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sábado, 4 de novembro de 2017

A “GERINGONÇA” TEM FUTURO? TEM QUE TER!

Estátua de Sal

por estatuadesal

(Joaquim Vassalo Abreu, 04/11/2017)

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O Daniel Oliveira publicou por estes dias um texto, que quase na íntegra corroboro, que se intitula: “O Orçamento é de Esquerda. Mas deixa Esquerda para o futuro?”.

Enumera, embora não exaustivamente, o que de bom já se fez mas, recordando o ainda não realizado, preocupa-o que deixando tudo isso para o futuro, tal fique como uma “marca” negativa desta governação. O que quer dizer, para o Daniel, não ter este Governo feito tudo o que os Partidos à sua esquerda reclamaram e reclamam, como a Contratação Colectiva e a sua caducidade, por exemplo.

É inquestionável ser substancialmente correcto e factual que ainda há muito por fazer, mas como comentador e analista político que é, o Daniel esbarra na dúvida sistemática que o assalta, a ele e a outros, que se manifesta na tendência para o politicamente correcto (deixar sempre pontas soltas na sua abrangente linguagem) e no receio de assumir o papel de antecipador, utilizando para isso a dúbia interrogação.

Mas eu, como não sou analista nem comentador de serviço, não convivo com essa tal dúvida sistemática e procuro sempre simplificar. E não concordo que essas importantes medidas ainda não tomadas ou mesmo adiadas, fiquem como uma “marca” negativa para as Esquerdas. Não penso mesmo isso!

Penso, antes pelo contrário, que o que já foi feito e conseguido é que fica como uma “marca”! E fica por várias razões. A saber:

· Porque nem o mais iluminado optimista imaginaria ser possível que, em pouco mais de dois anos, esta solução governativa tivesse tanto sucesso.

· Porque nem o mais empedernido optimista a sonharia há pouco mais de dois anos.

· Porque o que também fica como uma indelével “marca” é o fim do mito de que as Esquerdas não sabem governar. As Esquerdas mostraram e têm mostrado que são competentes e que sabem conjugar uma certa austeridade (cativações, por exemplo) com reposição de direitos e rendimentos, com crescimento económico e controlo das Finanças Públicas. Coisas que as Direitas nunca saberão.

· Porque com tudo isto as Esquerdas ganharam crédito e respeito insuspeitáveis. Até lá fora!

· Pelo que esta “marca” tem que ser ainda mais fortemente sedimentada. Porque se ajusta às vontades da grande maioria da sua base de apoio e, ia apostar, da grande fatia da população e desperdiçá-la, para além de um grosseiro erro, seria um crime de lesa pátria.

E isso mesmo ficou bem visível ainda hoje na discussão e aprovação do Orçamento de Estado para 2018 e em que à irritação de toda uma quezilenta Direita, perdida e incapaz de apresentar alguma alternativa, correspondia um acerto cada vez maior e mais pacífico das Esquerdas.

Por tudo o exposto e também porque entendo que não pode ser tudo feito de uma vez só, há coisas mesmo que requerem o seu tempo, é imprescindível que o que ainda não foi realizado e é forçoso que se realize, continue a constar da agenda como um essencial objectivo conducente ao combate efectivo à precariedade, à estabilização das leis do trabalho e à segurança no emprego.

Mas, ainda assim, é minha convicção que tem aumentado paulatinamente o número daqueles que já compreendem que, tal como Roma e Pavia não se fizeram num dia, quer queiramos quer não, só poderemos todos esses desideratos alcançar se tivermos as contas públicas controladas, o défice a descer, o saldo primário excedentário e a dívida pública a diminuir.

E isso não só é importante para que o financiamento do Estado e da economia estejam assegurados e a taxas cada vez mais baixas, mas também para que a nossa credibilidade e afirmação fiquem, elas igualmente, como uma “marca”! Mas essa “marca” cada vez mais vincada, necessita de cada vez maior sustentabilidade, que só pode ser alcançada através do cumprimento dos pressupostos acima enunciados.

A Esquerda, toda a Esquerda, ou Esquerdas, tem que estar bem ciente disso e quando digo que a grande maioria do Povo das Esquerdas está cada vez mais elucidado a esse respeito, é para dizer claramente que quem isto subestimar será fortemente penalizado por todo esse eleitorado.

Esticar a corda, seja de um lado, ou seja do outro, mais à esquerda ou menos à esquerda, será sempre contraproducente, tanto mais que o que se notam são substantivos avanços e não recuos. Do mesmo modo que o precipitado aproveitamento de algum sinal que as sondagens possam fornecer o será inevitavelmente. A “marca”, a tal “marca” é já indissociável dos Partidos que sustentam este Governo e, estou convencido, esse mesmo Povo não perdoaria ao PS nem a arrogância nem o distanciamento.

O que esta solução governativa teve e tem de grande mérito é mesmo isso: é, na sua diversidade, os Partidos que a compõem terem conseguido estar juntos e coesos no essencial. No possível, ou no imediatamente possível melhor dito, em detrimento precisamente daquilo que ainda está fora do seu tempo e se mostra, neste momento, mais separador que agregador.

Devemos a este Governo os louros pelos resultados alcançados, mas devemos aos restantes Partidos da “coligação” (a que agora o PSD resolveu chamar de “Social Comunista”!) a justeza, firmeza e resiliência na exigência de medidas que pareciam impossíveis, mas que, como disse, se mostraram salutares e, igualmente de suprema importância, no desabar de um vetusto “tabu”: o de que os tais Partidos, a que as Direitas chamam de “Radicais”, estavam impossibilitados de pertencerem ao arco da governação.

E a quebra deste “tabu”, ao mesmo tempo que abriu importantes janelas para o futuro, abriu também a porta a cada vez maiores responsabilidades.

E hoje virei “analista”! Como diz um Irmão meu: dizes que não és, mas afinal…



terça-feira, 19 de setembro de 2017

Quando é o próximo comboio para o Gulag?

por Bruno Santos

"Quem se abstém sem uma razão de força maior é um mau cidadão."
Daniel Oliveira, jornalista e opinion maker (Jornal Expresso, 18 de Setembro de 2017)
E quem não põe o vidro no vidrão.
E quem não faz tatuagens. E quem compra manuais escolares da Porto Editora. E quem gosta de ler o Camões, principalmente a parte da Ilha dos Amores. E quem canta o Hino Nacional de pé . E quem não tem cão. E quem caça com gato e vai a touradas. E quem ainda ouve discos da Amália. E quem não telefona para a linha de Pedrógão. E quem não vê o Eixo do Mal. E quem não compra o Expresso. E quem não tem os dentes todos. E quem não come sushi. E quem enfia o guardanapo no colarinho da camisa. E quem não canta a Grândola no banho. E quem não toma banho. E quem ainda tem Bilhete de Identidade. E quem manda piropos na rua. E quem não usa medalhas e talismãs budistas ao peito, num fio de pele de vaca morta.
E mais: quem come pica no chão é um mau cidadão.
Quando é o próximo comboio para o Gulag?
Fonte: Aventar

quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Porque nem todos devem pagar IRS



por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 06/09/2017)

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Miguel Sousa Tavares lançou o novo mantra que já encontrou vários seguidores: pôr os mais pobres a pagar IRS. Um valor simbólico que seja, diz ele. Podem ser 10 euros. Esta é a grande demanda pela justiça fiscal. Só assim teremos contribuintes responsáveis e só assim as pessoas darão valor aos apoios que recebem do Estado. Não sou insensível à necessidade de valorizar política e socialmente os gastos do Estado, apesar de ter a sensação que os mais pobres dão muito mais valor ao que lhes é oferecido pelo Estado – Serviço Nacional de Saúde ou Escola Pública, subsídio de desemprego ou reforma –, do que os mais ricos. Seria interessante verificar isso com dados sólidos.

Há uma razão para mais de metade dos portugueses não pagarem IRS: receberem muito pouco. O problema não está no sistema fiscal. O problema está na desigualdade salarial. Somos dos países da Europa em que o fosso entre o salário mais alto e o salário mais baixo é, dentro da mesma empresa, maior. O fardo fiscal cair sobre os ombros de uma minoria não resulta da injustiça do sistema fiscal, resulta da injustiça da distribuição da riqueza: a minoria que paga IRS é a minoria que recebe o suficiente para o pagar. É aí que está o problema.

Perante esta constatação de facto – de que a desigualdade salarial é tanta que a maioria nem recebe o suficiente para pagar IRS – seria normal concluir que o papel redistributivo dos impostos se torna ainda mais relevante. A conclusão é no entanto a oposta: como os impostos são pagos por uma minoria, temos de diminuir esse papel redistributivo.

O meu colega de colunas Henrique Monteiro deu um argumento que é em parte verdadeiro: “Quem ganha pouco, não pagando nem simbolicamente, tem direito a ajudas do Estado para as quais nem contribui. Quem contribui mais não tem direito a ajuda praticamente nenhuma.” Isso resolve-se de uma forma evidente: a não ser nos apoios à pobreza ou em subsídios não contributivos (que julgo representarem uma pequena parte das despesas sociais do Estado), os serviços públicos devem ser universais e o seu custo para cada cidadão não deve ser indexado ao rendimento. A progressividade e redistribuição garante-se nos impostos, não no pagamento de serviços públicos. O que contraria a ideia do utilizador/pagador, conforme o rendimento de cada um. Seja nas propinas ou nas taxas moderadoras. E ainda mais, passando para a segurança social, o plafonamento das reformas. Porque criticar esta “dupla tributação” e depois embarcar no discurso demagógico de que os mais ricos não devem ter acesso a serviços públicos gratuitos é, na prática, alimentar a “dupla tributação" que leva quem ganha mais a deixar de querer pagar impostos. Não podemos defender a injustiça e depois queixarmo-nos da injustiça.

Mas o que me espanta mais nesta polémica é mesmo o seu absurdo social e político. Num país onde, através de um labirinto de isenções e deduções, quem tem dinheiro para pagar a contabilistas leva um bónus; e num tempo em que a chantagem da globalização permite ao capital e aos grandes grupos económicos fugirem aos seus deveres fiscais, a prioridade não é o Pingo Doce pagar impostos em Portugal, é o caixa do supermercado dar a sua contribuição.

A desigualdade nunca é apenas económica. É sempre de poder e visibilidade. A maioria que ganha miseravelmente não tem voz nos media. Não tem quem fale por ela no telejornal. Uma imaginada “classe média”, que na bolha onde vivem muitos comentadores está nos dois escalões mais altos do IRS, tem tempo de antena ilimitado. O que cria uma imagem distorcida da realidade: a de que os mais pobres vivem às custas dos impostos pagos por uma minoria. Lamento, mas é o contrário: é a minoria que concentra nas suas mãos grande parte da riqueza deixando tão pouco para a maioria que nem para pagar IRS sobra. Os que mais recebem não são pessoalmente responsáveis pela desigualdade. Mas são moralmente responsáveis por não enviesar o debate, não transformando o privilegiado em vítima e a vítima em parasita.


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segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Cavaco Silva: o regresso dos mortos-vivos


por estatuadesal
(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 04/09/2017)
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A esta hora Cavaco deve estar a preparar uma viagem a Fátima, acompanhado da Maria, para pedir à Virgem que acabe com tanta porrada que tem levado nos últimos dias. Estava tão bem posto em sossego no Convento do Sacramento, gozando da sua parca reforma dourada, que em tempos disse que mal lhe dava para pagar as suas enormes despesas, e a destilar fel para o segundo volume das suas memórias, que acredito que perante tanta tosa, já se tenha arrependido de ter saído da toca.
Aqui vão mais umas bordoadas a preceito, dadas desta vez pelo Daniel Oliveira. Eu não tenho pena nenhuma do personagem, e aliás, fui dos primeiros a molhar a sopa.
A poucos se aplica melhor do que Cavaco o sábio ditado popular que assim reza: Só se perdem as que caem no chão.
Estátua de Sal, 04/09/2017


Durante quatro décadas um dos políticos profissionais há mais tempo no ativo apresentou-se como um técnico, um outsider, um antipolítico. Durante quatro décadas um dos políticos mais perdulários, responsável pela perda de uma oportunidade histórica, como primeiro-ministro, e com uma das casas civis mais dispendiosas da nossa democracia, que chocou o país ao dizer que 10 mil euros quase não davam para as suas despesas, apresentou-se como um político austero.
Durante a sua longa carreira política rodeou-se de homens como Duarte Lima, Dias Loureiro ou Oliveira Costa, mantendo com este último relações financeiras promíscuas, e isso não o impediu de dizer que era preciso nascer duas vezes para ser mais sério do que ele.
A dissociação entre o que Cavaco Silva é e a imagem que tem de si mesmo é o seu traço psicológico mais perturbante. Um traço megalómano que o aproxima, curiosamente, de José Sócrates.

domingo, 6 de agosto de 2017

O que é DNA do PS são casos particulares no PSD.


por estatuadesal
(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 04/08/2017)
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Duas histórias envolvendo quadros do PSD foram notícia esta semana, sem que qualquer uma ajudasse a criar uma narrativa sobre os social-democratas: a auditoria do Tribunal de Contas (TdC) ao Instituto do Território (IT), fundada pelo diretor do gabinete de estudos do PSD até ao ano passado e coordenador do programa eleitoral do partido, e a viagem do vice-presicente da bancada do PSD à China, pago pela Huawei.
Rogério Gomes foi presidente da associação Urbe durante 24 anos e contratou, entre 2003 e 2004, Passos Coelho para diretor do departamento de formação e coordenador do programa de seminários. Sendo bastante próximo de Passos Coelho, a fundação do seu instituto contou com o apadrinhamento público do ex-primeiro-ministro quando já estava em São Bento. Recebeu depois disso apoios do Estado significativos que o TdC considerou agora irregulares. Segundo o tribunal “não preenchia as condições para ser considerado organismo de direito público” não sendo por isso elegível para os apoios que recebeu. Autoridade de Gestão do Programa Operacional de Assistência Técnica terá pago indevidamente quase 250 mil euros. O TdC recomenda a devolução do dinheiro entregue ao instituto do colaborador próximo de Passos.

terça-feira, 11 de julho de 2017

Galpgate: ou há moral ou comem todos



por estatuadesal
(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 11/07/2017)
Autor
                       Daniel Oliveira
(Daniel Oliveira partilha e amplifica a indignação que já aqui tínhamos manifestado num texto que publicámos - e para o qual ele remete -, quanto à dupla bitola que o Ministério Público usa quando acusa agora os políticos, tendo os senhores procuradores em tempos beneficiado do patrocínios de empresas privadas para realizarem os seus congressos.
Estátua de Sal, 11/07/2017)

Já aqui escrevi que há um lado positivo no chamado, talvez com algum exagero, Galpgate: os decisores perceberem que as regras, no que toca à relação com empresas sobre as quais tomam decisões, são estritas. Porque o secretário de Estado aceitar uma viagem e um bilhete para a bola não afeta nada as decisões que tem de tomar, mas revela uma intimidade que tem de ser inibidora. Por isso não, não concordo com a posição de muitos quando tratam este caso como absurdo. O nacional-porreirismo não é uma forma de corrupção mas é sinal de relaxamento ético que facilmente torna as relações institucionais excessivamente informais.
Escrever isto não é defender que os três secretários de Estado cometeram um crime, como parece acreditar o Ministério Público. Tenho mesmo dificuldade em imaginar onde vão desencantar o dito crime. Espero que estejam seguros do caminho que estão a trilhar ou será inevitável que cresça a ideia de que há, em alguns sectores da justiça, uma má vontade com uma parte dos políticos. Porque era evidente que a partir do momento em que Jorge Costa Oliveira, João Vasconcelos e Rocha Andrade fossem constituídos arguidos não poderiam ficar no governo. A antecipação é, aliás, das poucas coisas inteligentes que o governo fez este mês.
Apesar de ter muitas dúvidas sobre a criminalização do comportamento eticamente condenável dos secretários de Estado mas de achar que a moralização da vida política passa por reforçar o cordão que separa o poder político e poder económico, é fundamental perceber se há uma perseguição judicial e ética seletiva. Porque se há, o assunto passa a ser esse.
Quanto à questão judicial, quero perceber se o atual e o próximo líderes parlamentares do PSD também vão ser constituídos arguidos ou continuar a ser investigados. Os que apareceram na bancada VIP, que as empresas costumam reservar, não tendo por isso seguramente comprado aquele bilhete. Que viajaram pela agência de Joaquim Oliveira, que trabalha para a Federação Portuguesa de Futebol, mas juram ter sido eles a comprar o bilhete. Não me levem a mal, mas quando uma coisa parece ser exatamente igual a outra e dá sinais de ter sido corrigida depois de rebentar a bronca não me chegam formalismos, quero investigações sérias. Enquanto isto era apenas um escândalo mediático aceitavam-se justificações pouco credíveis. Se é para ser crime, exijo, como cidadão, que todos sejam investigados.
Quanto à perseguição ética, nem saberia por onde começar. A razão pela qual a comunicação social, em contraste com o que tem sido habitual, está relativamente sóbria em relação a este tema é simples: a generalidade dos órgãos de comunicação social aceitam viagens e outro tipo de ofertas de empresas sobre as quais escrevem. Os mais sérios declaram-no no fim dos artigos, quando essas viagens ou ofertas servem para fazer trabalhos, os outros não. Vão os jornais que noticiaram esta viagem fazer um levantamento sobre o que é e não é aceitável fazer na sua própria casa? Interditar a aceitação de qualquer viagem se não tiver como fim um trabalho específico? Debater se mesmo para fazer reportagens devem aceitar viagens pagas por instituições privadas? E públicas? A minha ida às convenções Democrata e Republicana, para escrever vários trabalhos para o Expresso, foi financiada pela FLAD (uma instituição pública que tem essa função nos seus objetivos) e isso estava declarado nos trabalhos publicados. Não sei se aceitaria fazê-lo se o financiamento fosse privado e sei que nunca aceitei qualquer tipo de oferta ou viagem que não fosse institucional (para o órgão de comunicação em que trabalhasse) e exclusivamente para fins de trabalho. Mas gostava que houvesse um debate entre os jornalistas para serem claras as fronteiras e cada um não agir segundo os seus próprios limites éticos. Querem os jornalistas, enquanto classe, definir regras e dá-las a conhecer? Ou a clareza das regras é só para os políticos?
Se o problema é, como parece ser, um conflito de interesses, apesar de não levantar questões legais, tenho de perguntar se o conflito de interesses e falha ética não se aplicam ao patrocínio de atividades dos próprios magistrados do Ministério Público por empresas que podem ter – e muitas delas têm – importantes processos a correr na justiça. É que, tal como nos recorda o blogue Estátua de Sal (https://estatuadesal.com/2017/07/10/e-nao-houve-recebimento-indevido-de-vantagens/), o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público viu o seu IX Congresso, em 2012, patrocinado pelo Banco Espírito Santo, Montepio Geral, BPI e CGD, só para me ficar pela banca. Isso afeta a independência dos magistrados associados ou dirigentes do sindicato? Tanto como a ida de Rocha Andrade a França.
Mas se é para sermos puristas comem todos: os líderes parlamentares (atual e próximo) do PSD que aceitaram bilhetes e foram a correr pagar quando a coisa se soube, os órgãos de comunicação social que têm como hábito aceitar viagens pagas e os magistrados Ministério Público que aceita patrocínios de empresas para os congressos do seu sindicato quando os seus associados estão envolvidos em processos contra essas empresas. Estão todos dispostos a seguir este novo caminho de moralização ou a ética é só para os “malandros dos políticos socialistas”?

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Netanyahu vai em frente, tens aqui a tua gente

 

 
Autor
                           
Daniel Oliveira

Foi uma israelita de esquerda – esse grupo em vias de extinção – que, em Haifa, melhor me descreveu o projeto israelita para os territórios palestinianos: transformá-los num queijo suíço, ficando Israel com o queijo e os palestinianos com os buracos. Os muros e checkpoints a cercarem cada pequena cidade palestiniana, a transformação dos movimentos quotidianos mais simples (idas à escola ou ao hospital) num calvário diário e a sabotagem planeada da economia e da autoridade do Estado palestiniano correspondem a um objetivo de longo prazo: tornar inviável uma solução de dois Estados, expulsando os palestinianos do seu próprio território e ocupando-o progressivamente.
A expansão dos colonatos israelitas em território internacionalmente reconhecido como palestiniano é apenas uma peça de uma estratégia que, depois do assassinato de Yitzhak Rabin por radicais israelitas, se tornou em política de Estado quase incontestada. Desde então, políticos oportunistas aliados à extrema-direita e a grupos religiosos radicais encaminham Israel para o abismo.
A violação sistemática, descarada e até provocadora de todas as deliberações internacionais só tem sido possível graças à cumplicidade dos EUA e da Europa. Não atribuo esta cumplicidade ao poder do lóbi pró-israelita e muito menos do chamado “lóbi judeu”, expressão que, fazendo um favor à direta israelita, confunde o governo de Israel com todo um povo. O que se passa é que as opiniões públicas ocidentais resolveram a sua culpa pelos crimes contra o povo judeu de que foram historicamente responsáveis dando a Israel o estatuto de inimputabilidade, como se o sofrimento do passado pudesse ser um passaporte para discricionariedade no presente.
Qualquer pessoa moderadamente bem formada e informada fica chocada com o comportamento de Israel nos territórios palestinianos. E só os mais desatentos alimentam ainda a imagem de uma ilha de democracia e tolerância cercada por um mar de fanatismo e ódio. Há mais de duas décadas que a política israelita é dominada por uma direita militarista refém de partidos ultrarreligiosos e de movimentos de extrema-direita que são, na sua natureza, um insulto aos primeiros sionistas e aos judeus socialistas que alimentaram o espírito comunitário dos kibutzim.
O apoio acrítico do ocidente a Israel contribuiu para uma cultura política de impunidade e para a violação sistemática e por vezes sádica dos mais básicos direitos humanos. Democratas sérios como Jimmy Carter e, mais recentemente, John Kerry compreenderam, ao lidar com a arrogância israelita, que o seu apoio incondicional criara um monstro. Acordaram tarde demais. A forma como Netanyahu humilhou Obama no discurso que fez ao congresso norte-americano, em março de 2015, e como, na semana passada, usou a transição de mandatos e a imbecilidade de Trump para desautorizar a autoridade dos EUA é resultado de décadas de uma aliança equívoca. Na relação entre EUA e Israel o protetor obedece às exigências e caprichos do protegido, desbaratando com esta subalternidade toda a influência que poderia ter no Médio Oriente.
O que deveria ser natural - que a ONU não aceite como direito adquirido a construção de novos colonatos israelitas em territórios palestinianos - é encarado por Israel como uma intolerável afronta diplomática, a ponto de chamar embaixadores estrangeiros para os admoestar, como se a ideia de serem um Estado como os outros, a quem se aplicam as mais básicas normas internacionais, fosse um insulto à sua própria identidade. E foi a proteção bovina dos EUA que instalou nos políticos israelitas esta arrogância, prejudicando, antes de mais, Israel, que estava cada vez mais isolada na comunidade internacional.
É revelador deste isolamento a alegria com que o governo israelita recebeu as novas lideranças norte-americana e britânica. Corresponde a uma partilha de valores marcados pela intolerância, o radicalismo e a xenofobia. Finalmente a política na Europa e nos EUA começa a ficar parecida com a política israelita das últimas duas décadas. Netanyahu, Trump e Theresa May, les beaux esprits se rencontrent.
 
(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 02/01/2017)
 
Ovar, 3 de janeiro de 2017
Álvaro Teixeira