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quinta-feira, 29 de março de 2018

Diplomacia, demagogia e hipocrisia: o caso Skripal e o oportunismo político

29/03/2018 by João Mendes

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Indústria petrolífera à prova de sanções diplomáticas. Fotografia via CBS

Percebe-se o desespero de Fernando Negrão e a necessidade de se pôr em bicos de pés para tentar marcar a agenda mediática com declarações como as que proferiu ontem, que de resto mais não foram do que uma espécie de retweet parlamentar das declarações proferidas no dia anterior por Paulo Rangel na SIC Notícias. Ou não estivéssemos perante um líder parlamentar desorientado, cuja primeira linha de oposição que enfrenta está no interior do próprio grupo parlamentar que tenta, sem grande sucesso, dirigir. Um líder parlamentar fragilizado, em sintonia com uma direcção partidária enredada em casos que se sucedem, sob fogo cerrado da imprensa afecta ao passismo. É natural que recorra ao facilitismo deste tipo de subterfúgio.

Porém, atribuir a posição do governo português relativamente à retaliação em curso contra Moscovo, a propósito da execução do ex-espião russo Sergei Skripal, à “aliança com dois partidos que estão do lado errado” é demagógica, populista e imbecil, mas tão imbecil que deixei imediatamente de sentir qualquer simpatia pela forma como foi tratado pelos deputados do seu partido aquando da sua eleição para líder da bancada parlamentar. Afinal, tal como suspeitava, eles merecem-se mesmo uns aos outros.

As afinidades ideológicas do BE e do PCP com a Federação Russa, nacionalista e oligarca, cuja ideologia é ideologia nenhuma, parecem-me pouco evidentes. Mas vamos assumir que existem mesmo. Alguém no seu juízo perfeito acredita mesmo que o PS cederia a pressões do BE e do PCP numa matéria desta natureza? Porquê? Para evitar que os parceiros parlamentares roam a corda e façam cair o governo? E quem sairia a ganhar, caso o governo caísse devido a um caso destes? Fácil: o PS. O PS que todas as sondagens apontam como estando no limiar da maioria absoluta, que iria para eleições antecipadas contra um PSD em frangalhos, contra um CDS-PP com excesso de confiança, apesar da expressão residual, e contra dois partidos que facilmente passariam, dadas as circunstâncias, por emissários do Kremlin. Seria fácil demais para António Costa.

A posição assumida pelo governo é discutível, como qualquer posição assumida por qualquer governo ou governante. Dai a ter sido condicionada pelo PCP e pelo BE vai uma longa distância. Porque, se assim fosse, teria Portugal validado a decisão da NATO de expulsar diplomatas russos? Aliás, se o peso dos parceiros de António Costa em matéria de política externa fosse assim tão relevante, não estaríamos já de saída da UE e da NATO? Não teriam já as nossas tropas estacionadas nos mais variados cenários de guerra recebido ordem para regressar à base?

A soberania que nos resta, entregue que está boa parte dela à UE e a outras organizações supranacionais, só a nós diz respeito. Se vamos andar a reboque de outros Estados, ou, pior, a fazer as tristes figuras que alguns Estados fizeram ao expulsar apenas um diplomata como quem dá a pata ao dono, então mais vale estar quieto. Se Theresa May e respectivos aliados estivessem verdadeiramente interessados em bater o pé a Vladimir Putin, expulsavam todos os diplomatas russos dos seus países e davam ordem para que os seus diplomatas em território russo regressassem. Mas nada disso aconteceu. Nem no Reino Unido, nem nos EUA, nem na NATO nem em lado nenhum.

Quem também não foi afectado pela histeria do momento (e cito apenas este exemplo, poderiam ser dezenas deles) foi a parceria firmada entra a BP e a estatal russa Rosneft, que, envenenamentos à parte, continuam a lucrar com a sua frutuosa joint venture. Sanções diplomáticas sim senhor, mas ai de quem interferir com a mão invisível que ampara o capitalismo à prova de direitos humanos. Grande Rosneft! Passou ao lado das sanções de 2014, passará com certeza ao lado da crise diplomática de 2018, tem como chairman Gerhard Schroder e como CEO Igor Sechin, um oligarca do círculo mais restrito de Putin, mas não se passa nada. Business as usual.

Finalmente, o PSD. Quem é o PSD para se insurgir contra as práticas despóticas de uma ditadura, quando vendeu, ao desbarato, posições sólidas em empresas estratégicas portuguesas a oligarcas do regime chinês, uma ditadura sem respeito algum pelos direitos humanos e tão violenta como a russa, ou à monarquia tirana e absolutista de Omã? Que PSD moralista é este, que se insurge selectivamente em função da sua agenda partidária, mas que batia continência ao regime dos Santos e que se faz representar no congresso do MPLA, um partido cujos mais altos oficiais enriqueceram à custa da miséria do povo angolano? Quem é o PSD para bater no peito contra o nacionalismo ditatorial, sem que nunca se lhe tenha ouvido um pio sobre a agenda xenófoba e fascista do seu parceiro húngaro no PPE, Viktor Orban? Será que estes tipos nos tomam a todos por idiotas com este discursozeco demagógico e oportunista de ocasião?

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