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quinta-feira, 1 de março de 2018

A fúria do mar

por Bruno Santos

Há várias façanhas pelas quais os portugueses são conhecidos mundialmente. Terá sido, aliás, Mário Cesariny um dos primeiros a descobri-lo e a demonstrá-lo com evidência científica e surrealista, na sua “pena capital”:

quando acabava de ser identificada a casa onde viveu
Miguel Cervantes, em Alcalá de Henares,
eu saía para o campo com Rufino Tamayo
enquanto um português vivia trinta anos com uma bala
alojada num pulmão
chegava eu ao conhecimento das coisas

A verdade, é que parece haver uma tendência, nos portugueses, para uma certa satisfação pelos extremos e um cultivo alegre do espanto perante fenómenos ou acontecimentos totalmente insusceptíveis de o gerar ou, em gerando-o, mais tendentes, num “povo normal”, a suscitar uma reacção de cautela, previdência e algum recato. Não se trata de uma realidade circunscrita espacialmente à zona do Entroncamento, ou da Cova da Iria, mas, pelo contrário, presente em qualquer lugar onde chegue a alma lusa. A capacidade portuguesa para fazer do banal, extraordinário, e do extraordinário, banal, é algo do nosso quotidiano morno e acontece onde quer que estejamos e sejam quais forem as circunstâncias do tempo e do lugar.

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A sério que é à séria?

por Autor Convidado

lingua_portuguesa_televisaoIsaac Pereira

É um erro habitual na forma de falar, sobretudo na região de Lisboa, e em especial, ali para os lados da Assembleia da República. Mas a forma de falar também já se transpôs para a escrita. Frequentemente faz a sua aparição nos jornais e nas têvês, e agora também nos sítios "on-line".
Isto sim, é a língua no seu esplendor mais virulento.
A expressão "à séria", possui requintes de modo "chique-burlesco", e é tão risivelmente paroquial e provincial que até faz um asno cantarolar. É uma espécie de modinha ou coisa que o não valha, assim, como dizer, tão "fin de siécle", não achas ó Ramalho Ortigão?

Só escrevo isto para que te previnas. Quando leres ou ouvires alguém dizer que "isto" ou "aquilo" é uma coisa "à séria", passa um raspanete à senhora membrana auricular e, para não chorares, esfrega a retina dos teus meninos olhinhos.

United Stupids of America

United Stupids of America

por João Mendes

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É curioso que a administração norte-americana se empenhe tanto em manter potenciais terroristas afastados do país, usando o pretexto para criar legislação xenófoba, quando luta activamente por manter a vida facilitada aos terroristas que, nascidos e criados em solo americano, decidem metralhar uma escola ou um concerto com uma arma semiautomática. Não, não é nada curioso. É só estúpido. E talvez, mas só mesmo talvez, tenha algo que ver com os vários massacres que acontecem, todos os anos, na land of the free. Ler mais deste artigo

Animais e bestas

por CGP

Como qualquer um que não é funcionário público ou não ganha o suficiente para aceder a hospitais privados sabe, o Sistema Nacional de Saúde está um caos. A dívida a fornecedores continua a aumentar, causando os respectivos problemas de fornecimento. Em Faro, os médicos têm sofrido pressões para dar altas precoces devido à sobrelotação. Em Vila Nova de Gaia, doentes passam dias em macas nas urgências à espera de lugar. Adultos com diabetes continuam sem acesso a bombas de insulina de última geração. Segundo o tribunal de contas, a situação do Sistema Nacional de Saúde é extraordinariamente débil. Perante esta situação, os representantes dos eleitores de Lisbolalaland decidiram recomendar a construção de um novo hospital público... para cães e gatos. No fundo, faz sentido que num sistema de saúde em que se trata pessoas como animais, se comece a tratar animais como pessoas. Segundo a deputada do PAN (que conseguiu convencer todos os malucos que se sentam na Assembleia Municipal, incluindo os do PSD e CDS que já têm experiência suficiente para ter juízo), "os animais têm vindo a assumir uma importância crescente no seio familiar". É verdade. Os animais são baratos, crescem e ficam autónomos mais depressa do que os filhos. Faz todo o sentido não só apadrinhar esta mudança demográfica, como subsidiá-la. Só faltou sugerir que, à falta de dinheiro, se feche a ala pediátrica do Santa Maria para dar espaço ao hospital público veterinário. O próximo passo é transformar as escolas primárias fechadas em centros de dias para animais e dar abatimentos fiscais por cada animal doméstico. Se as pessoas crescentemente substituem filhos por cães e gatos, é normal, na cabecinha desta gente, que o estado vá atrás e subsidie este comportamento. Pelo menos, estas prioridades dão votos.

Ladrões de Bicicletas


A questão europeia

Posted: 28 Feb 2018 11:32 AM PST

Fonte: INE, Contas Nacionais

Se há coisa em que a esquerda tomaria a dianteira à "cultura de compromisso" à direita, era começar a olhar para as contas externas. Para as contas da Balança de Transações Correntes, mas mais em particular para a Balança Corrente.
Por facilidade, os gráficos apenas abordam essa realidade a partir de 1995. Já nessa altura, a economia portuguesa estava entrosada no Sistema Monetário Europeu, com toda a política macroeconómica subordinada à política cambial-monetária europeia, decidida pelo Governo Cavaco Silva e prolongada pelo Governo Guterres, mantendo o escudo português indexado ao marco alemão. Foi a opção europeia. Nessa altura, o nosso défice comercial já era largamente deficitário. E assim continuou após a criação do euro em 2000, até 2010, sem que o saldo positivo da balança de serviços - onde se encontram as receitas de turismo - tivesse evitado essa tendência.

Fonte: INE, Contas Nacionais

A partir de 2010, "miraculosamente", o défice comercial atenua-se. E assim continuou até 2013. Foi o período de intervenção externa, com o devido apoio ideológico do Governo PSD/CDS, de Pedro Passos Coelho/Paulo Portas, tendo Assunção Cristas como ministra. O défice atenuou-se porque o consumo privado foi asfixiado e o investimento privado sofreu a maior queda de que há conhecimento na História recente de Portugal. Mas mal a retoma se iniciou em 2013, os problemas voltaram a revelar-se. Apenas a avalanche de turistas tem compensado o agravamento do défice comercial. E já começa a revelar-se insuficiente...
Se a preços correntes (primeiro grafico), o saldo da Balança Corrente se mostra positiva (Paulo Portas mostrou-se felissíssimo na campanha eleitoral de 2015 com esses escassos valores), já a situação das transações em volume (segundo gráfico) parece revelar melhor as fragilidades presentes.
Há causas para esta situação.
A par de diversos choques externos verificados no início do século passado - aumento das taxas de juro do BCE (1999/2002), rebentamento da bolha dot.com(2000), entrada da China para a OMC (2001), desmantelamento alfandegário da UE face ao exterior (2004), forte apreciação do euro (até 2008), crise internacional..., há uma causa de fundo. E ela está na política seguida desde o início dos anos 90 com a liberalização dos movimentos de capitais, a desregulamentação das actividades financeiras e a privatização das empresas públicas.
Relembro o que se escreveu no livro "A Crise, a Troika e as alternativas" (Tinta da China, Agosto de 2013), de vários autores, alguns deles deste blogue:

Essas opções tenderam "a atrair, de facto, montantes elevados de capital estrangeiro. O grande afluxo de capitais cria condições propícias ao aumento do investimento e do consumo, o que contribui para estimular a economia nacional e atrair mais capitais. Inicia-se, deste modo, um período de rápido crescimento, que se reflecte normalmente num aumento geral dos preços e, nesse sentido, em perda de competitividade dos produtos nacionais nos mercados internacionais. A perda de competitividade deveria conduzir à desvalorização da moeda nacional, permitindo então recuperar alguma competitividade da procura interna face ao exterior. No entanto, as autoridades nacionais estão comprometidas com a política de estabilidade cambial, como parte da sua estratégia de atracção de capitais externos. Assim, estando os preços internos a aumentar e a taxa de câmbio inalterada, os produtores nacionais vão perdendo capacidade de enfrentar a concorrência externa".


A consequência foi a transladação de investimentos para os sectores não transacionáveis (supostamente protegidos), a desvalorização  dos activos nacionais (que são adquiridos ao desbarato e procedendo-se a uma concentração internacional) e a subida da dívida externa, com as consequências que se viu na chamada "crise da dívidas soberanas" (que teve associado um programa cujos efeitos prolongou ainda mais a entrada de capitais externos).
E é isto. Como resolver este constrangimento? De cada vez que se cresce, afunda-se o défice externo. Para o resolver, a solução não está no ajustamento salarial. Não é panaceia e não pode estar em nome da nossa sobrevivência como povo que tenderá a emigrar. E a definhar.
Este devia ser o debate nacional.