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terça-feira, 13 de novembro de 2018

Alcochete: ano zero para tolerância zero

  por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 12/11/2018)

Daniel

Daniel Oliveira

Bruno de Carvalho e Nuno Vieira (conhecido por “Mustafá”), foram ontem detidos. À hora que escrevo não é clara a razão da detenção, a um domingo, de alguém que se tinha apresentado voluntariamente. Nem a razão para se terem feito as buscas à casa da Juventude Leonina e detenção do seu líder minutos antes do início de um jogo do Sporting.

Bruno de Carvalho e “Mustafá” são o 39.º e o 40.º arguidos no caso do assalto a Alcochete. Só foi surpresa para quem não estava atento à tentativa de o Sporting acelerar acordos de rescisão com os jogadores que foram embora. Todos sabíamos, e Frederico Varandas seguramente também, que este dia acabaria por chegar. E que a situação do Sporting ficaria mais difícil. Pelo menos na negociação com os jogadores que foram agredidos. Rui Patrício foi a tempo, Gelson Martins não sabemos. Já casos como os de Daniel Podense e Rafael Leão pareciam, na entrevista que fiz ao presidente do Sporting, não preocupar a direção do clube, convencida de que irá a tribunal e vencerá.

Pode parecer insensível que, neste momento, eu esteja a escrever sobre o enorme prejuízo financeiro que o ataque a Alcochete pode vir a ter para o clube de que sou sócio. É verdade que o prejuízo moral é muitíssimo maior. Para o Sporting e para o país. Mas disso os sportinguistas trataram quando fizeram uma assembleia de destituição e mudaram de presidente. Ninguém pode dizer que foram cúmplices do que ali se passou. Reagiram como poucos sócios de poucos clubes reagiriam. Fizeram a sua parte. Resta à Justiça fazer a sua e ao clube criar as condições para que nada disto volte a acontecer.

Até isso acontecer, Bruno de Carvalho é inocente. Cada um terá as suas suspeitas e eu há muito tenho as minhas. Fundadas em factos e em indícios. Elas pesaram para o meu empenho público em afastar Bruno de Carvalho o mais depressa possível da presidência do Sporting. A cumplicidade do presidente com o ataque selvático contra os jogadores esteve sempre lá, quando tentou responsabilizar as vítimas por aquele ato criminosos. E isso para mim chegaria para que aquele homem não pudesse continuar à frente do clube. Mas a minha suspeita vai, sempre foi, um pouco para lá disso. O tempo e a Justiça dirão até que ponto este homem prejudicou o Sporting.

Do meu lado, farei o que posso no clube de que sou sócio: contribuir para que uma maioria menos ruidosa deixe de ser confundida com hooligans que usam o futebol para negócios ilegais, arregimentação de fanáticos e o puro prazer da violência. Que a vergonha de Alcochete sirva ao menos para isto

Bruno de Carvalho e o líder da Juventude Leonina responderão perante a Justiça. Ao Sporting cabe, para além de finalizar o processo disciplinar contra o antigo presidente, pôr as claques na ordem. Frederico Varandas deu, depois do último jogo em Londres em que os jogadores foram de novo intimidados, sinais de que isso iria acontecer. De que uma pequena minoria de adeptos não continuará a ter um clube como refém. Como mostram os últimos confrontos no final do jogo entre o Benfica e o Ajax, e tantos e tão lamentáveis episódios ao logo da história do nosso futebol, está bem longe de ser o único clube a ter de o fazer. Há clubes que nem sequer a lei, que obriga ao registo das claques, cumprem. Do meu lado, farei o que posso no clube de que sou sócio: pressionar para que uma maioria menos ruidosa deixe de ser confundida com hooligans que usam o futebol para negócios ilegais, arregimentação de fanáticos e o puro prazer da violência.

Não tenho contra a existência das claques. Apenas defendo que, para além de poderem entrar com bandeiras e material semelhante no estádio onde têm lugar marcado, não devem ter qualquer privilégio. E, acima de tudo, devem deixar de ser intermediárias na venda de bilhetes ou serem usadas como guardas pretorianas de presidentes. As claques, a existirem, não podem ser um negócio. E os presidentes, a terem relações com elas, têm de mostrar quem manda. São eles, em nome dos sócios. De todos os sócios.

Só no fim saberemos o que realmente aconteceu a Alcochete. Mas, de uma forma ou de outra, é provável que se tenha juntado a fome das claques à vontade de comer de um presidente-adepto. E uma promiscuidade de relações, que aproximam as direções dos três grandes clubes da criminalidade pura e dura. Que se cumpra a promessa do presidente da nova autoridade contra a violência no desporto: pôr fim à impunidade que mantém clubes e adeptos reféns desta gente. Ao ponto de se confundirem com ela. Com mão realmente pesada contra cada clube, sempre que os seus adeptos provoquem incidentes. Vão ver como serão as direções a pôr ordem na casa. Que a vergonha de Alcochete sirva ao menos para isto.

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