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segunda-feira, 5 de março de 2018

Portugal não está preparado para um tornado?

05 Março 2018

João Francisco Gomes

Os tornados têm vindo a aumentar? Porque é que atingem quase sempre o Algarve e o Alentejo? Quais foram os mais graves em Portugal? As oito perguntas essenciais e as respostas dos especialistas.

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Em menos de uma semana, dois tornados causaram fortes danos no Algarve. As imagens impressionam: telhados que voaram, árvores arrancadas pela raíz e muros derrubados. Também a história mostra que o Algarve e o Alentejo são as regiões mais afetadas pelos tornados — um fenómeno que, apesar de raro, parece tornar-se mais frequente em Portugal.

O Observador falou com o Instituto Português do Mar e da Atmosfera e com dois especialistas para tentar responder às principais questões. Afinal, o que é um tornado e como se forma? O que se passa para que sejam cada vez mais frequentes no nosso país? Porque é que o Algarve e o Alentejo são as regiões mais afetadas? E o que podemos aprender com as ocorrências do passado para melhorar a prevenção?

O que é um tornado?

Um tornado é uma coluna de ar em rotação rápida e violenta que se forma em terra quando estão reunidas as condições meteorológicas para tal.

Distingue-se dos furacões em quatro fatores essenciais: forma-se em terra (os furacões formam-se no oceano), tem uma dimensão que pode chegar a algumas centenas de metros (mas nunca aos quilómetros dos furacões), dura breves minutos, habitualmente menos de umahora (enquanto os furacões podem estar ativos durante semanas) e atinge velocidades enormes, de até 500 quilómetros por hora (ao passo que os furacões não passam, habitualmente, dos 290 quilómetros por hora).

De acordo com a agência norte-americana para a meteorologia (NOAA, na sigla em inglês), “para um vórtice ser classificado como tornado, tem de estar em contacto tanto com o solo como com a base da nuvem”. Contudo, segundo a mesma agência, não há consenso entre os meteorologistas na classificação da maioria dos eventos a que se pode chamar tornado.

Informação pública disponibilizada pelo centro espacial norte-americano Goddard, da NASA, descreve os tornados como circulações de ar “em pequena escala”, quando comparados com os furacões: muito mais rápidos e violentos, mas de muito menor dimensão e em terra.

Como se forma um tornado?

Um tornado forma-se quando se verifica uma situação de contraste de temperatura e pressão entre a zona superior e a zona inferior da atmosfera, contraste esse que provoca uma deslocação de grandes massas de ar a grande velocidade.

Alfredo Rocha, professor do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da Universidade de Aveiro, explica ao Observador que é este “contraste entre a temperatura de atmosfera, fria e seca em cima, quente e húmida em baixa“, que está na origem dos tornados.

Estas condições verificam-se quando, por exemplo, há ventos quentes a entrar a uma altitude relativamente baixa, “aumentando o nível de instabilidade”. As chuvas intensas em períodos de tempo curtos também contribuem para esta situação, aumentando a humidade da zona mais baixa da atmosfera.

Os tornados podem formar-se devido a diferentes fenómenos que, de uma forma ou de outra, levem a que estas condições estejam reunidas. Por exemplo, o tornado desta segunda-feira, no Algarve, esteve associado a uma supercélula — um tipo de tempestade muito forte –, explicou ao Observador a meteorologista Maria João Frada, do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA).

O tornado em Faro provocou danos graves este fim de semana (Norberto Esteves/Facebook)

Os tornados estão a tornar-se mais frequentes em Portugal?

“O IPMA não tem nenhuma informação que sustente uma maior predominância ou frequência de tornados em Portugal nos últimos anos”, responde a meteorologista Maria João Frada, sublinhando que “a única coisa que se pode dizer com certeza é que, quando há uma determinada situação meteorológica em que estejam reunidos os ingredientes suficientes para se formar um tornado, pode acontecer”.

A meteorologista do IPMA recusa também qualquer ligação entre os tornados recentes em Portugal e as alterações climáticas. “Não tem nada a ver“, assegura Maria João Frada.

Também o geofísico Filipe Duarte Santos sublinha, ao Observador, que “em Portugal sempre houve tornados”, apesar de apenas haver registos “a partir de meados do século passado”. “Agora, são um pouco mais frequentes“, admite.

Os dados da European Severe Weather Database, a mais importante base de dados sobre fenómenos atmosférios extremos no continente europeu, indicam que nos últimos cem anos foram registados 91 tornados em Portugal.

Os dados, contudo, são mais consistentes a partir da década de 80, mostrando não só uma tendência geral para o aumento do número de tornados, mas também o facto de haver picos — anos em que as condições meteorológicas favoreceram a ocorrência de vários tornados, como 2002, 2006, 2008 ou 2010.

O geofísico Filipe Duarte Santos diz ao Observador que “os tornados não são a manifestação mais evidente da mudança do clima”, destacando que é mais preocupante o facto de a precipitação anual vir diminuindo. “Desde 1960, a precipitação em Portugal diminuiu cerca de 40 milímetros por década, ou seja, já diminuiu mais de 200 milímetros desde essa altura”, explica o especialista.

O crescente número de fenómenos meteorológicos extremos, como é o caso dos tornados, é outra das faces das alterações climáticas, esclarece o cientista da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Concretamente no caso dos tornados, o problema reside no aumento da temperatura provocado pelas alterações climáticas.

“Desde os anos 70, a temperatura tem aumentado 0,4ºC por década”, sublinha Filipe Duarte Santos, explicando com um exemplo prático: “Com o aumento da temperatura, a atmosfera contém mais o vapor de água. É como quando abrimos a água quente numa casa de banho, provocando uma espécie de nevoeiro, que é vapor de água. Também a atmosfera fica com mais vapor de água com o aumento da temperatura. Com esse vapor de água, a atmosfera torna-se mais energética, havendo mais movimentos convectivos, movimentos ascendentes na atmosfera, que dão origem a trovoadas, ventos fortes. Quando há uma situação de depressão, de pressões baixas, originam-se contrastes de temperatura que geram os tornados”.

Para Filipe Duarte Santos, não há dúvidas: “O aquecimento global é o principal motivo. E as alterações climáticas manifestam-se não apenas pelo aumento da temperatura média em todos os sítios do mundo, mas também pelo aumento da frequência de fenómenos extremos, como os tornados”.

Quais foram os tornados mais graves em Portugal?

Apesar de os tornados não serem o fenómeno meteorológico mais comum em Portugal, há registos de tornados bastante graves nos últimos anos.

Em 15 de abril de 2010, por exemplo, um tornado formou-se junto ao rio Tejo, em Lisboa, atirando pedras contra os carros. Se aquele tornado foi apenas um susto — os danos não passaram de riscos nos automóveis que levaram com as pedras arrastadas pelo vento –, um outro registado na zona centro do país em dezembro do mesmo ano foi considerado, na altura, o mais intenso em 20 anos, provocando graves danos nos concelhos de Tomar, Ferreira do Zêzere e Sertã.

"O aquecimento global é o principal motivo. E as alterações climáticas manifestam-se não apenas pelo aumento da temperatura média em todos os sítios do mundo, mas também pelo aumento da frequência de fenómenos extremos, como os tornados"

Filipe Duarte Santos, geofísico

Em 16 de novembro de 2016, um outro forte tornado atingiu o concelho de Silves, no Algarve, provocou 13 feridos. O fenómeno, que provocou rajadas de 270 quilómetros por hora, foi um dos mais devastadores registados em Portugal: estruturas de alumínio foram arrancadas de varandas, cadeiras voaram do estádio de Silves, árvores foram arrancadas pela raiz e até a cúpula do telhado dos Paços do Concelho voou até ao chão. A devastação foi tal que a notícia do caos chegou à BBC.

O Algarve e o Alentejo têm sido das regiões mais afetadas por este tipo de fenómenos. Só na noite de 24 para 25 de outubro de 2016, em menos de cinco horas, foram registados quatro tornados entre estas duas regiões. Árvores foram derrubadas e telhas do pavilhão municipal caíram sobre os carros que se encontravam estacionados na rua, mas não houve feridos.

Agora, o fenómeno tornou a repetir-se. Na semana passada, um tornado de fraca intensidade virou barcos e danificou carros em Faro. Esta semana, o problema foi mais grave: uma comunidade de 100 pessoas ficou desalojada na sequência de um novo tornado no Algarve, que provocou a queda de muros e de árvores.

Porque é que os tornados se formam sobretudo na zona do Algarve e Alentejo?

O professor Alfredo Rocha, da Universidade de Aveiro, explica que esta realidade tem a ver com as condições de formação dos tornados: “Habitualmente, as condições atmosféricas que podem gerar tornados são os ventos quentes, de baixo nível, vindos de Sudoeste, com muito vapor de água, porque isso significa ar quente e húmido a entrar no continente”.

Um stand de automóveis em Faro ficou danificado este domingo (Norberto Esteves/Facebook)

Quando há ventos e chuva vindos de Norte, não se formam tornados“, acrescenta, sublinhando que os ventos mais quentes são os que vêm do Oceano Atlântico, “sobretudo da zona sul”. “Por isso é que as regiões mais afetadas são habitualmente o Algarve e o Alentejo: são as primeiras a receber estes ventos. Mas isso não quer dizer que não se verifiquem tornados noutras zonas do país”, esclarece o cientista.

É possível prever um tornado?

Sim, mas com muito menos antecedência do que um furacão: enquanto o aviso meteorológico para um furacão pode chegar com vários dias de antecedência, o aviso relativo a um tornado é emitido habitualmenteentre 15 e 30 minutos antes da ocorrência.

Segundo explica a agência meteorológica norte-americana, a previsão de tornados é muito difícil porque “uma grande variedade de padrões meteorológicos podem conduzir a tornados e, frequentemente, padrões semelhantes podem nem sequer produzir mau tempo”.

Como se avalia a intensidade de um tornado?

A intensidade dos tornados é medida através da escala de Fujita, desenvolvida em 1971 pelo meteorologista Theodore Fujita, na Universidade de Chicago. A escala tem seis níveis, de F0 (danos ligeiros) até F5 (devastação total).

Segundo explicou a meteorologista do IPMA Maria João Frada ao Observador, o tornado registado no Algarve na semana passada foi de F0. Já o registado este domingo foi de intensidade F1 (danos moderados).

O tornado verificado nos concelhos de Tomar, Ferreira do Zêzere e Sertã em dezembro de 2010 teve intensidade F3 (danos graves), sendo o mais intenso alguma vez registado em Portugal.

"Quando há ventos e chuva vindos de Norte, não se formam tornados. Os ventos mais quentes vêms obretudo da zona sul. Por isso é que as regiões mais afetadas são habitualmente o Algarve e o Alentejo: são as primeiras a receber estes ventos"

Alfredo Rocha, professor do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da Universidade de Aveiro

Portugal está preparado para um tornado?

Para Alfredo Rocha, do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da Universidade de Aveiro, o país não está preparado para a maioria dos fenómenos atmosféricos extremos. “Como não estamos habituados, porque no passado acontecia muito menos frequentemente, não estamos preparados”, considera o cientista.

“Isto são alterações, sobretudo ao nível da temperatura, que estão a acontecer muito depressa. Estamos a falar de cinco anos, dez anos. Não tivemos tempo para nos preparar”, explica.

O cientista exemplifica: “Ao nível das estradas, das infraestruturas, dos edifícios, dos sistemas de drenagem, há muita falta de preparação. Um caso que explica bem isto são os aluimentos de terras que têm acontecido. Aconteceu agora em Santa Comba Dão e até provocou o descarrilamento de um comboio“.

Segundo Alfredo Rocha, “os terrenos não têm tempo para drenar e as inundações nas cidades multiplicam-se”. “Se, de facto, este tipo de eventos vier a acontecer com mais frequência, é necessário proteger melhor as arribas, e redimensionar todo o sistema de drenagem de águas”, por exemplo.

O geofísico Filipe Duarte Santos concorda e dá um exemplo norte-americano: “No que diz respeito aos tornados, certas regiões dos Estados Unidos, sobretudo no midwest e no Sul, onde há muito mais tornados do que em Portugal, eles têm inclusivamente uma aplicação para o telemóvel que deteta a localização do utilizador e, se estiver numa zona de risco grande ou se um tornado se estiver a aproximar, é enviada uma mensagem com o alerta“.

A implementação de uma aplicação semelhante em Portugal “seria útil não apenas para tornados, como também para incêndios florestais”, remata o cientista.

Renzi confirma demissão mas rejeita viabilizar governo anti-sistema

EUROPA EM ACTUALIZAÇÃO

O secretário-geral do PD anunciou a demissão depois da enorme derrota na última noite eleitoral. Mas o ex-primeiro-ministro garante que o PD vai assumir a responsabilidade de fazer oposição, rejeitando abrir a porta a qualquer tipo de governo extremista e anti-sistema.

Renzi confirma demissão mas rejeita viabilizar governo anti-sistema

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David Santiago

David Santiago

dsantiago@negocios.pt

05 de março de 2018 às 17:41

Reconhecendo a "derrota tão clara quanto evidente" registada pelo Partido Democrático nas eleições italianas deste domingo, Matteo Renzi confirmou que vai pedir demissão da liderança do partido de centro-esquerda e anunciou que o PD irá agora para a oposição, pelo que não participará na construção de nenhuma solução governativa.

Mas como é que, apesar de anunciar a demissão do cargo de secretário-geral do PD, o ex-primeiro-ministro pretende determinar o posicionamento do partido nas negociações para a formação de governo? Renzi quer sair mas apenas depois do início da legislatura e de um novo governo ter tomado posse.
"Deixo a direcção do PD. Já pedi ao presidente Matteo Orfini para convocar uma assembleia nacional", disse Renzi antes de explicar que só vai abandonar a chefia do partido depois após a investidura do novo parlamento e de um novo governo. O antigo chefe de governo deixou avisos às forças que pretendem liderar o próximo governo (5 Estrelas e Liga): "na campanha dissemos não a um governo com extremistas e não a um governo de extremistas. Não mudámos de ideias", atirou numa garantia de que o PD recusa aliar-se a estes partidos seja para liderar um governo, seja para apoiar uma solução liderada por outra força.

Matteo Renzi enunciou depois "três elementos" que afastam o PD de qualquer acordo com o 5 Estrelas de Luigi Di Maio ou com a Liga de Matteo Salvini: o anti-europeísmo, a anti-política e a utilização do ódio verbal.

Multas de trânsito caíram para metade em 2017. Sindicatos falam em vingança contra o Governo

MULTAS

5/3/2018, 8:35

PSP, GNR e entidades municipais (ou concessionários) passaram menos 5,4 milhões de multas. "Postura mais compreensiva pelos agentes" ou vingança contra o Governo (como dizem os sindicatos)?

ESTELA SILVA/LUSA

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PSP, GNR e entidades municipais (ou concessionários) passaram menos 5,4 milhões de multas em 2017, uma descida de 55% do que as multas de trânsito aplicadas no ano anterior. Explicações para estes números do Ministério da Administração Interna (transmitidos ao Jornal de Notícias)? Segundo os polícias, um dos fatores pode ser uma “postura mais compreensiva pelos agentes” mas os sindicatos falam em vingança contra o Governo, por não satisfazer as pretensões “remuneratórias e de condições de trabalho”.

A possibilidade uma espécie de boicote às multas foi admitida, ao Jornal de Notícias, por Paulo Rodrigues, da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia, e César Nogueira, da Associação de Profissionais da GNR. Os sindicalistas admitem que muitos agentes da autoridade estão a avisar os condutores antes, por exemplo, de estacionarem num local proibido — noutras ocasiões, admite um dos sindicalistas, o agente poderia preferir esperar que estacionasse e, depois, multar.

Os sindicalistas acreditam que outra explicação pode estar no facto de “haver menos guardas”, portanto também “menos fiscalização”. Além disso, os responsáveis também admitem que os condutores estejam, também, a ter uma condução mais responsável.

A descida do número de multas não tem, para já, uma correspondência em valor. Mas é quase certo que haverá uma redução dos montantes recebidos pelo Estado Central e pelas autoridades nacionais e municípios

Tribunal da Relação não aceita afastamento de Carlos Alexandre, como queria Sócrates

CASO JOSÉ SÓCRATES

HÁ 2 HORAS

Os advogados de José Sócrates tinham pedido um incidente de escusa, como noticiou esta segunda-feira o Correio da Manhã, o que estava a congelar o processo há vários meses. Pedido foi indeferido.

PAULO NOVAIS/LUSA

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O Tribunal da Relação não afastou o juiz Carlos Alexandre do processo que nasceu da Operação Marquês, adianta a SIC Notícias. Os advogados de José Sócrates tinham pedido um incidente de escusa, como noticiou o Observador em fevereiro (o Correio da Manhã, esta segunda-feira, dava conta da insatisfação de Carlos Alexandre face ao arrastar da situação). Mas o pedido foi indeferido pela juíza desembargadora Margarida Vieira de Almeida.

Os advogados do ex-primeiro-ministro, um dos principais acusados no chamado “Processo Marquês”, promoveram um incidente de recusa contra o juiz Carlos Alexandre, o que está a atrasar o processo, como o Observador noticiou em fevereiro.

Segundo o Correio da Manhã, o juiz está à espera que o tribunal da relação se pronuncie sobre o incidente de recusa. Até porque, como sublinhou o próprio, enquanto esse incidente não for levantado o juiz não pode tomar qualquer decisão ou avançar com o processo.

A defesa de José Sócrates contesta que Carlos Alexandre possa ser escolhido como juiz de instrução, explicava o jornal. Assim que for fixado o prazo para a instrução, haverá um sorteio entre os dois juízes do Tribunal Central: Ivo Rosa e Carlos Alexandre. Mas se o tribunal da relação de Lisboa tivesse dado razão ao incidente de recusa lançado por José Sócrates, teria sido o ex-primeiro-ministro a escolher o juiz.

A adolescência pode ir até aos 24 anos? Os cientistas dizem que sim

05 Março 2018

Rita Porto

Marcar o início e o fim da adolescência tem sido um desafio, mas há quem aponte para uma fase que vai dos 10 aos 24 anos. Alimentação, desenvolvimento cerebral e mudanças sociais são as causas.

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“Não consigo imaginar um período do desenvolvimento mais desafiante. Sempre que dou uma palestra e pergunto ao público se alguém quer voltar a passar pela adolescência, ninguém quer.”

B. J. Casey, neurocientista da Universidade de Yale (“Self, Drugs and Self-Control”, Revista Nature)

É a época do crescimento em altura, mas também do aparecimento das borbulhas. Das emoções assolapadas e das desilusões desmedidas. Dos BFF (Best Friends Forever, ou Melhores Amigos Para Sempre) e da zanga constante com os pais. É o tempo do só se vive uma vez e da constante procura de respostas. Da vontade de explorar o mundo, tendo como pano de fundo a insegurança e as dúvidas.

A adolescência está a anos luz de ser uma época fácil na vida dos seres humanos, mas todos, feliz ou infelizmente, passam por ela. É inevitável, mas não dura para sempre. Eventualmente chega ao fim. É capaz é de demorar mais tempo do que o desejado. 14 anos parece-lhe muito? Não é o que pensam os investigadores australianos que defendem que a adolescência é um período compreendido entre os 10 e os 24 anos.

Há várias décadas que se tenta balizar esta fase marcada pelo fim da infância e pela entrada na vida adulta, mas não tem sido tarefa fácil. Este foi o tema de um dos artigos publicado numa edição da revista Nature totalmente dedicada à complexidade da adolescência.

“É muito difícil delimitar-se algo que, no fundo, é uma transformação. Pôr limites é tornar redutora a complexidade humana e a complexidade do desenvolvimento”, diz a psicóloga Patrícia Câmara ao Observador. “Pode servir como baliza para a organização do pensamento, mas não para limitá-lo.”

Definir uma idade para quê?

A verdade é que impôr uma idade-limite na adolescência não é uma ciência exata. Para Bernardo Barahona, psiquiatra e investigador na área da neuropsiquiatria na Fundação Champalimaud, a definição dos limites de idade “depende do objetivo da definição”. Pode ter-se em conta a “maturação do aparelho reprodutor” e o fim desta maturação. Ou usar “um critério baseado em fenómenos fisiológicos” e de “maturação do sistema nervoso central”, que tem por base os desenvolvimentos a nível cerebral.

"É muito difícil delimitar-se algo que, no fundo, é um transformação"

Patrícia Câmara, psicóloga

Pode ainda definir-se do ponto de vista social: um “período” em que se permite ao adolescente ter “comportamentos diferentes”, mas em que também “se exige mais” do jovem até se chegar a um ponto de “total autonomia” em que ele “sai de casa para construir a sua própria família”. A adolescência é também um período da vida em que há “uma janela de oportunidade para aparecerem problemas de saúde mental” como a ansiedade e a depressão.

G. Stanley Hall, psicólogo norte-americano e autor da obra “Adolescence: Its Psychology and Its Relation to Physiology, Anthropology, Sociology, Sex, Crime, Religion, and Education”, definiu, em 1904, que a adolescência começava aos 14 anos e terminava aos 24. Uma época de turbulência por culpa dos “mass media” e das “atividades imorais” como a dança e o alcoolismo. Mais tarde, no início dos anos 70, um detalhado estudo elaborado pelo pediatra James Tanner sobre o desenvolvimento físico das crianças até à idade adulta definiu que a puberdade começava aos 11 anos para as raparigas, nos rapazes cerca de seis meses mais tarde, e terminava para ambos os sexos pelos 15 anos.

A Organização Mundial da Saúde (OMS), por sua vez, considerou que a adolescência começava aos 10 e terminava aos 19 anos. Já no mês passado, foi publicado na revista Lancet Child & Adolescent um estudo de uma equipa de investigadores da Austrália que considera que, tendo em conta o desenvolvimento dos adolescentes nos dias que correm, esta fase deve ser considerada dos 10 anos aos 24 anos.

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Alimentação influencia início da puberdade

De acordo com o artigo da Nature, os dados mais recentes dão conta de que o início da puberdade — que define a entrada na adolescência — se regista mais cedo, em particular em países como os Estados Unidos e a China. E aquilo que se definia como a entrada na idade adulta — e o fim da adolescência — é feito já na casa dos 20, devido às recentes descobertas ligadas ao desenvolvimento cerebral e às mudanças a nível social.

O facto de a puberdade começar cada vez mais cedo — em particular nas raparigas — está, em alguns países, ligado ao excesso de peso e à obesidade nas crianças. Quando Tanner fez o seu estudo numa casa de acolhimento de crianças em Londres, entre 1949 e 1971, a alimentação era escassa e à base de batata e pouca carne. O próprio investigador considerou que uma melhoria na nutrição podia levar a um aparecimento mais precoce da menstruação, por exemplo.

"Há meninas com 8, 9 e 10 anos que estão de forma notória na puberdade, com o desenvolvimento mamário e a menstruação em alguns casos"

Sara Monteiro, psicóloga e investigadora do CINTESIS

Sara Monteiro, especialista em psicologia clínica e da saúde e em psicologia da educação, sublinha ao Observador o “papel importante da nutrição” e do “acesso à alimentação” na “forma como o corpo se desenvolve” na fase inicial da adolescência.

O que acontece é que tem havido um decréscimo na idade em que a puberdade se inicia. Há meninas com 8, 9 e 10 anos que estão de forma notória na puberdade, com o desenvolvimento mamário e a menstruação em alguns casos”, afirma a investigadora do CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde.

O pediatra Frank Biro, especialista em medicina da adolescência no Cincinnati Children’s Hospital (EUA), faz a mesma análise, mas deixa uma pergunta: “Será que elas já são adolescentes?”. Vários estudos demonstram que algumas jovens que entraram mais cedo na puberdade apresentam comportamentos de risco típicos dos adolescentes. Revelaram também, através de exames feitos aos cérebros dos jovens, que o desenvolvimento das amígdalas cerebelosas, zona do cérebro ligada ao processamento das emoções, é influenciado tanto pela idade como pelo início da puberdade, lê-se no artigo da Nature.

"Parece-me que existe maior quantidade de informação e acesso a conteúdos que habitualmente não estavam acessíveis tão cedo, o que acelera, talvez, o início desta etapa de transição entre a infância e a vida adulta"

Patrícia Câmara, psicóloga

A psicóloga Patrícia Câmara propõe um olhar mais social para o início mais precoce da adolescência. “Parece-me que existe maior quantidade de informação e acesso a conteúdos que habitualmente não estavam acessíveis tão cedo — pelo menos não para a maioria dos miúdos — o que acelera, talvez, o início desta etapa de transição entre a infância e a vida adulta. Por outro lado, isso permite que a transição seja menos abrupta, que a entrada na adolescência seja mais progressiva e menos assustadora.”

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Fim da adolescência: uma construção social?

Determinar o fim da adolescência, que é marcado pela entrada na idade adulta, é mais complexo, já que não há indicadores físicos como há para o início da adolescência. “Não temos uma definição física equivalente para o fim da adolescência. Não há uma definição clara, porque combina fatores de desenvolvimento físico e social”, refere John Coleman, psicólogo na Universidade de Oxford (Reino Unido), à Nature.

Sarah-Jayne Blakemore, neurocientista da University College London, vai mais longe, ao considerar que o fim da adolescência não passa de uma construção social, variável de cultura para cultura.

A verdade é que, atualmente, a entrada na vida adulta faz-se cada vez mais tarde devido a “alterações demográficas”: “Os marcadores sociais típicos da entrada na vida adulta não existem atualmente”, defende a psicóloga Sara Monteiro, sublinhando que o timing do casamento e da parentalidade se alterou, houve um alargamento da escolaridade obrigatória (além de os jovens ficarem a estudar até mais tarde), e há uma maior dificuldade no acesso ao mercado de trabalho e no acesso à habitação própria.

“Os marcadores sociais típicos da entrada na vida adulta não existem atualmente”

Sara Monteiro, psicóloga e investigadora do CINTESIS

“Há algumas décadas, as pessoas tinham logo emprego quando terminavam os cursos — e as que não estudavam, também tinham os seus empregos. A partir daí, passavam para desafios como casamento e filhos. A vida de quase todos nós acontecia desta forma e hoje em dia não acontece. Existe uma enorme variabilidade demográfica”, afirma a docente da Universidade de Aveiro.

Atualmente, continua a investigadora do CINTESIS, as pessoas “com 30 e 40 anos não têm empregos estáveis”, não casaram ou não têm relacionamentos amorosos duradouros e “muito menos” têm filhos. “Mesmo as mulheres que quisessem ser mães aos 22 anos, não podem fazê-lo nas mesmas condições que as mães e as avós fizeram. Não têm estabilidade profissional, autonomia habitacional. Até podem ter estabilidade afetiva, mas têm uma maior dificuldade na estabilidade económica.”

Patrícia Câmara destaca ainda o facto de as pessoas, hoje em dia, viverem mais anos, o que permite aos adolescentes “consolidarem” questões identitárias, financeiras e profissionais. “O aumento da longevidade permite o prolongamento das etapas de vida. Não sei se é a barreira final da adolescência que se estendeu, se é a possibilidade de se adquirir mais ferramentas de vida ‘com as costas aquecidas’ que se expandiu.”

"O aumento da longevidade permite o prolongamento das etapas de vida"

Patrícia Câmara, psicóloga

Ainda assim, acrescenta a especialista, pode servir para “perpetuar uma situação de autocentração e de dependência [dos pais]”, isto é, de o adolescente perpetuar de forma indefinida o salto para a vida adulta. “Aí estaremos a falar de uma adolescência ou início de vida adulta não com ‘as costas aquecidas’, mas sim ‘com as costas quentes’, o que é bem diferente e tem mais a ver com a dinâmica que se estabelece do que com as alterações do ‘novo mundo’”.

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O apuramento da “máquina”

O avanço da ciência permitiu perceber que o cérebro continua a desenvolver-se até mais tarde do que se imaginava. Bernardo Barahona explica que a maturação do cérebro começa a partir dos 10/11 anos, altura em que se dá início a um processo através do qual “as ligações entre os neurónios vão sendo purificadas”, isto é, “são reforçadas as relevantes e aquelas associadas à aprendizagem, e são eliminadas as redundantes”.

A máquina vai ficando mais afinada de maneira a produzir sinais de informação mais limpos de ruído. Isto decorre durante a adolescência e fica concluído na idade adulta”, diz o psiquiatra.

“O desenvolvimento do cérebro vai dos 12/13 anos até aos 25/26 anos nas mulheres e 28/30 anos nos homens, mas não podemos considerar a adolescência esse período todo”, defende Teresa Summavielle, neurocientista e investigadora no Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto.

"A máquina vai ficando mais afinada de maneira a produzir sinais de informação mais limpos de ruído"

Bernardo Barahona, psiquiatra e investigador na área da neuropsiquiatria

Para a neurocientista, a adolescência é a fase do desenvolvimento “em que há um desequilíbrio entre a maturação da parte racional [do cérebro] e a parte emocional”. O cortex pré-frontal, responsável pelo controlo dos impulsos, pelo controlo das emoções, pela capacidade de planear e pelo adiamento da gratificação, é a última fase do cérebro a ganhar maturidade.

“O lado emocional amadurece mais rapidamente que o racional e isso provoca, num período entre os 16 e os 18 anos, um desequilíbrio em que o comportamento é mais emocional do que racional. Por volta dos 19/20 anos, deve estar terminado e entramos no jovem adulto. Não quer dizer que o cérebro não continue a maturar até mais tarde, mas já não há este desequilíbrio”, adianta Teresa Summavielle.

“O adolescente acaba por ser adolescente biologicamente até mais tarde do que os 17, 18 anos”, acrescenta a psicóloga Sara Monteiro, professora auxiliar convidada da Universidade de Aveiro.

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Sim, eles correm riscos. E ainda bem

Bernardo Barahona, docente na Nova Medical School, explica ainda que é o facto de a parte racional do cérebro amadurecer mais lentamente — atingindo um ponto de maturação já depois do 20 anos — do que a que está ligada às emoções que leva os adolescentes a ter comportamentos de maior risco.

Os circuitos neurais e a ligação às emoções amadurecem primeiro. Há um súbito desenvolvimento das emoções e da preocupação com as próprias emoções e com as dos outros. A zanga, o amor, a raiva são mais intensos, a autoestima é muito mais frágil, o impulso de prazer é muito mais difícil de controlar. O adolescente quer a coisa agora, não há travão.”

"O lado emocional amadurece mais rapidamente que o racional e isso provoca, num período entre os 16 e os 18 anos, um desequilíbrio em que o comportamento é mais emocional do que racional"

Teresa Summavielle, neurocientista e investigadora da Universidade do Porto

“Acaba por provocar uma dificuldade na avaliação do risco e como fazem essa avaliação menos cuidada, têm mais problemas”, acrescenta Teresa Summavielle.

Um artigo da Nature, intitulado “Sexo, Drogas e Auto-Controlo”, refere precisamente que os neurocientistas compararam o cérebro de um adolescente ao de um carro com um excelente acelerador, mas com travões defeituosos.

É um facto que os adolescentes correm mais riscos que os adultos. A mortalidade nos jovens entre os 15 e os 19 anos é 35% superior àqueles que têm entre 10 e 14 anos. A maior causa de morte nos adolescentes são os acidentes de viação, mas a automutilação e outras formas de violência também se destacam no ranking.

A influência dos pares no comportamento de risco é igualmente destacada neste artigo. Um estudo de 2009 pôs adolescentes a jogar um jogo, em que lhes era dito que tinham de conduzir um carro que tinha de passar por 20 semáforos em apenas seis minutos. Quando jogavam sozinhos, corriam os mesmo riscos que um adulto — passar um sinal vermelho, por exemplo, arriscando-se a chocar contra um outro carro. Contudo, quando eram informados de que os amigos estavam a assistir, corriam muitos mais riscos. E quando lhes era dito que estavam a ser observados pela mãe tinham o comportamento inverso: arriscavam menos.

Estes dois factores de influência no comportamento dos adolescentes ativaram também áreas distintas no cérebro: quando lhes era dito que estavam os amigos a assistir, a área do cérebro ligada à recompensa era ativada, enquanto que a presença da mãe ativava a área do cortex pré-frontal (ligada ao controlo).

"Os adolescentes correm mais riscos quando sabem que os amigos estão a ver"

Teresa Summavielle, neurocientista e investigadora da Universidade do Porto

Mas nem todos se comportam desta maneira, sublinha Teresa Summavielle. “Os adolescentes correm mais riscos quando sabem que os amigos estão a ver, e alguns adolescentes, sobretudos os mais provocativos, escolhem fazer aquilo que vai contra o que os pais desejam, mas não todos.”

Estudar o funcionamento do cérebro de um adolescente, e de que forma isso influencia o seu comportamento de risco, pode ajudar na criação de normas e leis relacionadas com a condução nos jovens e as punições aplicadas àqueles que praticam crimes violentos — isso já está a acontecer nos Estados Unidos, com os investigadores a partilharem informações com o sistema de Justiça.

Para Teresa Summavielle, uma vez que é “claro que o período de reformatação cerebral se prolonga até bastante mais tarde que os 18 anos”, isto deveria ser tido em conta “nas políticas de apoio à adolescência”. “Continuamos a ter os adolescentes que estão ao cuidado do Estado a serem ‘expulsos’ do sistema quando completam 18 anos, o que é claramente demasiado cedo.

A Nova Zelândia, por exemplo, fez uma revisão na política de proteção das crianças no ano passado. Relatórios davam conta de que os adolescentes não estavam a lidar bem com o facto de deixarem de se tornar independentes a partir dos 18 anos, por isso o governo neo-zelandês decidiu prolongar o apoio estatal entre os 18 e os 25 anos.

Este desenvolvimento mais tardio do cortex pré-frontal também influencia a forma como “valorizam a recompensa” e o que estão “dispostos a fazer” para obtê-la, explica a neurocientista. “Aquilo que para um adulto não é atrativo, para eles é muito atrativo. O risco que estão dispostos a correr para ter determinada recompensa é muito mais elevado do que um adulto.” A forma como lidam com a decepção também é muito própria desta idade. “Quando têm expectativa de determinada recompensa, a decepção é muito mais intensa do que nos adultos. Têm reações mais violentas, menos pensadas. É uma coisa que se vê muito na sala de aula.”

"O risco que estão dispostos a correr para ter determinada recompensa é muito mais elevado do que um adulto"

Teresa Summavielle, neurocientista e investigadora da Universidade do Porto

A falta de noção dos riscos leva também os adolescentes a terem comportamentos que podem pôr em causa a sua saúde na vida adulta, como o consumo de álcool, tabaco, drogas e até um estilo de vida mais sedentário. Mas nem todos os riscos são negativos: os adolescentes consideram que defender um amigo ou convidar alguém para sair é um risco, mas positivo — um risco social. Aliás, o artigo refere que aquilo que, a nível cerebral, estimula o jovem a correr riscos mais negativos para a sua saúde também os impulsiona para os riscos positivos.

Ainda assim, os especialistas sublinham a importância destes comportamentos para o desenvolvimento dos adolescentes. “Eu não diria que queremos que as pessoas deixem de correr riscos. Muitos deles fazem com que eles se tornem adultos em situações seguras”, considera B. J. Casey, neurocientista da Universidade de Yale.  Teresa Summavielle faz a mesma ressalva. “Os adolescentes que não correm riscos provavelmente não vão ser adultos saudáveis. O importante está mesmo nas ferramentas de que estão munidos para poder fazer uma correcta avaliação do risco. Esse é um dos papéis dos adultos, dar-lhes essas ferramentas.”

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“Terreno fértil” para conceitos como igualdade de género

A adolescência, em particular entre os 10 e os 14 anos, é também a altura ideal para começar a introduzir conceitos e normas ligados à igualdade de género, graças às várias mudanças pelas quais o cérebro passa durante esta fase da vida. Um outro artigo publicado pela Natureexplica que entre os 9 e os 12 anos, os jovens começam a ter um pensamento mais abstrato, algo que não acontecia quando eram crianças — o pensamento era mais concreto — além de se dar início ao desenvolvimento do cortex pré-frontal.

“É nesta idade que começa a reformatação na forma como os neurónios comunicam uns com os outros”, explica Teresa Summavielle, tal como já tinha dito Bernardo Barahona: fazem-se muitas ligações entre os neurónios, sendo que algumas são reforçadas e outras eliminadas.

Durante a adolescência, assiste-se a um fortalecimento do raciocínio e a um desenvolvimento da criatividade. Os jovens começam a pensar sozinhos e a ter opiniões e crenças próprias. É esse pensamento crítico que se forma nesta fase da vida que permite ao jovem pôr em causa normas de género desiguais, refere o artigo da Nature, que destaca a importância de os adolescentes participarem em discussões sobre a temática da igualdade de género.

Para Teresa Summavielle, os 12 anos são “seguramente” uma boa idade para “‘semear’ valores que permitam um desenvolvimento mais equilibrado, como os que estão associados à interiorização da igualdade entre géneros”. “Aos 10 anos depende muito de criança para criança”, afirma a investigadora do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto.

"Este tipo de conceitos de igualdade de género implicam um arcabouço intelectual que não existe numa criança de sete anos. Só na entrada da adolescência é que há maturidade para entender"

Bernardo Barahona, psiquiatra e investigador na área da neuropsiquiatria

Este tipo de conceitos implicam um arcabouço intelectual que não existe numa criança de sete anos, por exemplo. Eles têm dificuldade em entender coisas abstratas, precisam de referências claras e um bocadinho estereotipadas”, afirma o psiquiatra Bernardo Barahona. “Só na entrada da adolescência é que há maturidade para entender. Além de que é uma fase que se caracteriza por uma enorme curiosidade, pelo pôr em causa as coisas. É um terreno fértil para mudar mentalidades.”

Patrícia Câmara, contudo, não acredita que “haja uma idade propícia para se falar sobre estes temas”. “Efectivamente a plasticidade neuronal da adolescência e as novas competências psiconeuroimunológicas da pré-puberdade e puberdade facilitam a desconstrução de conceitos e viabilizam a discussão reflexiva dos papéis de género. Faz sentido conversar de um ponto de vista crítico que permite pôr em causa estas temáticas, mas não poria a tónica nesta idade. A possibilidade está lá desde sempre, há um processamento inconsciente das coisas”, afirma a psicóloga.

A promoção da igualdade de género, contudo, deve ser promovida desde a infância. O que deve ocorrer na adolescência é uma intensificação destas ideias. A verdade é que esta diferenciação entre o género masculino e feminino começa desde cedo e não tem um fundamento apenas biológico. Prova disso são as causas de mortalidade infantil. Se, em 2016, as causas mais comuns para as crianças entre os cinco e os nove anos eram as mesmas — infeções respiratórias e doenças diarreicas –, isso começa a mudar a partir do início da adolescência. As causas de morte nas raparigas mantêm-se entre os 10 e os 14 anos, mas nos rapazes elas passam a ser acidentes de viação e afogamento. Ainda na adolescência, entre os 15 e os 19 anos, as patologias associadas à maternidade e o auto-flagelo passam as ser as maiores causas de morte nas raparigas e nos rapazes são, mais uma vez, os acidentes na estrada e a violência interpessoal.

"Faz sentido conversar de um ponto de vista crítico que permite pôr em causa estas temáticas, mas não poria a tónica nesta idade"

Patrícia Câmara, psicóloga

A psicóloga Sara Monteiro também sublinha que “todos os estudos” indicam que a prevenção de comportamentos de risco em relação, por exemplo, ao álcool e à violência no namoro “deve ser feito muito precocemente”, mas antes da adolescência é “difícil” porque “não têm esses conceitos”. Ainda assim,  a professora da Universidade de Aveiro acredita que isto pode ser feito “de forma indireta”. “Ainda hoje há muito a separação de brincadeira: são os meninos que brincam com bolas e as meninas com bonecas”.

Este trabalho na forma como se vê o género pode ser feito através da “formação parental” e ao nível das escolas e da comunicação social. “Estas questões de género são promovidas de forma muito subtil e, por vezes, são difíceis de alterar porque estão enraizadas nos pais, nos professores e na forma como atuam”, refere Sara Monteiro. “Para promover essa mudança, a intervenção terá de ser feita em vários níveis e em simultâneo. Queremos atuar nestes pré-adolescentes que ainda estão permeáveis à aprendizagem, que ainda não têm ideias pré-formadas.”

A formação dos pais é particularmente importante nesta questão, uma vez que transmitem estas ideias de género, seja através de uma comunicação explícita, seja através de comportamentos que os próprios pais adotam em casa, lê-se no artigo da Nature. “Se uma criança crescer num ambiente em que não há co-responsabilização das tarefas domésticas, na responsabilidade dos filhos e assistir a isto todos os dias, continua a haver uma perpetuação neste papel de género”, defende a psicóloga.

"O terreno biológico não deve ser impeditivo do acesso a qualquer tipo de desempenho"

Patrícia Câmara, psicóloga

Os pares, por sua vez, também desempenham um papel essencial, já que é através destes relacionamentos que os adolescentes moldam a forma como vêem o mundo e reconhecem, não só os seus papéis enquanto rapaz e rapariga, mas também as expectativas da sociedade em relação a eles. A relação entre pares tem um lado negativo e positivo: pode exercer alguma pressão social, mas é também fonte de apoio social e emocional.

No que toca aos média e às escolas, ambos por norma dão mais destaque aos homens e tendem a caracterizá-los como mais prestigiados do que as mulheres, que costumam ficar relegadas para papéis secundários, dependentes dos homens e ligadas a tarefas domésticas. “Há uma sexualização do corpo feminino constante e de forma muito notória, o que contribui para que as crianças e as meninas cresçam muito julgadas pelas questões de aparência física, o que é uma questão fundamental quando se fala na questão de género.”

“A igualdade de género (respeito pela diferença entre aquilo que ainda é atribuído aos géneros), no fundo, a possibilidade de não se coarctar uma parte da experiência da vida apenas pela atribuição biológica do sexo, está na verdadeira paridade, na igualdade de possibilidades e não na anulação das diferenças individuais. O terreno biológico não deve ser impeditivo do acesso a qualquer tipo de desempenho”, conclui Patrícia Câmara.