Perante uma tragédia como a de Pedrógão, o governo tem de pôr, num mês, toda a pesada máquina do Estado a funcionar depressa. A segurança social, a investigação, a nova legislação a aprovar, a coordenação com as autarquias, os pedidos de apoio comunitário com respetivo levantamento de necessidades e negociação com Bruxelas, a reconstrução e apoio a pequenas obras... Apesar de ser um trabalho tremendo perante a legitima ansiedade de quem perdeu tudo ou quase tudo e a pressão da comunicação social, os ministros não têm de se queixar. Foi para dirigir o Estado que se candidataram.
O Presidente tem apenas de estar informado e transmitir as mensagens certas. Isto não o diminui. É a sua tarefa e ela é muitíssimo importante. O próprio governo deveria, provavelmente, ser mais competente neste pelouro. O que é totalmente absurdo é alimentar uma comparação entre a coordenação de imensos serviços e instituições, onde tudo pode falhar perante a burocracia, a indecisão ou até a impossibilidade, e a mera transmissão de mensagens que pode viver exclusivamente de uma atitude voluntarista individual. É comparar responsabilidades e tarefas incomparáveis.
A comparação é, pela lógica mediática, compreensível. A comunicação social tende a privilegiar o simbólico em relação à substância, a mensagem em relação à ação, o imediato em relação ao gradual. A comunicação social é mais sensível a um telefonema do que ao emaranhado de ações e instituições. É da sua natureza. Mas se não compreender que essa é uma limitação sua, e não corresponde à real importância das coisas, criará nos cidadãos uma perceção errada da ação política. Que inevitavelmente se vai refletir no comportamento dos políticos. Já se reflete, na verdade. Os políticos tendem a valorizar tudo o que os jornalistas valorizam, agindo sobre o imediato e o simbólico, o aparente e o fácil, e negligenciando o que é mais importante. E isso ajuda a explicar porque acontecem coisas como Pedrógão.
Se os jornalistas comparam um telefonema a uma das vítimas à resposta prática a todas as tragédias pessoais e coletivas que Pedrógão criou não se podem espantar que os políticos aprendam, para serem reeleitos, a valorizar a boa história para os jornais à resposta aos reais problemas das populações.
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