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sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Os acordos para a (in)Justiça


por estatuadesal

(Joseph Praetorius, in Facebook, 26/01/2018)
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Estive a ver o documento divulgado pela ASJP dos “acordos para o sistema de justiça” concluídos entre a ordem dos advogados (!) a coisa dos agentes de execução, o sindicato dos funcionários judiciais e o dos juízes, mais a gente do Ventinhas.
É inenarrável, aquilo.
É a Economia concebida pelo sucateiro, a Justiça pelo polícia, a execução pelo cobrador e o apoio judiciário pelo funcionário asilar.
É também, evidentemente, uma reivindicação de meios, meios e meios, sem que ninguém reivindique a presença de algumas cabeças capazes de raciocinar, de alguma boa vontade capaz de operar, de alguma normalidade capaz de eficácia.
Propõem, por exemplo, a caça à sociedade comercial infirme para lhe precipitarem a insolvência, a perseguição (penal) do administrador que aposte na recuperação, o levantamento informativo, policial e geral do património do devedor.
Isto numa terra onde se nasce devedor, onde o devedor é animalizado, onde o crédito substitui usurariamente o pagamento devido ao trabalho, como uma exploração mais - que fabrica devedores - e onde o desempregado é alvo de medidas de segurança como a apresentação periódica, só exigível aos presumidos delinquentes (a presunção de inocência é figura de retórica), para além, evidentemente, de ser, como devedor, livremente saqueável em execução e atirável para o estatuto de insolvente a qualquer momento…
Fiquei sem dúvidas quanto ao facto indesmentível da grosseria do sistema ser estritamente imputável à gente grosseira que nele se aboletou e em roda livre opera, constituindo um perigo gravíssimo para a população de quem está completamente dissociada e à qual nenhum amor a vincula.
É a vacuidade moral na sua mais aterradora expressão. Mas a vacuidade moral caracteriza o lumpen. De tais cabeçorras e tais guantes só sai e só pode sair a desgraça. É o fim da colmeia dos funcionalismos. Desaparecida a abelha mestra, algumas obreiras alteraram a alimentação e o abdómen chegando em alguns casos a pôr ovos. Mas desses ovos só saem os estéreis zangãos.
A assinatura daquilo por Guilherme Figueiredo em nome da Ordem dos Advogados, sem que aos advogados tenha sido dada qualquer hipótese de qualquer discussão, deixa-me sem fala.
As pessoas normais não estão a fazer nada entre tal gente.
O apelo a tais fenómenos para que produzissem tal coisa, vindo de Marcello II, traduz obviamente a incapacidade radical do inteiro leque partidário para dirigir, conceber, exigir ou decretar qualquer solução.
O Direito foi expulso do sistema e não tem porta-vozes audíveis.
O silêncio da esquerda e da direita diante de tal coisa, significa, evidentemente, que não há esquerda nem direita operantes.
Meus caros amigos, lamento informar-vos que só resta a ruptura radical em nome do Direito. Isto é, resta a Revolução e a sua direcção será revelada pela crise, que aqui nenhuma estrutura existe, nem há alguém que se conheça capaz de assumir tal tarefa.
Vão-se habituando à ideia. É o que há de mais certo.

quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Milionário mata 49 mulheres e vende corpos como carne picada

Agricultor diz que está arrependido de "não ter conseguido matar mais uma".

24.01.18

Robert Pickton confessou ter matado 49 prostitutas na sua quinta

Milionário mata 49 mulheres e vende corpos como carne picada Agricultor diz que está arrependido de "não ter conseguido matar mais uma". O caso chocou o Canadá e o Mundo: um agricultor multimilionário, Robert Pickton, de 68 anos, matou 49 mulheres, a maioria prostitutas, e transformou os corpos em carne picada, que misturou com a dos porcos que criava, para vender ao público, incluindo aos próprios polícias que o estavam a investigar. O homem, dono de uma quinta na Columbia Britânica, à qual chamava ‘ O Palácio dos Porquinhos’, foi detido em fevereiro de 2002 mas só agora foi revelado que o homicida em série confessou estar "muito arrependido por não ter conseguido matar mais uma mulher", uma vez que, segundo o criminosos, "queria chegar a um número redondo". O agricultor acabou condenado a prisão perpétua pelo homicídio de seis prostitutas em 2007, não tendo hipótese de liberdade condicional pelo menos durante 25 anos. Mais tarde, o homem foi acusado de mais 20 mortes que não tinham sido julgadas e cujas provas diferiam das recolhidas nos seis casos anteriores. Sabe-se agora que para a condenação de Robert Pickton, foi essencial que um dos investigadores se fizesse passar por recluso e colega de cela do homicida, conseguindo ‘arrancar-lhe’ pormenores que se revelaram fulcrais para a resolução do caso. "Eu enterrei-me porque fui descuidado. Quem havia de dizer que era isso que me massacrava agora. Ia mesmo matar mais uma e chegar a um número redondo. Queria matar mais para chegar ao grande 50", diz o homicida ao polícia infiltrado, em imagens divulgadas agora pela CBS. Robert livrava-se dos corpos das vítimas no mesmo local onde tratava carne dos animais Foto Direitos Reservados   "Eles agora apanharam-me, porque tem ADN", comenta Robert. O polícia pergunta-lhe porque não se livrou do corpo no mar e o criminoso reponde que fez "algo melhor do que isso", explicando que usava o esquartejadouro, onde a carne dos porcos da quinta que tinha era tratada, para colocar lá os corpos, que era depois feitos em carne picada. Depois da primeira condenação, o Ministério Público canadiano não resolveu levar avante novo processo, mesmo com novas provas de ADN recolhido em mais 20 corpos. "A acusação teve que avaliar se era do interesse público proceder com nova acusação de mais 20 crimes e foi concluído que não", explicou na altura um porta-voz do tribunal. Uma vítima conseguiu fugir Robert Pickton terá começado a matar logo em 1997. Nesse ano o homicida levou uma prostituta de Vancouver para a sua quinta e, quando chegaram, alegemou-a e esfaqueou-a. Segundo a mulher, os dois lutaram pela faca e a vítima acabou por conseguir fugir "ainda algemada, nua e a sangrar profusamente". O homem foi acusado de tentativa de homicídio mas o caso acabou por ser suspenso um ano depois. Nos quatro anos seguintes continuaram a desaparecer mulheres de bairros problemáticos de Vancouver, todas ligadas à prostituição. O 'Palácio dos Porquinhos' Foto Direitos Reservados   Esta vítima que escapou nunca foi ouvida no julgamento do processo, devido ao facto do juiz ter considerado que a tentativa de homicídio seria anterior aos crimes em julgamento e que deveria ser julgada num caso separado. Como o caso tinha sido suspenso, acabou por nunca chegar à barra dos tribunais. Festas com droga, prostitutas e porcos Pickton e o irmão, David, eram conhecidos por esbanjarem dinheiros em festas no ‘Palácio dos Porquinhos’. As noites incluíam sempre prostitutas, muito álcool e drogas. O irmão chegou a ser investigado como cúmplice dos crimes, mas nunca houve provas, pelo que nunca chegou a ser formalmente acusado. O irmão do homicida ainda vive perto da quinta, a maior cena do crime da história do Canadá. Centenas de investigadores passaram o local a pente fino durante meses a fio. Nas instalações da quinta, nos terrenos, anexos e edifício, foram encontradas dezenas de vestígios de restos mortais de humanos.

A Autoeuropa e os direitos das crianças

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por Bruno Santos

O Ministério da Segurança Social propõe-se subsidiar a creche onde os trabalhadores da Autoeuropa possam deixar os seus filhos enquanto trabalham ao fim de semana. Ainda no dia de hoje, a Secretária de Estado da Segurança Social se desdobrou em explicações, num discurso circular e labiríntico, tentando explicar que este tipo de apoio já existe e é prestado a centenas de IPSS. O que a senhora Secretária de Estado não disse claramente, proeza para cuja realização não necessitaria de mais do que duas ou três palavras simples, é que nenhuma dessas creches recebe subsídio do Estado para estar aberta ao Sábado.

Se é já sintoma de uma sociedade em desagregação pujante o facto de haver creches abertas quase vinte e quatro horas por dia, onde as crianças chegam antes de o sol nascer e saem muito depois de ele se pôr, estender esse castigo ao fim de semana transporta-nos para um patamar novo dos maus tratos e da violação evidente de direitos fundamentais consagrados na Convenção Internacional das Nações Unidas sobre os direitos da Criança, que apenas os Estados Unidos, a Somália e o Sudão do Sul não ratificaram.

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Foi-se o “tirano” ficou o “pai”

por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 25/01/2018) 

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Também no mandato de Marcelo Rebelo de Sousa, que esta quarta-feira completou dois anos, há um antes e um depois dos incêndios. Antes, era a solidariedade institucional, o que o levou a ser muito criticado por políticos e comentadores de direita enquanto era amado pelo povo de direita. Depois, vieram os recados e pequenas farpas para o Governo, o que o leva a ser criticado por políticos e comentadores de esquerda enquanto é amado pelo povo de esquerda. Há, no entanto, traços comuns ao antes e ao depois. São os que interessam. Não estando dependentes de ciclos políticos, são eles que nos dizem o que esperar dos próximos anos.

A definição mais consensual para este Presidente tem sido a do “Presidente dos afetos”. Não seria difícil este perfil depois de um Presidente distante, crispado, autoritário e autossuficiente. Marcelo compreendeu bem o temperamento português. Mais do que a bonomia de Soares, que também era a seu tempo apreciada e de que Marcelo também é um bom exemplo, o atual Presidente destaca-se como ombro amigo no momento de dor e sofrimento. Não preciso de apelar aos clichés sobre os portugueses para sublinhar o óbvio: a alma pátria pela-se por uma boa choradeira. E Marcelo está lá sempre. Mesmo não acreditando em categorias identitárias emocionais para definir um povo – e eu não acredito –, os mitos ajudam a criar uma estética. O papel de José na manjedoura, que as gentes que mais sofreram com os fogos lhe reservaram neste Natal, ajuda a explicar que lugar ocupa Marcelo no imaginário nacional.

O vínculo emocional que une o Presidente aos portugueses é intrinsecamente positivo. Não há liderança democrática sem ele. Não há, aliás, liderança sem empatia. A democracia não é apenas um conjunto de regras e processos, apesar de eles serem um elemento central da sua legitimidade. É também uma adesão voluntária que depende de uma ligação emocional entre representantes e representados. Ter, na Presidência da República, alguém de que as pessoas gostam (e não apenas que apoiam) é bom para as instituições democráticas. Mas este magistério emocional tem riscos.

O primeiro risco é o de retirar a racionalidade da política. Diz-se que Margaret Thatcher terá afirmado, um dia, que as pessoas já não queriam saber o que os políticos pensavam, só queriam saber o que os políticos sentiam. Não sei se o disse mesmo. Espero que sim, ou terá sido em vão que várias vezes citei tão sinistra figura. A forte mediatização da política, com um peso crescente da importância da imagem, torna a parte emocional e sensorial da dramatização política cada vez mais relevante. Marcelo tem levado isso até às últimas consequências - e não sei se sempre com ganho do debate político. Temos a sorte de estarmos perante um Presidente comprometido com os valores democráticos. Mas a verdade é que raramente ele apela à racionalidade do debate, quase sempre opta pela vinculação estritamente emocional à sua pessoa. Talvez seja assim com todas as lideranças carismáticas. O único problema é se elas não nos querem levar para lado algum a não ser para si mesmas. Temo que seja o caso.

O segundo risco tem a ver com este: Marcelo Rebelo de Sousa parece ser escravo da sua própria popularidade. A popularidade é o elemento fundamental de um político que dependa do voto. É ainda mais importante num Presidente da República, cuja latitude de poderes está limitada e depende em larga escala da sua capacidade de influência. Mas por vezes temos a sensação que, mais do que ter uma agenda própria, Marcelo a adapta aos humores, indignações e paixões coletivas de cada momento. Que Marcelo não lidera a opinião pública, é liderado por ela. Que é uma espécie de eco das redes sociais sem os insultos. Até agora isso não foi um problema. Mas tenho curiosidade para ver o comportamento de alguém que precisa de ser adorado se alguma vez tiver de contrariar o sentimento geral. No caso do financiamento dos partidos prescindiu, como então escrevi, de qualquer esforço pedagógico. Mas tinha, neste caso concreto, boas razões para o veto. Veremos como se comporta quando a emoção nacional e a razão política estiverem em evidentes campos opostos.

O terceiro risco é a banalização. Marcelo está em todo o lado, comenta tudo, tudo lhe merece igual atenção. Também nisto ele corresponde ao tempo que vivemos, marcado pelo fim da intermediação e correspondente hierarquização. É um Presidente que se entrega facilmente ao imediatismo, correndo riscos de que a sorte o tem salvo. O único caso caricato foi mesmo o da Cornucópia, quando, totalmente descoordenado do Governo, decidiu deslocar-se ao teatro para prometer o que não podia. Como eram coisas da cultura ninguém ligou muito. Mas um dia pode ser pior. Ainda assim, o Presidente da República, que é tudo menos parvo, tem mostrado que sabe quando não pode pisar ramo verde. O seu silêncio obstinado no caso da recondução da Procuradora Geral da República demonstra que a banalização da sua palavra não é um descuido, é uma escolha. Mas é um caso fácil, porque ele sabe à partida a relevância que virá a ter. Outros são mais imprevisíveis. E é difícil ter a última palavra quando se teve a primeira, a segunda e a terceira.

Por fim, há o risco de o árbitro se querer transformar num treinador. Cavaco correu esse risco, e o resultado foi desastroso. Não será por Marcelo ser muito mais popular que o perigo desaparece. O nosso sistema semipresidencial é, na realidade, semiparlamentar. O Presidente é o “chefe de Estado” mas tem, pelas suas funções, menos protagonismo político do que Governo e Parlamento. É verdade que o seu poder de influência, mais relevante do que os seus poderes constitucionais, depende, como o anterior Presidente tão amargamente descobriu, da sua capacidade de trasvazar as barreiras políticas e partidárias da sua eleição. Marcelo conseguiu e isso até levou, no primeiro ano do seu mandato, ao risco de termos um governo sob tutela presidencial pelo seu excessivo apoio. É compreensível que Marcelo queira ampliar a sua base de apoio. Qualquer político quer. A questão é saber se, por nunca sair do palco, isso não cria entorses no sistema.

Marcelo sucedeu ao mais impopular dos Presidentes e é impossível olhar para o tipo de intervenção que escolheu para si sem perceber que herdou uma instituição com a imagem degradada. Tínhamos um Presidente que nos sufocava com os seus sermões, passámos a ter um Presidente que nos sufoca com os seus abraços. Em qualquer dos casos, temos figuras tutelares e paternais. Não simpatizo com nenhum dos registos, mas convenhamos que o segundo é mais simpático do que o primeiro.

E que a transição do primeiro para o segundo devolveu à Presidência da República o prestígio que teve desde 1976 e que apenas Cavaco Silva interrompeu. Num tempo de crise das instituições democráticas isso só pode ser bom.

O PROBLEMA DA HABITAÇÃO

Ricardo Araújo Pereira

RICARDO ARAÚJO PEREIRA

BOCA DO INFERNO

25.01.2018 às 8h35

Ricardo Araújo Pereira

Gostaria de viver numa casa inventada, sita numa rua fictícia, pagando uma renda imaginária e um IMI quimérico. É poesia e poupança, tudo ao mesmo tempo

Ilustração: João Fazenda

Quando se soube que, no mês anterior às eleições internas do PSD, 13 mil militantes tinham ido pagar as quotas para poderem votar, louvei o surto de militância, mas receei que a despesa súbita pesasse no orçamento daqueles sociais-democratas. Não me enganei. Agora veio nos jornais que, em Ovar, 17 militantes do PSD moravam na mesma casa. O que gastaram nas quotas foram forçados a poupar na renda. Talvez não tenha sido um grande sacrifício: uma comunidade de militantes do PSD, vivendo juntos e dormindo em camarata, é uma boa ideia. Estimula a entreajuda e a troca de impressões sobre a vida interna do partido. Uma espécie de internato ideológico. Os militantes do Bloco vão acampar para a mata; os do PSD vão coabitar numa vivenda em Ovar. Faz sentido.

Fiquei mais sossegado quando os jornais foram investigar a casa em questão e descobriram que não era habitada por 17 pessoas mas por apenas 8 – nenhuma das quais militante do PSD. Melhor ainda: 17 militantes do PSD possuem uma moradia em sociedade e alugam-na a gente que não é social-democrata. Lucram onerando pessoas de outros quadrantes ideológicos.

O caso é ainda mais interessante no número 379 da Rua dos Pescadores, na mesma localidade. Nessa morada vivem mais 
8 militantes do PSD, embora não haja lá qualquer casa. Vivem num terreno baldio, demonstrando um despojamento e um amor à natureza que vão rareando neste nosso mundo moderno. O episódio faz lembrar as eleições internas do PS, em 2011, altura em que vários militantes de Coimbra declararam morar na Rua da Amizade, que seria um excelente sítio para viver, não fosse o caso de não existir. A militante que denunciou o caso foi justamente expulsa do partido. Mandaram-na para o olho da rua, e dessa vez era uma rua real. Mas, uns anos mais tarde, o Tribunal Constitucional reverteu a expulsão, o que não se compreende. Se há militantes que desejam morar numa rua que não existe, não devem ser impedidos. É um direito e, simultaneamente, uma divertida partida pregada aos CTT. Eu próprio gostaria de viver numa casa inventada, sita numa rua fictícia, pagando uma renda imaginária e um IMI quimérico. É poesia e poupança, tudo ao mesmo tempo. E eu aprecio poesia e gosto ainda mais de poupança.

Fica desmentida, portanto, a ideia de que PSD e PS são os partidos chatos do pragmatismo. Há aqui uma espécie de bloco central do sonho e da utopia, da imaginação e do devaneio. Gostava de enviar um postal de parabéns a ambos os partidos, mas não sei a morada.

(Crónica publicada na VISÃO 1298 de 18 de janeiro)