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terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

A Elevada Elevação

 

(Joaquim Vassalo Abreu, 27/02/2017)
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Assunção Cristas eleva os braços,  saudando a "elevada elevação" do Dr. Paulo Núncio

…anunciou ela, a Maria de Anunciação, de Assunção, perdoem novamente! Já não é a primeira vez que me engano, mas é ela que insiste em fazer faísca nos meus neurónios. É que ela tem que se definir: ou anuncia ou assume! Quer dizer, a gente até fica baralhado, não é?
Confesso que quando a ouvi proferir aquela frase que dá título a este texto, como estava desatento e desenquadrado, pensando ou assistindo a não sei o quê, mas eram certamente coisas muito mais elevadas, não me dei conta da sequência. É que era dia de Futebol e aí, desculpem-me, eu “deslargo-me” de tudo o resto…
Mas, mesmo assim, apelando a uma mais que excepcional desconcentração, ainda pensei que ela se referia àquela letra do Carlos Tê, musicada pelo Rui Veloso para aquele filme do Vasconcelos, o Jaime, em que ele diz “ Voando como o Jardel sobre os centrais…” , exemplo escrito de grande elevação, ou então àquela inesquecível elevação de Cristiano Ronaldo a roçar os céus de Paris, como alguém escreveu na altura, em que ele subiu tão alto quanto a Torre Eiffel e marcou aquele decisivo golo ao País de Gales. Elevação maior é difícil…
Mas foi apenas porque não estava concentrado e atento, e fixado no Futebol, que me deu uma de diletante e não ouvi o essencial da frase: “Moral”! A “Elevada Elevação” não era nada do que eu pensava: era, afinal, “Moral”!
E foi aí que eu, desligando-me um pouco do Futebol, com um espanto a rondar a perplexidade,soube que se referia ao Núncio! E, meio ausente como estava, pensei logo: será que se refere ao Núncio Apostólico? Mas também pensei: não pode ser! Esse já tem, intrínseca e assumidamente, por via da doutrina e seu húmus, essa tal “elevação”. Afinal era outro Núncio, o Paulo!
Paulo, eu disse? Foi quando me lembrei de um outro Paulo e deu-se assim como um nó cego no meu hemisfério cerebral esquerdo e pensei: do que eu me fui lembrar! Não deste Paulo, mas do outro Paulo, o seu “guru”, o seu mestre e guia, o Sacadura Cabral, esse sim um exemplo imorredouro da arte da elevação moral, da elevadíssima elevação moral. E sendo o seu “guru” é a sua primeira referência e aqui, assumindo-se Maria de Assunção, ela assumiu de peito aberto a missão de manter e sustentar a sua enorme elevação.
E eu, vendo agora com olhos de ver o que é a “Elevada Elevação” moral para a Maria de Assunção, resolvi recordar o que dela escrevi, há quase dois anos atrás, aquando daquela vez em que o Paulo, mas o seu “guru”, o verdadeiro, resolveu fazer do “irrevogável” revogável, elevando portanto para conceitos inimagináveis a irrevogabilidade, e ela veio em seu socorro, quando disse aquilo que não é qualquer um que pode dizer e apenas o pode fazer quem tem, realmente, uma “elevada elevação”: “ Paulo Portas teve a flexibilidade de voltar com a palavra atrás”. Tal como este novo Paulo, mas o Núncio, agora fez. E foi isto que eu escrevi, precisamente no dia 02 de Maio de 2015:
“Eu disse que ia abordar e abordo. Que ia falar e falo. De quem? Dessa personagem tão cândida e inocente, tão crente e indulgente, tão patrocinadora e persistente, tão solícita e obediente, mas tão básica e incompetente : a Ministra Cristas, a que proferiu há dias essa gloriosa frase : “ Paulo Portas teve a flexibilidade de voltar com a palavra atrás”. Vejam só o alcance e subtileza desta frase. Uma frase que eu diria só comparável àquela de Camões: “ Cesse tudo o que a musa antiga canta que outro valor mais alto se alevanta”. Como que a dizer : acaba-se tudo o que era tido por Moral e Ética que outro conceito agora se levanta, o da flexibilidade! O da Ética mais ou menos, o da Moral assim assim, o da palavra dita mas desdita, a flexibilidade, enfim. Agora é mais “ versatilidade”, é “ jogo de cintura”. Ser “ sem vergonha” ou “ vergonhice”? Isso já era. Agora é “ flexibilidade”, é dar o dito por não dito, é fazer e arrepender, é andar e retroceder, é dar e ir buscar, é falar e não ter falado, é dizer e não ter dito, é prometer e “ desprometer”, é ir de vez e regressar e é ser-se pulha sem se saber. É ser cretino e esquecer, é ser tolo e não doer, é opinar sem se saber, é julgar-se sem se ver, é ser crápula sem perceber, é fazer do mal o normal, é não ter espinha dorsal”.
Foi isto que eu escrevi e devia estar mesmo muito zangado, não acham? Mas disto me arrependo irrevogavelmente!
E, perante este elevadíssimo arrependimento, só resta que me elevem a um altar transformado num qualquer beato ou santo….
De paciência feito…
 
Ovar, 28 de fevereiro de 2017
Álvaro Teixeira

A mão atrás do arbusto

 

(Por Estátua de Sal, 27/02/2017)

 
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Grande entrevista de Sócrates à TVI. Em grande forma. Cavaco sai esmagado e o seu carácter rasteiro ficou mais que provado. E também ficaram mais que provadas as responsabilidades de Cavaco e dos seus amigos da direita na vinda da troika com a sua mala da austeridade. Trocaram o seu sucesso pela desgraça do país.
Cavaco, esse grande conspirador, afinal. Cavaco esse grande mentiroso, afinal. Cavaco, a mão atrás do arbusto. Depois tivemos a entrevistadora, Judite de Sousa. Parecia que tinha um apito a favor do Cavaco, mas Sócrates pô-la na linha várias vezes. Mostrou falta de preparação, foi contraditada por Sócrates amiúde sobre factos falsos, datas e acontecimentos, que fundamentam as narrativas da direita e que ela aceita piamente como verosímeis sem os questionar.
E sobre o processo Marquês, e as últimas novelas da PT, do Bava e do Granadeiro, cada vez me convenço mais que são a preparação para mais um adiamento do prazo do inquérito. Com tanto adiamento, a acusação ainda acaba só por ser concretizada, lá para depois do funeral do Sócrates, quando ele já não se puder defender. Defesa que eu anseio por ver, já que também quero saber, como todos os portugueses, se ele é culpado ou não, e sendo culpado de quê e em que grau.
Mas se em 17 de Março houver mais um adiamento, e não surgir acusação nenhuma, eu não estranharei. Se tivemos um presidente da República capaz de conspirar para derrubar um governo a favor dos interesses da direita, não espanta também termos uma Justiça a intervir ativamente no processo político na defesa dos mesmos interesses.
Esta gente, com os seus métodos (p)mafiosos, é gente perigosa. É gente que, tendo sido capaz de vender o país, é capaz de vender a mãe.
 
Ovar, 28 de fevereiro de 2017
Álvaro Teixeira
 

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Cavaco Silva e a decadência ética da direita

 

(Carlos Esperança, in Facebook, 27/02/2017)
 
 
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Cavaco Silva não é um epifenómeno da degradação ética do regime, é o arquiteto desta direita que capturou o PSD e o CDS, o padrinho que, em Belém, procedeu à retaliação contra o 25 de Abril, com a inteligência de Paulo Portas, a inépcia de Passos Coelho e o ressentimento comum.
A esquerda, em especial a social-democrata, intimidou-se com o bullying da direita, que manteve designações democráticas (PSD e CDS) para melhor se vingar das conquistas populares. Social-democracia, Sempre! – dizia Pedro Passos Coelho, depois de expulso do governo pelo PS, BE, PCP e PEV, e de ter feito o mais implacável ataque ao setor público e as mais ruinosas privatizações. É preciso topete!
Cavaco divulgou um livro de 600 páginas onde 2/3 – diz a imprensa –, são sobre as 118 audiências com um PM caído em desgraça. Há nesse ódio doentio a pusilanimidade de quem forjou o escândalo das escutas, culpando a vítima (PS) e desmentindo o cúmplice (Fernando Lima) que, ressabiado, o denunciou, tendo então ficado em silêncio, tal como quando engendrou a notícia para o Público, onde estava José Manuel Fernandes.
Perante o facto inédito de revelar o conteúdo de audiências oficiais, sem testemunhas ou possibilidade de contraditório, é essencial conhecer o carácter do delator, do narciso que olhava o mar e não via submarinos à tona.
Melhor do que a nebulosa vida privada ou as faltas injustificadas na Universidade Nova, para lecionar na Católica (mais lucrativa), definem-lhe o carácter as decisões políticas:
1 – A reintegração no serviço ativo das F. A. e promoção a CEMGFA do general Soares Carneiro, ex-diretor do Campo de S. Nicolau e candidato derrotado à PR, contra Eanes;
2 – A atribuição de pensões a dois destacados elementos da Pide, por relevantes serviços à Pátria, pensão que recusou ao heroico capitão Salgueiro Maia;
3 – Em 1987, quando mandou votar Portugal ao lado dos EUA, de Reagan, e do RU, de Thatcher, contra uma resolução que exigia, entre outras coisas, a libertação de Mandela. [Resolução da Assembleia Geral n.º 42/23A – “Solidariedade com a Luta de Libertação na África do Sul”. (129 votos a favor, 3 contra e 23 abstenções). Mandela ficaria ainda preso mais três anos dos 27 que passou na prisão.]. Que vergonha para os portugueses!
4 – O seu governo vetou a candidatura de Saramago ao Prémio Literário Europeu, 1992, e agraciou o censor, Sousa Lara, com a Ordem do Infante D. Henrique, reservada a “quem houver prestado serviços relevantes a Portugal, no país e no estrangeiro”, em 18-02-2016, prestes a perder o alvará das condecorações.
5 - No fim do último mandato, em desvario, quis dividir o grupo parlamentar do PS e fez ameaças nocivas ao País, na tentativa de evitar o atual governo, enfurecido contra a AR, que o viabilizou através da maioria dos deputados, democraticamente eleitos.
Urge defender a liberdade e a solidariedade. Cavaco é um inimigo, não pela relevância do sujeito, mas pelas cumplicidades que mantém e pelo desejo de vingança que o move.
 
Ovar, 27 de fevereiro de 2017
Álvaro Teixeira

Ela consegue dizer que o país é que deve sem se rir

 

(Por Estátua de Sal, 26/02/2017)
 
Assunção Cristas
Assunção Cristas

                                         
 
Paulo Núncio
Sem escapatória possível, o Dr. Núncio veio assumir responsabilidades políticas pela ausência de publicação das listas das transferências para offshores, durante o Governo de Passos Coelho. Antes de mais, convém dizer que o ex-secretário de Estado não pode, à luz dos preceitos constitucionais, como escreve e bem Francisco Seixas da Costa, (Ver aqui), assumir responsabilidades que são sempre do ministro de quem depende, e em última análise do primeiro-ministro em funções. Logo, este mea culpa, tardio e hipócrita só pode ter como fim último lavar a face aos verdadeiros culpados, a saber, Maria Luís Albuquerque e Passos Coelho. Núncio coloca-se pois na pele do cordeiro que se vai imolar para aplacar a ira dos deuses, neste caso dos portugueses, e desviá-la dos verdadeiros responsáveis pelos dislates cometidos.
Mas, cordeiros à parte, o mais curioso desta novela, até ver, são as declarações da Dona Cristas sobre a confissão de Núncio. Diz ela que tal confissão revela uma grande elevação de carácter. A Dona Crista é mesmo uma grande argumentista de comédias. Núncio começou por dizer que a culpa era da Autoridade Tributária, depois que era dos computadores, e só quando o ex-Director Geral dos Impostos, Azevedo Pereira, veio a público dizer, preto no branco, que a lista não era publicada porque não tinha autorização para o fazer, é que o Núncio dá a mão à palmatória. Portanto, a Dona Cristas acha que confessar a falta quando se é apanhado em flagrante delito revela uma grande elevação de carácter! Caramba, ó Dona. E um tipo que confesse, não tendo sido apanhado em falta, por arrependimento espontâneo, o que revelará? Uma elevação ao quadrado ou ao cubo?
Talvez seja por ser Carnaval e a Dona achar que, portanto, ninguém leva a mal, a senhora não se coibiu ainda, não só de absolver o pecador arrependido, de o dispensar da adequada penitência, mas de o premiar pela falta cometida. Espante-se que foi acrescentando que o país deve muito a Paulo Núncio.
Fico espantado com o desplante. A dona Cristas deve andar com os fusíveis um pouco trocados de forma que, de quando em vez, surgem curto-circuitos muito estranhos. Que se saiba, quem pode, eventualmente, estar em dívida é o Dr. Núncio que pela sua acção - tenha sido deliberada ou negligente, pouco importa -, possibilitou que 10000 milhões de euros, ou pelo menos impostos associados a tal quantia, estejam em dívida aos cofres do Estado.
A lengalenga de que os impostos não se perderam porque podem ainda ser exigidos pela AT, caso a eles haja lugar, não invalida que não tenham ainda sido pagos e que nunca o seriam caso o Dr. Núncio continuasse em funções, já que a lista das transferências continuaria seguramente na gaveta dele a apanhar pó.
É por isso, que as afirmações da Dona Cristas, devem ser consideradas como mais um atentado à inteligência dos portugueses, revelando, elas sim, uma grande falta de elevação, e uma grande falta de carácter, da parte de quem levianamente as proferiu.
Depois queixámo-nos do avanço do populismo e da descrença dos cidadãos nos políticos. De gente que consegue dizer que quem deve é quem tem a receber, e que quem tem a receber é quem deve, os cidadãos só podem ter justificadas desconfianças. Porque é o mesmo que dizer que se devem condecorar os larápios e mandar prender os justos.
 
Ovar, 27 de fevereiro de 2017
Álvaro Teixeira

A afronta de nos tomarem por parvos

 

(José Pacheco Pereira, in Público, 25/02/2017)
Autor
                 Pacheco Pereira
A mentira, seja sob forma directa ou rebuscada, em matérias públicas é inaceitável. Sobre isso não vale a pena dizer mais nada. Os governantes não tem obrigação de dizer a verdade — sim, há razões de Estado que podem implicar a mentira — mas nenhuma cobre os casos recentes. Mentir pode ser legítimo, por exemplo, para esconder, até ao momento do seu anúncio, uma desvalorização da moeda, ou quando está em curso uma qualquer operação com riscos para as pessoas ou para o Estado, sensível à revelação irresponsável da verdade. São excepções, mesmo muito excepcionais, e precisam de ser muito explicadas a posteriori, quando finalmente se pode saber a verdade sem custos. Há matérias delicadas cobertas pelo segredo do Estado que justificam que um governante, quando interrogado directamente, tenha que mentir. Não deixa de ser mentira no momento em que é proferida, mas trata-se de uma mentira instrumental, destinada a proteger um bem maior. É um estatuto que pode ser alvo de abuso, e é-o muitas vezes, mas os limites éticos do dilema verdade/mentira não se aplicam neste tipo de “sombras”.
Mas não é, de todo, o caso da história dos SMS, nem do misterioso caso das estatísticas dos offshores, que nada justifica serem cobertos por qualquer “manto diáfano” de mentiras, meias-mentiras, sugestão de mentiras e omissões da verdade. A cabeça de um ministro ou a honra de há muito perdida de um ex-governo estão em causa? Não mentissem, nem nos enganassem. Mas, dito isto, também é preciso ter muito cuidado, para que a mediatização medíocre das redes sociais e de alguma imprensa não confunda questões sérias com outras de menor gravidade. E o caso Centeno e os milhões dos offshores não são comparáveis em importância, sendo que toda a gente já percebeu o que se passou no primeiro caso, e ainda muito pouco se percebeu do segundo.
O que sabemos sobre o dinheiro saído para os offshores durante a governação PSD-CDS? Sabemos que foi muito, muitos milhares de milhões de euros, de que os dez mil milhões de que se fala agora são apenas uma parte. Sabemos que uma parte saiu legalmente e também sabemos, por vários processos em curso, que outra parte saiu ilegalmente. Vamos deixar para já a parte ilegal, de dinheiro de pagamento de subornos, de corrupção, de negócios à margem da lei, e vamos apenas falar do que saiu legalmente, e nessa parte podemos apenas ficar-nos por esta magra fatia de dez milhares de milhões que não foram devidamente incluídos nas estatísticas e sobre os quais não sabemos ainda até que ponto os procedimentos de verificação habituais pelo fisco se realizaram, ou seja, se são resultado de actividades legais sem mácula fiscal. Por que é que isso aconteceu e o que é que isso significa?
Vamos seguir a mais benévola das hipóteses, de que tudo estava legal, e que apenas não se fez o registo estatístico. Comecemos por um ponto prévio que é verdade para todas as histórias que envolvem offshores. Já ouvi dezenas de explicações esforçadas para justificar por que razão as pessoas e as empresas colocam o dinheiro nos offshores, desde a fuga ao conhecimento do património nos divórcios milionários até à protecção de património face a credores, aos pagamentos a jogadores de futebol, passando pelas necessidades de pagamentos no comércio internacional. Tudo é coberto por dois mantos: um é de que se trata de processos legais, por isso incontestáveis pela crítica; o outro é que, havendo paraísos fiscais em qualquer outra parte exótica do mundo, não é possível acabar com eles em qualquer outro sítio. Mas isso não implica que se considere normal o uso de offshores e, numa sociedade em que os governantes se indignam com os direitos “adquiridos” dos mais fracos, tenham uma soberana indiferença face a práticas dos mais ricos que roçam a ilegalidade e que prejudicam, e não pouco, a riqueza do país. E quando isto se passa em tempos em que os governantes fazem um discurso de austeridade contra os que não podem fugir aos impostos e aos cortes, e são indiferentes às práticas dos mais ricos de tirar dinheiro, riqueza, do seu país, revolta. Este é o pano de fundo em que podemos discutir esta questão, e aplica-se como uma luva ao Governo PSD-CDS, onde o ataque aos mais fracos foi a regra, e a complacência com os mais poderosos foi também a regra.
No fundo, no fundo, o núcleo duro de ideias sobre a sociedade e a economia do Governo Passos-Portas foi que a recuperação do país passava pelo aumento da riqueza dos mais ricos, que traria por arrasto uma melhoria das condições de vida dos mais pobres. Era em cima que deveria haver “liberdade”, enquanto em baixo deveria haver “ajustamento” e cortes, até porque os de baixo já estavam mais acima do que deviam e tinham que ser postos na ordem e devolvidos “às suas posses habituais”. Da legislação laboral ao “ajustamento”, este era o programa. Dêem as voltas que derem, esta era a concepção e ainda o é, como se vê na questão do salário mínimo. Qualquer ideia, aliás na base do ideário social-democrata, de que o Estado deveria garantir um equilíbrio social, era e é tida como uma violação das regras da “economia”, com os de baixo a quererem mais do que a “economia” lhes pode dar. Em cima, não há essas restrições e, por isso, a indiferença face ao que acontece com os offshores é completamente natural.
Este é, insisto, o pano de fundo da interpretação mais benévola da falta de dados sobre os offshores: que saíssem dezenas de milhares de euros do país, não interessava aos governantes porque não estava no centro das suas preocupações, como estava cortar reformas e salários e levar o fisco até aos cabeleireiros e aos biscates. Tratava-se de uma prática normal da “economia”. Mas se esta é a interpretação mais benévola, não é a mais sensata, como se vê pelas explicações atabalhoadas que governantes do tempo do PSD-CDS têm vindo a dar sobre o que aconteceu. E aqui é que, como no caso de Centeno, entendo que é uma afronta para os portugueses tomá-los por parvos, só que neste caso num assunto muito mais grave.
Desde Passos Coelho, furioso e malcriado na Assembleia, até ao passa-culpas do anterior secretário de Estado dos Assuntos Fiscais Paulo Núncio, até ao silêncio da ex-ministra das Finanças que acha que não é nada com ela, todos estão a tomar-nos por parvos. Afinal, a culpa foi dos serviços que não fizeram a estatística devida, ou dos procedimentos informáticos, que, pelos vistos, foram modernizados só para um dos lados do escalão de rendimentos, mas que parecem funcionar muito mal no topo dos rendimentos, porque, tanto quanto eu saiba, não foram os funcionários públicos, nem os reformados, nem os empregados do comércio, nem os operários, nem os enfermeiros, nem os polícias, que colocaram o dinheiro em offshores. Aliás, já não é a primeira vez que este tipo de implausibilidades acontecem nas finanças do Governo PSD-CDS, como foi o caso da “lista VIP”, já muito esquecido.
Mas há pior: o secretário de Estado quer-nos convencer de algo muito mais grave: é de que não deu por ela que lhe faltavam os números do dinheiro que ia para os offshores. Das duas, uma: ou foi grossa negligência, ou preferiu olhar para o lado, visto que os números eram incómodos para o Governo.
Mas, mesmo que seja assim, de novo a mera sensatez obriga-nos a considerar como absolutamente implausível que ele, responsável pelo fisco, nunca se tenha perguntado, mesmo numa conversa casual: “Olhe lá, senhor director-geral, quanto dinheiro está a sair do país para os offshores?”. E Passos e a ministra também nunca sentiram sequer curiosidade sobre esse aspecto crucial da nossa economia, para verificarem que, afinal, não havia a estatística?Presumir que tenha sido assim é tomar-nos por parvos, insisto. E eu não gosto.
 
Ovar, 27 de fevereiro de 2017
Álvaro Teixeira