43 anos depois. Mas mais vale tarde do que nunca.
.
Qualquer dia os nórdicos só querem gajas e copos.
por estatuadesal
(Pedro Tadeu, in Diário de Notícias, 04/07/2018)
(Em relação ao tema deste artigo, não resisto em referir o epíteto que o Jumento, no seu Blog, propõe para António Costa, a saber, Um Passos Coelho porreiro:
"...As sacanices do Passos era à filho da mãe, as do António Costa são ao estilo do gajo porreiro. A prazo o resultado é o mesmo, António Costa deu aquilo que estava obrigado e agora tira com a outra mão o que aparentemente tinha dado." (Ver aqui).
Comentário da Estátua, 04/07/2017
Quando o primeiro-ministro António Costa decide ir cortar uma fita, para publicitar o início das obras de melhoria do IP3, não está a fazer nada de original na história da governação deste país: afinal não há fontanário, estatueta ou passeio público, construídos dentro destes 92.212 quilómetros quadrados de terreno a que chamamos Portugal, que não tenham merecido cerimoniais inaugurativos com a presença das mais altas e prestigiadas individualidades. É uma tradição.
Quando o primeiro-ministro António Costa fica a saber por um dos autarcas presentes no evento, o presidente da Câmara Municipal de Viseu e social-democrata Almeida Henriques, que aquela era já a quarta vez que se fazia uma cerimónia a anunciar o início das obras de melhoria do IP3, não está a ser confrontado com algo de anormal: de certeza que, daqui até ao final de 2022, quando as obras ficarem concluídas, vários grupos de governantes, de hoje e de amanhã, regressarão a essa estrada para cortar outras fitas a um ritmo de, pelo menos, uma dúzia de cada um dos 75 quilómetros de intervenção - e assim tratarão de glorificar para a lente de TV mais próxima a sua proverbial sabedoria na gestão dos bens públicos. Sempre foi assim. É uma tradição.
Quando o primeiro-ministro António Costa garante que os 134 milhões de euros para pagar este arranjo, essencial, são um investimento que serve para o Estado "salvar vidas" ao "assegurar a segurança rodoviária" numa parte da longa tira de alcatrão que leva as pessoas da Figueira da Foz, na costa atlântica, até Vila Verde da Raia, na fronteira com Espanha, não está a ser original: são incontáveis, na história desta nação, os casos de governantes capazes de cobrar à opinião pública medidas capazes de poupar portugueses a um confronto inesperado com a morte. Esta ocasião até nem era das mais disparatadas para o fazer, dado o trágico registo de acidentes dos troços em causa. Os políticos não perdem uma ocasião para mostrarem que se preocupam connosco, é uma tradição.
Quando o primeiro-ministro António Costa afirma que a decisão de avançar com este investimento implica "que estamos, simultaneamente, a decidir não fazer outra obra", para acrescentar que "quando estamos a decidir fazer esta obra, estamos a decidir não fazer evoluções nas carreiras ou vencimentos" está a seguir uma velha tendência do breviário político luso, capaz de misturar alhos com bugalhos para obter, nas audiências, um efeito sonante. É uma tradição.
Acontece, porém, que a discursata do líder do executivo liga diretamente os 134 milhões de euros a gastar pelo Estado numa via rodoviária com a limitação da despesa com funcionários públicos. Esta comparação legitima todas as outras comparações equivalentes anteriormente feitas por sindicatos, grevistas, militantes da oposição, dirigentes partidários, adversários, colunistas de cadastro diverso, tantas vezes apelidados pelos governantes de "populistas", "demagógicas", "irresponsáveis" ou, pretensiosamente, "tecnicamente erradas".
Gostaria, portanto, de perguntar ao primeiro-ministro, depois de colocar nos dois pratos da balança a reparação de uma pequena parte dos 279 quilómetros totais do percurso do IP3, precisamente a zona que não é autoestrada (e continuará a não ser) e, no outro prato da balança, os aumentos salariais reivindicados por cenetans de milhares de trabalhadores, o que acha se nessa balança colocássemos outros ingredientes? Dou só três exemplos:
1 - O custo anual de 400 a 600 milhões de euros com a contagem total de tempo de carreira dos professores num prato e, no outro prato, o gasto de 768 milhões de euros, no último ano, mais mil milhões de euros a gastar pelo Estado este ano (e não se sabe o que se segue daí para a frente) com bancos falidos.
2 - O perda pelo Estado de 700 milhões de euros na arbitragem de conflitos com a Parcerias Público-Privadas num lado com a recusa ou adiamento das obras que tornem decente o hospital pediátrico de São João no outro lado dessa balança.
3 - O aumento da dívida do Estado que, ao contrário das promessas, subiu para um recorde de 250,3 mil milhões de euros comparado com a falta de equipamentos de proteção e combate aos fogos florestais também anteriormente prometidos a bombeiros e militares.
É demagógico fazer estas comparações? Talvez, mas estão ao mesmo nível das comparações que o primeiro-ministro fez ao cortar as fitas das obras do Itinerário Principal 3.
António Costa, no entanto, tem razão numa coisa: governar um orçamento do Estado é fazer escolhas, é decidir onde se pode ou não gastar o dinheiro dos contribuintes.
Infelizmente, pelo que tem dito e feito nos últimos tempos, António Costa optou pela banalidade e faz o mesmo tipo de escolhas de outros senhores de outros tempos, que consumiram imensos recursos do Estado numa visão desfocada do bem comum. Vi isso nos tempos de Sócrates. Vi isso nos tempos da troika. Vi isso nos tempos de Vítor Gaspar. Vi isso nos tempos de Maria de Lurdes Albuquerque. Vi isso nos tempos de Pedro Passos Coelho. Oiço agora isso das bocas de Mário Centeno e de António Costa. É uma tradição.
por estatuadesal
(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 04/07/2018)
Daniel Oliveira
Quando foi a crise financeira convencemo-nos que era por causa da Alemanha que nada se podia fazer. Em parte é verdade: o euro foi desenhado à medida das necessidades e receios de Berlim, a resposta à crise foi limitada pela necessidade de resgatar a banca alemã e francesa da exposição às dívidas soberanas dos países periféricos e muito do que se decide no Banco Central Europeu é, apesar de algumas momentos excecionais, determinado pelos tabus alemães. Mas é otimismo pensar que a vontade de um Estado é mais importante do que todos os interesses privados, sobretudo os do poder financeiro, que se movem em Bruxelas. Foi a confluência do poder dos Estados mais fortes da Europa e do poder financeiro que determinou aquilo que a Europa fez e não fez para enfrentar a crise de 2008-2011. E foi o que fez e o que não fez que criou as condições para o crescimento exponencial de movimentos de extrema-direita.
Mas tivemos, na última cimeira do Conselho Europeu, a oportunidade para relativizar o poder alemão. Merkel precisava de um acordo mas, como se viu, estava disposta a ceder em toda a linha, externa e internamente. Podemos disfarçar, mas António Costa explicou de forma clara: “O Conselho não fez mais do que mandatar a Comissão e o Conselho para dialogarem com as Nações Unidas, com a Organização Internacional para as Migrações, com países terceiros para explorar uma ideia, e nada mais do que isso”. E o que se empurrou com a barriga não é mau, é péssimo. Quando o primeiro-ministro do Governo italiano, um fantoche da Liga e dos idiotas úteis do 5 Estrelas, diz que “este Conselho Europeu marca o início de uma Europa mais responsável” estamos conversados.
O que sai desta cimeira são as plataformas de desembarque, os centros controlados e o reforço da vigilância das fronteiras. Não é qualquer política de solidariedade entre Estados para acolher os refugiados, até porque a extrema-direita do Leste deixou claro que não daria nada para esse peditório. A maioria das plataformas de desembarque deverão funcionar em países exteriores à UE. A ideia de garantir um circuito oficial que seja uma alternativa ao negócio dos passadores seria excelente. Mas a “estreita cooperação com países terceiros” denuncia a repetição do vergonhoso acordo com a Turquia para que países sem qualquer respeito pelos direitos humanos recebam os refugiados, em troca de dinheiro, para os conter fora da Europa, em centros de detenção degradantes. Não é difícil imaginar o que é ter o Egito, a Líbia ou a Argélia a garantirem a segurança destes migrantes.
A União Europeia que realmente existe está muito mais próxima de Órban do que de Tsipras. O primeiro é integrável sem ceder um milímetro, o segundo só o foi quando se vergou. E é por isso que as lições europeias a Trump só me provocam um sorriso amargo. Diz o roto ao nu...
Os centros controlados, para receberem pessoas resgatadas em operações de salvamento e selecionar refugiados entre os migrantes irregulares (a serem recambiados ao seu destino), parecem encaminhar-se para centros de reclusão de imigrantes. E os meios financeiros e materiais da UE serão canalizados para o controlo de fronteiras. Perante a tragédia humana que está à nossa frente, a prioridade é para impedir a entrada e “intensificar significativamente o regresso efetivo de migrantes irregulares” à sua origem. É para políticas de regresso que se podem meios e nova legislação. Todos os problemas são para ficar para lá das fronteiras europeias. Quanto a uma Europa solidária para receber em conjunto os refugiados, nada.
O que saiu do Conselho Europeu encaminha tudo para a repetição do acordo com a Turquia no norte de África, a contenção de imigrantes do outro lado da Mediterrâneo, a construção de centros de detenção e toda a prioridade à intensificação do regresso compulsivo. A extrema-direita de Órban e Salvini não se limitou a impedir qualquer solução. Foi o confronto entre a extrema-direita do Leste e a extrema-direita italiana que encaminhou a Europa para as suas soluções. E provou que a Alemanha não é imbatível. A diferença é que a extrema-direita é bem mais firme na defesa da sua sinistra agenda do que a esquerda foi quando era preciso garantir a coesão europeia e a solidariedade com os países do sul. Mesmo nesta última cimeira, os governos de extrema-direita foram claros ao explicar que vetariam um conclusão se não fosse a que desejavam. Já Costa bracejou, protestou e assinou. A diferença é que a União que realmente existe está muito mais próxima de Órban do que de Tsipras. O primeiro é integrável sem ceder um milímetro, o segundo só o foi quando se vergou.
E isto aconteceu apesar de, supostamente, Merkel e Macron terem como bandeiras humanistas uma política diferente para a imigração. Continuem a pôr as fichas em quem, na última década, fez tudo para minar qualquer sentimento de dever solidário entre os europeus, impondo às vítimas da crise o egoísmo alemão, e num boneco cheio de retórica cosmopolita desde que a França esteja primeiro, e não iremos muito longe. Quando os seus egoísmos não estão em causa, a Alemanha amocha e a França é a França. Mandam os Salvini, os Órban e todos os que mostram ao Mundo o verdadeiro rosto da Europa. E é por isso que as lições europeias a Trump só me provocam um sorriso amargo. Diz o roto ao nu...
É um negócio de milhões de dólares entregue a organizações sem fins lucrativos, empresas e grupos religiosos. O The New York Times descobriu ligações entre estas entidades e a administração Trump.
MICHAEL REYNOLDS/EPA
Desde que Donald Trump pôs em prática a política de “tolerância zero” para com famílias de sul-americanos que tentam entrar ilegalmente nos Estados Unidos, o número de pessoas retidas em centros temporários à espera de serem repatriadas disparou. Uma investigação do The New York Times concluiu que muitos dos responsáveis destes centros — que nos últimos anos receberam apoios públicos de mais de mil milhões de dólares — têm fortes ligações a elementos da Administração Trump.
A secretária de Estado da Educação (o equivalente a uma ministra daquela área) financia um dos grupos que gerem estes centros de detenção temporária, ou abrigos, como também são designadas as instalações onde os migrantes são retidos — locais que, nas últimas semanas, estiveram sob particular escrutínio depois de ser tornado público que pelo menos dois mil menores tinham sido separados das suas famílias. O secretário de Estado da Defesa é outro dos responsáveis políticos do Governo norte-americano com estreitas ligações a estes grupos, uma vez que chegou a ter assento no conselho de administração de uma dessas instituições.
A gestão destes mais de 100 centros, refere o The New York Times, levou a que nos últimos anos tivessem sido feitas transferências de mais de mil milhões de dólares do Governo norte-americano para estes grupos (entre organizações sem fins lucrativos, empresas e confederações religiosas). A política de gestão de fronteiras é determinada por decisão do Governo dos EUA, naturalmente, mas a gestão dos centros de detenção e abrigos é entregue a organizações da sociedade civil, que ficam encarregues não apenas do alojamento mas também do transporte e da vigilância destes cidadãos estrangeiros.
O artigo publicado esta quarta-feira no The New York Times faz uma ressalva: não há qualquer dado que aponte para favores ou jogadas de influência políticas junto do Departamento de Serviços de Saúde e Humanos, a entidade pública que entrega a gestão dos centros às organizações da sociedade civil. Aliás, muitas destas entidades já estavam ligadas à gestão destes centros no tempo em que Barack Obama era presidente dos EUA.
No entanto, há um dado que também é relevado pelo jornal norte-americano: a política de “tolerância zero” imposta por Donald Trump fez subir os números de pessoas detidas temporariamente nestes centros. E esse número não vai diminuir com a mudança (forçada) de paradigma da Administração Trump, que recuou na decisão de manter separados das suas famílias pelo menos dois mil menores sul americanos (na sua maioria, crianças e jovens mexicanos), porque os menores que sejam apanhados a cruzar a fronteira sudoeste sozinhos vão ser encaminhados para estes mesmos centros.
A Bethany Christian Services, com ligações à responsável política pela área da Educação, disse ao The New York Times estar “profundamente abalada e preocupada” com a política de “tolerância zero” do Governo norte-americano e ao reforço do policiamento na fronteira com o México.
Acreditamos que todas as crianças devem estar com as suas famílias”, referiu o grupo que assegura a prestação de serviços sociais.
As ligações entre os donos deste negócio privado, sustentado com dinheiros públicos, e Donald Trump não se esgotam nas ligações a elementos do seu Governo. Há empresas que financiaram diretamente o atual presidente dos EUA.
São os casos da Geo Group e da CoreCivic, que gerem prisões privadas no país e, também, centros de detenção de famílias em situação ilegal no país. Cada uma delas doou 250 mil euros para o fundo de onde saíram as verbas que serviram para pagar as cerimónias (entre jantares, bailes e outros eventos) que decorreram no momento da tomada de posse do presidente, em janeiro de 2017.
View of a temporary detention centre for illegal underage immigrants in Tornillo, Texas, US near the Mexico-US border, as seen from Valle de Juarez, in Chihuahua state, Mexico on June 18, 2018. – Mexico strongly condemned US President Donald Trump’s administration Tuesday for its policy of separating immigrant children and parents detained after crossing the US-Mexican border, calling it “inhuman.” (Photo by HERIKA MARTINEZ / AFP) (Photo credit should read HERIKA MARTINEZ/AFP/Getty Images)
Além disso, a Geo Group — que habitualmente transfere largas milhares de euros para Democratas e Republicanos, com predominância para os últimos — contratou um lobista que representou as empresas que gerem os campos de golfe de Donald Trump na Florida antes de este se ter tornado presidente dos EUA. O registo da empresa desse lobista, Brian Ballard, refere que o seu foco estava na área de “legislação sobre imigração”.
Em comunicado, a Geo Group diz que “cuidou exclusivamente de mães, juntamente com os seus filhos, desde 2014, quando [a detenção] foi consagrada pela administração Obama”.
A Bethany Christian Services também rejeita a ideia de oferecer algum apoio à política de separação de famílias de imigrantes.
Décadas de trabalho duro deram-nos o conhecimento necessário para apoiar crianças e famílias em crise”, referiu a entidade em comunicado.
“Estando extremamente agradecidos aos nossos doadores e apoiantes, a ideia de que um qualquer indivíduo ou uma organização poderia levar a que mudássemos as nossas práticas é simplesmente falsa e diminui o incrível trabalho de todas aquelas famílias fortemente focadas no bem-estar de crianças deslocadas”, acrescenta o documento citado pelo New York Times.
CCC Indy@CCCathedralIndy
On our lawn tonight we placed The Holy Family...in #ICE detention. #Immigration
06:13 - 3 de jul de 2018
Tratamentos que exploram as potencialidades do sistema imunitário para combater o cancro - a chamada imunoterapia - são uma aposta em expansão em todo o mundo. Agora, uma equipa de cientistas dos Estados Unidos desenvolveu uma forma de colocar o organismo a "comer" e a destruir as células cancerígenas. Saiba como.
Macrófagos a devorarem bactérias DR
O novo tratamento aumenta a capacidade de ação dos glóbulos brancos, os macrófagos, que o sistema imunitário utiliza para aniquilar invasores indesejados como vírus e bactérias.
Os primeiros testes em ratinhos mostraram que a terapia funciona em tumores agressivos de mama e pele, lê-se no estudo publicado na revista científica Nature Biomedical Engineering.
Ver artigo
Segundo a BBC, a equipe norte-americana responsável pelo estudo quer iniciar testes em humanos dentro de poucos anos. O facto deste novo mecanismo já possuir licença de utilização - dizem os investigadores - pode acelerar o processo de aprovação para estudos de fase clínica, fase 2 e fase 3.
Sabe-se que os macrófagos ajudam a aniquilar infeções bacterianas e virais porque podem reconhecer e atacar os "corpos invasores". São, porém, incapazes de combater o cancro, uma vez que os tumores crescem a partir de células do ser humano que têm mecanismos inteligentes para se esconderem dos ataques do sistema imunitário.
Agora, a equipa do médico Ashish Kulkarni, da Universidade de Massachusetts e da Faculdade de Medicina da Universidade de Harvard, conseguiu inibir uma proteína que impede os macrófagos de destruírem alguns tipos de tumores oncológicos.
Ver artigo
Ou seja, o mecanismo utilizado por Ashish Kulkarni impede as células cancerígenas de se esconderem dos macrófagos. Por outro lado, impede que o tumor anule a ação devoradora dos macrófagos.
Esta técnica desenvolvida por Harvard implica que os macrófagos depositem ainda uma droga nas células cancerígenas, destruindo-as. Em ratinhos, a terapia impediu que melanomas e cancro de mama crescessem e metastizassem.
"Percebemos que, se conseguirmos reeducar os macrófagos e inibir a proteína (...), poderíamos estimular o equilíbrio dos dois tipos de macrófagos [que temos], aumentando a sua proporção dentro do tumor e inibindo o crescimento do mesmo", esclarece o autor principal do estudo numa nota publicada no site da universidade.
… O que é incompreensível é que a opinião pública europeia (e aqui as redes sociais reflectiram integralmente a comunicação social profissional) se multiplique em inúmeras declarações sobre o folhetim mexicano e faça um total silêncio sobre o muro pago pelo orçamento europeu e feito pela Turquia.
A notícia merece um diminuto espaço no Diário de Notícias de dia 2 de Julho e, curiosamente, tem como fonte a “Organização Internacional das Migrações” que até à recente eleição de Portugal para a sua direcção geral era relativamente pouco conhecida entre nós: duzentos e quatro emigrantes morreram afogados ao tentar atravessar o Mediterrâneo para a Europa só neste fim-de-semana.
São centenas que se juntam a muitos milhares que soçobraram nesta travessia nas últimas décadas, e que se juntam a um número não contabilizado mas que tudo indica que é superior dos que morrem na travessia do deserto, dos que são mortos em inúmeras fronteiras – como no enorme muro turco junto à fronteira com a Síria financiado pelo orçamento europeu – dos que são presos antes de atravessar ou mesmo dos que são remetidos à escravidão num negócio que se tornou cada vez mais importante em países como a Líbia.
Na verdade o drama não é novo nem se limita às fronteiras marítimas europeias. O fenómeno foi especialmente agudo na segunda guerra mundial e manifesta-se um pouco por todo o mundo, desde as costas da Austrália onde iranianos e outros refugiados são remetidos a campos de concentração em ilhas afastadas, às vagas de fugitivos do Sudeste asiático e aos que fogem sobretudo da América Central para os EUA através do México.
As guerras, por vezes catástrofes naturais, a ditadura e perseguição de opositores ou de etnias e religiões, a miséria e por vezes a simples vontade de ascender a um mundo melhor, levam as populações a fugir.
É claro também que muitas migrações se fazem de forma agressiva e com o espírito de ocupação, como também é verdade que outras se fazem por puro espírito de aventura e de descoberta de novos horizontes.
A realidade é normalmente feita de uma composição de vários destes elementos, não sendo aconselhável metê-los a todos no mesmo caldeirão.
Os portugueses têm sido particularmente activos no domínio migratório, e por motivações diversas, como têm também sido resultado de múltiplas migrações, desde as do tempo da “reconquista” e das cruzadas aos do Império, até mesmo aos da actualidade em que por razões diversas acolhemos significativas comunidades estrangeiras, por exemplo, de ucranianos ou de bengalis.
Começando pelo fim, creio que seria dramático que ninguém quisesse imigrar para o nosso país, e o mesmo princípio de resto se aplica – com naturais diferenças – às deslocalizações internas, porque isso quereria dizer que a nossa realidade não despertaria nenhum interesse ao resto da humanidade.
Posto isto, é natural que tão pouco queiramos ser invadidos, ou que se possam vislumbrar limites à capacidade de integração. Sendo certo que estamos perante realidades propícias à cultura de psicoses colectivas, temos de ter em conta que não temos todos de ter a mesma atitude perante o fenómeno, em especial uma atitude dogmaticamente ditada por cartilhas de correcção social,
Para o entender, nem é necessário olharmos para o movimento “populista” que varre o Ocidente, basta vermos o que se diz a propósito de uma pretensa invasão da baixa lisboeta pelos turistas que teriam levado ao êxodo dos alfacinhas, que reflecte a mesma obsessão xenófoba que procura ver noutros as razões dos nossos problemas.
Citando de cor as estatísticas, Lisboa perdeu quase metade dos seus habitantes em menos de cinquenta anos, a partir de meados do século XX. Eu, com os meus 4 a 5 anos, no princípio da década de sessenta, acompanhava semanalmente a minha mãe a uns chás em que ela participava com umas senhoras mais idosas do que ela que viviam na Rua da Conceição. Era assim que eu ia regularmente à baixa lisboeta e ficava horrorizado com aqueles vetustos prédios, vários em ruínas, todos a precisar de remodelação urgente, aquelas lojas que pareciam doutro tempo e as gentes que eram quase todas idosas.
A velha Lisboa desertificou-se por razões que nada têm a ver com o turismo e bem pelo contrário foi o turismo que a fez rejuvenescer.
Posto isto, é claro que as coisas não são sempre iguais independentemente do ponto em que são vistas. Para quem quiser morar em Lisboa, mesmo se é verdade que a baixa da cidade se encontra renovada, é claro que agora se paga muito mais do que se pagava antes. Terminou o regime de condicionamento das rendas, feito pelo salazarismo mas continuado pela democracia, enquanto os poderes públicos não respondem ao incremento da procura com um urgente programa de construção de habitação.
Para a economia nacional, a chegada de imigrantes vindos de ambientes de grande pobreza e dispostos a trabalhar duramente por remunerações que são para nós miseráveis mas para ele muito superiores ao que conheciam, pode ser um grande estímulo, mas é evidente que para um trabalhador indiferenciado, isto se repercute numa ameaça clara aos seus rendimentos.
Quer portanto isto dizer que não é boa política ignorar as razões subjectivas ou objectivas que podem estar por trás da resistência à migração – seja por turistas seja por trabalhadores – e pior ainda é juntar a indiferença à arrogância das lições de moral de quem por uma razão ou outra não é afectado pelos fenómenos sobre os quais prega.
Acima de tudo, e para quem quer que tenha um mínimo de valores humanistas, é absolutamente intolerável que se ergam muros, se dispare, se deixe morrer quem foge da guerra da perseguição e da fome e é fundamental não deixar que este estado de coisas se torne na regra. Pior do que isso, é fazer de conta que o problema não é nosso mas é só dos outros, e é isto que me parece especialmente lamentável no que se passa entre nós.
O actual Presidente norte-americano faz parte da mesma onda populista que é hoje claramente maioritária no Leste da EU; que fez o Brexit; que ganhou as eleições italianas e que pode fazer cair o governo alemão a qualquer momento.
Num estilo vernáculo típico do populismo, o presidente norte-americano tem-se esforçado por dar uma imagem de grande dureza em relação à migração, imagem que foi crucial para a sua vitória eleitoral.
Por essa razão, não só não se demarcou, mas chamou mesmo a si os louros de políticas como as da proibição genérica de vistos a naturais de países onde floresce o jihadismo (ou mesmo a quem passe por esses países) ou as da prisão automática de quem tenta passar ilegalmente a fronteira (e com a separação dos progenitores dos menores para estes não ficarem sob prisão) apesar de se tratar de iniciativas do poderoso departamento do interior e segurança que já existiam na administração anterior.
Na verdade, acabou por ter de recuar no seu apoio explícito a essa política, dando uma ordem executiva para acabar com essa separação das crianças dos seus pais pelo facto de mesmo a primeira-dama ter vindo a público condenar essa separação.
O mesmo acontece em relação ao muro com o México, que como qualquer pessoa minimamente informada sabe, existe há já muitos anos em grande parte da fronteira. Donald Trump, em vez de discretamente ter deixado que continuasse a sua construção, como fizeram os seus antecessores, resolveu reclamar a sua construção e pagamento pelos vizinhos mexicanos, e agora pelas autoridades federais supostamente equilibrando as contas com supostos lucros da política comercial proteccionista com o México.
Tudo isto é interessante, sobretudo do ponto de vista da comunicação política, agora o que é incompreensível é que a opinião pública europeia (e aqui as redes sociais reflectiram integralmente a comunicação social profissional) se multiplique em inúmeras declarações sobre o folhetim mexicano e faça um total silêncio sobre o muro pago pelo orçamento europeu e feito pela Turquia.
Enquanto no México há problemas graves mas não há um governo que bombardeie populações civis – incluindo com armas químicas – e os guardas fronteiriços americanos, por piores que sejam, têm instruções estritas de não disparar sobre civis desarmados, é isso o que se passa na Síria e na fronteira desse país com a Turquia.
Com a comédia mexicana, trata-se de utilizar os problemas dos outros para esconder os que se têm; trata-se de pura hipocrisia política; trata-se ainda de pensar que a retórica pode substituir a realidade ultrapassando os problemas, quando a primeira condição para que os problemas possam ser resolvidos é assumir que eles existem.
O resultado da ausência de estratégia política para os nossos vizinhos do Sul, da política de apaziguamento com ditadores sanguinários e com a teocracia iraniana que alimenta as várias guerras civis na região, traduz-se em refugiados que as nossas instituições europeias apenas procuram que se mantenham longe, atrás de muros, gaseados, baleados ou afogados, pouco interessa.
Não haverá solução duradoura para esta crise que salvaguarde os nossos valores humanistas sem fazer frente às limpezas étnicas, sociais ou religiosas e sem investir no desenvolvimento sustentável que mitigue os enormes desequilíbrios humanos que nos rodeiam e, sobretudo, sem acabar com a hipocrisia como guia de acção política.
É isto que temos de entender aqui e agora.
perto de 8000 milhões correspondem a operações ordenadas a partir do colapsado Banco Espírito Santo (BES), sendo que 98% dos fluxos de capital colocados em offshores em 2014 (o ano da derrocada do banco) ficaram omissos da base de dados.
As coincidências começam logo aqui. Havia um banco em vias de ser intervencionado e 98% das transferências do BES para offshores caíram no apagão. Sendo que 80% do apagão corresponde ao BES.
O “apagão” que se verificou no registo das transferências realizadas de 2011 a 2014 só ocorreu consecutivamente em três dos quatro anos nos ficheiros informáticos XML submetidos por dois bancos, o BES e o Montepio. O relatório de auditoria elaborado pela Inspecção-Geral de Finanças (IGF) – que atribui os erros a uma “combinação complexa de factores tecnológicos” e considerou “improvável” ter existido mão humana no processamento parcial dos dados – referiu que os problemas aconteceram em três anos apenas em duas entidades financeiras.
Eis a coincidência explicada. Uma "combinação complexa de factores tecnológicos". Com improvável intervenção de mão humana. Será, então, à mão divina a quem devemos apontar culpas? Na minha terra, o software ainda não nasce sozinho e há erros que vêm mesmo a calhar.
E o fisco, tão eficaz a lembrar-me que tenho uma factura para confirmar se o soro que comprei no supermercado tem receita médica ou não, deixa passar um buracão destes em três anos consecutivos?
Só tenho pena que estas coincidências tenham apenas incidência em possuidores de contas em offshores. Espero que o Bloco de Esquerda detecte esta desigualdade e que, prontamente, proponha uma lei para todos terem a sua conta fora de terra.
As citações são de uma notícia do Público.
A «bolha do insucesso» de Nuno Crato (I)
Posted: 03 Jul 2018 06:30 PM PDT
Foram há dias divulgados os valores de retenção e desistência no ensino básico e secundário relativos a 2016/17. Os progressos registados, em todos os anos e ciclos de ensino, tornam hoje mais nítida a inversão da tendência de redução do insucesso escolar ocorrida durante o consulado de Nuno Crato. De facto, de taxas a rondar em 2001 os 18% (total), 13% (ensino básico) e 40% (secundário) passou-se, respetivamente, para valores na ordem dos 11%, 8% e 21% entre 2008 e 2011, voltando a retenção e desistência a subir nos anos seguintes (em particular no básico), já com Crato na 5 de outubro. Desde 2015, contudo, foi retomada a trajetória de diminuição do insucesso, atingindo-se em 2016/17 os valores mais baixos de retenção e desistência registados desde 2001 (8% no total, 6% no básico e 15% no secundário).
Torna-se portanto hoje mais difícil a José Manuel Fernandes alegar, de novo, que «Nuno Crato entregou» em 2015, ao atual Governo, «um sistema com menos retenções do que aquele que herdou em 2011» (como se nada se tivesse passado entre essas duas datas). E por isso também já não será necessário pedir à atual maioria que «não estrague», com um «ataque (...) suicida e criminoso», as políticas do Governo anterior. Pode ficar descansado, José Manuel. Como vê, a bolha de insucesso que a direita gerou já faz parte do passado.
É claro que nós sabemos de onde vem tanta (e tão indisfarçável) revolta: acabou-se com a «jóia da coroa» do Cratismo, os exames finais do 4º e 6º ano. Isto é, uma decisão que consagrou, entre outras, a rutura com uma conceção retrógrada de ensino e aprendizagem - como era a do anterior Governo - orientada para a memorização e para o empobrecimento curricular e que desvaloriza a prioridade à compreensão e a aquisição de competências. Dirão que é o regresso do «eduquês», do «facilitismo» e da «década perdida». Sim, da tal «década perdida» que conduziu aos muito bons resultados do PISA em 2015, obtidos por alunos que, manifestamente, não frequentaram a escola de Crato.
Posted: 03 Jul 2018 06:52 AM PDT
Todos os temas são justos de ser debatidos.
Mas há uns mais importantes e mais urgentes do que outros. E nesses nem sempre a clivagem se faz entre a esquerda e a direita, mas colocando certa direita do lado de certa esquerda e certa esquerda do lado de certa direita, o que revela que essa clivagem passa por outras razões.
Refiro-me à discussão da sustentabilidade da dívida pública.
Por proposta do PCP, foi criado um grupo de trabalho no seio do Parlamento sobre a sustenbilidade da dívida pública e externa. Foram ouvidas diversas entidades e até era importante tentar realizar uma compilação de tudo o que foi dito. Mas para já, refira-se apenas duas audições realizadas no mesmo dia, a 26/6/2018.
Uma, com Manuela Ferreira Leite, militante do PSD, ex-secretária de Estado do Orçamento de Cavaco Silva, uma polémica ministra das Finanças de Durão Barroso (foi ela quem assinou o contratro com o Citigroup para a titularização das receitas fiscais e aceitou as acções do SL Benfica como garante da dívida do clube).
Outra, com Carlos Costa, que como se pode ver no CV oficial, esteve na base da desregulação do sector financeiro nos anos 80, foi coordenador económico do governo Cavaco Silva em Bruxelas quando Ferreira Leite era secretária de Estado, foi chefe de gabinete do comissário João de Deus Pinheiro, foi um polémico director-geral do BCP durante 4 anos, foi contratado por outros bancos, e finalmente nomeado governador do Banco de Portugal, onde teve um desempenho polémico.
Pois, estas duas pessoas que vêm do mesmo quadro partidário, têm - vá-se lá saber porquê – opiniões diferentes sobe o tema.
Ferreira Leite - subscritora do Manifesto dos 70 - afirma claramente que “não é possível pagar a dívida” pública. “Porque todos os cálculos se baseiam em taxas de juro, défices primários e taxas de crescimento que dificilmente se verificarão. Mas se tudo se mantiver, vamos precisar de 30 e tal anos. Não é projecto que se apresente a uma sociedade”. “Não é possivel estar assim nos próximos 30 anos”. “Apesar dos beneficios de haver uma situação orçamental mais equilibrada, não poderemos deixar de excluir que tem custos bastantes para a sociedade e para as pessoas”. É o caso da “degradação dos serviços públicos”, disse ela. “Como vamos resolver o assunto? Com o aumento de impostos? Isso é contrário ao crescimento. O crescimento é absolutamente essencial para a redução da dívida (...), mas é uma quadratura do circulo que não vejo, não sei como se resolve”.
Carlos Costa recusa-se a responder a essa pergunta directa dos deputados. Diz apenas que, em última instância, a disciplina orçamental "é essencial". À pergunta, como se paga com este Tratado Orçamental, responde: “Cumprir o Tratado é uma recomendação que reforça a credibilidade no mercado, mas não podemos pensar que os mercados não possam ter volatilidades superiores daquelas que resultam do cumprimento do Tratado”...
Disse Ferreira Leite: Para poder lidar com o problema, “faltam instrumentos, acho que faltam, como é óbvio” e essa responsabilidade é da União Europeia. "Se me perguntam sobre o tempo em que estava no Ministério das Finanças, havia já uma consciêcia muito forte e que era resultante da nossa entrada no euro”. Um dos seus efeitos “foi a redução drástica da taxas de juro” que “só poderia levar ao endividamento. Foi das empresas e das familias. Era a consequencia natural do embaratecimento do dinheiro. Teve efeitos nefastos porque não foi controlado. Nem houve alertas”. Nomeadamente do Banco de Portugal. “Havia solicitações das instituições financeiras para o crédito. Essa foi a causa.”
Carlos Costa lembra – naquele seu tom arredondado e pouco frontal - que fez umas intervenções... E quanto a responsabilidades, é tudo muito sem alternativas, como se tudo fosse assim, pronto. “Pensar que há uma alternativa aos mercados para o financiamento da dívida pública é pensar naquilo que não existe. E as instituições não se podem substituir aos mercados.”
“Quer queiramos quer não, os mercados estarão sempre presentes, de forma directa ou através de instituições internacionais ou europeias". Mas essas instituições só aceitarão "esse papel de avalista, de garante porque exigem programas de ajustamento e de redução do défice e de sustentabilidade da dívida. Vai haver programas no futuro – se houver um Fundo Monetário Europeu – tal como tivemos nos 3 anos em que estivemos submetidos. Não tenhamos dúvidas disso.”
“Era desejável que houvesse uma instituição que fizesse de avalista e não exigisse programas de ajustamento e de disciplina orçamental e da dívida? Bom, se era desejável, não sei se seria: porque seria alimentar um comportamento que mais tarde ou mais cedo se torna explosivo. Não é desejável. Alguém está disponível para fazer esse papel? Ninguém está".
"Há uma solução que é a emissão de dívida nacional, mas isso implica ter um nível superior de poupança que não existe”. E depois desencadear uma hiper-inflação. Mas os aforradores sentir-se-ão lesados e isso apenas “se faz uma vez”.
Portanto, tem de haver uma saída, diz ela. Mas não há saída, diz ele. Algo que já se antevia em 2014, com o Governo Passos Coelho.
Estranhamente o posicionamento actual dos deputados do CDS e do PSD é - ainda - o mesmo do do governador do banco central e de Passos Coelho, embora agora clamam por menos austeridade...
por estatuadesal
Ricardo Paes Mamede, in Diário de Notícias, 03/07/2018)
Alguns problemas e riscos da zona euro eram bem conhecidos desde o seu início. Os países participantes deixaram de poder influenciar as taxas de câmbio e as taxas de juro, perdendo assim instrumentos importantes para combater eventuais crises. Nenhuma forma de compensar essa perda foi criada à partida, restando a emigração em massa e a descida acentuada dos salários como únicos instrumentos de "ajustamento".
Sabia-se que isto poderia levar a recessões prolongadas e à redução do potencial de crescimento das economias menos desenvolvidas. Também se sabia que, ao obrigar economias mais fracas a viver sob uma moeda forte, a unificação monetária poderia acentuar - em vez de diluir - a divergência de níveis de desenvolvimento entre os países participantes.
Para evitar os riscos de recessões prolongadas e de divergência persistente das economias mais fracas teria sido necessário um orçamento europeu de grandes dimensões, financiado necessariamente pelos países mais ricos. Porém, não havia como convencer o eleitorado destes países a pagar uma fatura tão elevada, de forma permanente, em nome da solidariedade europeia.
Assim, a moeda única nasceu coxa. Apenas pôde contar com um orçamento europeu mínimo e sem funções de estabilização, acompanhado de regras orçamentais restritivas para forçar os governos nacionais a flexibilizar as suas economias. Restava uma grande dose de fé por parte de alguns dirigentes políticos de que alguma solução seria encontrada para enfrentar problemas futuros.
Os problemas não demoraram a chegar. Primeiro, a globalização comercial e o alargamento da UE a Leste teve impactos negativos nos países do sul, que foram agravados pela forte valorização do euro face ao dólar entre 2002 e 2008. Depois, a grande crise financeira de 2007/2008 e suas sequelas tiveram os efeitos devastadores que se conhecem.
Aqui a zona euro descobriu que as suas fragilidades institucionais eram ainda maiores do que se pensava: não só escasseavam instrumentos para evitar recessões prolongadas e a divergência permanente entre economias, como não havia modo de evitar o colapso dos países mais vulneráveis em situações de pânico financeiro. O resultado foi uma crise profunda e duradoura em vários países.
Confrontados com o descontentamento popular crescente face ao processo de integração europeia, alguns líderes da UE têm procurado remendar a arquitetura defeituosa do euro, mas sem grande sucesso. Não é hoje mais fácil do que era há 30 anos convencer o eleitorado dos países mais ricos a pagar uma fatura elevada e permanente pela existência do euro. Os avanços parciais conseguidos (União Bancária, Mecanismo Europeu de Estabilidade, etc.) tentam reduzir a ocorrência de pânicos financeiros, sem porém resolver os problemas de fundo - e criando outros pelo caminho.
Os riscos de recessões prolongadas e de divergência das economias mais fracas persistem, sendo hoje maiores, dado enorme aumento do endividamento público e privado na periferia da zona euro desde 2008.
Tal como no passado, resta uma grande dose de fé por parte de alguns dirigentes de que alguma solução será encontrada para enfrentar crises futuras. Outros, incluindo centenas de milhares de portugueses, já viram esse futuro - e sabem que não funciona. A zona euro continua à procura de saída para o labirinto em que se meteu. Não vai ser fácil.
por estatuadesal
(Francisco Louçã, In Expresso Diário, 03/0/2018)
Um interessante artigo levantou nos últimos dias à seguinte questão: a “geringonça” acabou? Daniel Oliveira (DO), aqui no Expresso, foi taxativo, “a geringonça acabou e quem perde é Costa”. Terá razão e, se assim for, o que é que está a acontecer?
Começo pela análise. DO interpreta o voto da esquerda na questão do adicional do imposto sobre combustíveis como uma retaliação. O Governo enganou os seus parceiros, escondendo-lhes a proposta que ia fazer às associações patronais sobre a duplicação do período experimental e a manutenção de um banco de horas grupal, e estes vingaram-se, sugere ele. Admito que possa parecer, mas duvido que seja essa a explicação para a questão. Se assim fosse, mal iriam os partidos de esquerda, que têm razão de queixa sobre a rasteira da lei laboral, mas que não devem nem podem agir num dossiê em função do que não se conseguiu resolver noutro. Decidir desse modo seria aceitar uma lógica de castelo de cartas e pôr o pé na armadilha. Ora, pelo que foi dito, a posição da esquerda justificava-se pelo facto de ter sido o próprio Governo a fixar o compromisso de alterar o imposto adicional quando o preço do petróleo voltasse a subir, e o não cumprimento de uma promessa cabe unicamente ao faltoso. Mas é certo que a questão deve ser discutida no âmbito orçamental para que a medida seja coerente, incluindo o controlo dos preços agora oligopolizados e para que se adequem outras medidas fiscais. Se essa era a ponte possível e desejável entre os partidos da maioria atual, fiquei com a sensação de que a precipitação de declarações da direção parlamentar socialista teve uma intenção belicosa. Talvez por isso, Pedro Filipe Soares, líder parlamentar do Bloco, queixou-se no “DN” do “fel” que tem havido em atitudes do Governo.
A ressurreição do Partido Santana Lopes alimenta no Largo do Rato o sonho da maioria absoluta.
Quanto às análises do contexto político, partilho o ponto de vista. A chave da mudança foi a eleição de Rui Rio no PSD, confirmando-se logo de seguida que esse partido não recupera nas sondagens e continua atravessado por conspirações sangrentas, incluindo agora a ressurreição do Partido Santana Lopes, o que alimenta no Rato o sonho da maioria absoluta.
Além disso, Rio tem uma prioridade, perdendo: entender-se com o PS para o Governo de 2019, afastando a esquerda. Costa poderia assim pensar que ganharia de uma forma ou de outra. Mas, como DO argumenta, se o PS passar a uma geometria variável, pode ser punido eleitoralmente por um povo cujo voto não é decidido por algum temor a Rio. O efeito desta tensão é, portanto, elevar o patamar de exigência para 2019.
Assim, as minhas conclusões são estas. Primeiro, o PS vai usar a geometria variável só em casos de último recurso, e isso será quando o seu entendimento com o patronato estiver em causa, e o PSD e CDS só entrarão nesse jogo para o confirmar, não tendo voz. Segundo, o Governo vai continuar a negociar o Orçamento à esquerda, mesmo atrasando-se e levando o processo até à exasperação dos seus parceiros, que preferem um trabalho cuidadoso a arranjos de última hora. Terceiro, com a crise na saúde e na educação, não atender as prioridades é erro e não fazer um Orçamento competente seria outro erro. Mais, apresentar um Orçamento antipopular na véspera de eleições seria suicidário. Quarto, e por tudo isso, os atuais abalos de confiança prejudicam o funcionamento da maioria, mas todos sabem que as eleições europeias vão ser as primeiras em 2019, aliás muito mais importantes do que aparentemente se está a sentir. Nada será decidido pela pressa. Quem tiver pressa, perde a cabeça.
por estatuadesal
(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 03/07/2018)
Desde que Madonna chegou a Portugal que o festival de provincianismo tem sido deprimente. E quem mais tem contribuído para ele tem sido a comunicação social, que vai alimentando o orgulho pátrio e bairrista fazendo cada lisboeta e português sentir que respira o mesmo ar que a estrela pop. Que a imprensa cor de rosa se dedique a isso, é natural. Faz parte da sua “função”. Que os jornais de referência o acompanhem sempre me pareceu um pouco mais estranho. Mas adiante.
Quando saiu a primeira notícia sobre o estacionamento de Madonna – excelente deve estar o país e a cidade para esta ser a polémica que alimenta as nossas preocupações – julguei estar perante mais um episódio de bimbalheira nacional. A senhora dona Madonna quer uns lugarzinhos, que não seja por isso, cá estão eles. Não seria de espantar, sabendo que quando Madonna chegou a Lisboa teve direito a boas-vindas de Fernando Medina. O deslumbramento denuncia o atraso. As primeiras notícias sobre este caso confirmavam o meu receio: não tinham conseguido confirmar se havia um contrato e quanto ela pagava e houve jornais que até nos garantiram que o acordo tinha sido oral.
Passados uns dias, as coisas eram um pouco diferentes. A cedência a título precário, de que Madonna não é a única beneficiária na cidade, feita no Palácio Pombal, foi contratada em 2018. Dela resulta o pagamento de 720 euros mensais e é justificada pelo facto dos imóveis que comprou estarem em obras. O contrato foi divulgado e corresponde a outras duas dezenas similares. Incluindo para particulares quando há edifícios em obras. Mas é um contrato difícil de se celebrar, porque é preciso que sejam obras significativas e por um tempo que justifique e que haja espaço disponível próximo.
Há alguma arbitrariedade na forma como estas cedências precárias são feitas e Medina esteve péssimo quando não divulgou imediatamente o contrato. Mas entre o que a comunicação social insinuou no início e o que sabemos agora vai uma razoável diferença. E esta polémica é o melhor retrato da pequenez com que olhamos para nossa própria pequenez.
Pelo menos um órgão de comunicação social (a agência Lusa) tinha a obrigação de o saber porque tem um acordo igual. Estes espaços cedidos para estacionamento são espaços temporariamente vazios para necessidades temporárias e com um pagamento que resulta de uma tabela da EMEL. Tudo está enquadrado pela lei (artigo 148.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo), apesar do CDS ter dúvidas sobre o rigor dessa aplicação. E, ao que parece, faz parte da gestão corrente que não tem de ser discutida em reunião de Câmara. Mas a verdade é que outras cedências precárias de espaço (ao que parece toda a gente sabe que eles sempre existiram, mas resolveu fazer-se tudo de parvo durante uns dias) passaram pela Câmara.
O parque mais próximo tem um custo mensal de 65 euros por carro, o que corresponderia a mais 255 euros mensais, mas com a vantagem de ser uma solução definitiva e a desvantagem de não ser fácil arranjar 15 lugares. As razões invocadas pela Câmara de Lisboa para ceder o estacionamento em troca de pagamento estipulado pela tabela da EMEL foram semelhantes a de outras cedências – Madonna adquiriu imóveis na zona envolvente à Rua das Janelas Verdes que estão em obras e a ausência temporária de estacionamento para os carros da sua equipa causaria ainda mais problemas numa zona onde o estacionamento é ainda muito difícil.
Ou seja, tudo indica que o contrato assinado para a cedência precária de estacionamento num terreno camarário perante obras profundas em vários imóveis de Madonna parece cumprir todas as regras legais (o CDS contesta), não é inédito (são os próprios vereadores da oposição a reconhecer que discutiram outros em reuniões de Câmara) e os valores cobrados correspondem à tabela da EMEL. Não estamos perante um acordo oral ou informal. Parece-me haver alguma arbitrariedade na forma como estas cedências precárias podem ser feitas, graças a critérios demasiado subjetivos? Sim, tanto para a Madonna como para a Lusa e para os outros poucos beneficiários. Parece-me que Fernando Medina esteve péssimo quando não divulgou imediatamente o contrato e não deu as explicações que dá agora. Claro. Todos temos direito a saber os contratos que que a Câmara assina. Mas entre o que a comunicação social disse no início e o que sabemos agora (graças, por exemplo, ao insuspeito “Observador”) vai uma razoável diferença. E o rigor que exijo aos governantes é aquele que exijo a quem os escrutina. Até porque sem esse rigor não temos escrutínio, temos polémicas passageiras e estéreis que acabam sempre numa névoa que vagamente se assemelha à verdade. O provincianismo com que Madonna foi recebida não é exclusivo de Medina. E esta polémica é o melhor retrato da pequenez com que olhamos para nossa própria pequenez.