Translate

terça-feira, 14 de março de 2017

O auto-retrato de Erdogan

Celso  Filipe
Celso Filipe | cfilipe@negocios.pt 14 de março de 2017 às 00:01

O que se está a passar com a Turquia é surreal. Ouvir o Presidente do país, Recep Erdogan, acusar a Alemanha de ter um comportamento nazi e a Holanda de ser fascista, pelo facto de ambos terem impedido a participação de ministros turcos em comícios naqueles países destinados a apoiar o referendo sobre a revisão constitucional que lhe dá mais poderes, pertence à esfera do absurdo, mas é um poderoso alerta para a Europa.
Erdogan, que quer mais poderes para ele, persegue os opositores, restringe ao máximo a actividade da oposição e prende jornalistas, faz o papel hipócrita de virgem pudica e atribui a terceiros uma prática que lhe é comum – o uso discricionário do autoritarismo e da força em benefício do regime que o suporta.



O Presidente turco joga com as armas que tem ao dispor, em particular o acordo feito com a União Europeia (UE) referente aos imigrantes clandestinos e o papel que o seu país tem desempenhado na luta contra o Estado Islâmico.
Erdogan joga num outro tabuleiro importante. A Turquia restabeleceu as relações diplomáticas com a Rússia, que se encontravam congeladas desde Novembro de 2015, quando um caça turco abateu um avião de guerra russo na fronteira com a Síria. Recep Erdogan e Vladimir Putin, que se encontraram na semana passada em Moscovo, prometeram intensificar a cooperação nos domínios económico e militar, sendo que a aproximação nesta última área é uma forte dor de cabeça para a NATO.
A Turquia, que há uma década ambiciona ser membro da UE, usa agora a sua posição geoestratégica e alianças de circunstância para desafiar Bruxelas com argumentos estultos. Nos bastidores diplomáticos é claro que se pesam os prós e os contras deste clima de tensão, alertando para a necessidade de não hostilizar um país que tem mantido boas relações com a UE.
O bom senso, no entanto, tem limites. Bruxelas e os seus Estados-membros não podem nem devem ceder perante quem pretende usar países terceiros para fazer política interna, ainda para mais quando o que está em causa é a sua perpetuação no poder. Entre outras coisas, a revisão da Constituição irá permitir a Erdogan criar leis, declarar o estado de emergência e nomear ministros e outros membros relevantes da hierarquia do Estado, além de lhe dar a possibilidade de permanecer no poder até 2029. Chamar fascista à Holanda ou nazi à Alemanha é um auto-retrato de Erdogan.

Ovar, 14 de março de 2017
Álvaro Teixeira

segunda-feira, 13 de março de 2017

Quem se mete com a Justiça leva

 

(Por Estátua de Sal, 13/03/2017)
DESCONFORTO
Quem se mete com a Justiça leva. Que o diga Sócrates que, enquanto primeiro ministro, cortou férias e outras mordomias aos juízes. Desse modo, tornou-se num alvo do ódiozinho de estimação dos senhores magistrados.
Perante este caso de exemplar retaliação – Sócrates já está destruído para todo o sempre, seja ou não culpado de qualquer ilícito, porque a Justiça já o enforcou e condenou na praça pública antes de o condenar em julgamento -, todos os actores políticos temem pronunciar-se sobre as reiteradas e cirúrgicas quebras do segredo de Justiça patrocinadas pelos senhores magistrados, e sobre a conivência e promiscuidade com certa comunicação social. Chega-se ao ponto de os arguidos tomarem conhecimento de factos acusatórios pelos jornais, não tendo ainda sido com eles  confrontados, logo  não se podendo  defender das acusações antes da sua divulgação pública.
Deste modo, quer os partidos, da direita à esquerda, quer o governo actual quer o anterior, evitam pronunciar-se na praça pública. Temem ser acusados de se quererem imiscuir na acção da Justiça e serem, desse modo, acusados de atacar a independência da mesma, um dos pilares cruciais do Estado de Direito. No caso da Operação Marquês, envolvendo Sócrates, o PS especialmente, foge do tema como o diabo foge da cruz, temendo ser acusado de querer defender o ex-primeiro ministro e seu militante.
Mas não são só essas as razões que levam os actores políticos a não se pronunciarem sobre o tema. A questão é que os políticos temem a Justiça, e sabem que hostilizar a corporação dos senhores juízes, pode levar a que a ira destes e a sua sanha persecutória se volte contra quem lhes aponte o dedo.
No fundo, políticos, partidos e companhia, todos tem telhados de vidro e, caso fossem sujeitos ao escrutínio e devassa que foram usadas contra Sócrates, provavelmente poucos cumpririam a cem por cento todos critérios de legalidade e transparência.
Nesse sentido, é de sublinhar as declarações feitas hoje por Marcelo Rebelo de Sousa, (Ver notícia aqui) que veio a público colocar o dedo na ferida e mostrar o seu desconforto com o estado da Justiça em Portugal, trazendo a debate especificamente a problemática da quebra do segredo de justiça, da realização de julgamentos na praça pública e da justiça de pelourinho.
Marcelo parece ser o único político que não tem telhados de vidro e que não teme as represálias dos senhores magistrados. Não deve dever nada a ninguém e nunca deve ter pedido dinheiro a amigos (coisa de que nem todos os juízes se podem gabar, como se viu com juiz Alexandre).
E mesmo nas variadas vezes que passou férias e Natais no Brasil com o Dr. Ricardo Salgado deve ter pago o hotel do seu próprio bolso e guardado as facturas. É que se não guardou, Marcelo pode estar em sarilhos: depois do recado que mandou hoje aos senhores juízes, ainda se arrisca a ser o próximo arguido da Operação Marquês.
 
Ovar, 13 de março de 2017
Álvaro Teixeira

domingo, 12 de março de 2017

António Costa eleito em Berlim para a direção política da Aliança Progressista

O secretário-geral do PS, António Costa, foi hoje eleito em Berlim para a direção política da Aliança Progressista, uma rede internacional de forças políticas que integra partidos socialistas, trabalhistas e democratas de vários continentes.

 

Fonte oficial do PS disse à agência Lusa que a eleição da lista única apresentada para a direção da Aliança Progressista teve lugar no início da convenção desta organização, que decorre até segunda-feira na capital alemã e que é subordinada ao tema "Dar forma ao nosso futuro para um mundo de liberdade, justiça e solidariedade".

António Costa chegou a Berlim hoje ao início da tarde e na segunda-feira, a meio da manhã, faz um discurso na convenção, que será dedicado ao tema da paz.

"A eleição de António Costa para a direção da Aliança Progressista reconhece o papel que tem sido desempenhado pelo PS e pelo seu secretário-geral na atualidade política. Este órgão terá um papel importante na articulação política entre as forças de centro-esquerda a nível mundial, juntando personalidades que ocupam ou já ocuparam cargos relevantes em cada uma dos seus países", declarou à agência Lusa o secretário nacional do PS para as Relações Internacionais, Francisco André.

Além de António Costa, vão integrar o a direção da Aliança Progressista o chanceler da Áustria, Christian Kern, o antigo primeiro-ministro belga Élio di Rupo, o ex-presidente do Parlamento Europeu e candidato do SPD ao cargo de chanceler alemão, Martin Schulz, e o presidente da Junta Geral do Principado das Astúrias e presidente da Comissão Gestora dos socialistas espanhóis (PSOE), Javier Fernández.

Foram ainda eleitos para a direção política da Aliança Progressista o primeiro-ministro da Suécia, Stefan Löfven, o antigo Governador do Estado de Maryland (EUA) e dirigente do Partido Democrático Martin O'Malley, o primeiro Secretário do PSF (França), Jean-Christophe Cambadélis, e Piero Fassino (em representação do Partido Democrático de Itália.

No início deste mês, em Cartagena, na Colômbia, o presidente e líder parlamentar do PS, Carlos César, foi eleito para uma das vice-presidências da Internacional Socialista.

 

Ovar, 12 de março de 2017

Álvaro Teixeira

A operação Marquês é como um albergue espanhol (estatuadesal)

 

 

(Por Estátua de Sal, 11/03/2017)

araujo1

 

A operação Marquês continua, usando as palavras do advogado de José Sócrates, João Araújo, uma espécie de grande arraial a céu aberto. O foguetório vai intervalando e de quando em quando lá surge mais uma revoada. À frente de todos nós a Justiça vai cometendo as suas ilegalidades e, nem os cidadãos, nem a classe política se insurgem. As revistas e os jornais - mesmo os tidos como mais respeitáveis já passam a perna ao Correio da Manhã -, lá vão contando tudo e analisando todos os supostos factos e indícios e o julgamento corre na praça pública em grandes parangonas. O Ministério Público já só abre inquéritos quando a quebra do segredo de Justiça é demasiado flagrante e, repetidamente, nunca chega a conclusão alguma e ninguém é responsabilizado. Parece que os jornais são informados dos factos que relatam com todo o detalhe por entidades extraterrestres, logo fora da jurisdição da lusitana Justiça.

Cada vez há mais arguidos, e mais ainda estão na fila para serem incluídos na operação:  é o primo de Sócrates e, digo eu, se calhar ainda vão ser também arguidos o cão, o gato e o papagaio de Sócrates, sobretudo este porque assistiu à famigerada corrupção do dono e persiste em nada dizer quando interrogado pelo procurador Rosário. Como disse João Araújo, na Operação Marquês, cabe lá tudo que até parece um albergue espanhol.

Há uma frase que os jornais repetem até à exaustão, quando falam deste processo, que sempre me fez e continua a causar imensa estranheza. Dizem sempre: "O ministério público acredita... bla... bla ...". Ora, acreditar, é um dote que não é dado a todos. Há os ateus, os incréus que não acreditam em Deus. E também há os que acreditam em Deus, os que acreditam que vão ganhar o Euromilhões, e os que acreditam que terão 10000 virgens à sua espera às portas do além. Ora, eu que julgava que a Justiça era algo que assentava em sólidos princípios de sageza e de racionalidade fico estarrecido. Neste caso do Sócrates parece que a Justiça é mais uma questão de fé, algo religioso, do que propriamente um conjunto asserções logicamente deduzidas e justificadas. O procurador Rosário acredita, e em consequência lá vem os jornais dar grande relevo às visões com que a fé do sr. procurador o deve ter agraciado durante a noite depois dele ter acordado no meio de um pesadelo.

Ironias à parte, a Justiça não se faz - e espero que este caso não venha a ser uma excepção -, fundada numa qualquer fé  ou crença dos juízes mas nas provas que sejam carreadas para o processo e que permitam configurar crimes que estão devidamente tipificados na Lei.

Sim, porque neste caso já houve situações em demasia que me podem levar a considerar que a justiça que se venha a fazer, está à partida algo viciada. Desde o atropelo de todos os prazos processuais, desde o afastamento de um juiz, o juiz Rangel - questionado pelo Ministério Público por parcialidade a favor do arguido, enquanto o juiz Alexandre foi mantido no caso apesar de ter cometido actos do mesmo tipo que levaram ao afastamento de Rangel -, passando pela justiça em directo nas televisões, já ocorreu de tudo.

Espera-se, contudo, uma acusação para a próxima sexta-feira, dia 17. No entanto, já agora eu também tenho o direito de acreditar que ainda não vai ser dia 17. Não sei porquê os jornais amigos dos gestores do processo já começaram a preparar a opinião pública: há umas cartas rogatórias que não foram ainda respondidas, há mais uns arguidos para adicionar, há mais uns milhões para explicar, há mais uns interrogatórios para fazer, etc. Posso estar enganado mas é a sensação com que fico.

Enquanto isso, o Dr. Araújo, advogado de Sócrates deu hoje uma entrevista à tia Judite, como podem ver no link abaixo. A senhora, também tem visões nocturnas como o procurador Rosário e acredita, que o malandro do Sócrates estava em todo o lado, no Lena, no Vale do Lobo, na Venezuela, na PT, no Lava Jato e por aí fora. Lá foi avançando com as crenças, e o Dr. Araújo, que é um cínico, desarmou-a merecidamente, recorrendo à sua fina ironia. O lamentável, não é os jornalistas informarem sobre o caso, obviamente. É assumirem como verdade absoluta a narrativa que o Ministério Público vai construindo mas ainda não provou. Por exemplo, ainda não vi nenhuma notícia a dizer o seguinte: "O advogado de Sócrates acredita que dia 17 não vai haver acusação, porque o Ministério Público não tem provas para fundamentar a narrativa que tem posto a correr".

É extraordinário. Parece que neste caso só o Procurador Rosário e a acusação é que tem o direito de ser religiosos, de acreditar e de ter visões. Quando o arguido fala, ou a defesa em seu nome, a comunicação social ouve-os com desdém, encolhe os ombros e desconfia do que é dito. Apesar de, até à data, nenhuma das visões conhecidas da acusação ter demonstrado aquilo que pretende demonstrar, ou seja, a corrupção de Sócrates. E eu espero que ele, a ser condenado, o venha a ser por não por fé ou porque os juízes acreditam, mas sim porque há factos inquestionáveis provando a correlação entre determinados benefícios específicos, politicamente outorgados a terceiros, com a recepção de também específicas vantagens patrimoniais.

 

Ovar, 12 de Março de 2017

Álvaro Teixeira

Afinal, a única geringonça é o líder da oposição

In Blog O Jumento, 10/03/2017)

taberna1

 

Ao fim de mais de um ano de oposição a estratégia de Passos Coelho nunca passou por se constituir em alternativa, em vez disso anda por aí na esperança de um novo colapso financeiro lhe devolver o poder sem restrições constitucionais, ainda que sem um Cavaco dócil na presidência.

A Geringonça já propôs dois orçamentos, em 2016 Passos Coelho confundiu o parlamento com uma mesa de lerpa e disse “passo”. No OE para 2017 o líder do PSD prometeu que iria a jogo, disse que iria ouvir os parceiros sociais e que apresentaria as suas propostas, mas no dia do da apresentação do OE montou uma fantochada em Albergaria-a-Velha, organizou uma espécie de Cortes de Albergaria e apresentou o seu OE de governo no exílio. Acabou por estar ausente no debate orçamental.

O PSD não participa nos debates parlamentares apresentando-se como alternativa e afirmando as suas propostas. Limita-se a fazer discursos provocatórios, na esperança de o BE ou o PCP se sentirem envergonhados por apoiarem um governo do PS, em vez de o derrubar para termos um governo com uma política económica de extrema-direita.

Ocasionalmente a estratégia deu resultado no caso da TSU, com o PSD a ignorar os mesmos parceiros sociais que meses antes disse ouvir para apresentar as suas propostas no debate orçamental. Desde então o PSD ficou viciado em jogo sujo parlamentar, cada debate, cada lei, cada discussão serve para testar o apoio parlamentar ao governo. O próprio Montenegro admitiu ontem que o PSD poderia ser governo sem eleições, isto é, com o apoio tácito do PCP e do BE.

Ao fim mais de um ano de governo do PS o líder do PSD não desistiu da sua estratégia inicial, anda armado em primeiro-ministro e nas últimas semanas assumiu o papel de primeiro-ministro no exílio e ofendido por um mal-educado António Costa. Para Passos Coelho o parlamento é uma taberna onde vai de vez em quando discutir a bola, ali não se debate nada sério, não se fazem propostas.

Os mesmos que tentam passar a ideia de que há um clima de asfixia democrática demonstram um total desprezo pelo parlamento, estão um ano sem fazer propostas ao país. No fundo Passos Coelho considera que o parlamento é uma inutilidade, nunca lhe deu importância enquanto primeiro-ministro e volta a fazê-lo quando era suposto ser líder da oposição. Passos Coelho tem grandes dificuldades em viver em democracia, enquanto primeiro-ministro não soube o que eram princípios constitucionais, enquanto líder da oposição acha que o parlamento é uma taberna. Passos Coelho lida mal com a democracia, é por isso que só sabe ser governo, não sabe ser oposição.

 

Ovar, 12 de Março de 2017

Álvaro Teixeira