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quarta-feira, 22 de novembro de 2017

A Tecnoforma e o ensurdecedor murmúrio da imprensa

por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 22/11/2017) 

Daniel

Daniel Oliveira

(Até que enfim que alguém com projecção do espaço mediático aborda este tema. Mas ó Daniel, faltou-te sublinhar, como nós próprios fizemos em artigo que aqui publicámos, o silêncio do rei do comentário, Marcelo Rebelo de Sousa, de seu nome. O tal que fala e opina sobre tudo o que se passa neste país, desde panteões, legionellas, fogos, carreiras ou lagartas na sopa. Não me digas que, além do silêncio da comunicação social, também não estranhaste este silêncio do Presidente. Assim, de silêncio em silêncio, estranho eu também o teu silêncio sobre o silêncio de Marcelo. A não ser que fique para próximo artigo.

Estátua de Sal, 22/11/2017)


Já sabíamos, desde setembro, que o caso Tecnoforma tinha sido arquivado pelo Ministério Público (MP). Na altura, Miguel Relvas, prevendo a novíssima tradição nacional, até exigiu um pedido de desculpas. Hoje sabemos que os investigadores antifraude da Comissão Europeia (OLAF) discordavam das conclusões a que chegou o MP. E que os resultados da investigação do OLAF, que foi solicitada pelo próprio DCIAP, foram ignorados pela Justiça. Ou seja, que o nosso Ministério Público pediu apoio a um organismo europeu e depois resolveu ignorar as conclusões e arquivar o caso.

Estão em causa mais de seis milhões de euros que a Comissão Europeia quer de volta. Expressões como “graves irregularidades” e “fraudes” na gestão de fundos europeus entregues entre 2000 e 2013 à Tecnoforma são dos próprios investigadores. E concluem: “os factos enunciados podem constituir infrações penais previstas no Código Penal Português”. A notícia do “Público” surgiu agora porque só agora, com o arquivamento do processo, ficou disponível o relatório do OLAF.

Não sei se os investigadores do OLAF têm razão e se há mesmo fraudes na utilização de fundos europeus por parte da Tecnoforma. E ainda menos saberei se Pedro Passos Coelho e Miguel Relvas tiveram qualquer tipo de responsabilidades no uso destes dinheiros. Não acuso com bases em gordas de jornais. Não é esse o meu debate. O meu debate é sobre o comportamento do Ministério Público e da comunicação social.

Todos temos visto como o Ministério Público tem tratado suspeitas que envolvam o poder político. Nunca será por mim criticado o zelo da Justiça contra a corrupção e o mau uso de dinheiros públicos. Pelo contrário, já não era sem tempo. As críticas que tenho feito são outras: o desrespeito permanente por prazos minimamente razoáveis para que a justiça se faça e a utilização dos jornais tabloides para conseguir condenações na praça pública ainda antes de chegar à barra do tribunal ou até para esconder más investigações. Seja como for, não é fácil, olhando para o padrão do que tem sido o comportamento do Ministério Público em casos semelhantes, perceber um arquivamento que ignora acusações tão claras por parte dos investigadores do OLAF. A PGR já fez saber, através de fontes, que o processo deverá ser reaberto. O que ainda torna mais preocupante este arquivamento.

Quanto à comunicação, a diferença de comportamento é ainda mais gritante. O órgão lateral do Ministério Público, o “Correio da Manhã”, ignorou o caso. Antes do relatório ser conhecido, não usou as suas fontes no MP para ter acesso a esta informação. E mesmo depois dele ser conhecido, não achou o tema relevante. O “Correio da Manhã” é sempre menos ativo na sua campanha pela moralização do Estado quando os envolvidos são da sua simpatia política. O problema é que o pouco destaque dado a esta notícia nos dias seguintes à publicação do trabalho de José António Cerejo foi generalizado. Um internauta deu-se ao trabalho de fazer as contas às referências nos principais jornais, sites e canais televisivos de informação. Concluiu que, entre 11 e 14 de novembro, houve 171 referências ao jantar no Panteão Nacional contra apenas dez ao caso Tecnoforma. E assim como nasceu, o assunto morreu.

Como já disse, não tenho convicções sobre o caso Tecnoforma e ainda menos sobre qualquer tipo de envolvimento de Passos Coelho na alegada “fraude” na utilização de dinheiros europeus. Mas não é todos os dias que ficamos a saber que um organismo europeu acusa de fraude uma empresa em que o ex-primeiro-ministro teve um papel ativo importante. Também não é todos os dias que sabemos que o Ministério Público, contrariando o padrão do seu comportamento recente em relação a este tipo de criminalidade, ignora um relatório de uma estrutura europeia por si próprio solicitado e arquiva o processo. Seria natural, sobretudo olhando para os critérios editoriais da nossa comunicação social, que isto fosse tema. Foi quase irrelevante mesmo quando comparado com um “fait divers” requentado como os jantares no Panteão. Torna-se difícil vir com a conversa do “não culpem o mensageiro” quando o mensageiro é tão seletivo nas mensagens que nos traz...

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