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sábado, 5 de janeiro de 2019

Falência, mas de quê?

Novo artigo em Aventar


por j. manuel cordeiro

Acho delicioso ouvir da parte daqueles que, ano após ano, pedem menos Estado, às vezes complementado com melhor Estado, se lamentarem sobre uma suposta falência do Estado. Escutando-os, poderíamos pensar que, realmente, reclamariam pelo reforço desse Estado, agora enfraquecido, mas a memória é tramada e recorda-nos o que fizeram quando tiveram o poder à sua disposição. E isso é revelador. Substantivamente, retiraram capacidade ao Estado quando cortam as verbas necessárias ao seu funcionamento, quando canalizam dinheiros públicos para actividades privadas paralelas àquelas já suportadas pelo Estado e quando enxameiam os quadros da função pública com incompetentes vindos dos seus partidos.

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Entre o bolsonarismo troglodita e a tecnicidade bolsonara

Ladrões de Bicicletas


Posted: 04 Jan 2019 11:25 AM PST

Jair Bolsonaro no poder tem a vantagem de tornar claro ao mundo o que pensa a escola económica dominante sobre diversos problemas. Mas tem a desvantagem de, na sua brutal clareza, enobrecer os mesmos raciocínios, embora expostos de forma civilizada e com uma aparência técnica.

Bolsonaro parece aqui não pensar muito. Mas a sua versão simplista e pouco elaborada sintetiza onde quer que a força do rolo compressor seja usada com mais violência. Em Portugal, conhece-se essa situação, vivida no período da intervenção da troica, com um governo que a apoiava (Passos Coelho/Paulo Portas). Aliás, por momentos Jair raia o discurso feito por Passos Coelho. Ou de quem está à frente do patronato português e que defende as mesmas ideiashá muito.
Mas sabe-se lá porquê, a versão expurgada de qualquer subtileza - que revela ao mundo a visão orgulhosa e bruta dos objectivos das politicas económicas - parece bem mais reaccionária, brutal e perigosa, para não dizer fascista, do que a mesma ideia articuladamente científica. E da mesma forma, embora de forma simétrica, faz parecer aceitável, defensável e até tecnicamente louvável as mesmas ideias brutais se forem travestidas de argumentos técnicos, a ponto de serem repetíveis por comentadores televisivos.
Esta diferente percepção da mesma ideia, consoante quem a apresente, não evita contudo que o resultado final da mesma política - defendida com brutalidade ou com brilhantismo, inteligência e tecnicidade - seja o mesmíssimo. De outra forma, não poderia deixar de ser. E nem se pretende outra coisa.
E no entanto, o mesmo rolo compressor tem sido lançado desde há muito em Portugal sem que ninguém se assuste. Foi feito com mais violência desde 2003 (Governo Durão Barroso), em 2008/09 e 2010 (Governo Sócrates), em 2012 (Governo Passos Coelho/Paulo Portas) e mesmo desde 2015 (Governo António Costa), já que se manteve quase intacta a armadura criada em 2012, responsável por uma desvalorização das retribuições salariais e, a partir de 2019, com um pacote laboral ainda em discussão parlamentar, fruto de mais um acordo político sem a CGTP  que, visando combater a precariedade, nalguns casos vai agravá-la.

No Brasil, o objetivo é acabar com o artigo 7º da Constituição, que enumera um conjunto vasto de direitos dos trabalhadores, além de outros que visam melhorar a sua condição social.
É o caso da protecção contra o despedimento sem justa causa, da garantia de um seguro em caso de despedimento, dos descontos para a Previdência, da existência de um salário mínimo nacional, da existência de um salário proporcional à complexidade do trabalho, da garantia de que os salários não podem descer, do pagamento de um 13º salário, do pagamento do trabalho nocturno acima do diurno (proibido a menos de 16 anos, salvo no caso de aprendiz que pode baixar aos 14 anos), do próprio pagamento do salário (contra a retenção pelo patronato), da garantia de que a jornada de trabalho seja de 8 horas diárias, de 6 horas em turnos ininterruptos e de 44 horas semanais, do repouso semanal, da remuneração do trabalho extraordinário em pelo menos 50% da remuneração normal; do gozo de férias; da protecção da trabalhadora grávida; da redução do risco no trabalho e do pagamento adicional para actividades penosas; pelo direito a aposentadoria; pelo reconhecimentoda contratação colectiva; pela protecção contra a automação; pela garantia da existência de seguros contra os acidentes no trabalho; da garantia contra a discriminação salarial por sexo, idade, cor ou estado civil. 
Na campanha eleitoral, Jair Bolsonaro foi muito comedido. O seu programa apenas tinha cinco linhas sobre a reforma trabalhista, embora visando ir mais longe que a legislação aprovada no Senado em julho de 2017. Bolsonaro prometeu, aliás, que não iria contra o conteúdo do artigo 7º da Constituição, porque apenas uma assembleia constituinte o poderia fazer. Mas foi repetindo que os brasileiros têm que optar: "O que o empresariado tem dito pra mim, e eu concordo, é o seguinte: o trabalhador vai ter que viver esse dia: menos direitos e emprego, ou todos os direitos e desemprego”.
Ou seja, o velho mantra que cá se repete de que existe um mercado de trabalho segmentado por causa da rigidez laboral. Em Portugal, ninguém fala de direitos que prejudicam o emprego. Fala-se de rigidez que - se é rigidez - é preciso flexibilizar. Soa mais técnico e menos ideológico, não é? 

Aliás, Bolsonaro e o seu ministro Paulo Guedes defenderam já a existência de um carteira profissional alternativa,"verde e amarela" por oposição à "azul-escura", como forma de reduzir o desemprego. Essa nova carteira teria novas regras para o trabalho flexibilizado: não haveria encargos trabalhistas e a legislação aplicada seria minimizada. Como dizia Paulo Guedes, caberia ao jovem optar por qual regime de trabalho queria se reger: "Porta da esquerda tem sindicato, legislação trabalhista para proteger e encargos. Porta da direita tem contas individuais e não mistura assistência com Previdência". E assim se mete um um pé-de-cabra na Constituição e no regime de protecão social. Liberdade de escolha que se transformará rapidamente em chantagem: "Se não for verde e amarelo, não te dou emprego..."
Depois de ganhar as eleições, Bolsonaro foi mais claro, falando da necessidade de que a legislação trabalhista teria "que se aproximar da informalidade" para que mais empregos possam ser gerados. Mais uma vez, a questão da segmentação laboral prejudicada pela legislação. E sempre à pala da ideia de mais emprego, quando o que se pretende é mudar o enprego que já existe.
Mas em Portugal, esse mesmo tipo de contrato "verde e amarelo" foi defendido pelo actual ministro das Finanças - mesmo quando estava à frente dos economistas que apoiaram o PS - ao pugnar pela necessidade de um contrato único de trabalho, que - claro está - resultaria numa redução de garantias dos actuais contratos permanentes. O tema acabaria por cair antes mesmo das eleições de 2015. Mas caso fosse para a frente, seria outra forma - como se acusou à esquerda do PS - de aproximar essas contratos da informalidade dos que se pretendia combater.    
Bolsonaro critica a actividade de inspecção do Estado (Ministério Público do Trabalho), prometendo atacar a possibilidade de "uma minoria actuante"(os sindicatos) prejudicar "quem produz" (as empresas e o patronato). Ou seja, precisamente atacando a própria ideia-pilar de que o Direito Laboral deve representar a função de equilíbrio de uma relação no terreno que é, por natureza, desigual.
Na verdade, Bolsonaro nada inventa. Muito do que ele ataca foi já levado a cabo em Portugal por legislação sucessiva, aprovada tanto à direita como pelo Partido Socialista.
Foi o caso do Código do Trabalho e sucessivas alterações que - na prática - diabolizam o papel dos sindicalistas. Foi o caso da desarticulação da contratação colectiva, fomentando a atomização das relações laborais, com vista a aplicar todas as necessárias alterações aos horários de trabalho, de preferência sem pagar mais por isso (adaptabilidade e banco de horas). Foi o caso do esvaziamento de um papel interventivo da inspecção do Trabalho, ao reduzir as obrigações da empresa de comunicação prévia aos serviços de fiscalização (caso do trabalho temporário e mais rcentemente dos horários de trabalho, dificultando o controlo do trabalho suplementar). Foi o caso da aprovação de leis sem a devida concertação com os serviços de inspecção, que se confrontam com a ineficácia das leis aprovadas (caso dos falsos recibos-verdes, engrossando um debate nacional com mais de 30 anos). Foi o caso mesmo da desprotecção ao desempregado ilegalmente, em que o PS forçou em 2008/9 que os trabalhadors tivessem de entregar à empresa a compensação por despedimento caso impugnassem o despedimento em tribunal.
E os exemplos poderiam prolongar-se ao infinito.
Conclusão: No fundo, parece haver uma fonte única de pensamento que se estende pelo mundo que sustenta a ideia de que mais direitos prejudicam o emprego. Como se a escravatura tivesse sido um exemplo de pleno-emprego. Nesse debate, Bolsonaro é apenas mais um político que a está a aplicar. Com pouca elegância e brutalidade, certo, mas com eficácia de qualquer pessoa que se apresenta como sendo mais inteligente. E progressista.

Entre as brumas da memória


Pode ser que ele apareça

Posted: 04 Jan 2019 01:44 PM PST

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Isto anda tudo ligado

Posted: 04 Jan 2019 12:00 PM PST

E mais não digo.
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Bora ver Miguel Macedo outra vez interrogado na TV?

Posted: 04 Jan 2019 10:11 AM PST

«Foi badalhoco terem filmado Miguel Macedo e Jarmela Palos durante os interrogatórios e deixado que essas imagens fossem exibidas publicamente. E isso foi então - não só agora quando se sabem ambos inocentes. Já era badalhoco o que lhes fizeram quando eles eram suspeitos! E, já agora, também o seria mesmo que Macedo e Palos fossem estrangeiros, sem visto gold nem documento de pobre, seria badalhoco mesmo que nem cidadãos fossem. Eram homens que tu não podes humilhar, já agora também, apesar da condição de ex-ministro e de ex-alto funcionário te incitar a inveja.

Ainda bem, ainda bem, ainda bem que corruptos foram condenados. Mas, aí, já estamos num patamar superior: ninguém ousa aplaudir a corrupção. O mais importante do noticiário de hoje foi, talvez, mais gente ter percebido, talvez, a urgência de acabar com uma badalhoquice nacional: a humilhação pública dos interrogatórios judiciais. Talvez, não é SIC, TVI e RTP?»


Ferreira Fernandes .

É mais ou menos isto

Posted: 04 Jan 2019 06:49 AM PST

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Um ano muito trumpiano

Posted: 04 Jan 2019 03:02 AM PST

«No final de 2017, a administração do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e os republicanos no Congresso impuseram um corte de um bilião de dólares nos impostos das empresas, parcialmente compensado por aumentos de impostos para a maioria dos americanos no meio da distribuição de rendimentos. Mas, em 2018, o júbilo da comunidade empresarial dos EUA com este bodo começou a dar lugar à ansiedade em relação a Trump e às suas políticas.

Um ano atrás, a ganância desenfreada dos líderes empresariais e financeiros dos EUA permitiu-lhes superar a sua aversão a grandes défices. Mas agora eles estão a ver que o pacote de impostos de 2017 foi a fatura fiscal mais regressiva e extemporânea da história. Na mais desigual de todas as economias avançadas, milhões de famílias americanas em dificuldades - e as gerações futuras - estão a pagar cortes de impostos para bilionários. Os Estados Unidos têm a esperança de vida mais baixa entre todas as economias avançadas e, no entanto, a fatura fiscal foi elaborada para que mais 13 milhões de pessoas no país não tenham seguro de saúde.

Como resultado da legislação, o Departamento do Tesouro dos EUA prevê agora um défice de um bilião de dólares para 2018 - o maior défice num ano de paz e não recessivo em qualquer país desde sempre. E, como se isso não bastasse, o prometido aumento do investimento não se concretizou. Depois de dar alguns brindes aos trabalhadores, as empresas canalizaram a maior parte do dinheiro para recompras de ações e dividendos. Mas isso não é particularmente surpreendente, pois o investimento beneficia da segurança e Trump vive no caos.

Além disso, como a legislação fiscal foi aprovada à pressa, ela está cheia de erros, inconsistências e lacunas para interesses particulares que foram inseridas quando ninguém estava a ver. A falta de amplo apoio popular da legislação praticamente garante que grande parte será revertida quando os ventos políticos mudarem, e isso não foi passou despercebido aos donos de empresas.

Como muitos de nós observámos na época, a legislação fiscal, juntamente com um aumento temporário dos gastos militares, não foi projetada para dar um impulso sustentado à economia, mas sim para fornecer o equivalente a uma excitação de curta duração. A depreciação acelerada do capital permite maiores lucros depois dos impostos agora, mas reduz os lucros depois dos impostos mais tarde. E, como a legislação realmente reduz a dedutibilidade dos pagamentos de juros, acabará por aumentar o custo do capital após os impostos, desencorajando assim o investimento, grande parte do qual é financiado por dívida.

Entretanto, o enorme défice dos EUA terá de ser financiado de alguma forma. Dada a baixa taxa de poupança do país, a maior parte do dinheiro virá inevitavelmente de credores estrangeiros, o que significa que os EUA enviarão grandes pagamentos para o exterior para servir a sua dívida. Daqui a uma década, a receita total dos EUA provavelmente será menor do que seria sem esta legislação fiscal.

Além da legislação tributária desastrosa, as políticas comerciais da administração Trump também estão a perturbar os mercados e a interromper as cadeias de fornecimento. Muitas empresas de exportação dos EUA que dependem de insumos chineses têm agora uma boa razão para transferir as suas operações para fora dos EUA. É muito cedo para calcular os custos da guerra comercial de Trump, mas é seguro assumir que todos ficarão mais pobres em resultado dela.

Da mesma forma, as políticas anti-imigração de Trump estão a incentivar empresas que dependem de engenheiros e outros trabalhadores altamente qualificados a mudar os seus laboratórios de investigação e unidades de produção para o exterior. É apenas uma questão de tempo antes de começarmos a ver falta de trabalhadores em outros lugares nos EUA.

Trump chegou ao poder explorando as promessas falhadas da globalização, financeirização e economia de gotejamento. Após uma crise financeira global e uma década de crescimento morno, as elites foram desacreditadas, e Trump emergiu para atribuir a culpa. Mas, é claro, nem a imigração nem as importações estrangeiras causaram a maior parte dos problemas económicos que ele explorou para obter ganhos políticos. A perda de empregos industriais, por exemplo, é em grande parte devida à mudança tecnológica. De certa forma, fomos vítimas do nosso próprio sucesso.

Ainda assim, os decisores políticos poderiam certamente ter gerido melhor essas mudanças para garantir que o crescimento do rendimento nacional beneficiasse muitos, em vez de poucos. Os líderes empresariais e financeiros ficaram cegos com a sua própria ganância, e o Partido Republicano, em particular, tem tido o prazer de lhes dar tudo o que quiserem. Como resultado, os salários reais (ajustados pela inflação) estagnaram e os deslocados pela automatização e globalização foram abandonados.

Como se as decisões económicas de Trump não fossem suficientemente más, a sua política é ainda pior. E, infelizmente, a marca de racismo, misoginia e incitamento nacionalista de Trump estabeleceu franchises no Brasil, Hungria, Itália, Turquia e outros lugares. Todos esses países terão problemas económicos similares - ou piores -, assim como todos estão a enfrentar as consequências reais da incivilidade em que os seus líderes populistas prosperam. Nos EUA, a retórica e as ações de Trump desencadearam forças obscuras e violentas que já começaram a sair de controlo.

A sociedade só pode funcionar quando os cidadãos confiam no seu governo, nas instituições e uns nos outros. E, no entanto, a fórmula política de Trump é baseada na erosão da confiança e na maximização da discórdia. Não podemos deixar de questionar onde isso vai acabar. Será o assassínio de 11 judeus numa sinagoga de Pittsburgh o prenúncio de uma Noite de Cristal americana?

Não há como saber a resposta para tais questões. Muito dependerá de como o atual momento político se vai desenrolar. Se os partidários dos líderes populistas de hoje se desiludirem com o inevitável fracasso das suas políticas económicas, poderão desviar-se ainda mais na direção da direita neofascista. Numa hipótese mais otimista, eles poderão ser trazidos de volta para o rebanho democrático liberal ou, pelo menos, desmobilizarem-se devido à deceção.

Há uma coisa que sabemos: os resultados económicos e políticos estão interligados e reforçam-se mutuamente. Em 2019, as consequências das más decisões e das piores políticas dos últimos dois anos serão vistas ainda mais nitidamente.»

Joseph Stiglitz

Deus deve estar zangado

  por estatuadesal

(Miguel Sousa Tavares, in Expresso, 05/01/2019)

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1 Custa-me muito, como cidadão do país de que Marcelo Rebelo de Sousa é Presidente, olhar para a fotografia em que ele está em “fraternal confraternização” com o novo Presidente brasileiro, o Messias Bolsonaro. Sim, eu sei... já lá vou, adiante e em baixo. Mas não era preciso exagerar, não era preciso que o nosso Presidente viesse com a lengalenga do “tom fraternal” e do “encontro de irmãos”. Bolsonaro não é meu irmão, o Brasil é que é.

E se bem que ele represente legitimamente o Brasil, visto que foi eleito para tal, não é nesse Brasil que eu encontro o país irmão que me habituei a amar. Assim como o Brasil não reconheceria como país irmão um Portugal presidido por um Mário Machado. Este Presidente brasileiro é o homem que se tornou conhecido porque ao votar o impeachment da sua antecessora, Dilma Rousseff (por uma suposta irregularidade na execução orçamental, transformada pela oposição em crime constitucional), o fez em homenagem ao coronel da polícia política que na ditadura militar a havia torturado. Uma coisa é representar um país, outra coisa é merecer representá-lo. Não foi por acaso que, tirando o fascista húngaro Viktor Orbán, Marcelo foi o único chefe de Estado ou de Governo europeu presente em Brasília, na posse do Presidente do 7º país do mundo.

Não passou assim tanto tempo para que os portugueses não reconheçam um fascista quando o ouvem falar e quando observam os sinais e os rituais de que se rodeia. Honra lhe seja feita, Bolsonaro não disfarçou coisa alguma: no seu discurso de posse disse exactamente ao que vinha, as suas ameaças foram claras, o seu instinto de ódio e perseguição, em nome de Deus e da “cultura judaico-cristã”, foi tão óbvio que não há disfarce possível. Antes assim: mais tarde, num futuro que só por sorte não será tenebroso, ninguém poderá dizer que foi ao engano. Não é por ser evangélico, por repetir à exaustão o mantra de “Deus acima de todos”, que o fascismo se torna cristão. Pinochet, Franco, Salazar eram todos devotos católicos e também eles gostavam de invocar o nome de Deus em vão — que, como se sabe, é pecado que brada aos céus. Não é por esgrimir a fé contra as “ideologias” — isto é, contra as ideias, contra a liberdade de pensamento — que o programa político de Bolsonaro deixa de ter a sua própria e sinistra ideologia. E é por isso que o ministro da Educação, indicado directamente pelos evangélicos, tem como tarefa limpar “o lixo ideológico” das escolas e servir às criancinhas a fé evangélica — esse embuste religioso inventado à medida de um país com largas camadas da população semianalfabeta. Se isto não é todo um programa político e ideológico, em tudo semelhante ao das madraças islâmicas, é só porque há quem o não queira ver.

2 Quando, na manhã seguinte à posse do Presidente brasileiro, Marcelo se sentou com ele, já Bolsonaro dera andamento, na própria noite da posse, a um dos mais controversos projectos do seu Governo: começar aos poucos a roubar as terras indígenas na Amazónia para as entregar aos fazendeiros de gado e cereais. É parte da política dos três B, que é a essência do seu programa e a raiz da composição do seu Governo. O B da bíblia já acima falei; o B da bala virá já de seguida com a legalização da posse de armas, um grande negócio para os respectivos fabricantes e vendedores; e o B do boi é o projecto de ocupação da Amazónia, liderado pela ministra da Agricultura, saída da bancada dos “ruralistas”. Neste campo, a primeira medida foi a extinção na práctica da FUNAI, a Fundação Nacional do Índio, um organismo governamental que geria há 50 anos todas as terras que a Constituição brasileira reserva para ocupação exclusiva dos povos indígenas e todos os assuntos relativos a eles, passando a integrar as terras e as competências na alçada do Ministério da Agricultura; ou seja, entregando-os na boca do lobo. A justificação do Presidente é que a FUNAI e as ONG presentes no terreno não faziam mais do que roubar. Pois agora, que é de temer que os índios e o próprio ar que respiramos venham a ser roubados a sério, sinto o dever de testemunhar que foi graças à FUNAI que, 30 anos atrás, pude passar uma semana com uma equipa de filmagem da RTP entre uma tribo dos Caiapós, inclusive disponibilizando-nos uma avioneta, que nos depositou e foi buscar no meio da selva. E o tipo da FUNAI que lá estava a roubá-los era um jovem advogado de boas famílias do Rio de Janeiro, que ali vivia, longe de tudo o que era o seu mundo de origem e em condições terríveis, porque se tinha apaixonado pela causa dos índios da Amazónia. Suponho que doravante seja muito difícil, senão impossível, a qualquer jornalista estrangeiro viver a experiência incrível que eu vivi. E isso, temo também, é apenas parte de muitas outras coisas que se podem perder daqui para a frente e sem as quais o Brasil pode ser um país elogiado por Trump, por Orbán ou por Netanyahu. Mas não será o mesmo Brasil.

3 Pois, foi o povo que escolheu. E o povo é soberano — para o bem e para o mal, para meu gosto ou para meu desgosto. Porque a democracia é o único sistema político em que o cavalo de Tróia pode concorrer nas urnas e, eventualmente, destruí-la por dentro e com as suas armas. Mas, por favor, não me venham dizer que de um lado estão os intelectuais, os artistas e a imprensa e do outro lado está o povo. E, então, onde é que isso é motivo para celebrar? Onde é que isso deu bons resultados?

4 É discutível se Marcelo deveria ou não ter ido a Brasília. Consigo perceber e aceitar relutantemente os argumentos a favor da viagem. Relutantemente, mas enfim. O problema está no enfim: porque Marcelo, sem nunca o fazer ostensivamente, conduz uma agenda de visitas externas e convites internos que, mesmo se em concertação ou tacitamente aceite pelo Governo, é demasiado “à Marcelo”, demasiado frenética e às vezes talvez pouco ponderada. Não descansou enquanto não pendurou no cinto os ten big — do Papa a Trump, da Rainha de Inglaterra ao Presidente de França, muitas vezes dando a sensação de que, mais do que esperar por um convite, se fazia convidado. Mas, não contente com isso, ele vai e logo convida, pondo toda a gente — os portugueses, pelo menos — perante o facto consumado. Por isso, quando o vi avançar para Brasília, temi que mais uma vez ele não se contivesse sem convidar Bolsonaro para nos visitar oficialmente. Dito e feito: não resistiu. E, ao fazê-lo, é bem possível que o seu voluntarismo nos tenha arranjado um sarilho diplomático. De facto, há fundadas razões para prever que Bolsonaro seja mal recebido em Portugal, ao nível da rua e ao nível das instituições. Ao nível da rua porque, como disse, passou ainda pouco tempo para que uma parte substancial dos portugueses aceite tranquilamente ver um fascista desfilar com honras de Estado pelas ruas do país. Ao nível institucional porque basta pensar no que poderá suceder na Assembleia da República: se se achar mais prudente não o levar à Assembleia, será um insulto para ele; se for e sair maltratado, insulto será; se for ele a cancelar, vem a dar no mesmo, é o reconhecimento de que não é bem-vindo. Seja qual for o desfecho, não me parece que, como dizem os brasileiros, Bolsonaro seja homem de levar desaforo para casa. E o que acontecerá então às “fraternas” relações luso-brasileiras? Será que Marcelo pensou nisso ou achou que a sua popularidade tudo consegue ultrapassar?


Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia

Macedo, amigo, o povo está contigo!

  por estatuadesal

(Por Estátua de Sal, 04/01/2019)

macedo visa

Ó Miguel Macedo, como tu bem disseste à saída do tribunal, a Justiça "deu resposta às canalhices que te fizeram". E quando se faz JUSTIÇA ficamos todos satisfeitos, nós os que assistimos à peça, e tu, por maioria de razões que eras o actor principal e o cabeça de cartaz.

Eu, se fosse a ti, não deixava passar em claro tanta prosápia e tanta bagunça acusatória do Ministério Público, chefiado por essa bruxa de Salém, a Joana Marques Vidal, que te queria esturrar em lume pouco brando. Tudo, para nos convencer que a impunidade já tinha acabado.

Vê lá tu que, com tanto corrupto e bandido que anda por aí à solta, foram logo escolher-te a ti para sacrificar no altar da tese do fim da impunidade. Não sei que raio de malfeitoria é que fizeste à Joana mas ela queria mesmo fazer-te a folha. Bem podes agradecer ao Costa e ao Marcelo terem-na chutado para canto tornando a vida mais fácil ao juiz que te absolveu. Sim, porque a Joana é vingativa  e quem se mete com o Ministério Público leva. Parece que são mesmo do piorio, muito mais maus que o Augusto Santos Silva a castigar os mais afoitos que se metem com o PS, como ele declarou em tempos idos.

Homem, mas agora que saíste limpinho por dentro e por fora, que se provou que nada tiveste a ver com os vistos Gold, que nunca favoreceste os chineses ricos que cá assentam arraiais, que eras amigo do Figueiredo dos Registos e Notariado mas que era uma amizade pura e desinteressada, eu se fosse a ti, ia-me a ela, à Joana. Era já processo por difamação em cima dela e do Procurador Niza que te andou a enxovalhar na praça pública e diz que ainda vai recorrer. Não os poupes e pede uma indemnização choruda, tão choruda que ponha o Centeno a refazer as contas do déficit e a Dra. Teodora a mandar cartões amarelos ao Governo pela subida da despesa pública.

É que estes Procuradores andam mesmo em roda livre e a passar das marcas, como tu bem sentiste na pele, e se alguém se propõe pô-los na ordem saltam logo o Ventinhas e a Gago a ameaçar com greves e represálias.

É que, se a acusação não tinha pés nem cabeça, por que carga de água andámos meses a fio a desfiar uma novela de mau enredo, que até nas televisões eles puseram a passar?! Já viste a porrada de massa que os tipos gastaram ao erário público? São mesmo uma cambada de irresponsáveis a malbaratar o dinheiro dos contribuintes, já que não conseguem condenar ninguém, persistindo em investigar e acusar gente honrada como é o teu caso para, dessa forma, ganharem protagonismo político e mediático.

Estás a ver, só conseguiram até ao momento condenar o Vara, mas esse saltava aos olhos de todos que se alambazava à grande e à francesa com robalos dos mais graúdos, e era um fartar vilanagem a empurrar sucata para os bolsos do amigo de Ovar. Quem tem sucateiros por amigos bem merece cinco anos de xilindró, o que não é o teu caso que só tens amigos distintos, decentes e bem formados, a ajudarem o país a sair do aperto fazendo entrar milhares de euros nos cofres dos nossos depauperados bancos.

Por isso, agora desforra-te, vai-te a eles e não os poupes. Reúne com os teus advogados e prepara o ataque. E agora, que já te safaste, manda um SMS à Lucília Gago e pergunta-lhe se essa coisa do "acabou a impunidade" - que tu, como cidadão amante da Justiça subscreves na íntegra -, é mesmo para valer ou se não passa de um slogan da Joana Vidal para te tramar, fazendo de ti o bode expiatório de uma operação de promoção do Ministério Público.