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segunda-feira, 26 de junho de 2017

Só quando isto já for história



por estatuadesal
(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 25/06/2017)
Autor
                             Daniel Oliveira

Em janeiro deste ano deu-se a discussão pública da maior reforma legislativa florestal apresentada nas últimas décadas. Viram debates na televisão, entrevistas ao ministro e a técnicos, intervenções políticas de líderes partidários? Estou incluído nos faltosos: soube e nem uma linha escrevi. Como não há fome que não dê em fartura, Marcelo quer estas 12 leis complexas e discutíveis aprovadas antes do verão. Diz quem sabe que as causas dos problemas da nossa floresta são profundas e, tirando algumas medidas de segurança mais evidentes, as soluções são difíceis e demoram. Se fizermos tudo certo, só sentiremos os efeitos quando Pedrógão Grande já for história.
Comecemos pelo inimigo justo mas demasiado fácil: o eucalipto. O eucalipto e o pinheiro-bravo correspondem a quase metade da nossa floresta — o primeiro tem crescido sobretudo à custa do segundo. Apesar de serem terríveis propagadores do fogo, a opção por estas espécies é fácil de explicar. O sobreiro e o pinheiro-manso dão mais rendimento, mas o retorno é demorado. Com a quantidade de incêndios que temos, esse retorno pode não chegar antes de o investimento ter ardido todo. Sim, há um lóbi da celulose. Mas convém não esquecer, quando se procuram soluções, a racionalidade económica das escolhas que as pessoas fazem. É também na economia que pode estar parte da solução para a limpeza das matas. Com centrais de biomassa, os resíduos florestais passariam a ser rentáveis. Mas a maior doença da floresta portuguesa é o minifúndio. É impossível gerir, rentabilizar e tratar a floresta quando a área média da propriedade que não é gerida pela celulose é de cinco hectares e a maior parte tem menos de um hectare. Portugal é o país europeu com maior percentagem de área florestal privada e com as mais baixas dimensões por propriedade. A única solução é integrar as pequenas áreas em unidades de gestão semelhantes a zonas de intervenção florestal ou às entidades de gestão florestal, em troca de uma renda, dando dimensão às explorações sem que as pessoas percam a propriedade. Mas a intervenção do Estado pode ter de ser coerciva. Estamos dispostos a aceitar que há valores mais importantes do que o direito absoluto à propriedade? E há, por fim, um dos maiores problemas do país: o despovoamento de grande parte do território, que demoraria décadas a resolver. Se não há pessoas, não há quem trate e defenda a floresta. Cerca de um quarto dos proprietários florestais nem sequer vive na região da sua propriedade e, sem um verdadeiro cadastro, muitos nem sabem o que têm.
Tenho algumas dúvidas em relação à reforma proposta por Capoulas Santos. A principal é a da municipalização da gestão florestal: as autarquias onde a situação é mais dramática não têm dimensão política, técnica e financeira para esta empreitada, e isso pode deitar tudo a perder. Mas esta reforma, que trata de muitos dos assuntos de que aqui falei e à qual ninguém ligou pevide, merece mais do que um debate rápido em cima da emoção. Nada do que ali está evitará incêndios neste agosto. E, mesmo assim, é apenas uma pequena parte do que temos de fazer.
Porque o estado da nossa floresta é consequência do modelo de desenvolvimento que escolhemos, da economia que temos e do território que abandonámos. Isto não se muda ao ritmo da nossa indignação.

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