(Nuno Godinho de Matos, in Facebook, 31/05/2017)
De repente surgiu uma maré de defesa da “delacção premiada”. Porquê? O que virá a caminho, que só será conhecimento dos legisladores e dos diferentes grupos de pressão interessados na solução? Ou seja, o Ministério Público e as polícias?
Então a investigação criminal já conta com: escutas das comunicações; acesso aos dados das empresas de telecomunicações; imagens das gravações de vídeo espalhadas por toda a parte; Polícia Judiciária, com todos os seus meios – que não são poucos - cooperação com polícias congéneres; seguir os nossos movimentos, 24 horas por dia; filmar as nossas acções com câmaras de longo alcance; toda a panóplia de possibilidades do laboratório de polícia cientifica; mas, apesar de todo este poder organizado e pago por todos os contribuintes, não chega.
Querem poder pagar aos possíveis criminosos prontos a traírem os seus iguais, para confirmarem as interpretações sobre os factos que, eventualmente, tenham detectado.
A “delacção premiada” é, no dealbar deste século, o que existe de mais torpe, insidioso, pulha e desqualificado que uma inteligência humana pode conceber, para montar uma instrução penal.
Desde uma data anterior à história, os seres humanos tem praticado a tortura, como método de alcançar a “verdade”, no que, então, surgia como meio investigatório de condutas recriminadas pela maioria.
Durante a inquisição, a tortura era pública, para gaudio dos que gostavam de assistir ao quebrar dos ossos dos seus semelhantes, por, alegadamente, serem hereges.
A prática do “garrote”, provocava a alegria das multidões, quando os olhos do seviciado saltavam das cavidades oculares.
A barbaridade era total. Contudo, tinha uma imensa qualidade: era bruta, tosca, infame, nauseante, impossível de ser vista por um ser minimamente educado e sensível.
Mas era a época! Nesse tempo, aquele comportamento, era possível e provocava a satisfação das massas.
Hoje, a tortura é postergada por tudo quanto é texto referente aos direitos do ser humano e, ainda bem que assim é. Contudo, a tortura, se comparada com a “delacção premiada”, não passa de uma brincadeira de bébés, legitima, nobre e aceitável.
Na “delacção premiada” o Estado paga com um tratamento de favor, o criminoso que, por seu interesse pessoal, decide trair os seus iguais. Por exemplo, levantando os mandatos de captura internacionais, contra um arguido que acusa e incrimina os seus coarguidos, permitindo-lhe, assim, voltar a viajar em primeira classe, nas carreiras dos voos internacionais, para continuar a fazer os seus negócios, à volta do Mundo.
Durante mais de 18 séculos convivemos com a tortura. Agora, vamos passar a conviver com a compra da traição, por parte de um criminoso, que quer comprar um estatuto de preferência.
Na opinião que sou capaz de expressar, o Estado que assim agir, não é um Estado, nem uma República, nem mesmo um bando de criminosos. É, isso sim, uma choldra, uma indignidade, uma realidade odienta e uma prática que torna os investigadores tão criminosos como os investigados.
Porém, dado que estarmos no século XXI, aceita-se tal prática, tal como já se aplaudiu a tortura! De facto, o melhor é morrer.
Nuno.