Publicado por João Mendes
Foi no final do mês de Março, há 15 anos atrás, que uma aliança liderada pelos Estados Unidos invadiu o Iraque, um estado soberano. Os dois grandes argumentos usados para justificar a ofensiva perante a opinião pública foram a existência de armas de destruição maciça e a colaboração do regime iraquiano com a Al-Qaeda. Bush, Blair, Aznar e o seu mordomo asseguravam-nos que as provas eram irrefutáveis. Mas tudo não passou de um grande barrete.
O que se passou com o Iraque não foi caso isolado. Aconteceu com inúmeros países, sob a forma de invasões alicerçadas em pretextos falsos, golpes de estado patrocinados ou false flag attacks. Morreram centenas de milhares de vítimas inocentes, destruíram-se cidades e sociedades, abriu-se o caminho à ascensão novos déspotas e os suspeitos do costume lucraram a reconstruir, a garantir a “segurança” e a explorar recursos naturais.
A invasão do Iraque, porém, parece que foi ontem. E ainda hoje assistimos ao pagamento de uma elevada factura, que inclui um país arrasado, onde os atentados terroristas se tornaram rotineiros, uma vizinhança regional mais instável do que nunca, da Síria ao Iémen, e uma panóplia de organizações terroristas e grupos de lunáticos armados, com o autoproclamado Estado Islâmico à cabeça. Agradeçamos, pois, ao alto quadro da Goldman Sachs, José Manuel Durão Barroso, outrora empedernido maoísta, hoje lobista credenciado pela Butler School of Asslicking, a honra de nos ter arrastado para este belo e inesquecível episódio de empreendedorismo e exportação do modelo democrático ocidental. Correu tão bem que seria imperdoável termos ficado de fora.
Porém, nem só de invasores ocidentais se faz a história contemporânea da violação da soberania alheia. Que o digam a Geórgia ou a Ucrânia. Claro que, convenhamos, no mundo ocidental ainda existem eleições livres, apesar das Cambridge Analyticas desta vida, ao contrário daquela encenação mal-amanhada que teve lugar há uns dias na Federação Russa. Mas estes e outros abusos, sejam eles invasões, fraudes eleitorais, execuções sumárias ou o saque do povo russo pelos oligarcas da corte de Putin, nunca pareceram incomodar muito o Ocidente.
Esse Ocidente, que impõe embargos à Coreia do Norte ou a Cuba, nunca demonstrou a mesma determinação ou músculo quando ditador colabora. E o regime russo, tal como o chinês ou o saudita, tem sido uma fonte inesgotável de investimento e lucro para as grandes petrolíferas, bancos, fundos de capital e gigantes da distribuição ocidentais, apenas para citar alguns exemplos. Também podíamos falar sobre a vida faustosa da qual esta e outras oligarquias desfrutam nas grandes capitais europeias e cidades americanas, errando entre lojas de alta costura e os camarotes presidenciais dos seus clubes de futebol? Podíamos, mas não éramos tão hipócritas.
Agora, querem alguns convencer-nos que expulsar diplomatas aleatoriamente é uma grande demonstração de bravura. Depois de anos a conviver com esta e com outras ditaduras, para onde exportamos os nossos produtos e a quem vendemos as nossas empresas, de repente é preciso expulsar um diplomata ao calhas, para fazer o frete à senhora May, porque ai e tal os outros também fizeram. Bonito bonito era cortarmos relações com tudo o que fosse regime opressor, e pelo caminho aproveitar para deixar de oprimir também. Claro que tudo isto daria muito trabalho, em particular para os muitos partidos e políticos europeus e americanos que directa ou indirectamente têm as suas campanhas financiadas com o dinheiro sujo que os regimes autoritários e totalitários fazem circular pelos nossos fundos de investimento e paraísos fiscais.
E, se não for pedir muito, já que somos aliados e coisa e tal, que tal apresentar as tais provas irrefutáveis de que foi mesmo Putin quem ordenou a morte de Skripal? É que se vamos comprar escaramuças diplomáticas e depois as armas de destruição maciça não aparecem, é capaz de a coisa não correr muito bem. Ou então perdemos de vez a cabeça, arranjamos um bom par de tomates e dizemos NÃO de uma vez por todas a todos os regimes violentos que não partilham dos mesmos principios que afirmamos defender. E se houver uma alma caridosa que diga ao palerma do Trump que felicitar Putin por mais uma vitória em mais uma eleição fraudulenta não ajuda à causa, a malta agradece.
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