Mortes do bem
(Tiago Franco, in Facebook, 13/08/2024) Uma das razões para, aos poucos, ir escrevendo menos por aqui (ou por outro lado qualquer) é essencialmente a desmotivação para debater o lixo com que somos bombardeados diariamente. Dos game changers na Ucrânia às tentativas de camuflar o genocídio de Gaza, passando por aqueles inenarráveis rodapés da CMTV, com trocadilhos cheios de erros ortográficos, durante horas e mais horas de debates futebolísticos com pessoas que estão a uma vogal de serem analfabetas, a paciência esgota-se.
O mar também funciona como um escape para os disparates. Ou então o reconhecimento que o quotidiano, pelo menos o meu, já traz problemas suficientes e desgaste mental de sobra para nos preocuparmos com situações que não conseguimos influenciar. Acho que estou a chegar a esse estado. O de fechar a loja, meter a família na ilha e desligar do mundo real, onde a metade que mata a outra metade nos tenta convencer que há mortes boas e mortes más. Ainda assim, dentro da estupidez reinante, há em regra grupos de portugueses, mais ou menos conhecidos, que optam por dar aquele passo extra, a escalada na tabela do nojo, a medalha de ouro no concurso do asco. Quase sempre com a Helena Ferro Gouveia (HFG) à cabeça e demais acólitos no rebanho. As forcas de defesa de Israel (IDF), aqui há uns dias, bombardearam novamente uma escola onde, segundo relatos da imprensa, mataram 100 pessoas. Podem ler isto no Washington Post, na Reuters, na Al Jazeera, no Guardian, no DW e em praticamente todas as publicações de referência do mundo ocidental e árabe. Obviamente seguiu-se a guerra de informação onde as IDF dizem que eram terroristas escondidos e, do outro lado, se diz que eram apenas alunos. Quem tem um pouco de bom senso percebe que, numa guerra, a primeira vítima é a verdade, portanto, é normal que todos estejam a mentir. Pessoas como a HFG, que são simples agentes de propaganda de um dos lados (como outros e sim, acontece nos dois lados), pegam em informação das IDF (lá está, uma fonte “segura” e “independente”) e metem fotos dos terroristas que foram mortos na escola. "Olha...afinal não eram 100, eram só 40 ou 50. E desses, 30 eram terroristas. E não se esqueçam também que a culpa é do Hamas que usa as pessoas como escudo". Este discurso, repetido até à náusea na antena da CNN, com voz calma e ponderada de quem pretende ser uma analista, é apenas uma repetida agressão a qualquer pessoa que seja minimamente inteligente e que não sofra de racismo primário. E é com este tipo de análise que, por norma, perco mesmo a paciência. Foda-se Helena, não há lenha ou mar que consigam camuflar tanto ódio e desprezo por vidas humanas. Pensar dá algum trabalho, acredito que sim, mas julgo ser mais ou menos compreensível que, ao fim de 40 000 mortos no lado da Palestina, metade compostos por mulheres e crianças, é insuportável continuar a ouvir que "só 10 ou 20 seriam civis". Se fosse apenas um mas por acaso fosse o teu filho Helena, o número também seria próximo de zero? E depois, a propósito dessa conversa dos "terroristas" que merecem morrer, expliquem-me uma coisa, por favor. Qual é a diferença entre um "terrorista do Hamas" que está invadido há décadas e um "combatente pela liberdade" ucraniano que está invadido há 2,5 anos? Eu digo. A diferença é que o primeiro tem que aceitar que morrer é o seu destino, caso não aceite viver numa prisão eternamente. O segundo já pode contar com dinheiro e game changers para repelir o invasor. Quando dizem que os "terroristas do Hamas" se escondem entre civis, pergunto: onde querem que eles se escondam? No Pentágono de Gaza? No Forte Álamo de Rafah? Onde é que querem que um grupo de guerrilheiros, montados em Zundapps e com rockets ao ombro, se escondam numa prisão a céu aberto com 60 km? E por fim, qual é a diferença, para os analistas que conseguem ver tão bem a preto e branco, entre um "terrorista do Hamas" e um civil? É simples: o número de familiares mortos pelas IDF. Um civil que estivesse naquela escola (um dos tais entre os 10 ou 20 que não contam) e que tenha perdido familiares, possivelmente, no próximo bombardeamento já estará na lista dos "operacionais do Hamas". Ou seja...alguém acredita, por mais merda que nos zurrem às orelhas, que um povo massacrado durante 70 anos, que vive em autênticas prisões perante o olhar cúmplice da comunidade internacional, tenha algo mais do que ódio a quem os faz viver nesse inferno? Algum de vós, ser pensante, imagina o que é perder gente que ama para as bombas de Israel e, no dia seguinte, não querer estar ao lado dos que combatem as IDF? Isto não é mais ou menos óbvio para qualquer pessoa, que tenha simpatia pelo sofrimento do próximo e que não siga uma agenda de branqueamento de crimes? Não vos entra pelos olhos dentro que matar, em Gaza, é quase um desporto olímpico? Meus amigos, se não quiserem perder muito tempo com grandes contas, façam apenas esta. No início do atual conflito (depois do 7 de Outubro) todos os analistas, mesmo os mais facciosos, nos explicaram que o Hamas tinha 40 000 combatentes, armamento ligeiro e que não teriam qualquer hipótese contra o poderio das IDF. Passaram 10 meses, já morreram (pelo menos) 40 000 pessoas (curiosamente o tal número de combatentes inicial), o Hamas continua lá e a Helena Ferro Gouveia e demais vendidos do sistema, tentam, a cada ataque, convencer-nos que são "terroristas" que vão morrendo em "ataques cirúrgicos". Então se andam a matar essencialmente terroristas... já deviam ter aniquilado o Hamas, certo? Mas se eles aparecem de todo o lado, o que quer isso dizer? Hipóteses: A) Os quadros vão-se renovando. B) Civis morrem todos os dias. C) Os analistas mentem descaradamente nas nossas televisões. Este tipo de lixo televisivo, para além de ser pura desinformação, estimula o ódio, a escalada no conflito e a divisão entre os povos. Garante o emprego a analistas sem escrúpulos e muitos lucros ao lobby do armamento mas nada, absolutamente nada de bom, traz aos povos envolvidos nos conflitos nem, tão pouco, aos que aceitam empobrecer pensando estar a apoiar a causa mais justa. E certamente não faz o cidadão anónimo ter a mais pálida ideia do que se passa no terreno. Não sei, de facto, se desta vez o Hamas terá hipótese contra as IDF. Ao que parece Israel terá mais sarna para se coçar a Norte e a Este. O que sei, certamente, é que a desonestidade intelectual e o branqueamento do genocídio não têm a mínima hipótese contra a simples matemática dos números.
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