Posted: 05 Apr 2018 02:31 AM PDT
Nos dias em que, no Brasil, se assiste a mais uma manifestação de judicialização da política - ou por palavras mais justas, a um claro acto de orientação política por parte de elementos da superstrutura judicial do velho Estado nunca desmantelado graças a uma transiçãopacífica - gostaria de dar imagem de outro caso semelhante mais próximo de nós.
Se dúvidas havia sobre uma sintonia entre os analistas políticos da TVE, a direita no Parlamento da Catalunha e os membros do Governo Rajoy, as imagens mostram-na de forma transparente. A moda Nancy Reagan continua a reinar, agora já reformatada. E de forma cada vez mais exaltada e acirrada.
Estranha e paulatinamente os elementos antidemocráticos, alçados em nome da defesa da Democracia, vão escorregando tão bem por entre nós, com apoio e cobertura de uma verdadeira internacional antidemocrática, com sede aparente em Bruxelas, cara de uma centralização europeia, comandada sabe lá Deus por quem... e que se vai transformando num simulacro de soberania popular em que apenas se vota o que alguém decide o que é permitido votar. E com o poder repressivo do Estado, desde aos serviços secretos até à Justiça.
Bem sei que não se compara (porque não?), mas dá-me sempre calafrios estes estados de letargia colectiva, de apatia de animais entorpecidos, de cabeça baixa durante anos e anos, porque me lembram como foi que - nas grandes democracias ocidentais - se foi aceitando que os nazis viessem buscar pessoas a casa. Ou a polícia política em Portugal e Espanha, logo no pós-segunda guerra mundial.
Não foi assim há tanto tempo.
Posted: 04 Apr 2018 07:29 AM PDT
Toda a gente sabe dizer mal da pobreza, da precariedade e da desigualdade.
Todos valorizam o voluntariado e gostam de dar uns sacos de plástico aos pobres, de ora em quando, ou à noite a quem dorme ao relento. Sabe tão bem: parece que somos úteis.
Até o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, há bem pouco tempo fez um discurso muito repetido na comunicação social. "Eu tenho vergonha”, afirmou ele. Até disse algo tão radical como: "É urgente juntar ao crescimento e ao emprego uma estratégia autónoma nacional de combate à pobreza, para a sua erradicação".
Ora, esta ideia da autonomia da pobreza é uma ideia errada porque dissocia os diferentes fenómenos da mesma causa - a eminente causa laboral. Como se os pobres medrassem nas cidades por autogeração, espontânea e até às vezes voluntária. Este pensamento tem se traduzido numa estratégia de combate autónomo aos pobres que tem, aliás, sido seguida - de forma mais ou menos acentuada - pelas políticas públicas, atacando apenas a juzante do problema.
Por isso, não é de estranhar que Portugal insista em ter - há décadas!! - mais de um quinto da população na pobreza. E tem ainda mais se não fosse o Estado a ajudar.
Mas quando alguém insiste em ligar o problema da precariedade laboral ao da pobreza, - fazendo eco de muitos estudos académico nesse sentido - aí o assunto é rapidamente empurrado para o quarto escuro da discussão política, de preferência acusando quem o suscita de ser comunista, radical de esquerda ou sindicalista da CGTP, o que é uma táctica muito Estado Novo de "resolver" o problema, mas tão actual entre nós.
Por isso, não é de estranhar que, ainda hoje o deputado do CDS António Carlos Monteiro, na audição do ministro do Trabalho sobre as alterações laborais em discussão, clamou que "a reforma laboral tem sido um sucesso". E lá voltou a repetir que foi essa reforma a suscitar o crescimento do emprego que hoje se sente. Ou seja, a reforma laboral de 2012 que aprovou uma longa lista de medidas, reduziu fortemente as retribuições salariais, aumentou o tempo de trabalho sem retribuição, acabou com o descanso compensatório por trabalho extraordinário, impediu a subida do SMN, asfixiou a negociação colectiva, abriu a porta à individualização da negociação, empresa a empresa, embarateceu fortemente o despedimento e ainda - pasme-se! - reduziu substancialmente os apoios aos desempregados...
Por isso, como alertou o próprio ministro,"é deveras impressionante que os beneficiários do subsídio social de desemprego inicial sejam pessoas que terminaram um contratos a termo sem direito a subsídio de desemprego e com condições de recursos que os habilitam a subsidio social de desemprego... "
Não é por acaso que as sociedades mais felizes - outra notícia muito divulgada na nossa comunicação social - está nos países nórdicos, que têm - ainda... - dos mais elevados níveis de sindicalização. E que esse nível de sindicalização vai de par com os mais elevados níveis de protecção no emprego. E que esses níveis de protecção no emprego andam de mão dada com o incentivo à contratação colectiva e com o papel dos sindicatos nessa negociação. Não é por acaso que nesses países se insista na protecção laboral e social como um bem colectivo.
Nada acontece por acaso e convém olhar para o que se tem feito em Portugal. Todos a legislação laboral tem evoluído - há décadas!! - no sentido de "partir a espinha" ao sindicalismo; de esvaziar e até asfixiar o papel dos sindicatos (de preferência substituindo-os por comissões de trabalhadores - às vezes promovidas pelo patronato como na AutoEuropa); de esvaziar a contratação colectiva, de facilitar uma contratação em trabalho temporário, reforçando uma negociação individualizada que se reflecte invariavelmente num despedimento individualizado por negociação (protegido pelo Código doTrabalho e como tal pago pela Segurança Social em subsídios de desemprego); de se encontrar formas variadas de contratação precária - e mal paga - em que o trabalhador perdeu todo o poder negocial; de esvaziar as entidades reguladoras (como a ACT) e de dificultar legalmente o papel da Justiça laboral, ao legitimar os despedimentos ilegais.
Também não é por acaso que não se quer olhar o problema de frente. É preferível que Portugal seja um país com produção integrada de pobres, a quem os protegidos distribuem sacos de plástico - algo, aliás, tão Estado Novo! Só dessa forma se poderá manter trabalhadores educados na ideia de que a sociedade é assim e deve ser assim - pobre e mal paga. Somos assim, nós os Portugueses, dizem. E quem não gostar, que emigre.
Mas esta foi a lógica que funcionou em Portugal há apenas uns 40 anos. É uma lógica que os filhos das personagens do Estado Novo herdaram e reproduzem no Parlamento como se defendessem, cega e automaticamente, o reino deixado pelos seus pais. Foi de lá que Marcelo veio e medrou. Vamos repetir tudo outra vez?
Está em discussão um conjunto de alterações laborais, introduzidas pela mão do Governo e cujos projectos legais ainda não são conhecidos. É bom que nos debrucemos todos sobre as implicações dessas alterações. Porque delas dependem milhões de pessoas. E o país.
Sem comentários:
Enviar um comentário