Translate

domingo, 18 de março de 2018

Força, Assunção Cristas, estás quase lá!

Novo artigo em Aventar


por João Mendes

S

Fotomontagem via Uma Página Numa Rede Social

Assunção Cristas tem todo o direito de sonhar e achar que um dia será primeira-ministra. Tal como André Silva do PAN ou Rui Tavares do Livre, apesar dos partidos que lideram não terem a representação mediática desproporcional de que o CDS-PP beneficia na comunicação social, como ficou provado com o recente congresso dos centristas.

Não obstante, a mais recente sondagem encomendada pelo Expresso revela que o CDS-PP não vai além de 6,6% das intenções de voto, atrás dos 7,3% da CDU, dos 7,7% do BE e a anos-luz dos 28,4% do PSD e dos 41,5% do PS. Por este andar, nem para vice-primeira-ministra de Rui Rio vai dar. Até porque o lugar de vice-primeiro-ministro, pelo menos desde a década de 80, implica a apresentação de uma demissão irrevogável que gere uma crise política e encoste o primeiro-ministro em funções à parede, enquanto os juros da dívida sobem vertiginosamente. Conseguirá Assunção Cristas perpetuar-se no poder tempo suficiente para repetir a proeza de Paulo Portas?

Viver não custa, custa é saber viver

Viver não custa, custa é saber viver

por estatuadesal

(Francisco Louçã, In Expresso, 17/03/2018)

LOUCA3

A sina de Portugal são os ‘senhores milhão’ dos tempos idos do banqueiro Burnay até aos ‘engenheiros’ e mágicos financeiros da EDP ao Montepio.


Os dois casos empresariais da última semana, a EDP e o Montepio, são um retrato de Portugal. Andemos para trás um século ou até um século e meio e é a mesma história: grandes empresas que vivem à conta de favores ou de regras favoráveis.

O senhor milhão 

A figura de Henry Burnay é um mito do empresariado português. Eça fez dele o banqueiro Cohen em “Os Maias” e fez servir ervilhas à Cohen num jantar de gala; Fialho de Almeida, mais prosaico, chamava-lhe o “pulgão polimórfico”, mas a imprensa ficava-se respeitosamente pelo “senhor milhão”.

Foi industrial e lançou empresas de lanifícios, de vidros, de transportes, fundou a Casa Havaneza, negócios coloniais e outros. Especulou e usou o poder de emissão monetária para pagar as suas próprias dívidas, fez trinta por uma linha. Presidiu a comemorações de Camões, foi benemérito do Jardim Zoológico, viveu principescamente num palácio na Junqueira e, quando morreu, deixou uma fortuna que o colocaria entre os dez homens mais ricos de Paris.

Ganhou quase sempre, mas foi como maior acionista do Banco Nacional Ultramarino que se estribou no poder. Ágil nos circuitos financeiros, Burnay foi o intermediário dos empréstimos internacionais que Fontes Pereira de Melo mobilizou para financiar a sua política e, quando do Ultimato inglês de 1891, foi Burnay quem salvou a situação, ao conseguir o apoio de um sindicato bancário estrangeiro e um acordo com Londres. Isso teve um preço: recebeu o contrato do monopólio dos tabacos, o mais apetitoso de todos os favores régios. Primeiro por 15 anos, depois estendido por mais 20, assim a Companhia de Tabacos Nacional fez o seu poder. Foi deputado por Pombal e depois Setúbal, foi conde, e que importava isso, tinha os tabacos. Em Portugal, foi sempre o Estado que fez os milhões dos milionários e nada mudou.

Os engenheiros de milhões

Foi a manchete deste caderno de Economia na semana passada e provocou surpresa: as contas da EDP, explicadas por Mexia em conferência de imprensa, revelam que paga 0,7% de imposto sobre os resultados consolidados do seu grupo, ou €10,3 milhões sobre ganhos de €1520 milhões. Em 2016 teria pago 6,6%, de modo que crê-se que os acionistas estejam contentes com as melhorias conseguidas pelos engenheiros financeiros e ‘senhores milhão’ que elegeram. Em particular para o Partido Comunista Chinês, dono do Estado que reforçou a sua participação na EDP e controla agora 28,25%, a notícia é a confirmação de que escolheu bem.

A EDP é dominante num dos oligopólios naturais em Portugal e tem uma capitalização bolsista de €10 mil milhões. Gere negócios em vários continentes. Estendeu-se a várias atividades, o que só ilustra o seu poder. Mas o que seria desse poder sem os favores? O favor da privatização, antes de todos; o favor fiscal, modesta compensação perpétua para os acionistas que decidiram ‘arriscar’ num negócio garantido. Teoricamente, uma empresa como a EDP pagaria em Portugal 29,5% de IRC, derrama e outras taxas. Mas o teoricamente é muito teórico: a empresa gaba-se de, no mundo inteiro, conseguir ficar pelos 0,7%, incluindo as operações não domiciliadas em Portugal. Explicam então as contas: €14 milhões são benefícios sobre os dividendos, há depois uma reavaliação de ativos (o que em 2017 deu €174 milhões, este ano são €240 milhões) e vamos chegando ao imposto efetivo. Há depois €591 milhões são de mais-valias não tributadas em Espanha (o Governo português apressou-se a esclarecer que se fosse cá também haveria isenção), mais alguns benefícios fiscais nos EUA e outras artimanhas, ficam todos a perder. É um golpe do baú em todo o lado onde são usados os labirintos dos benefícios fiscais. Incomodada com a manchete, a EDP veio garantir que em Portugal paga muito, lançando o número de €481 milhões. Muito milhão, dizem, aliás esquecendo a contribuição sobre as rendas que a EDP se recusa a pagar desde que o governo deixou de ser do PSD-CDS.

A média de IRC efetivamente pago em Portugal por empresas de resultados de mais de €250 milhões é 25,4%. Mas as taxas efetivas são em alguns casos mais baixas: a Semapa paga 7,1%, o BCP 9,5% e a EDP Renováveis 10%. Pobre Jerónimo Martins, declara pagar 26,9%, faltar-lhe-á um ‘senhor milhão’?

Os mágicos dos milhões

O segundo caso é o do Montepio, que descobriu o ovo de Colombo: se não tens lucros, inventa-os. Tendo um prejuízo de €251 milhões em 2017, o Montepio vai registar €808,6 milhões em créditos fiscais como ativos por impostos diferidos, passando a ter resultados positivos de €510 milhões. É lindo: o que correu mal foi a garantia de que as contas ficam confortáveis.

É legal, sim. O esquema foi inventado para safar as contas dos bancos italianos e depois magicamente estendido a outros países, parece que o BCE gostou da ideia. Mas tem duas condições: só entram nesta categoria os efeitos fiscais futuros dos prejuízos efetivos e contabilizados (que são crédito fiscal até 70% do seu valor e por 12 anos, norma PSD-CDS, ou por cinco no caso de grandes empresas, norma do Governo PS) e as diferenças temporárias atribuíveis a discrepância entre normas fiscais e contabilísticas, o que é um universo de penumbra. Ora, a empresa deve ter resultados nos anos seguintes para poder confirmar estes “ativos diferidos” nas operações subsequentes — ou perde tudo.

Para a combalida administração do Montepio, a notícia é sorridente. Acumulou entre 2012 e 2017 resultados negativos de €412,8 milhões na associação e de €862,4 milhões em todo o grupo e, em consequência, apresenta resultados positivos de €510 milhões. O problema é que os mutualistas pouco beneficiam desse maná e, pelo contrário, continuam com o risco do prejuízo real.

Que triste, a sina de Portugal são os ‘senhores milhão’.



meo_1
As nossas regras são assim

Chamada de número não identificado) Está lá? É o senhor Francisco? Olá, como está? Eu sou José Nome, da MEO. Deixe-me fazer algumas perguntas, não lhe tiro mais do que um par de minutos. Só para confirmar, a sua morada, faz favor?

— ...

— O seu número de contribuinte?

— ...

— Pois, sr. Francisco, a MEO tem uma proposta para lhe fazer. Verificámos que o seu sistema é ADSL e, como já temos fibra ótica na zona da sua residência, podemos oferecer-lhe passar para a fibra sem qualquer custo.

— Boa ideia. Mas diga quais são as condições.

— É simples, agora paga tantos euros pela televisão, internet e telemóvel e tem tantos cartões, passaria a ter o custo, deixe cá ver... ora espere um pouco... de mais uns euros por mês.

— É aceitável. Mas como seria o novo contrato?

— Ora, é assim: passaria a ter uma velocidade de tantos nós, a capacidade de descarregar dados teria tantos quilómetros, cada telefone pode fazer chamadas até uma altura de tantos metros, e pode mandar mensagens sem limite depois paga tantas libras, mas se for MMS é diferente, é só até tantos quilos, e ainda isto e aquilo. E mais uns terabytes de isto e aquilo, e velocidade e coiso e tal. E mais uma lista de outros tantos itens (leitura longa de disposições várias). Claro que só exigimos que mantenha uma fidelização de dois anos com a nossa empresa.

— E pode mandar-me isso por e-mail, para ler as condições com atenção?

— Isso não posso.

— Não pode?

— Não, tem de aceitar primeiro.

— Tenho de aceitar as condições que me leu da sua cábula mas não as posso ler num e-mail?

— Pode ler, eu posso mandar o contrato, que aliás tem de assinar, mas só posso mandar se antes tiver aceitado as nossas condições.

— Então o que me está a dizer é que me manda o contrato com as condições, para que eu as leia, sabendo que ler ou não ler é indiferente porque tenho de assinar quer concorde quer não?

— Pois é, são as nossas regras. O contrato fica já feito e só mandamos por escrito desde que o tenha aprovado.

— Mas sabe que eu sou dos que acham que só posso aceitar desde que receba as condições escritas e as possa estudar? Acho até, imagine só, que um telefonema de uma pessoa que não conheço, de um número anónimo, não substitui um contrato assinado com pleno conhecimento das condições.

— Quer que eu lhe repita as condições devagarinho para tomar nota de tudo?

— Está a brincar comigo. Para a MEO o que vale como contrato é um telefonema anónimo em que se lê devagarinho as cláusulas que se recusa a entregar por escrito para consideração?

— Ó sr. Francisco, é isso mesmo, são as nossas regras.

(Creio que a legislação sobre práticas contratuais abusivas não prevê ou previne esta forma de imposição de contrato oral com pseudo-valor legal, utilizado para impressionar os consumidores. Esta imaginação merece Óscar.)

União das Juventudes Populares Soviéticas

por João Mendes

UJPS.jpg

Fotografia via Sergei Ilnitsky Photography

Quando era pequeno, ouvia muitas vezes os mais velhos dizer que "se isto fosse governado pelos comunistas, estávamos tramados e íamos andar todos vestidos de igual". A ideia de andarmos todos de uniforme era, e continua a ser, algo que me horroriza. E eu detesto andar de sapatos.

Anos mais tarde, dou por mim a presenciar o inesperado: uma juventude partidária de direita, que usa o argumento da irreverência da juventude, e mais uns quantos bla bla blás, para impor um dress code num congresso partidário. Imagino o alarido que seria se fosse a JCP a impor um uniforme aos seus militantes. Era o drama soviético all over again.

Entre as brumas da memória


Macau

Posted: 17 Mar 2018 05:22 AM PDT

Começar pela bela ilha de Coloane, que já foi piscatória mas que mantém alguma tradição e ainda não foi invadida por casinos e adjacentes, almoçar no novo Café Lisboa, beber uma bica no Clube Militar e mergulhar depois no caos urbanístico da cidade, ver muitas das pegadas portuguesas, algumas em mau estado não merecido como algumas belas casas, tropeçar em multidões a cada esquina, tudo isto e muito mais fez-me gostar imenso de ter ido a Macau.

Com um prazer fundamental: ter finalmente conhecido uma amiga virtual de uma década e de com ela e dois amigos ter passado umas horas em sábia e magnífica companhia, em vez de seguir um guia com uma bandeirola na mão e mais umas vinte pessoas em quem tropeçar.

Ainda verei amanhã um pouco de Hong Kong, mais notícias quando já estiver num barco a caminho de… Taipé.

.

sábado, 17 de março de 2018

Marielle: mulher, preta, lésbica, humanista, popular. Inconveniente.

por estatuadesal

(Paula Cosme Pinto, in Expresso Diário, 16/03/2018)

MARIELE.jpg

O Brasil volta a mostrar-nos da pior maneira que aqueles que arriscam desafiar privilégios e poderes instituídos ainda podem pagar caro pela ousadia. Marielle Franco era uma dessa pessoas e a sua vida, vivida em prol da luta pela igualdade e dignidade de todos, por todos, foi o preço a pagar.

Tenho a certeza que a história de Marielle Franco acabará por ser transformada num filme, porque numa sociedade tão discriminatória e desigual como é a brasileira, tudo no seu percurso é digno de aplauso e surpresa. Marielle nasceu menina, preta e pobre, no meio de uma favela do Rio de Janeiro. Tudo isto poderia ter ditado desde logo o rumo da sua vida, como acontece com tantas outras meninas nascidas neste contexto. Sim, Marielle foi pobre durante boa parte da sua vida, sim Marielle foi mãe adolescente, sim Marielle conheceu de perto o que era a vida marginal fomentada pela pobreza e pela falta de oportunidades. Contudo, a vida de Marielle não foi só isso. E quando alguém consegue fugir à norma, isso pode ser perigoso para quem dela se alimenta.

Marielle, que foi ontem assassinada com quatro tiros na cabeça, era uma socióloga formada pela PUC-Rio e mestra em Administração Pública pela Universidade Federal Fluminense. Para tema de dissertação de mestrado apostou num trabalho sobre "UPP: A redução da favela a três letras", universo que ao longo da sua carreira fez sempre parte de uma luta pessoal. Ativista ferrenha pelos direitos humanos, trabalhou em organizações da sociedade civil e entrou na política para coordenar a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Em 2016, a sua fama de justiceira já a precedia, e embora se tenha candidatado com poucas expectativas, acabou ser a quinta vereadora mais votada do Rio nas eleições, com 46.502 votos. O povo queria Marielle, e confiava nela, porque ela era uma das suas.

MARIELLE ERA A PERSONIFICAÇÃO DA RESISTÊNCIA CONTRA O PODER DOS PRIVILÉGIOS INSTITUÍDOS

Sim, ela era mulher, jovem (38 anos), vivia numa favela até aos dias de hoje por opção, era lésbica, feminista, voz crítica contra a violência policial, bem-sucedida contra todas as expectativas, admirada e respeitada pelo povo, aquele que representa boa percentagem da população real do Rio. Os mesmos que votaram nela e que cada vez mais lhe davam poder e ouviam as suas angústias ganhar palco através da sua voz. Escusado será dizer que isto era demasiado inconveniente. Mais inconveniente ainda era o trabalho que ela estava a fazer enquanto parte integrante de uma comissão de investigação aos abusos da intervenção militar no Rio de Janeiro. Fiel à sua conduta, Marielle pedia o dedo na ferida e tonava-se cada vez mais incómoda. Pagou com a sua própria vida.

A vereadora do PSOL era a personificação da resistência contra os esquemas, o poder dos privilégios instituídos e a discriminação, alimentada por tanta gente, em prol da ganância e do bem-estar de tão poucos. "Quantos mais têm de morrer para que essa guerra acabe?", perguntou Marielle Franco um dia antes de ser morta. A violência da sua execução – sim, é disto que se trata – é uma mensagem clara, vinda de várias esferas dos todos poderosos que se alimentam precisamente desta guerra. A ideia foi certamente deixar um aviso no ar, principalmente aos mais de 46 mil cidadãos que votaram nela: isto pode correr muito mal para quem ousar desafiar a norma da corrupção, da violência, da xenofobia, do medo, da misoginia, da discriminação, dos ricos que serão sempre ricos e dos pobres que se quer que sejam sempre pobres, dos pequenos e dos grandes poderes, dos que mandam e dos que devem acatar ordens e destinos com temor. Marielle estava do lado certo da história, e demasiada gente tinha noção do impacto que isto poderia ter a curto prazo.

Contudo, a motivação destes quatro tiros que tiraram a vida a Marielle Franco podem sair pela culatra. E digo isto porque não sei até que ponto será o medo o grande vencedor neste momento trágico. A indignação, daquelas que têm o condão de cegar o temor e motivar a fome de justiça, podem falar mais alto no meio disto tudo num Brasil que atualmente parece uma panela de pressão. Esperemos que assim seja, e que a revolta não se fique pelas redes sociais.