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domingo, 5 de novembro de 2017

Da relativização, política e mediática, das alterações climáticas

ladroes de bicicletas

Posted: 31 Oct 2017 07:55 PM PDT

Salvo referências pontuais na imprensa escrita e em alguns noticiários, a excecionalidade das condições climátéricas tem sido manifestamente secundarizada na discussão das causas e da natureza dos recentes incêndios. Não custa, porém, perceber porquê: no plano político-partidário, sem desvalorizar o mais possível a relevância destes fatores, não se pode apontar com a veemência desejada o dedo ao Governo; no plano mediático, por seu turno, nem a anomalia das condições meteorológicas nem o peso esmagador das dimensões estruturais (da desertificação do interior ao desordenamento florestal), permite «vender» tão bem como o fervilhar, desmesurado e artificial, de «notícias» e «comentários» sobre as tensões entre Belém e São Bento ou as «falhas operacionais» e «responsabilidades do Estado». Como se aí estivesse, afinal, o essencial da explicação para o que aconteceu.
E contudo as alterações climáticas aí estão, com sinais muito claros quanto ao que pode vir a ser o futuro próximo, marcado por uma espécie de «novo normal» climatérico, sobre o qual deveríamos concentrar-nos, para poder mudar o que é preciso mudar (e que está para lá da resolução de todos os entorses estruturais que há muito identificámos). É que não se trata apenas de considerar a tendência gradual de subida das temperaturas e de aumento da seca, registada nos anos mais recentes (como demonstra a notável ilustração do IPMA, reproduzida aqui em baixo). Como não se trata, apenas, de considerar que o passado mês de outubro foi o «mais quente dos últimos 87 anos (desde 1931)» e, simultaneamente, «o mais seco dos últimos 20 anos», com 75,2% do território em seca extrema e 24,8% em seca severa (façam as contas e vejam o que sobra para as restantes categorias do Índice de Severidade de Seca).

De facto, a somar a tudo isto (ou melhor, indissociável de de tudo isto), temos a ocorrência de fenómenos no mínimo raros entre nós (para não dizer inéditos) e ainda mal conhecidos, que tiveram lugar nos dois dias de incêndios mortais deste ano: 17 de junho (com o downburst de Pedrógão) e 15 de outubro, em que os ventos quentes trazidos do norte de África pelo Ofélia garantiram uma destruição sem precedentes, com incêndios indomáveis a tirar todo o proveito possível da secura extrema e das temperaturas anómalas que se verificaram nesse dia. Ou seja, da combinação terrível entre valores de humidade relativa inferiores a 30%, temperaturas acima de 30ºC e ventos superiores a 30 Km/h, as condições propícias para a ocorrência de fenómenos convectivos e wildfires. O relatório da Comissão Técnica Independente (CTI) registou aliás a este respeito um testemunho particularmente impressivo de uma residente em Sarzedas de S. Pedro (perto de Pedrogão):

«Cerca das 20 horas e pouco (não posso precisar a hora exata) escureceu totalmente e logo de seguida surgiu uma grande bola de fogo precedida por um vento, parecido com um ciclone (...). O que por aqui passou não é o fogo que vinha lavrando nos pinhais circundantes, mas sim uma espécie de bomba que rebenta do nada e que abre o céu numa claridade de chamas que espalha faúlhas, ou línguas de fogo, em todas as direções. Foram essas línguas de fogo que incendiaram a minha aldeia e outras em redor» (pág. 67).

De facto, o relatório da CTI é muito claro (tal como o relatório do CEIF) sobre as circunstâncias pirometeorológicas em que ocorreram as mortes de Pedrogão (em particular na EN 236-1), assinalando que a hora fatídica (sensivelmente entre as 20h00 e as 21h00) está associada ao momento em se deu o colapso da «pluma de incêndio» e em que se registou o maior número de hectares de área ardida, a maior velocidade de propagação do fogo e os valores mais elevados de intensidade de frente de chama, associados ao downburst e a outros fenómenos de «fogo extremo».

Quer isto dizer que se deve excluir a hipótese da existência de «falhas operacionais» naquele que foi o combate a estes incêndios? Certamente que não e os relatórios não as excluem, sugerindo contudo que a avaliação dessas mesmas falhas deverá ser enquadrada pelo comportamento errático e imprevisível deste tipo de fogos (que exponencia a dificuldade, e até a impossibilidade, de os extinguir), pelo insuficiente «conhecimento especializado em pirometeorologia aplicada» e, por isso, pela compreensível impreparação de uma estrutura que está, no essencial, concebida para enfrentar incêndios «normais», e apenas ciente dos obstáculos e adversidades sócio-espaciais que se foram acumulando.
O que nos aconteceu é pois, fundamentalmente, uma outra coisa: há novos fenómenos e circunstâncias climatéricas que aproveitaram a vulnerabilidade de um território descarnado (de pessoas, de políticas e de Estado) que o frenesim volátil das bolhas mediáticas e dos oportunismos políticos de um certo Portugal urbano tem dificuldade em, verdadeiramente, compreender.

domingo, 9 de julho de 2017

Pedrogão e Pavia não se fizeram num dia?


Posted: 08 Jul 2017 05:48 PM PDT

1. Foi recentemente divulgado o estudo técnico do IPMA sobre o incêndio ocorrido em Pedrogão Grande a 17 de junho. Juntamente com a carta resumo, o relatório permite articular três conclusões essenciais. Por um lado, confirma a adversidade do quadro meteorológico previsto, a que se associa um elevado risco de incêndio, dadas as altas temperaturas e os baixos valores de humidade relativa registados. Por outro, confirma a elevada instabilidade atmosférica, com ocorrência de trovoadas, tendo sido sinalizados vários fenómenos convectivos na região (massas de ar descendentes a espalhar-se em todas as direções depois de atingir o solo, com ventos muito fortes). Por último, o dado mais relevante para compreender a singularidade deste incêndio, e que é devidamente assinalada pelo IPMA: a conjugação «entre o escoamento divergente gerado pelas células convectivas e o incêndio entretanto iniciado, conduziu a uma grande amplificação da pluma do incêndio, em termos de extensão vertical e velocidade de propagação», configurando uma situação inédita no nosso país.

2. Em artigo no Público de domingo passado, Teresa Firmino sintetiza de forma notável estas conclusões e destaca a importância das imagens do relatório que ilustram a propagação do fogo, ajudando a compreender o que ocorreu na Estrada Nacional EN 236-1, onde perderam a vida 47 das 64 vítimas mortais do incêndio. Às 20h10, a pluma de incêndio (constituída por fumo e materiais), aproximou-se da referida «estrada nacional e às 20h20/20h30 estava a passar por ela». Nesse período, «por causa de uma corrente de ar descendente extremamente forte, o incêndio foi oxigenado e empurrado pelo vento. Espalhou-se a grande velocidade — quase triplicando de dimensão» (isto é, passando a pluma do incêndio de 5 para 14 quilómetros na vertical, o que revela a intensidade e violência do fogo naquele período). Às 21h00, o incêndio tinha já deixado para trás a EN 236-1 (clicar na imagem para a ampliar).



domingo, 2 de julho de 2017

Há uma outra pista para o início do incêndio em Pedrógão Grande

A tese que prevalece é que o incêndio começou com uma trovoada seca, mas na última semana surgiu um novo elemento sobre o ponto de ignição. Afinal, o raio causador do incêndio não caiu em cima de uma árvore. Terá atingido primeiro um posto de transformação das linhas de média tensão, sendo depois conduzido pelos cabos até onde o fogo começou, na zona de Escalos Fundeiros. Uma possibilidade que encaixa na informação do Instituto Português do Mar e da Atmosfera conhecida este sábado de que não caíram raios em Escalos Fundeiros na altura do início do incêndio.

Há uma outra pista para o início do incêndio em Pedrógão Grande
© rui duarte silva Há uma outra pista para o início do incêndio em Pedrógão Grande

Em Escalos Fundeiros, ponto zero do incêndio, a investigação à origem do incêndio está praticamente terminada. Mas na última semana foi comprovada a existência de um novo elemento sobre o ponto de ignição. Afinal, o relâmpago causador do incêndio não caiu diretamente em cima de uma árvore. A descarga elétrica terá atingido primeiro um posto de transformação das linhas de média tensão que passam no local e que depois conduziram o raio até lá. A sequência de eventos determina que no relatório final da PJ o incêndio de Pedrógão venha a ser classificado como tendo origem em “causa acidental de origem natural ligada a trovoada seca”.
Nas primeiras fotos do incêndio, tiradas por Daniel Saúde, que passava o fim de semana na quinta que tem naquela localidade de Pedrógão Grande, é possível ver os cabos eléctricos junto às chamas que ainda começavam. Foi ele quem ligou para o 112 às 14h38, quando viu fumo a surgir no horizonte, acionando os primeiros bombeiros da corporação de Pedrógão Grande.
O raio que iniciou o incêndio não foi visível. Nem o trovão ressoou no vale, como é costume em dias de trovoada, secas ou molhadas, o que levou os populares de Escalos Fundeiros a desconfiar da tese da Polícia Judiciária. Daniel, que estava do lado dos céticos, passou os últimos dias a ler estudos e pesquisas sobre relâmpagos, e aprendeu, diz, “que é possível haver descargas elétricas silenciosas e que poderá ter sido o caso”, admitiu ao Expresso. Por isso, quando, na quarta-feira, foi contactado pela Polícia Judiciária para ser inquirido, enquanto testemunha do início do incêndio, já estava mais propenso (mas ainda não totalmente convencido) a acreditar na teoria.

Fonte: Expresso