Translate

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

O último pote

 

(In Blog O Jumento, 16/02/2017)
um-artista    Um verdadeiro artista
A crer naquilo que se vai ouvindo a propósito do folhetim Domingues este senhor foi traído por um malandro chamado Centeno (o que se poderia esperar de um mafarrico com um apelido espanhol que em português é centeio? É óbvio que se teria de ouvir muito burro a zurrar com cheiro a palha) prometeu-lhe uma CGD com ordenados e prémios iguais ao do sector privado e sem ter de suportar a curiosidade da populaça, com vícios delegados em jornalistas do CM ou do Sol.
Vendo o seu amigo traído, surge um bom cristão, um tal Lobo Xavier que aparece sempre que cheira a palha, personalidade que como todos sabemos anda neste mundo movido pelo desejo de fazer as boas acções necessárias para ter pontos suficientes no seu cartão de cliente do Céu, a fim de poder abrir as portas do dito, dispensado de terços e penitências e outros bilhetes.
Toda a gente sabe que Lobo Xavier é o cristão mais franciscano que anda acima da terra, homem  despojado de riquezas e mais isolado dos vícios do mundo do que os monges da Cartuxa.
Os nossos deputados, gente que cada vez que dizem uma mentirita a primeira coisa que fazem quando chegam a casa é apertar as partes íntimas com o cilício devidamente certificado e desinfectado, estão indignados com a hipótese de o mafarrico espanhol ter dito uma mentira dentro desse santuário da verdade que é o nosso parlamento. Num hemiciclo onde metade das intervenções resultam de pedidos da palavra em nome da defesa da honra, o pecado da mentira é um pecado mortal, e não admira a reacção digna de meretrizes ofendidas a que temos assistido.
Não, o Domingues e os seus amigos, gente que como se sabe pertence a essa nobre estirpe de banqueiros portugueses, verdadeiros exemplos de honestidade e competência, como se pode ver pela situação brilhante em que estão todos os bancos portugueses ou que o eram em tempos mais recuados, não iam gerir a CGD para ganharem prémios chorudos, como fizeram muitos gestores da nossa impoluta banca. Iam servir o país e como gestores franciscanos e só se sentiam obrigados a prestar contas a Deus porque só a isso está obrigado um bom cristão.
Não, o Lobo Xavier não tem o mais pequeno interesse nos muitos milhões da CGD, nem ele nem os muitos interesses que representa teriam interesse nos créditos, na litigância, nos PER ou nos muitos negócios da CGD. A sua presença no processo foi apenas para divulgar os emails e os SMS privados do Centeno, às mijinhas, porque o seu amigo Domingues é muito envergonhado e não se sente à vontade com jornalistas e políticos da direita, até porque o pobre banqueiro começou a sua escolinha no MRPP.
Não, os muitos milhões da CGD seriam um fardo para qualquer um, um trabalho muito penoso. A má cobrança de muitos milhões em dívida e os muitos milhões disponíveis para muitos créditos não interessavam a ninguém. A própria presença de Lobo Xavier e de muitos dos deputados esganiçados da direita são a maior garantia de que qualquer relação entre aquilo que se passa e a vontade de ir ao pote é pura coincidência.
Enfim, por este andar até me vou tornar um devoto do Paulo Macedo, comecei por defender esse Domingues e dou comigo a sentir-me na obrigação de uma pesada penitência, dando graças a Deus por terem metido o Macedo na CGD; ou estou muito enganado ou com essa mudança salvei o que me resta dos subsídios de férias e de Natal.
 
Ovar, 17 de fevereiro de 2017
Álvaro Teixeira


terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Uma Primavera americana?

 

(António Gil, in Facebook, 13/02/2017)
estatua_liberdade
Segundo algumas opiniões que vou lendo, os EUA correm o risco de uma guerra civil.
Segundo outras opiniões, essa guerra civil já começou e mantém-se ainda a níveis de baixa intensidade: carros incendiados, montras partidas, confrontos nas ruas. (nada que chegue aos nossos queridos jornais, mas que são reportados numa base diária, em várias cidades).
A falha tectónica que atravessa os EUA enquanto realidade política é geral. Os dois partidos principais rachados a meio. No PD, entre sanderistas e hillaristas, no PR entre trumpistas e anti trumpistas.
Entre as multinacionais, há também interesses divergentes: o «big oil» quer um entendimento com a Rússia, para poder explorar seus enormes recursos na Sibéria. As guerras não os entusiasmam: imaginem então no Médio Oriente, por onde passam todos os petroleiros. Uma chatice.
Os jornais e TVs querem guerras e portanto a diabolização da Rússia: parece que os cidadãos consomem mais (e logo os anunciantes televisivos pagam mais) quando se mostram imagens como as que CNN mostrou de uma cidade lá longe, submetida a uma chuva de misseis, em directo.
No caso dos jornais idem: o café da manhã deve saber melhor a muitos se lerem as crónicas reportagens dos jornalistas «embedded» nas colunas militares. Um pouco como a nós, cidadãos pacíficos deste lado, nos sabe melhor ficar na cama com o ruído da chuva caindo lá fora. :(
Mc Donalds, Coca Cola etc, não gostam de países que os correram de seus mercados. Gostam portanto da guerra como medida punitiva contra esses estados (how do they dare?), mas se tal destabilizar toda uma região, incluindo países mais amigáveis, fica mau para o negócio. Guerra sim, portanto, mas só um bocadinho.
O aparelho militar industrial, o mais luxuoso do planeta e um sorvedouro de dinheiros públicos, precisa de guerras, claro. De preferência porém se outros países as assumirem: é melhor vendê-las do que usá-las em proveito próprio. Parece que nesta última situação, até os aliados têm relutância em pagar por «fogo de artifício» que não encomendaram.
O exército está dividido também: guerras sim, até porque elas justificam a existência da «classe guerreira». Mas de preferência atirar «pedras» (das explosivas) de longe. Pôr os «boys» no terreno já não os entusiasma desde o Iraque: é chato, pá, voltam em caixões, os seus camaradas de armas e famílias levam isso a mal.E mesmo os soldados que se safam, depois da merda que viram, ficam traumatizados. E engrossam o nº dos niilistas, sem abrigo ou pior ainda: tornam-se em perigosos pacifistas militantes, o que enfraquece a nação.
Querem saber a minha opinião? os EUA arriscam-se a não viver - unidos, quero dizer - os tais dez anos que Bannon previu para uma inevitável guerra com a China. Porque os sinais de desunião estão aí todos, com todo o seu potencial conflituoso.
Depois das primaveras árabes, talvez tenhamos em breve uma primavera americana que mais parecerá um inverno. Ou um inferno. Quem semeia tempestades no deserto, arrisca-se a colher sismos nas cidades.

estatuadesal | Fevereiro 14, 2017
 
Álvaro Teixeira
 

domingo, 12 de fevereiro de 2017

Ao mau cagador até as calças empatam

 

 

(In Blog O Jumento, 08/02/2017)

cagador

Para conseguir défices bem acima dos 3% a direita inventava desvios colossais para justificar cortes de vencimentos e de pensões, acusava o povo de consumir acima das possibilidades, difamava o país sugerindo que por cá erramos, mais gandulos dos que os outros, cortavam-se férias e feriados, fazia-se de tudo.

As escolas tinham salas empanturradas de alunos para poupar nos professores, morria-se à porta das urgências, os pilares de uma futura ponte perto de Ferreira do Alentejo foram convertidos em postes para ninhos de cegonhas, o Metro deixou de renovar a sua frota, todas as obras pararam. Não havia dinheiro para nada, criou-se um ambiente de terror, não se sabia quanto se iria receber de ordenado no mês seguinte. Não gastar um tostão era símbolo de rigor, competência e amor à nação.

A direita que sempre se afirmou com o dom da competência e do rigor orçamental apostou no falhanço de António Costa, deixou armadilhas montadas nas receitas fiscais, recusou-se a dar contributos para o OE e os seus deputados recebiam o ordenado para roçar o cu no veludo das cadeiras parlamentares, apelaram à direita reunida em Madrid para que condenassem o governo português, exigiram que Bruxelas impusesse um plano B.

A tese era a de que o défice proposta era aritmeticamente impossível de alcançar, já não seria um problema de rigor, a funcionária da Arrows dizia que Centeno nem sabia fazer as contas mais elementares. Ainda esperaram pelo Diabo em Setembro, e cada vez que uma agência de rating se ia pronunciar toda a direita se excitava, sendo o momento mais alto foi quando chegou a vez da canadiana DBRS; se esta desse a notação de lixo viria aí o desejado segundo resgate.

Mas o país sobreviveu à DBRS e às diatribes fiscais da Maria Luís, a esperança deles passou a ser uma armadilha deixada por Passos Coelho, a situação da CGD e do BANIF. As agências rating deixaram de falar no défice, o problema era a banca. A cada subida nas taxas de juro da dívida sentia-se a excitação colectiva da direita. Mas o tal governo que não respeitaria os compromissos internacionais cumpriu com tudo, o défice foi reduzido a mínimos e a CGD vai ser recapitalizada.

Agora o problema já é o crescimento, todos exigem crescimento. Esquecem-se de que era uma palavra proibida por Passos Coelho; e os mesmos jornalistas e comentadores que hoje exigem crescimento no passado elogiavam o Gaspar, o tal ministro que transportava os valores da avó Prazeres, mulher da Serra da Estrela.

Quando o Sôr Pereira exigia medidas para promover o crescimento o Gaspar respondia “não há dinheiro”, perante a insistência perguntou ao colega “qual das três palavras não percebeu”. Os que hoje exigem crescimento numa economia que deixaram descapitalizada elogiavam na altura o traste que era ministro das Finanças.

sábado, 11 de fevereiro de 2017

Serviços secretos confirmam algumas informações do relatório comprometedor sobre Trump

As autoridades americanas terão confirmado a veracidade das conversas descritas no relatório onde se alega que Moscovo está na posse de informações comprometedoras sobre o Presidente americano.

PÚBLICO

11 de Fevereiro de 2017, 2:02

 

 

Reuters/JOSHUA ROBERTS

As autoridades norte-americanas confirmaram, pela primeira vez, a veracidade de alguns aspectos do relatório elaborado por um antigo espião britânico em que se alega que a Rússia possui informações pessoais e financeiras comprometedoras em relação a Donald Trump, noticia a CNN, citando fontes oficiais de segurança e das agências secretas americanas.

A informação que terá sido confirmada pelas autoridades diz respeito a comunicações realizadas entre fontes russas que deram origem a algumas das informações presentes no relatório. As fontes que falaram à CNN não revelaram, no entanto, o conteúdo dessas conversas.

O documento que foi entregue a Barack Obama e a Trump, sobre a suposta informação comprometedora sobre o actual Presidente dos EUA, descreve dezenas de conversas. A investigação concluiu agora que as comunicações se deram entre as mesmas pessoas, nos mesmos dias e nos mesmos locais daqueles descritos no relatório. O canal norte-americano nota que não foi possível confirmar se essas conversas tiveram como tema o então candidato a Presidente dos EUA, Donald Trump.

Algumas das pessoas envolvidas nestas conversações interceptadas pelas agências americanas estavam sob a mira das autoridades por estarem “fortemente envolvidas” na ingerência de Moscovo nas eleições americanas através de ataques informáticos à campanha da candidata presidencial democrata Hillary Clinton.

Esta confirmação por parte das agências americanas traz maior confiança em relação à veracidade do conteúdo do relatório, que continuará a ser investigado.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

A cabeça à direita de Trump

A opinião de

Francisco Sena Santos

Francisco Sena Santos

Chama-se Stephen Bannon, é inteligente, astuto, obstinado, provocador, bizarro, polémico e descarado. Muito hábil a desenhar e construir estratégias e perito em manipulação. É um ultra, admirado pela direita mais estridente nos EUA. Há vários anos que não esconde a sua ambição: destroçar o atual establishment global, aquilo que ele chama de “o partido de Davos”. Assume que gosta de estar no lado obscuro da força. É tão poderoso que a revista Time acaba de lhe dedicar uma capa em que o apresenta como o “grande manipulador” e o The New York Times até já perguntou num editorial se não será ele, Bannon, o presidente.

É a personagem mais influente na presidência Trump. Stephen Bannon foi nomeado por Trump para o cargo de Chefe de Estratégia da Casa Branca e para um dos lugares no determinante Conselho Nacional de Segurança dos EUA. É o autor do decreto presidencial anti-imigração.

Bannon entrou na campanha de Trump quando liderava o discurso contra o sistema através do website Breitbart News. O Breitbart, que se prepara para entrar na Europa, rejeita ser um inventor de notícias falsas mas é inquestionável que o seu ativismo conduz à leitura orientada dos factos.

O Breitbart.com é uma plataforma digital que se declara pela “alt-right”. Essa preferência pela alternativa radical à direita aparece em tudo o que é publicado e que The New York Times analisou e definiu como um sítio de pessoas, designadamente  jovens, que acreditam na supremacia branca, que se opõem à imigração, ao feminismo e ao multiculturalismo, e que são ásperos com judeus, muçulmanos e outros grupos étnicos, que insultam nas redes sociais.

Nascido de uma família católica de origem irlandesa, Bannon  insiste nas suas origens modestas, foi oficial de marinha ao longo de quatro anos, mas antes de chegar à banca em Wall Street, frequentou escolas de prestígio como a Georgetown University e a Harvard Business School.

O jackpot na vida de Bannon surgiu nos anos 90, quando, ainda na Goldman Sachs, decidiu investir numa série de televisão que estava a ficar sem produtor: Seinfeld. Aposta em cheio. As sucessivas temporadas, com mais de 180 episódios, rendem milhares de milhões de dólares em direitos de transmissão por todo o mundo. Seinfeld e os amigos são ferozmente democratas, Bannon já então era contra o sistema, mas todos fazem fortuna com a série. A incursão de Bannon pelo audiovisual continuou com um filme promocional sobre Sarah Palin, no apogeu do movimento ultra que tomou a etiqueta de tea party.

Em 2009 surgiu o Breitbart, website fundado por Andrew Breitbart, um protegido de um blogueiro que se tinha tornado guru mediático das direitas nos EUA, Matt Drudge. Andrew morreu repentinamente em 2012 e Stephen Bannon tomou a liderança do Breitbart. O que se apresentava como uma plataforma jornalística depressa passou a ser um website combativo, militante, provocador, com ideologia radical à direita. No verão passado, Bannon, em entrevista à Mother Jones, descreveu o Breitbart.com como “a platform  for the alt-right” [uma plataforma para a alternativa de direita]. Já era, de facto, uma plataforma para a direita fora do sistema. Com grandes meios, muitas histórias, mas com os factos de forma convenientemente manipulada.

O Breitbart tem sido repetidamente acusado de propagar fake news, notícias falsas, como quando fez manchete a proclamar que “uma multidão com mais de 1000 pessoas que gritavam 'Allah Akbar' incendiou uma histórica igreja na Alemanha”. Destaques assim falsos, com evidente intenção orientada, tornaram-se frequentes. A propaganda racista e contra a imigração tornou-se tema dominante e transitou, ampliada, para furiosas publicações nas redes sociais. Numa outra manchete leu-se que “Os jovens muçulmanos no Ocidente são uma bomba-relógio contra nós todos”. O Breitbart passou a ser força dominante na conversa online, a inflamar o sentimento radical de direita. Contra toda a classe política.

Quando toda a imprensa dos Estados Unidos, designadamente a mais conservadora e republicana, se levantou em oposição ao que se sabia da campanha presidencial de Trump, o Breitbart.com de Bannon disparou com a cobertura pró-Donald e hostil a Hillary. Nos quadros da Score, o Breibart apareceu em outubro com mais de 19 milhões de utilizadores. Cresceu o número de apoiantes de Trump que percecionam o mundo pelo que veem e leem no Breitbart.com. Com os Clinton, os Obama e até os Bush como alvos privilegiados. O próprio Trump diz que encontra no Breitbart.com tudo o que precisa de saber sobre o mundo. Tanto o presidente como o Breitbart.com nunca estão interessados em ouvir pontos de vista diferentes dos seus.

“Estão a criar uma atmosfera tóxica”, indigna-se num mail Jane Eisner, editora do Forward.com, em Nova Iorque.

Há uma ideia dominante: eles, Trump e Bannon, a sua cabeça pensante à direita, nem querem saber o que pensa a gente que não pensa como eles.

Bannon já disse que lhe agrada ver-se como um Darth Vader, a desmontar a engrenagem dos adversários sem eles saberem como. Agora é o homem que o presidente dos EUA escuta sempre e em quem crê cegamente.

O Breitbart.com trata de entrar na Europa continental e propõe-se montar a sua plataforma em Paris. O lançamento da edição em francês está em fase de preparativos, mas ao contrário da intenção inicial de Bannon, já não deve ser antes da eleição presidencial francesa.

A sombra do falso jornalismo como modo de propaganda anda por aí, avança. Por agora, Bannon é o dono do castelo na corte de Donald Trump.

 

Sapo, 7 de fevereiro 2017