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quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

O balanço da austeridade, agora em números

 

(Marco Capitão Ferreira, in Expresso Diário, 22/02/2017)
capitaoferreira
Durante anos, muitos foram os que avisaram que a chamada política de austeridade era incapaz de cumprir o seu objectivo declarado (equilibrar as contas públicas e controlar a dívida pública), e que teria efeitos sociais devastadores, desde logo ao colapsar a Economia enquanto transferia riqueza dos mais pobres para os mais ricos.
No que respeita àquele último aspecto, os dados sobre evolução da pobreza e repartição do PIB entre capital e trabalho são esclarecedores.
Essa avaliação científica está a começar. Esta semana foi publicado um interessante estudo em que o sucesso ou insucesso da austeridade foi avaliado para o conjunto da a União Europeia (“Austerity in the Aftermath of the Great Recession” por Christopher House, Linda Tesar e Christïan Proebsting, da Universidade de Michigan).
É uma leitura ao mesmo tempo recomendada e imprópria para os estômagos mais fracos.
Primeiro aspecto, a dívida devia ter descido mas subiu.
Para espanto dos cavaleiros do Excel, cortar de forma cega, abrupta e injusta a despesa pública e fazer o mesmo do lado do aumento de impostos gera um efeito perverso em que a contracção da Economia arrasta o ratio da dívida pública na direcção oposta à pretendida.
Em vez de descer, sobe. Em média, a dívida pública para os Países do Sul (mais Irlanda) subiu o dobro do que teria subido sem as políticas de austeridade focadas no défice de curto prazo a todo o custo. O dobro. Isso enquanto a Economia afundava.
Essa contração da Economia é calculada por House, Tesar e Proebsting, para os mesmos países num total de 18% do PIB entre 2010 e 2014.
Quase um quinto da Economia pura e simplesmente desapareceu. Não admira que o desemprego tenha explodido. Tirando situações de Guerra ou catástrofes naturais é difícil encontrar paralelo na história para um tal descalabro.
Os mesmos autores salientam que essa queda poderia ter sido de apenas 7% se estes países pudessem ter acompanhado a política de austeridade com uma política monetária adequada mas, mais, que se além disso não tivessem aplicado políticas de austeridade, essa queda poderia ter sido de apenas 1%.
Ficam comprovados dois pontos: a arquitectura do Euro não consegue lidar com recessões sem as agravar, factor muito associado a opções políticas erradas e há uma óbvia “self fulfulling prophecy” que diz que se um país não pode desvalorizar a sua moeda isso aumenta o seu risco de incumprimento o que por sua vez gera juros mais altos que mais agravam o risco de incumprimento e assim sucessivamente.
A austeridade não é apenas uma má ideia, cujos fundamentos básicos são destituídos de lógica e cujos efeitos são contrários aos pretendidos, é uma ideia perigosa que agrava desigualdades, cria pobreza e transforma crises financeiras em crises económicas e estas em crises políticas.
Como ainda não resolvemos nenhuma delas em definitivo, teremos de lidar agora com as três ao mesmo tempo. Tem tudo para correr bem.
 
Ovar, 23 de fevereiro de 2017
Álvaro Teixeira


quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Don Corleone

 

(In Blog O Jumento, 21/02/2017)
corleone

Pedindo um favor a Don Corleone

Não são políticos mas são conselheiros de Estado, nunca fizeram grande coisa pelo país mas coleccionam comendas; não são formados em gestão mas gerem dezenas de empresas, não têm capital mas estão entre os capitalistas, não são jornalistas mas administram jornais. Constroem e destroem carreiras políticas, tratam todos os governantes por tu, quando o governo é dos seus dão ordens aos ministros como se fossem um primeiro-ministro sombra, para eles o primeiro-ministro é o António e o líder da oposição é o Pedro.
Em Portugal não existe a Mafia no sentido siciliano; somos um país de brandos costumes. Mas existem poderes do tipo mafioso a um nível mais elevado; na Sicília a Máfia domina o tráfico de droga, um negócio de notas de vinte euros. Por cá, os nossos “padrinhos” dominam um tráfico mais rentável, o tráfico de poder; é um tráfico legal, há sempre lugar à emissão da factura, na maior parte dos casos duas facturas, uma com o valor fiduciário da transacção, sob a forma de factura de serviços de advocacia, e outro com o preço da subserviência.
Por cá não se mata a tiro recorrendo a um “soldado” no lugar detrás da Vespa, a morte física é para a ralé. Aqui mata-se com classe, mata-se com a caneta, elimina-se moral e politicamente. Vai-se ao nosso “Corleone” e pede-se ajuda para uma vingança, uma vendetta, alguém não cumpriu com uma promessa, destruiu grandes expectativas financeiras. O padrinho sabe o que fazer, sabe como destruir o ministro “pondo-o a dançar” à medida que divulga e-mails e SMS, que dá ordens a jornalistas ou telefona a gente com poder de tramar terceiros.
Recorre-se aos jornais que administra para fazer a notícias, usa-se o programa onde se comenta para lançar a suspeição, recorre-se às relações palacianas para envolver o poder. Ao pé do “Don Corleone” o economista sem grande experiência política é como uma virgem ao lado duma rameira velha. A vingança é consumada, o nome foi enlameado, as comissões parlamentares estão requeridas, os amigos dos partidos foram solícitos, aproveitaram a carcaça como se fossem hienas esperando que o leão se sinta cheio. "Don Corleone" confirma o seu poder, eterniza o terror, nenhum político ou jornalista ousará denunciá-lo, por mais evidente que tenha sido a manobra suja.
Não importam os métodos, o baixo nível que é usar mensagens privadas, o amigo foi vingado, ainda que mais ninguém se sinta à vontade para falar com ele ao telefone. Don Corleone não ficou bem na fotografia, mas passou incólume; o Presidente manteve-o conselheiro, os jornalistas não repararam na sacanice, os políticos fazem de conta que não repararam. Toda a gente tem medo do “Don Corleone”, os seus programas são perigosos para a reputação, os orçamentos publicitários das empresas e interesses em que está envolvido dão de comer a metade dos jornalistas, nunca se sabe o que nos pode acontecer ou se um dia não teremos de recorrer aos seus favores.
“Don Corleone” continuará a sua brilhante e lucrativa carreira. Quer emprego para o filho doutor? Quer renegociar uma dívida com o banco? Quer um artigo simpático no Público e escapar a uma notícia incómoda da SIC? Quer uma norma à medida da sua empresa no código do IRC ou do IMI? Quer tramar um ministro das Finanças? Quer mandar um recado ao Presidente? Quer que o fisco feche os olhos às suas transferências para a off-shore? Já sabe, tem por aí alguns “Dons Corleone” ao seu dispor é uma qestão de bater à porta certa.
 
Ovar, 22 de fevereiro 2017
Álvaro Teixeira


Convém tirar a carta de “puta”

 

(In Blog O Jumento, 22/02/2017)
putafina
Poucas horas depois de o Público divulgar que durante o consolado de Paulo Núncio ninguém controlou a transferências para as offshore, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais durante o consulado de Passos e Portas apressou-se a desmentir a notícia. Paulo Núncio tem de memória tudo o que o fisco fazia, deixando no ar que o fazia graças à sua acção.
Haverá algum documento onde conste uma instrução dada por Núncio para que o fisco analise ou deixe de analisar as transferências para as offshore? É mais do que óbvio que se vier a comprovar-se que nada foi feito, Paulo Núncio virá dizer que esses controlos eram uma competência e obrigação dos responsáveis da AT, não sendo necessária qualquer instrução nesse sentido, pelo que partia do princípio de que a AT estava fazendo o que lhe competia.
Paulo Núncio teve centenas de reuniões com responsáveis do fisco, fez centenas de telefonemas a subdirectores-gerais e directores-gerais, diria mesmo que em nenhum dia do ano passou uma hora sem que tivesse telefonado a um dirigente do fisco, deu centenas de ordens directas. Haverá algum registo das ordens que deu, das sugestões que fez, das suas directivas durante quatro anos de governo?
E o que é verdade para um secretário de Estado é verdade para todos, são poucos os políticos que exercendo cargos governamentais se expõem assumindo as ordens que dão, gerem os ministérios assumindo o poder de ordenar o que podem e o que não podem, mas na hora das responsabilidades a culpa é sempre dos quadros do Estado.
Poderia dar muitos exemplos de como muitos dos nossos políticos se relacionam com o Estado. Por exemplo, quando Guterres era primeiro-ministro estava muito em voga a utilização do termo ”cliente” para designar os utentes dos serviços. Na ocasião a DGCI produziu um documento público usando o conceito de cliente com esse significado. Foi o suficiente para o líder da oposição acusar o fisco de ter clientelas, usando o termo no sentido da corrupção. Na época o líder da oposição era Marcelo Rebelo de Sousa.
Mais recentemente temos assistido ao espectáculo da CGD. Centeno tentou resolver um problema, mas como não é um político nascidos nas jotas fê-lo sem o cuidado de meter a pata na poça. Foi o suficiente para uma tentativa de homicídio político, como se tivesse sido cometido um grande crime. São exemplos que mostram como se faz política em Portugal e como se comportam os políticos que estarão sempre acima de qualquer suspeita.
Enfim, para viver no mundo da política dá jeito ter carta de "puta", de preferência "puta fina", ajuda no convívio neste mundo difícil.

Ovar, 22 de Fevereiro de 2017
Álvaro Teixeira

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Três anos, dez meses, 28 dias

Tiago Freire
Tiago Freire | tiagofreire@negocios.pt 21 de fevereiro de 2017 às 00:01

São apenas 31 dias no cargo, mas os suficientes para que tenha sido criado um contador decrescente que marca a data da sua (eventual) saída. Se não for reeleito, faltam três anos, dez meses, 28 dias e qualquer coisa.

Trump, honra lhe seja feita, está a ser extraordinariamente fiel a si próprio e ao que apresentou durante a campanha eleitoral. A surpresa, para muitos, é que o violento choque com a realidade não tenha sido suficiente para moldar, mesmo que vagamente, o homem mais poderoso do mundo.
O Presidente está a ser, no cargo, o que sempre foi: infantil, precipitado, manipulador, mentiroso, misógino e egoísta. Quando, numa reveladora birra, ataca os tribunais e a imprensa por não agirem como ele quer, é a sua total ausência de espírito democrático que fica bem à mostra. Em termos simples, não é uma pessoa que o mundo possa desejar como líder dos EUA.
Acontece que o mundo não vota para essa eleição, que Donald Trump ganhou muito à sua maneira, contra a opinião publicada de praticamente toda a gente que conta (ou contava) na formação da opinião pública. Os Estados Unidos, esse bicho mutante, complexo e fascinante, é capaz disto e do seu contrário.
Dito isto, Wall Street explode. Os mercados não têm moral, mas mesmo em termos egoístas não é fácil perceber a euforia.
A desregulação da banca e os cortes de impostos deverão suportar uma aceleração económica no curto prazo. Bem como a aposta em obras públicas. No entanto, e são já vários os analistas que para isso alertam, no médio prazo a receita de Trump não tem qualquer sustentabilidade. E trará défices maiores nas contas públicas e uma explosão da dívida.
Perseguir os imigrantes significa aumentar brutalmente os custos da mão-de-obra nos EUA; da mesma forma que o preço dos bens crescerá, quando os automóveis passarem a ser feitos novamente em Detroit em vez de no México. As exportações vão ressentir-se, mesmo que a China não retaliasse numa guerra tarifária. Num mundo económico globalizado, Trump vai em sentido contrário. Mas, por muito que lhe custe, um homem não chega para mudar o modelo mundial, sobretudo quando não tem alternativa credível.
E quanto à guerra? Bem, a guerra costuma ser um bom negócio, desde que não vá longe demais. E, agora, o risco é esse, pela primeira vez em muito tempo.
O Presidente Trump, pelo que mostrou até agora, é politicamente indefensável. Mas as suas ideias poupam-nos ao dilema de eventualmente aceitarmos isso pelos benefícios económicos que delas possam vir. Não há dilema porque não haverá benefícios. A Reaganomics não funcionaria porque o mundo é agora demasiado diferente, ao passo que o Trumponomics não é exactamente uma estratégia. São três ou quatro slogans, e um homem vaidoso e irado a gesticular. A bolha está à vista de todos, vai rebentar e todos vamos pagar.
Faltam três anos, dez meses, 28 dias e qualquer coisa. Se Trump não for reeleito.

Ovar, 21 de fevereiro de 2017
Álvaro Teixeira

A culpa é do Marcelo

 

(In Blog O Jumento, 20/02/2017)
Afinal o diabo era....
Afinal o diabo era….
o Marcelo!!
o Marcelo!!
Afinal o diabo era... o Marcelo!!

Durante quase um ano Passos Coelho representou a sua pantomina do primeiro-ministro no exílio, limitou o grupo parlamentar a serviços mínimos e andou por aí fazendo encenações para o telejornal e jantares de lombo assado. Passos não precisava de se preocupar com as sondagens, o OE para 2016 era para ignorar e o de 2017 foi pelo mesmo caminho; ele sabia que o poder voltava a ser-lhe servido numa bandeja.
Afinal de contas, se o diabo vinha em Setembro, não havia motivo para se preocupar com o desempenho orçamental, o crescimento não haveria de ser grande coisa, mais tarde ou mais cedo o país voltaria a afogar-se nos juros.
Passos sabia muito bem que em 2015 tinha disfarçado a austeridade aldrabando as receitas fiscais, antecipou as receitas do IRS com as retenções abusivas na fonte e deixou os reembolsos do IVA para 2016. O buraco estava cavado, era uma questão de tempo para que Centeno caísse nele.
O diabo já tinha viagem marcada, setembro seria o mês  do próximo armagedão financeiro do país. Mas o diabo não veio, Portugal apresentou o défice mais baixo da democracia e o reequilíbrio não resultou em recessão, antes pelo contrário. As coisas correram mal demais, o défice foi muito menos do que o previsto, o crescimento superior às expectativas, o desemprego está em queda, o país é elogiado e, para já, 2017 está a correr bem. O mesmo Passos que dizia, com ar condescendente, que a legislatura era para ir até ao fim já deixou de o ser. Com o PSD descer nas sondagens e sem a ajuda do diabo é preciso fazer algo.
Passos percebeu que por este andar está perdido e com ele toda a direita; até os sectores mais moderado do PSD deixaram de ser tolerantes e responderam ao toque de reunir do presidente do partido. E tal como fazem os treinadores de futebol Passos Coelho, José Eduardo Martins e outros atacam o árbitro, esperam que Marcelo comece a mostrar amarelos e vermelhos ao governo.
O diabo não pareceu, os Reis Magos não trouxeram a prendinha que Passos esperava e há um único culpado para o falhanço da sua estratégia, Marcelo Rebelo de Sousa. Até Cavaco, que está convencido de que é um mestre em vitórias eleitorais, veio dar uma ajudinha; escreveu mais uma página miserável da sua obra política, e agendou a publicação para a época de balanço do ano de 2016. Estava tão convencido da desgraça que até escreveu que não conhecia nenhum governo do tipo geringonça que tivesse trazido progresso. Também ele achou que devia pressionar Marcelo. Enfim, coube a Cavaco o papel de cereja neste bolo.
Passos Coelho esperava e desejava o diabo, agora manda dizer que o diabo é o Marcelo, alguém tem que levar com as responsabilidades dos seus falhanços.


Ovar, 21 de Fevereiro de 2017
Álvaro Teixeira