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sábado, 3 de março de 2018

O que importa é fazer títulos apelativos?


Posted: 02 Mar 2018 07:19 PM PST

A informação mensal recentemente divulgada pelo Eurostat, relativa a janeiro, dá conta de uma nova descida do desemprego, com Portugal a registar uma das maiores quebras na União Europeia (UE28) e também uma das mais significativas reduções em termos de desemprego jovem. Dados que não coíbem a TSF, por exemplo (mas não só), de destacar para título de notícia a circunstância de Portugal se encontrar «no top 4 dos países da UE com mais desemprego jovem».

Posted: 02 Mar 2018 07:19 PM PST

A informação mensal recentemente divulgada pelo Eurostat, relativa a janeiro, dá conta de uma nova descida do desemprego, com Portugal a registar uma das maiores quebras na União Europeia (UE28) e também uma das mais significativas reduções em termos de desemprego jovem. Dados que não coíbem a TSF, por exemplo (mas não só), de destacar para título de notícia a circunstância de Portugal se encontrar «no top 4 dos países da UE com mais desemprego jovem».

Mas estaremos mesmo entre os quatro países da UE com a taxa de desemprego jovem mais elevada? E que posição tem Portugal ocupado nesse ranking em anos anteriores? Vamos à fonte e encontramos as respostas: nos últimos anos, com exceção de 2011, Portugal ocupa em regra a 5ª e 6ª posição na ordenação decrescente da taxa de desemprego jovem na UE e parece ocupar, em janeiro de 2018, a 3ª posição. Sim, parece. Mas também parece que não ocupa, se tivermos em conta que faltam os dados relativos a janeiro para nove países dos 28, dois dos quais (Croácia e Grécia) têm registado sistematicamente taxas de desemprego jovem superiores às de Portugal. Ou seja, em vez da 3ª posição na lista ordenada dos 28, Portugal ocupará provavelmente, afinal, o 5º lugar da lista.

O que terá levado então a TSF (ou o Correio da Manhã) a referir-se à posição de Portugal na ordenação decrescente das taxas de desemprego jovem em janeiro, quando não dispunha dos valores de todos os países da UE28 para poder fazer esse exercício de forma credível («puxando» ainda por cima essa referência para o título)? A vontade de destacar uma má notícia, para ir em contra-mão com as restantes e para chamar mais à atenção? A preguiça de não verificar os dados? A pressa de publicar em primeira-mão? Será que além das fake news, ainda teremos que estar atentos a uma espécie de quickly news?

Expresso Curto

Martim Silva

MARTIM SILVA

DIRETOR-EXECUTIVO

Álvaro Sobrinho. Cimeira Portugal/Angola. O estado do SNS (os meus destaques do Expresso)

3 de Março de 2018

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Bom dia,
Já muito se disse, escreveu e falou sobre o desvio de centenas de milhões de dólares do BESA (o irmão do Banco Espírito Santo em Angola) que ajudaram fortemente a empurrar o antigo império Espírito Santo para o precipício em 2014. Mas esta é uma peça essencial que faltava: contar e explicar direitinho o esquema que terá permitido a Álvaro Sobrinho, durante anos o menino bonito de Ricardo Salgado em Luanda,desviar aquela montanha de dinheiro. Esta é uma investigação do consórcio europeu de jornalismo de investigação de que o Expresso faz parte. O que hoje pode ler no nosso jornal é o que leitores de alguns dos maiores jornais do mundo podem ler ao mesmo tempo.
Como pode um banqueiro “limpar” um banco?
Na única vez que o banqueiro e empresário angolano Álvaro Sobrinho foi filmado em público a falar sobre o misterioso buraco de 5,7 mil milhões de dólares descoberto em 2013 no banco em Luanda de que foi CEO durante 11 anos, houve um momento em que a deputada Cecília Meireles lhe lançou uma pergunta provocatória. “Era assim comum levantamentos de 525 milhões?” No Parlamento, a sala da comissão de inquérito ao colapso do grupo português Espírito Santo (GES), de que o Banco Espírito Santo Angola (BESA) fazia parte, estava cheia. Sentado perante as câmaras e os deputados, Sobrinho disse-lhe que não. “Obviamente que é... é... é um absurdo.” Essa resposta, dada a 18 dezembro de 2014, menos de meio ano depois do colapso do Banco Espírito Santo em Portugal e de todo o GES, que chegou a ter presença em mais de 20 países, incluindo Angola, é desmentida por documentos obtidos pela revista alemã “Der Spiegel” e partilhados com o consórcio EIC (European Investigative Collaborations), de que o Expresso faz parte. Entre outras coisas, a fuga de informação revela o modo como Sobrinho fez depósitos de 277 milhões de dólares em dinheiro vivo numa das contas no BESA de que era beneficiário.
Mas há mais sobre Sobrinho nesta edição. Aqui tem um perfil do banqueiro multimilionário, que faz capa da Revista esta semana.
A fórmula secreta de Álvaro Sobrinho
Só começou a trabalhar com 28 anos, mas aos 39 foi convidado para CEO de um banco português em Luanda e em pouco tempo, aos 50, quando foi forçado a sair do BESA, já era multimilionário. A história do angolano Álvaro Sobrinho e do seu extraordinário enriquecimento pessoal
O QUE SE PASSA COM A NOSSA SAÚDE?
Com o tema a surgir com força na agenda pública e política, fomos em busca de respostas. Afinal, o nosso Serviço Nacional de Saúde está mesmo a desmoronar-se, como escrevia a Clara Ferreira Alves neste jornal na semana passada?
Ouvimos especialistas, analisamos números e resultados. Para lhe fazer chegar um trabalho que procura dar o retrato mais fiél possível do que se passa atualmente. Quais as situações de rutura? Estamos a gastar mais que nunca? Os tempos de espera estão ou não a aumentar?
Vale a pena ler. E refletir

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Marcelo patrocina cimeira ‘quebra-gelo’
As visitas de alto nível entre Portugal e Angola continuam congeladas, a aguardar que o Tribunal da Relação de Lisboa decida sobre o envio ou não do processo contra Manuel Vicente para Luanda, mas o Presidente de Angola deu luz verde para que o Governo angolano se faça representar no megaencontro de empresários dos dois países que decorrerá em Lisboa no próximo dia 27. João Lourenço enviará um ministro (Economia?). António Costa corresponde com a presença de um ministro português. E Marcelo Rebelo de Sousa fará o discurso de encerramento.
Altice culpa AdC caso compra da TVI falhe
É uma espécie de ultimato aquele que os advogados da Meo fazem à Autoridade da Concorrência (AdC) na resposta que, a 12 de fevereiro, enviaram para o regulador em reação à investigação aprofundada à compra da Media Capital — ou há uma decisão até 13 de abril ou o negócio pode cair. “É imperativa a emissão de uma decisão por parte da AdC, até 13 de abril de 2018, sob pena de a realização do negócio ser injustificadamente impedida, limitando-se o funcionamento regular do mercado, por razões meramente processuais e não de substância.” A frase é sublinhada de forma assertiva e clara na primeira página das observações feitas pela Uría Menéndez — Proença de Carvalho à decisão do regulador. E embora a AdC não possa de forma alguma ser condicionada, já que é um regulador independente, a declaração dos representantes da Meo não pode deixar de ser lida como uma forma de pressão e de responsabilização da instituição liderada por Margarida Matos Rosa caso a compra da TVI afinal não avance. O negócio envolve um investimento de €440 milhões, e tem associado uma oferta pública de aquisição (OPA).
Negócio entre Santa Casa e Montepio recua
Está embrulhada a entrada da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) no banco Montepio. Há uma mudança substancial de posicionamento, sabe o Expresso. Está comprometido o molde em que a parceria acordada entre os dois, em junho, iria avançar: uma entrada da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa até 10% no capital do banco Montepio. Chegou a falar-se num investimento máximo de €200 milhões, o que atirava o valor do banco para €2 mil milhões. Terá sido isso que ficou apalavrado entre a Santa Casa e a Associação Mutualista Montepio Geral (AMMG) em junho, mas o estudo de avaliação feito pelo Haitong — e já entregue — trocou-lhes as voltas. A avaliação, sabe o Expresso, é bem abaixo dos €1,6 mil milhões já referidos na imprensa. Quanto, ninguém diz, é um segredo fechado a sete chaves.
OS ÓSCARES ESTÃO A CHEGAR. E ESTE É O ANO DOS MONSTROS
Com Weinstein e Kevin Spacey banidos e “A Forma da Água” como provável triunfador, com um rigorismo politicamente correto no terreno e personagens extremados nos filmes a premiar, bem se pode dizer que este é um ano de monstros na cerimónia dos Óscares. É já amanhã à noite. Na Revista poder ler os prognósticos, como sempre, do Jorge Leitão Ramos.

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A consagração da União Nacional


CRÓNICA

3/3/2018, 0:02264

De repente (força de expressão), espécimes que tropeçam na língua e na decência têm Portugal inteirinho nas mãos. E não se prevê que o larguem. Pior: não se imagina quem queira obrigá-los a largar.

Assim, sim. Inspirado pelo fantasma de Sá Carneiro, que dispõe de costas largas, o dr. Rio assegura o regresso da “social-democracia” e esconjura o monstro “liberal”. O dr. Fernando Negrão promete dialogar com o governo a bem do “interesse nacional”. O dr. César dos Açores abençoa “a mudança saudável que aconteceu no PSD”. O PSD cozinha pactos com o PS para subtrair dinheiro à “Europa” e engrandecer a pátria. O recente debate quinzenal foi mais doce que os sonhos da Miss Universo. O Bloco jura não sentir ciúmes. O dr. Costa saúda o retomar da “normalidade”. E o prof. Marcelo exige “convergências” como se estas não fossem a natureza de um sistema que enfim entrou em roda livre.

Depois do Tempo Novo, eis o advento do Tempo Novíssimo. Os sinais estão aí, tão subtis quanto os de um atropelamento por retroescavadora. Lembram-se de quando os catastrofistas alertavam para uma imitação local do folclore venezuelano? Ridículo. Embora em repouso prisional, na Venezuela há oposição. Por cá, desde a despedida de Pedro Passos Coelho, há isto: um partido de poder que abdica do mesmo para hipotética satisfação das clientelas e satisfação garantida de socialistas, leninistas, terceiro-mundistas, populistas e oportunistas em geral. Em prol da “estabilidade”, da moral e dos costumes, o PSD tornou-se uma agremiação benemérita, ou o Convento dos Capuchos. E dos Pachecos. E das Manelas. E de toda a tralha que, por necessidade ou rancor, passou anos a exigir mansidão e a tentar varrer o último obstáculo aos seus apetites.

Hoje, a tralha celebra com razão, ainda que nos intervalos dos festejos se dedique a farejar resquícios do inimigo. Uns, por exemplo, empenham-se na delação de fiéis de Pedro Passos Coelho no parlamento. Outros, outro exemplo, contestam a contratação do ex-primeiro-ministro por duas ou três faculdades (e louvam as cátedras do dr. Francisco Anacleto Louçã – cuja ponderação intelectual rivaliza com a de Charles Manson – na universidade, na tv, na rádio, nos jornais e no Conselho de Estado). E não esqueçamos os que apontam o dedo à “extrema-direita”, “conservadora” e “neoliberal”, que se acotovela no “Observador”, de facto uma crescente excepção ao caldo de propaganda e entretenimento em que caiu a generalidade dos “media”. Nos viciados na denúncia certos hábitos nunca morrem.

O que morreu, ou pelo menos ficou com diagnóstico reservado, foram as semelhanças, já de si ténues, entre o regime e uma democracia civilizada. De repente (força de expressão), espécimes que tropeçam na língua e na decência têm Portugal inteirinho nas mãos. E não se prevê que o larguem. Pior: não se imagina quem queira obrigá-los a largar. Dado que o CDS é uma coisa de “direita” liderada por uma devota da regulação, a verdade é que uns 30% dos eleitores se encontram sem representação. Nem esperança. Apesar de tudo, a teimosia de Pedro Passos Coelho dava a impressão, discutivelmente correcta, de que havia alternativa à resignação perante os oligarcas. Agora, em relação de simbiose com gangues de chalupas e de parasitismo com contribuintes anestesiados, a oligarquia espreguiça-se à larga. Contas por baixo, um milhão de votantes em 2015 não saberá no que votar em 2019, se entretanto as eleições não tiverem sido abolidas para evitar transtornos divisionistas. Tardou nove décadas, e, colada pelo descaramento, a União Nacional lá se consagrou.

É pena? Depende. Por mim, sou suficientemente avesso a colectivismos, ou meramente egoísta, para encarar com desprendimento teórico os desvarios da nação. Se o país em peso resolve jovialmente lançar-se rumo ao penhasco ou a uma alucinação latino-americana, o país pode fazê-lo com estrondo. O problema é a prática, na qual se torna difícil conseguir um camarote para acompanhar ileso o espectáculo. Ao contrário dos oligarcas e respectivos protegidos, os cidadãos comuns, classe a que indubitavelmente pertenço, não escapam sem abalos a desastres desta dimensão. Um dia pagaremos o gozo dos que celebram os “acordos”, os “consensos” e, regresso – salvo seja – ao prof. Marcelo, as “convergências”, que aliás já começamos a pagar todos os dias. Quando a experiência acabar, ou quando acabarmos nós, seremos mais pobres, mais isolados, mais dependentes, mais ridículos. E menos livres. Mas muito unidos, no fundo o que importa. No fundo.

Os mísseis “invencíveis” de Putin anunciam um regresso à Guerra Fria?

EXPLICADOR

02 Março 2018

Cátia Bruno

O que disse exactamente Vladimir Putin no seu discurso?

Pergunta 1 de 6

O Presidente russo aproveitou o seu discurso de quinta-feira à assembleia federal, semelhante ao discurso do Estado da Nação, para fazer um balanço sobre a situação do seu país. Putin falou sobre vários temas internos como a necessidade do combate à pobreza e da melhoria do sistema de saúde.

A segunda parte do discurso, contudo, abafou todas as outras declarações. Putin aproveitou para apresentar novo armamento nuclear russo, incluindo um novo protótipo de míssil que “pode atingir qualquer ponto do mundo” e uma nova arma supersónica que é impossível de ser rastreada pelos sistemas anti-mísseis. Para além disso, apresentou animações com ogivas apontadas à Flórida, nos EUA.

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Cayle Thompson, KOMO

@CayleThompson

MORE: Regarding my last tweet, here's a freeze-frame from the Russia missile video unveiled during Pres. Putin's speech today. You can clearly make out Florida, with landmarks like Tampa Bay, Lake Okeechobee and Cape Canaveral clearly visible. #KOMOnews

13:16 - 1 de mar de 2018

Informações e privacidade no Twitter Ads

O anúncio foi dirigido sobretudo aos norte-americanos, com o Presidente russo a sublinhar que este novo armamento russo é capaz de voar baixo e ludibriar as defesas anti-míssil norte-americanas, preparadas para destruir mísseis que voam alto.

“Ninguém ouvia a Rússia. Agora oiçam-na”, declarou Putin, depois de ameaçar com um ataque nuclear a quem quer que ataque a Rússia ou os seus aliados, não especificando a quem se referia.

Aí está o perigo italiano

por estatuadesal

(Francisco Louçã, in Expresso, 03/03/2018)

LOUCA3

As eleições deste domingo vão colocar um ponto final no ciclo das forças políticas do centro e podem levar a uma aliança entre Renzi e Macron que vai ameaçar o grupo socialista no Parlamento Europeu

É já domingo que as urnas italianas vão espalhar mais um susto por toda a Europa (e ainda poderia haver um improvável sismo no referendo do SPD alemão sobre a nova coligação com Merkel). É a lei de Murphy da União: cada eleição consegue ser sempre pior do que a anterior. Ganhará o partido de Beppe Grillo ou o de Berlusconi, resistirá Renzi, crescerá o novo condottiere fascista, como se combinarão entre si? Só as perguntas dizem tudo. Mas vale a pena olhar também além do susto para a saúde do centro e para as consequências da sua doença para a União Europeia.

Fim do ciclo do centro

Será uma primeira prova do novo sistema eleitoral, estranho como sempre são estas engenharias eleitorais: 36% dos deputados e senadores são eleitos em círculos uninominais e os restantes em listas regionais ou nacionais. Quem tem 18 anos já vota para o Parlamento (para o Senado tem de ter 25), só podendo ser eleito quem tiver mais de 25 anos (no caso do Senado, 40). Ora, fossem estes mecanismos o único problema e a Itália teria uma eleição típica do seu oscilante regime, como desde o desvanecimento dos seus pilares históricos, a Democracia-Cristã e o Partido Comunista Italiano (PCI). Mas o princípio de Murphy faz das eleições de amanhã a inauguração de um novo mapa.

O caso é que o regime é abalado pela degradação das alternativas que governaram nas últimas décadas. Estas eleições, aliás, são a consequência de uma aventura de Matteo Renzi, que lançou um referendo para reforçar o seu poder e perdeu, criando um vazio político que revela o fim do ciclo do centro e entrega o poder à direita.

Longa foi a viagem do PCI, reinventado como Partido Democrático, para chegar a formar o Governo que aplicou as reformas neoliberais. Correndo em frente, o seu chefe, Renzi, aposta agora numa afirmação identitária europeísta, procurando imitar Macron na ideia de uma refundação miraculosa que criasse os Estados Unidos da Europa. Ao fazer esta escolha coloca o eurocratismo no boletim de voto e arrisca a sua humilhação.

A direita de volta ao passado

A queda eleitoral do centro colocaria Renzi na margem do jogo coligacionista, sendo que as sondagens sugerem que ninguém formará governo com facilidade: quem pode ter mais votos, o 5 Estrelas, ficaria longe da maioria, o PD ainda mais. Por isso, é a recomposição das direitas que se tem tornado o segundo elemento murphista de domingo. Essa transmutação tem duas entoações. A primeira é a deslocação das direitas para um vago euroceticismo, tingido de promessas de tensão com os tratados europeus. A segunda é a concentração transformista na recusa dos refugiados.

salvati

Assim, as direitas radicalizam-se e ressurge mesmo a estética de figurações fascistas: Matteo Salvini (na foto), o chefe da Liga Norte, de terço na mão, a jurar sobre a Constituição numa praça de Milão, fingindo uma precoce tomada de posse e fazendo a multidão jurar com ele, é o ícone desta nova direita. Salvini ganhou os seus galões tornando-se o arauto do horror ao estrangeiro, no que vai arrastando outros partidos, prometendo também romper com o euro. Berlusconi, com a sua Forza Italia, estabeleceu um compromisso de pré-coligação com ele, mas disputam entre si quem ficará à frente e designaria o primeiro-ministro, mecanismo garantido para que as direitas concorram para criar ódios e fazê-los votar.

O difuso Movimento 5 Estrelas exibe entretanto novas dificuldades: a sua proposta mais inovadora é o já célebre rendimento básico universal, prometido pelo valor aproximado de 25 euros por mês, tamanha generosidade. Se as direitas se juntarem e o centro cair, o 5 Estrelas fica pendurado.

A minha conclusão: populismo, são todos estes partidos. Já só se disputam eleições destas em modo populista. Uma esquerda que quer contrariar a maldição, Potere al Popolo, começa a juntar-se entre os destroços, mas ainda lhe falta muito para ser protagonista (será tema para outro artigo).

O destino é para baixo?

A Itália em risco no concerto europeu? Fosse só isso. A queda de Renzi revela outra faceta desse temor, também de impacto duradouro: ele promete juntar-se a Macron nas eleições europeias de 2019 e criar um novo grupo em Estrasburgo, pilhando os restos dos Verdes e dos Liberais e dividindo os socialistas. Esta ameaça ao PS europeu não é menor, pode torna-lo um grupo pequeno, comparado com o das esquerdas.

Um apanhado das últimas duas décadas é constrangedor para os socialistas e sociais-democratas e demonstra como Macron pode mesmo reduzi-los a um testemunho saudoso: comparando eleições desde o virar do século, na Grécia perderam 35 pontos, na República Checa caíram de 20 para 7%, na Holanda de 25 para 6%, em França de 30 para 7%, em Espanha de 34 para 22%, na Alemanha de 40 para 20,5%, o pior resultado desde a II Guerra Mundial e que pode ainda piorar.

Em 2017, os sociais-democratas ou aparentados perderam os governos da França, Áustria e República Checa, só mantendo os de Portugal, Suécia, Grécia, Malta e Eslováquia (aqui com o escândalo de um jornalista assassinado) entre os 27 países da União.

A ameaça de Macron é, portanto, feroz: formando o seu grupo internacional, fecharia o tempo em que democracia-cristã e os sociais-democratas partilhavam o poder europeu e deixaria a Comissão e as instituições sob pressão da metamorfose da direita, com a pulverização do centro. Como a experiência italiana demonstra, isso pode exprimir o reforço das forças centrífugas. Na Hungria, Polónia, República Checa e Áustria, essas forças já são Governo, o que lhes dá poder bloqueador no Conselho Europeu; fazem parte do Partido Popular Europeu, com Berlusconi e Orbán ao lado de Paulo Rangel, Nuno Melo e companhia; noutros países condicionam a evolução política, como na Alemanha.

Com o prazo curto até ao verão de 2019 e as eleições europeias, é um mundo novo que se está a desenhar. Trump de um lado e Berlusconi ou Salvini dentro de casa a celebrarem o murphismo, cá se vai cantando e rindo.


O mercado, tão gostoso

Foi um relâmpago de choque e pavor, mas afinal não era tão difícil de imaginar. Kylie Jenner escreveu num tweet depois do jantar que estava farta do Snapchat, uma aplicação de partilha de imagens, e em consequência a cotação da empresa caiu 6% no dia seguinte, reduzindo a capitalização em 1300 milhões de dólares. Jenner tem vinte anos e uma carreira brilhante: desde os dez que é uma estrela da série “Keeping up with the Kardashians”, outra família de socialites, tendo-se tornado, entretanto, uma empresária de sucesso, com uma marca de cosméticos e roupa. Ser uma reality star de sucesso é o que sobra de espírito empresarial no século XXI e o mercado treme quando a star suspira.

Mercado mesmo, no sentido mais líquido: Jenner oficia num reduto de 25 milhões de seguidores no Twitter e de 100 milhões no Instagram. É mercado porque são os seus consumidores, essas redes tornam-se uma segunda pele, a voz que fala, o modo de atenção ao mundo. Distorce, aliena, torna-se uma forma obsessiva de reconhecimento social? Isso é precisamente o que é o mercado. Lembre-se de Chico Buarque, no seu último disco, a cantiga em dueto com Clara Buarque: “Se dane o evangelho e todos os orixás/ Serás o meu amor, serás amor a minha paz/ Consta nos mapas, nos lábios, nos lápis/ Consta no Google, no Twitter, no Face/ No Tinder, no WhatsApp, no Instagram/ No e-mail, no Snapchat, no Orkut, no Telegram/ No Skype”. O mercado é esta virtude virtual, esta lista de aplicações, sociedades sombra e rituais iniciáticos, só não sei se garante o circuito do amor, talvez Chico e a sua neta também desconfiem desse trânsito. O facto é que, com umas dezenas de carateres, Jenner assustou o mercado.

Já ouço as vozes contristadas: nada disso é o mercado com a sua inteligência e conhecimento, é só uma falha, uma crispação, uma perturbação que passa. Foi um engano, em resumo. Toda a ignorância é atrevida, só posso concluir. Há no mar uma tonelada de plástico por cada tonelada de peixe, suspeito que é mesmo o mercado. Há no espaço virtual uma pilha de capitais fictícios que jogam em bitcoins e outros produtos e mistificações, é mesmo o mercado, que organiza o perigo porque é ele o perigo.

Assim se pode compreender o incidente, Jenner twitou e o mercado estremeceu. Mas, calma, ela twitou depois a explicar que estava só a brincar.