por estatuadesal |
(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 04/08/2017)
Duas histórias envolvendo quadros do PSD foram notícia esta semana, sem que qualquer uma ajudasse a criar uma narrativa sobre os social-democratas: a auditoria do Tribunal de Contas (TdC) ao Instituto do Território (IT), fundada pelo diretor do gabinete de estudos do PSD até ao ano passado e coordenador do programa eleitoral do partido, e a viagem do vice-presicente da bancada do PSD à China, pago pela Huawei.
Rogério Gomes foi presidente da associação Urbe durante 24 anos e contratou, entre 2003 e 2004, Passos Coelho para diretor do departamento de formação e coordenador do programa de seminários. Sendo bastante próximo de Passos Coelho, a fundação do seu instituto contou com o apadrinhamento público do ex-primeiro-ministro quando já estava em São Bento. Recebeu depois disso apoios do Estado significativos que o TdC considerou agora irregulares. Segundo o tribunal “não preenchia as condições para ser considerado organismo de direito público” não sendo por isso elegível para os apoios que recebeu. Autoridade de Gestão do Programa Operacional de Assistência Técnica terá pago indevidamente quase 250 mil euros. O TdC recomenda a devolução do dinheiro entregue ao instituto do colaborador próximo de Passos.
Sérgio Azevedo, deputado e vice-presidente da bancada do PSD, fez uma viagem à China, com uma duração de cinco dias, em que a estadia e os voos foram pagos pela empresa de telecomunicações chinesa Huawei. Sérgio Azevedo considerou a sua situação diferente das viagens da Galp porque foi “dar força a um amigo”, também um quadro eleito do PSD. O que, está bem de ver, é muito diferente de dar uma força à seleção. Diz que não foi como deputado, assim como suspeito que Rocha Andrade não terá ido como secretário de Estado, já que não tutela a área do desporto. Mas apesar de não ter ido como deputado teve as faltas justificadas por motivo de “força maior”. A mim, mas isso sou eu, parece-me o mesmo que estava em debate no caso da Galp: um deputado não aceita viagens pagas por empresas com interesses em Portugal. Pelo menos assim temos de determinar desde que três secretários de Estado, nem todos a gerir contenciosos com a Galp, foram demitidos por pressão da oposição. Ao que parece, Passos acha que aos seus não se exige o mesmo rigor que aos dos outros.
Os dois casos terão a relevância que lhes quisermos dar e eu acho que ela não é enorme. Não chega para usar o banalizado “gate”. Mas se envolvessem duas figuras do Partido Socialista já estaria montada uma história sobre o partido das negociatas e dos esquemas. João Miguel Tavares já teria escrito um artigo sobre a corrupção crónica dos socialistas e o regresso ao tempo de Sócrates e Henrique Raposo já teria explicado que a esquerda vive na total impunidade, sempre poupada pela elite de “Lesboa”. Já teríamos toda uma história montada. A mesma que foi possível construir em torno de uma viagem para uma final de futebol.
Não estou a dizer que a comunicação social está contra os socialistas.
Estou a dizer que se construiu uma narrativa, sobretudo a partir de Sócrates, que explica cada escândalo que envolva socialistas com o DNA do PS mas que isola cada caso que envolva o PSD na sua verdadeira proporção. Qualquer pessoa que conheça os dois partidos sabe que isto é um absurdo. Nesta matéria, nada os distingue. São feitos da mesma massa.
Mas como a direita partidária evita um debate ideológico que a ponha numa posição minoritária num país socialmente à esquerda (não confundir com a simpatia partidária), há anos que se agarra a escândalos e a casos. E criou esta fantasia sobre a excecionalidade imoral do PS. Uma mentira que Sócrates ajudou a confirmar e que o jornalismo tabloide, totalmente alinhado à direita, alimenta com entusiasmo. Isto permite à direita não discutir política e passar por cada caso que envolva os seus sem qualquer dificuldade. E é por isso que Passos não será muito aborrecido pelo aparente favorecimento do Instituto do seu antigo patrão e Sérgio Azevedo continuará no lugar.
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