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sábado, 18 de novembro de 2017

Horas do diabo

Aventar

por Carla Romualdo

Ninguém diria, aqui, recostados ao sol como esse gato gordo que quase morreu de tantas sardaniscas que comia, mas agora passa os dias a dormir encostado ao muro. Ninguém diria que era daqui que saltavam para a linha, homens e mulheres, velhos e novos, gente daqui do bairro e doutras paragens, porque havia quem viesse de propósito para matar-se aqui. Desde que puseram este gradeamento alto, os suicidas desistiram da ideia ou buscaram outros lugares.

À mesa, sou a única forasteira. Os homens não dizem nada,  fala a Maria, a mais velha.

- Nunca mais me esquece o dia em que vi muita gente debruçada no muro, fui espreitar e vi uma mulher caída, com a cabeça a deitar tanto sangue... Andei meses a pensar nisso, nem dormia em condições. Eu devia ter uns 14 anos e aquilo impressionou-me tanto…

O comboio está a passar debaixo dos nossos pés, estremece-nos.

A Maria puxa o xaile para os ombros. É o comboio que a arrepia. Ler mais deste artigo

O valor da vida

por estatuadesal

(Por Joseph Praetorius, in Facebook, 17/11/2017)

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Joseph Praetorius

(Não posso deixar de sublinhar que este texto é uma água-forte em traço fino do país que somos e do muito do que nele se está a passar. Uma descrição naturalista e impiedosa do que está mal e do mau futuro que iremos legar aos nossos vindouros. Sim, é isso sim, Portugal definha, e já aceitamos colectivamente como normal um estado larvar de indiferença e de acomodação. E não me venham falar das falhas do Estado - que as tem e muitas -, não, a falha é de todos nós e da nossa incapacidade de nos indignarmos e alterarmos o estado de coisas.

Estátua de Sal, 18/11/2017)


Uma catástrofe está em curso. Pior que um incêndio. Com mais baixas que um grande terramoto.

O desalojamento dos velhos pelos despejos determinados na celerada lei Cristas avoluma-se. E parece configurar verdadeira política de genocídio.

Gente de classe média com “reformas boas” de uns vagos mil euros está a perder as casas. Uma onda de especulação imobiliária assente na vinda de reformados de outros sítios e na liberalização da disciplina dos alojamentos precários para turistas, excluirá de Lisboa a população originária que ainda lhe resta, já reduzida ao escasso número de habitantes que aqui havia no séc. XVIII e em perspectiva de nova redução. Brutal, desta vez.

Antes exurbanizou-se a população jovem que não teve – e continua a não ter - dinheiro para se alojar na cidade onde cresceu. E agora excluem-se os velhos. Com violência. Mas a inteira população foi condenada ao nomadismo.

De cinco em cinco anos, os arrendatários devem mudar de casa, a menos que a indulgência do senhorio os autorize a ficar. Recordo o modo como no Código de Seabra se referia o despejo. Despedimento do inquilino, dizia a lei. Esta desproporcionada relevância social do senhorio quis restabelecer-se, em detrimento de qualquer igualdade contratual, mas, sobretudo, em detrimento da igualdade social. Tenho dificuldade em classificar a perversa e patentíssima intenção que a isto subjaz. A aquisição de casa própria parece ser a melhor solução para os mais novos, mas os baixos salários, os divórcios e a instabilidade laboral deixarão muitos dos devedores bancários em situação próxima, a curto ou médio prazo.

As lojas históricas também desaparecem. (Mais desemprego, portanto). As fachadas mudam. As cidades descaracterizam-se. Lembro a Cunha do Porto, onde sempre vou quando estou na Cidade e recebeu entretanto a notificação para libertar as instalações em que é locatária.

Talvez as coisas se mascarem com a presença de ingleses, franceses e alemães. Mas não por muito tempo, porque a relação com eles ficou completamente viciada. Vão ser olhados pelo contraste com a miséria dos autóctones. Causa da subida de preços e, portanto, condição de agravamento da miséria. Isso acabará por influir na próprias decisões de continuação da presença aqui.

E esta miséria, claro, é já expressão da política dos últimos quarenta anos em que os antecessores da Cristas se obstinaram na política de precarização das condições de trabalho e baixos salários, baixas qualificações e desigualdade intencionalmente cultivada. O resultado é que os jovens de trinta anos de há quarenta anos atrás são hoje velhos de setenta e descobrem-se mais pobres do que sempre foram.

Os suicídios são em rajada.

A assistência médica e hospitalar vem condicionada por restrições administrativas que parecem imbecilizar os corpos clínicos, porque os médicos lamentam a sorte dos doentes em conversa privada, mas mostram-se incapazes de protesto eficaz. A minha desconfiança relativamente a oncologia, por exemplo, é coisa que não consigo descrever.

E mesmo entre juristas não se vê quem consiga reagir. Nas faculdades de Direito o clima é pouco menos que sórdido. Quem quer que tenha frequentado uma faculdade (mesmo de Direito) não consegue reconhecer ali nada do que possa caracterizar a juventude universitária. No fim do curso, os mais classificados serão, como têm sido, contratados pelas “grandes sociedades” que os porão a fazer minutas de cobrança por dez anos, altura em que os despedirão para contratarem mais novos a quem acontecerá o mesmo e perderão, como todos, qualidades e aptidões em cada mês que ali estiverem. Não há nada pior no curriculum de um jovem advogado do que a permanência, ou estágio, num desses sítios.

O Direito, instrumento de preservação racional do que não deve ser forçado a impor-se outra vez pela revolução, esse Direito, parece ter perdido todos os cultores e boa parte das testemunhas da sua existência.

A vida quotidiana é uma colecção de ausências.

A esquerda deixou de existir, havendo uma “esquerda oficial” a dizer banalidades, convocando protestos com fórmulas gerais - e bastante administrativas - por objecto.

E este é um dos países de clima mais ameno da Europa, sendo em todo o caso aquele onde mais se morre de frio na Europa. E de calor, também. Tem uma das taxas mais elevadas de suicídios da Europa – se acaso não for a mais elevada.

As generalidades da pretensa esquerda, face aos crimes da pretensa direita, parecem-me um crime mais. Da ICAR, habilíssima na caça aos subsídios estatais para o “combate à pobreza” nem quero falar, para que a minha indisposição não cresça.

Olho a execranda Cristas. E escandalizo-me. É o ícone da besta - para usar a classificação do Eça - que se imagina “de direita”, como se o nada pudesse ser alguma coisa. Uma caricatura. De rusticidade insuportável. A tal ponto que instrumentaliza e ostenta social e politicamente o número de vezes que pariu. Possa a defecção imprescindivel poupar tais crianças… O inteiro sistema está cheio destes fenómenos. Rãs que não conseguindo fazerem-se bois, lograram obter o estatuto correspondente por via administrativa. Mas atreladas em junta não fazem andar o carro. A fábula de La Fontaine tem de ser revista.

Uma multidão de velhos está a ser e vai continuar a ser despejada. Mesmo no inverno. Porque a criminosa Lei Cristas assim determina. Imagino a pilhagem, na rua, aos móveis dessa pobre gente – alguns ainda manufacturados em madeiras maciças vindas de África – intuo o desespero e o desgosto com que se desfarão das poucas joias de família na tentativa de sobrevivência imediata.

E aí estão eles. Depois de uma vida de trabalho. Completamente despojados de qualquer dignidade pessoal. Com o coro de fundo – já atenuado, embora – a dizer-lhes que vivem acima das suas possibilidades. E porventura sim, porque lhes não resta senão a impossibilidade de vida. Por isso se matam com frequência, aliás. Não será?

Pergunto-me, por tudo, que coisa os impede de morrerem matando. E todos os homens com setenta anos tiveram treino militar.

As Cristas - e correspondentes capões de alma, com as aberrações equiparáveis - gritarão “populismo”, “demagogia” e “crime de ódio” diante de enunciações como estas. Mas são estas coisas que têm de discutir-se. Porque são estas coisas que têm de resolver-se. Imediatamente, aliás.

E a vida das Cristas desta terra não pode valer mais do que o insultante valor atribuído à vida de um velho despejado, depois de quarenta ou cinquenta anos de trabalho pelo qual se sustentou honestamente, pagou impostos e contribuiu para a vida da comunidade.

Esta equivalência elementar não está a ser ponderada na sua gritante evidência.

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

DA “CADERNETA DE CROMOS” DO PSD…MAIS UM!

por estatuadesal

(Joaquim Vassalo Abreu, 17/11/2017)

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Da vasta “caderneta de cromos” do ainda actual PSD, o remanescente do Relvismo, do Marcantonismo e do Passismo Coelhismo, ressalta, para além do Huguinho de quem aqui já muito tenho falado, e de um “Leitãozinho Amar(go)” , pois lhe falta o Sarmentinho e na Bairrada leitão sem ele não é nada, o Duartinho Marquinhos. Não vos soa a nada? Então eu vou-vos elucidar!

Do Huguinho estão vocês fartos de saber, não só pelo que tanto já aqui escrevi, mas também pelo que de extraordinariamente reles dele emana; do Leitãozinho Amar(g)o nunca falei, mas para que se recordem de alguma ideia do cujo sempre vos posso lembrar que foi aquele que disse que o anterior governo (o dele, “persupuesto”) tinha proibido a Legionela, mas hoje eu pretendo dissertar acerca de mais um cromo: o Duartinho Marquinhos! Mas não se admirem deste tratamento pois o melhor amigo do meu Irmão mais novo chamava-se Francisco José, Xico Zé para todos menos para o meu Irmão, que lhe chamava de Francisquinho Zézinho!

Para além de feitos vários lembro-me, meus Deus há quanto tempo já foi, na tal Comissão do BES, da maneira como ele tratava aquele microfone: erguia-o, debitava naquele tom de voz travada que o cujo tem e, quando acabava, num golpe de “disse”, assim como se tivesse realmente dito, mas tivesse dito de modo absoluto, inequívoco e redundantemente definitivo, baixava abruptamente o microfone num daqueles gestos à Reboredo Seara na sua campanha à Americana por Odivelas, ou do Marcelo na Web Summit. O gesto é tudo, como dizem? Só se for cá no Norte ou à Bordalo!

Mas o nosso querido Duartezinho fora o resto, que já pertencia ao “bubble” das línguas travadas, resolveu, por uma questão de afirmativa maturidade, assim se pretendendo distinguir dos seus companheiros imberbes, aderir ao das barbas e fez que do seu rosácio rosto ressaltasse uma prematura e escura barba, apenas apanágio de gente precoce!

Mas porquê? Por pura afirmação! Pena é que que não se tenha ainda inventado para o caso assim um aparelho como as moças, principalmente elas, usam para, corrigindo pretensos defeitos nas suas cremalheiras, ficarem homogeneizadas e poderem dizer: eu até posso, ouviram ó possidónias?

É que o nosso queridinho Duartinho e o resto é Marquinhos, que só tem pena de não ter saído filho do D. Duarte para assim usar o dom de ser também ele Don, pertence, apesar da barba que agora ostenta, àquela seita de imberbes que, sob o manto daquela revolução Relvista-Marcantonista, a da renovação, assaltaram o PSD, o tal dito Partido Social Democrata e, quais Ali Babás e os quarenta ladrões, conquistaram o famigerado pote! Mas, para  tudo o mais, falta-lhe o dom!

Mas que diz ele? Basicamente nada mas, quando algo diz ou comenta, resulta daí um tão rasteiro raciocínio que, por tão pretensioso e, apesar de tudo, coerentemente alinhado na sua reacionária retórica, diz bem da educação que levou e carrega: a da formação “jotista” em universidades de verão. Com canudo e tudo, à semelhança dos seus padroeiros Relvas e Passos. Mestres de referência, acrescentaria eu, na formação dos “cromos” da sua extensa caderneta.

E só agora reparo que, no entusiasmo das palavras, disse que ele nada disse mas, perdoem-me, até que disse. E o que ele disse até se reveste de alguma importância pois só vem realçar, ainda mais, a importância da “caderneta” de cromos de que acima falei.

É que, na sequência dos eufemismos que o seu governo tinha inventado, como aquele dos cortes serem ditos por poupanças, mais aquele outro do “crescimento negativo”, que na altura eu até  observei que era como que quando descíamos uma escada o que fazíamos era subir para baixo, o nosso Duartezinho saiu-se num debate na sua SIC com a Mariana M., que o destratou, com este fabuloso diamante, ainda com mais quilates que aquele que a Isabel dos S. vendeu por uns não sei quantos milhões, embora nada que se aproximasse do quadro do Da Vinci, que vai receber lá em cima em cheque para desconto no Banco do Céu e, para que melhor repararem, até vou referi-lo em itálico: “ O PSD descongelaria a carreira dos Professores SEM CUSTOS”! O Duartezinho falou e a Mariana embasbacada apenas balbuciou: “Impressionante”!

De modos que eu, e para terminar, só lhe rogo: Fale homem, fale e não se canse. Assim como nos tempos do seu glorioso governo, quando empresas e particulares faliam como tordos, eu ouvi um dizer: Tudo fale, tudo fale e como todos falem eu também falo!

Maneiras que, ó homem, você fale e fale, mesmo que sem “p” de apoio…

E falei!

Um futuro sem propriedade

por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 17/11/2017)

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Daniel Oliveira

Comprar um disco ou um filme é já quase um luxo de colecionistas. E sendo colecionistas, é provável que regressem ao vinil. De resto, o consumo de massas faz-se através do pagamento pelo acesso à música, que fica armazenada no telemóvel. Não, já nem é assim. O que hoje se paga é o acesso a plataformas que nos permitem ouvir música que nunca chegam a estar armazenadas em algo que seja nosso. Nem sequer guardamos o que consumimos. E mesmo serviços de streaming de música, podcast e vídeo como o Spotify já são a pré-história de tudo isto. A desmaterialização de muitos dos nossos bens de consumo transformou a propriedade em acesso.

Esta é a parte fácil. Acontece que esta lógica está a passar para grande parte dos consumos. Lisboa já está repleta de motos elétricas que são alugadas à empresa eCooltra, que se limitou a seguir a lógica que há muito domina o uso das bicicletas nas grandes cidades europeias e que, por uma enorme resistência conservadora, demorou bastante tempo a chegar a Lisboa. E chegou, claro, por um privado, que se fará pagar bastante bem - e não, como deveria acontecer com um serviço que será monopolista, através de um serviço público. Apanha-se onde se quer, deixa-se onde se quer, paga-se o tempo que se andou. Este serviço surgirá muito brevemente para automóveis. Isto é o futuro nas grandes cidades: em vez de ter carro aluga-se o carro. Seja o serviço de táxis transvestido de aluguer, como é o caso da Uber que temos, seja pelo aluguer de carros sem motorista, seja pela utilização de carros autoguiados, que estará muito próximo.

Assim como as novas formas de consumir música, cinema e televisão mudaram radicalmente as indústrias do entretenimento e os nossos hábitos culturais, as novas modalidades de aluguer de curtíssima duração de veículos mudarão radicalmente a indústria automóvel e a mobilidade nas cidades. E apesar da crise que vivemos no mercado de arrendamento, é bem provável que mesmo esse mercado venha a ganhar nova centralidade.

O meu título é obviamente provocador. A propriedade não vai acabar. Mas usar em vez de ter – carros, música, filmes, casas, tudo – é o futuro. Como sempre, isso terá consequências negativas e positivas. A minha insistência contra o deslumbramento em relação às tecnologias pretende que nunca se ignore os seus efeitos perversos para os tentar minorar.

As consequências positivas são óbvias e poderosas. Antes de tudo, ambientais. Menos produção material é menos desperdício e poluição e mais reutilização. No caso da mobilidade, é menos poluição e menos engarrafamentos. Tem vantagens económicas, sobretudo para países como Portugal: a ausência de compra permite menos endividamento das famílias, um dos maiores problemas do nosso tempo. Acabam as prestações do carro, o crédito ao consumo e, se o arrendamento imobiliário renascer, menos crédito à habitação.

Depois há o outro lado da moeda. Esta nova forma de consumo tenderá a acentuar a crise no sector industrial, transferido cada vez mais recursos para os fornecedores e cada vez menos para a produção. Quem quiser fazer previsões não precisa: basta olhar para a indústria do entretenimento e da informação para perceber o que irá acontecer na distribuição de recursos e de poder. Paradoxalmente, tenderá a pôr em crise os transportes coletivos, o que acaba por nos devolver alguns problemas ambientais e de qualidade de vida urbana. Mas o mais importante, desafiante e perigoso é o que nos parece, à primeira vista, melhor: o fim da propriedade. Perigoso porque a propriedade não acaba. Ela concentra-se.

Sim, há imensos aspetos positivos na transformação da compra em aluguer e o mais importante é o que mais nos deve mobilizar: a preservação deste planeta. Mas isso implica que as famílias de classe média deixarão cada vez mais de acumular património, o que, apesar de tudo, sempre foi uma fonte de segurança e de mobilidade social.

Ou seja, esta nova forma de consumo tende a concentrar a propriedade em grandes empresas – incluindo a propriedade dos carros que usamos, das casas onde vivemos e de quase tudo o que precisamos no nosso quotidiano. O que resultará em três processos concentracionários: a concentração empresarial, a concentração de poder e a concentração da riqueza. Aumenta a desigualdade. Este é o lado negro do que pode salvar o planeta. A não ser, claro, que abandonemos os preconceitos em relação ao papel do Estado na economia e ele desempenhe algum papel nesta história para maximizar as vantagens e minimizar os efeitos perversos. Não está com ar disso.

Aonde começando a falar de incêndios vamos parar à Casa Pia

por estatuadesal

(Jorge Rocha, in blog Ventos Semeados, 17/11/2017)

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Agora que os incêndios do verão e do outono já ficaram para trás, e podem ser escalpelizados com outra racionalidade, seria interessante que a Polícia Judiciária e outras autoridades policiais, incumbidas de explicarem a dimensão trágica do sucedido, nos pudessem informar sobre a efetiva percentagem dos sinistros causados por mão humana e, de entre eles, os que se suspeitam de prática criminosa. É que há fundamentadas dúvidas de essa causa ter sido mais frequente no ano em curso, faltando saber até que ponto resultou de iniciativas individuais sem conexão umas com as outras ou se tiveram por trás alguma forma de planeamento de cariz terrorista ou, pelo menos, ideologicamente inspirado por quem detesta o atual governo.

Enquanto o assunto esteve na ordem do dia multiplicaram-se as afirmações num e noutro sentido. Para que não hajam dúvidas sobre Diabos que terão vindo assombrar a Nação ou sobre fenómenos climáticos de extrema severidade, seria bom que nos fosse apresentada a devida conclusão. De forma categórica, científica e sem azo a remanescentes ambiguidades.

Mas se pegarmos num outro exemplo de acontecimentos, que ficaram por esclarecer - e sobre os quais a fúria mediática em busca do escândalo, do que pudesse vender jornais e revistas ou abrir telejornais! - aí está o «Público» a recordar o que assolou a Casa Pia há quinze anos e suscitado por uma manchete de primeira página do «Expresso» (ora por quem haveria de ser?).

Passados todos estes anos, mesmo com condenações e cumprimentos de penas, que, nalguns casos, continuam a suscitar sérias reservas quanto a ter-se feito justiça ou, pelo contrário, criado gritantes casos de injustiça para quem ficou com as vidas completamente destroçadas, há quem lamente seriamente o que se perdeu: uma certa mística  da instituição de que gerações tinham conservado justificado orgulho por a ela terem pertencido.

Pessoalmente, nos meus anos de Marinha Mercante, encontrei muitos e competentíssimos artífices (serralheiros, torneiros, soldadores), que ali tinham sido educados e formados enquanto grande profissionais dos respetivos ofícios.

Não existe, pois perdão possível para gente do quilate de uma sinistra provedora ou de um oportunista, que tanto viria a concorrer a cargos políticos pelo Partido Comunista como por outros de sinal contrário, que viram na gula voyeurista de jornalistas sem escrúpulos e de políticos de direita - que quiseram utilizar o caso como arma de arremesso contra o Partido Socialista  - a oportunidade de porem em causa a imagem da instituição. Com danos sérios para o futuro: havendo ainda milhares de crianças e jovens necessitados do tipo de apoio ali conferido, os casos dúbios e pontuais (porventura replicáveis em muitas outras instituições do género) deixou de se lhes ministrar os cuidados que tinham norteado todo o seu passado. E, nesse sentido, quantas vidas se transviaram por terem deixado de contar com a alternativa educativa, que o «Expresso» e os outros meios de comunicação (ou contaminação?) inviabilizaram?

Quinze anos depois continuamos sem resposta relativamente a ter efetivamente existido ou não uma rede pedófila a ali operar e se a Justiça não terá ido à boleia das condenações sumárias engendradas nos jornais pelos torquemadas de ocasião. Esperemos que, daqui a quinze anos, não andemos a questionar-nos se os incêndios deste prolongadíssimo verão justificaram ou não algumas pertinentes teorias da conspiração...