Translate

quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Poder e assistencialismo

Novo artigo em Aventar


por Bruno Santos

Portugal, enquanto sociedade e economia, gera recursos mais do que suficientes para permitir a todos os seus cidadãos uma vida materialmente digna.

Gera recursos suficientes para ter uma Escola Pública capaz de cumprir integralmente a sua função, com níveis de qualidade aceitáveis e disponível para todos.

Gera recursos que chegam e sobram para ter ao serviço de toda a população um bom Sistema de Saúde, praticamente gratuito.

Gera recursos suficientes para cuidar da Terceira Idade com a dignidade exigível, através, designadamente, de um sistema de Segurança Social totalmente sustentável e capaz de responder às necessidades específicas dessa população.

Se nos perguntarmos por que motivo nada disto se verifica, apesar da capacidade de gerar os recursos necessários, a resposta é simples. Uma massa enorme desses recursos é desviada do circuito político-administrativo destinado ao bem comum e encaminhada para circuitos paralelos, dos quais apenas alguns podem usufruir e com os quais estabelecem e operacionalizam estruturas alternativas de poder.

É isto que toma o nome de corrupção. A corrupção não é perniciosa simplesmente por consistir numa violação das regras, pois há regras cuja violação constitui até uma virtude. A corrupção é perniciosa porque fomenta a injustiça, dando a uns o que a outros pertence por direito, contribuindo para a eternização das desigualdades sociais e destruindo animicamente as sociedades.

São gigantescos os montantes que o Estado distribui pelas instituições particulares de solidariedade social (IPSS), e se é verdade que algumas dessas instituições cumprem um papel meritório na sociedade, usando com justiça e correcção os meios financeiros colocados à sua disposição, não é menos verdadeiro que muitas delas se servem dos recursos públicos para alimentar redes de poder próprias, estabelecer laços de dependência e financiar autênticos projectos político-empresariais. Chegamos ao ponto de termos decisores públicos, ou seja, representantes do Estado, a financiar instituições às quais estão ligados enquanto cidadãos, seja por laços familiares, políticos, ou outros, o que lhes possibilita estar em campanha eleitoral permanente e garantir, através da dependência material e do respectivo voto, a renovação do mandato para governar. É por isso que não desce de modo significativo o número de pobres em Portugal, nem o número daqueles que estão em risco de cair na pobreza, pois eles são o verdadeiro combustível desta rede de poder e de dependências que domina todo um sistema político.

E ao contrário do que alguns pretendem fazer crer, esta ideologia da miséria não é atributo ou vocação exclusivos da Direita, das Jonets deste mundo e dos herdeiros legítimos do assistencialismo de chá dançante do Estado Novo. Houve uma Esquerda que descobriu o potencial político da miséria e não hesitou em dele fazer uso.

Sem comentários:

Enviar um comentário