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quinta-feira, 12 de abril de 2018

Centeno vai 2.460 milhões além do défice acordado com a esquerda

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Pressão à esquerda não demoveu Centeno e a meta de défice de 0,7% para este ano mantém-se. Centeno já reduziu o défice em 1700 milhões além do acordado e quer chegar aos 2.460 milhões já este ano.

MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

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A tensão entre o Governo e os parceiros à esquerda está ao rubro com a redução acima do acordado no défice orçamental deste ano que o Governo planeia fazer. Apesar das palavras do Bloco de Esquerda, o Governo não vai recuar no Programa de Estabilidade que apresenta esta sexta-feira e, a concretizar-se o plano de Mário Centeno, desde que tomou posse o Governo terá cortado o défice em mais 2460 milhões de euros que o acordado com os parceiros à esquerda.

“O ministro das Finanças vai, contrariamente e orgulhosamente, além das metas do défice”. As palavras são do deputado do Bloco de Esquerda Moisés Ferreira, que numa longa audição de Mário Centeno no Parlamento sobre as dívidas dos hospitais, teceu duras palavras contra a estratégia orçamental de Mário Centeno, e acusou-o de prejudicar o Serviço Nacional de Saúde, numa alusão às palavras de Pedro Passos Coelho de que iria além da troika, e que Mário Centeno tantas vezes tem usado contra a direita no seu discurso político.

A discordância não é de agora. Tanto o Bloco de Esquerda como o PCP têm vindo a apresentar as suas reclamações publicamente a Mário Centeno por, em primeiro lugar, ceder a Bruxelas e acordar défices mais baixos com base em regras que não concordam, e, em segundo lugar, pelo que consideram ser o estrangulamento dos serviços através das cativações e outras poupanças forçadas para atingir metas mais baixas.

O primeiro embate aconteceu quando António Costa e Mário Centeno começaram a celebrar a sua primeira meta do défice, que não só seria atingida – um ponto de honra e uma farpa à direita -, como até seria melhor que o esperado. O Bloco e o PCP insurgiram-se contra o discurso, argumentando que não havia razão para ir além e reduzir mais o défice, e que essa decisão tinha custos nos serviços públicos e na população.

Os dois partidos, que têm negociado orçamento após orçamento as suas bandeiras com o Governo – reversão nos cortes salariais, aumentos extraordinários nas pensões redução do IRS e descongelamento das carreiras, por exemplo -, têm visto muitos dos seus pedidos serem negados por Mário Centeno com o argumento da falta de fundos e a necessidade de cumprir as metas.

A redução maior que a esperada não caiu da melhor forma, mas a situação ganhou outra dimensão no verão do ano passado quando ficou conhecido o valor recorde de cativações que Mário Centeno usou para conseguir atingir a meta do défice. Foram 942,7 milhões de euros dos orçamentos dos Ministérios que não foram usados, por ordem do Ministério das Finanças. Estas não foram as únicas poupanças aplicadas, mas foram as mais visíveis.

Depois dos incêndios do verão, que expuseram dificuldades operacionais na resposta tanto aos incêndios como no período posterior, do episódio do roubo de armas em Tancos, com os dados conhecidos que demonstravam um travão na despesa que ficou acordada com o Parlamento para a Administração Interna e para a Defesa, os dois partidos apertaram o cerco.

A discussão do orçamento deste ano já trouxe uma escalada na retórica. O Bloco e o PCP exigiram o fim das cativações em várias áreas, como é o caso da Saúde (onde legalmente as cativações podem ser, e têm sido, aplicadas desde que não no Serviço Nacional de Saúde), e conseguiram proteger algumas delas, mas não ao ponto que desejavam.

A tensão voltou a crescer este ano quando Mário Centeno apresentou um défice (excluindo o tratamento contabilístico da injeção de capitais públicos na Caixa Geral de Depósitos) de 0,92%, muito abaixo dos 1,6% do PIB acordados no Orçamento para 2017 e já com os avisos dos partidos que era preciso respeitar o que estava acordado, ou até dos 1,4% do PIB da meta revista apresentada em abril no Programa de Estabilidade. Face ao acordado no Orçamento, mesmo com a economia a crescer significativamente mais que o esperado, o défice foi menor em 1.253 milhões de euros.

Mesmo no primeiro ano da governação de António Costa e Mário Centeno, no qual as exigências da Comissão Europeia e a necessidade de sair do Procedimento dos Défices Excessivos tiveram consequências mais concretas, o esforço além do necessário foi menor. Nesse ano, com a economia a crescer menos que o previsto, o esforço além do acordado no Parlamento com os partidos foi de 460 milhões de euros.

O caldo terá entornado, especialmente com o Bloco de Esquerda, quando Mário Centeno apresentou a revisão do cenário macroeconómico para este ano. Nele, o ministro diz que espera que a economia cresça mais, mas que ainda assim, e mesmo com o resultado do ano passado, o défice terá de ser menor em duas décimas que o que aconteceu no ano passado, quatro décimas do PIB menor que o acordado no Orçamento. A diferença é de quase 750 milhões de euros.

O défice nunca esteve tão baixo, mas o resultado melhor que o esperado no ano passado não elimina as obrigações que Portugal tem com a União Europeia e o défice estrutural tem de continuar a descer até atingir o Objetivo de Médio Prazo, que é de um saldo estrutural (ou seja, sem contar com medidas temporárias ou efeitos do ciclo económico que afetem temporariamente as contas públicas) positivo na ordem dos 0,25% do PIB.

Esta tem sido a justificação apresentada por Mário Centeno aos parceiros para a necessidade de rever as metas para baixo quando o défice já é significativamente melhor do que aquele que se antecipava há apenas seis meses.

Por isso mesmo, o Governo não recuou nas metas que decidiu apresentar no Programa de Estabilidade, apesar da pressão pública aplicada pelo Bloco de Esquerda, e manterá uma meta de 0,7% do PIB para este ano, uma melhoria que ainda assim implica uma redução do défice (excluindo juros) inferior a 170 milhões de euros.

A concretizar-se neste montante, Mário Centeno terá ido além do acordado com os partidos (e que Bruxelas tem aprovado todos os anos quando analisa o Orçamento) na redução do défice em 2460 milhões de euros.

Défice zero antes do fim da legislatura?

O cenário poderia parecer pouco plausível no início da atual legislatura, mas a ambição de Mário Centeno de atingir um saldo equilibrado pode ser concretizada mais cedo.

No Programa de Estabilidade aprovado esta quinta-feira em Conselho de Ministros o Governo prevê que o saldo positivo nas contas públicas chegue apenas em 2020, um ano após o fim da atual legislatura, mas o défice previsto para o próximo ano ronda os 300 milhões de euros, ou 0,2% do PIB.

Neste mesmo cenário, o Governo está a contar com uma virtual estabilização dos custos do Estado com a dívida pública e uma execução dos planos à risca, algo que não tem acontecido nos últimos anos.

A redução dos custos com juros, em parte devido à melhoria económica e da perceção dos investidores sobre a economia portuguesa e também devido à estratégia de pagar antecipadamente o empréstimo do Fundo Monetário Internacional a Portugal, tem sido uma das maiores contribuições para a redução do défice acima do esperado desde que o atual Governo tomou posse.

No ano passado, por exemplo, Mário Centeno diz que o Estado teve que pagar menos 430 milhões de euros em juros da dívida pública do que o previsto no Orçamento do Estado para 2017 e que essa foi uma das maiores contribuições para a redução do défice, a par de receitas fiscais acima do esperado (receitas essas que voltaram a ser revistas em alta no Programa de Estabilidade para o ano em curso). O mesmo havia acontecido em 2016.

Também a execução do orçamento tem sido melhor que o esperado, com a não concretização de despesa prevista em cada um dos Ministérios tal como previsto no Orçamento. Em 2017, por exemplo, houve poupanças adicionais na ordem dos 370 milhões de euros só em áreas como o Trabalho e Segurança Social, Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, na Defesa e com os Órgãos de Soberania.

Se o padrão se mantiver este ano e no próximo, o saldo equilibrado pode chegar em ano de eleições, apesar do desagrado já manifestado pelos parceiros à esquerda no Parlamento.

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