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sábado, 10 de junho de 2017

Magnífico Pirro



por estatuadesal
(Francisco Louçã, in Público, 09/06/2017)
louca
Francisco Louçã

Tudo falhou na estratégia dos Tories e os resultados não deixam margem para dúvida. A aventura começou – e foi ontem – com uma vantagem de 20% nas sondagens e a certeza da maior vitória em cem anos, com Corbyn etiquetado como um “activo tóxico” que levaria os trabalhistas às catacumbas. À medida que a campanha decorria, apesar do reforço de gravitas que os atentados sempre permitem, Theresa May foi caindo e recorreu ao desespero, com a promessa de dinamitar os direitos humanos, facto significativo para demonstrar como a direita pensa ganhar uma eleição. Perdeu a maioria e agora só sobrevive com uma difícil aliança com os lealistas irlandeses (na Irlanda o partido que mais cresce é o Sinn Fein, que disputa a supremacia e que beneficiará desta aliança).
Mas engana-se quem pensa que ficará tudo na mesma, passado o nevoeiro eleitoral. Há pelo menos três grandes mudanças de que estas eleições são sintoma.
A primeira, e é irreversível, é que a Europa se tornou um remoinho destruidor dos partidos em que assentou o poder político tradicional. Isso não volta atrás. Veja bem, há uma regra que se aplica nos grandes países: os perdedores da globalização e da União desconfiam dos seus governantes e preferem trocá-los por quem estiver em condições de os substituir. É isso que leva alguns dos líderes europeus à vertigem da aventura, como os referendos no Reino Unido e em Itália. É isso que explica a derrota da UE na primeira volta das presidenciais francesas e o recurso a uma cesarismo de ocasião para reverter o resultado, o que conseguiu na segunda volta. Assim, o consenso neoliberal desabou, e era o suporte dos partidos governantes, em Itália desde que o Partido Comunista se transformou em Renzi, em França desde que o PS ficou Hollande, na Grã-Bretanha desde que Blair herdou o thatcherismo e Cameron lhe sucedeu. Hoje só sobrevive Merkel e a razão é evidente: a Alemanha é a única beneficiária da globalização e da UE. Portanto, cada eleição continuará a crise, excepto na Alemanha.
A minha segunda conclusão é que não vale a pena perguntar se a social-democracia pode renascer com Corbyn. Ela já morreu e é vítima do fim da hegemonia neoliberal. A Segunda Internacional é uma fantasmagoria, inclui o MPLA e os partidos ditatoriais que foram derrubados no norte de África e é presidida por Papandreou, lembra-se dele? Resta o Partido Socialista Europeu, que é de pouca valia. Isto não tem destino: define-se como centro, ou nos dias de festa como centro-esquerda, e faz por cumprir, veja as listas das portas giratórias entre os governantes e a finança ou as privatizações e ficamos conversados.
Mas que um partido com tradições populares possa ter 40% de votos com um programa de nacionalizações, isso já tem muito significado. Corbyn está fora desse triângulo das Bermudas que é o centro e foi por isso que venceu Blair, os tabloides e as sondagens.
Finalmente, há uma derradeira resposta a esta crise europeia com a fragilização do centro e dos partidos neoliberais, que é manipular as leis eleitorais. Cuidado com ela. Em alguns casos, isso ainda funciona: no domingo, em França, Macron com um terço dos votos pode eleger dois terços dos deputados. Em Itália fracassou. Em Portugal é a confusão: Montenegro tanto propõe um sistema brasileiro, que poucos acharão um caso de sucesso, quanto se distancia dos círculos uninominais, que por sua vez o PS deseja mas não consegue aprovar (estava no seu programa, ao cuidado dos que aplaudem o desejo de uma maioria absoluta). Mas, como se viu, leis eleitorais manipulatórias podem tornar-se um factor de exasperação popular. E agravar a crise retirando-lhes legitimidade não é solução para a crise dos governos, pois não? Pois é nisso que estamos. No topo ninguém sabe o que fazer. Excepto a Alemanha.

sexta-feira, 24 de março de 2017

Social-democrata sempre (estatuadesal)

 

(In Blog O Jumento, 23/03/2017)
PORTUGAL_SEX
 
Quando vejo o Jeroen Dijsselbloem puxando dos seus galões para dar ares de político caridoso para com povos dados a putas e vinho verde questiono-me sobre o que é ser social democrata. Também por cá tivemos um artista que promoveu um discurso muito similar ao do ministro das Finanças holandês e que, na hora de se apresentar a um congresso do seu partido, e depois de ter destruído a classe média e empobrecido os pobres ainda mais do que já estavam, usou o lema “social-democracia sempre”.
Temos, portanto, dois políticos muito semelhantes, com idênticos argumentos para fundamentar a austeridade e que na hora da recauchutagem se lembram de serem social-democratas. A dúvida está em saber se o holandês é social democrata pois só ouvi falar dele quando já tinha um discurso de quase de extrema-direita. Quanto ao nosso, que tanto quanto se sabe passou boa parte da sua vida “nas putas e vinho verde”, nunca foi social-democrata, nem ele, nem a maioria dos do seu partido.
Não é só o Jeroen Dijsselbloem que me faz recear que os partidos sejam vistos, por alguns políticos ambiciosos, mais como uma espécie de clube do que como uma organização que une cidadãos com os mesmos valores. Também por cá temos muita gente que se diz socialista ou social-democrata e que nada tem que ver com os valores ideológicos da social-democracia, uma corrente marxista com mais de um século de existência.
Há dois fenómenos que são preocupantes, há partidos que na luta por chegar ao poder atraem personalidades que seguem mais a sua ambição do que quaisquer valores ideológicos, da mesma forma que há personalidades que escolhem um determinado partido, não pelos seus valores, mas porque é o que lhe dá mais garantias de chegar ao poder. Quando Trump deixou de ser social-democrata foi porque teve uma crise de republicanismo? Quando Durão Barroso mudou numa noite do MRPP para o PPD foi porque viu uma luz no discurso de Sá Carneiro? Quando muitos militantes empedernidos do PCP se mudaram do dia para a noite para o PS ou para o PSD foi porque descobriram as virtudes da democracia?
Os partidos são cada vez mais máquinas de conquista do poder. Assim como os fãs dos clubes não se importam que estes sejam comprados por árabes ou chineses porque estes trazem os recursos financeiros necessários para ganhar títulos, também muitos militantes partidários tanto apoiam as políticas de extrema-direita de Passos Coelho, como no próximo congresso o vão acusar dessas mesmas políticas.
Esta degeneração dos partidos é um processo perigoso, não admirando que sucedam algumas cambalhotas políticas como as que temos vindo a assistir. O tão apregoado fim das ideologias deu lugar à prostituição ideológica.

Ovar, 24 de março de 2017
Álvaro Teixeira