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segunda-feira, 26 de março de 2018

A origem dos nossos males: erros meus, má-fortuna ou corrupção?

Ladrões de Bicicletas


Posted: 25 Mar 2018 05:18 PM PDT

Vários dirigentes políticos, a maioria dos comentadores mediáticos e até algumas pessoas que têm obrigação de saber o que dizem continuam a responder como sempre responderam à questão que está no título deste post. Para eles, Portugal entrou em crise na viragem do milénio porque alguns governantes se deixaram influenciar pelos poderosos deste país, adoptando políticas que os beneficiaram em prejuízo do resto das pessoas e da economia nacional.
Sejamos claros: tem havido em Portugal – como sempre houve e sempre haverá, neste país e em muitos outros – casos evidentes de captura do Estado por interesses particulares. Essas formas mais ou menos directas de corrupção causam dano na economia e são, em qualquer caso, eticamente inadmissíveis. São ameaças à democracia e como tal têm de ser combatidas.
Separemos, porém, a discussão. A questão não é se a corrupção existe. O que está aqui em causa é saber se os privilégios especificamente concedidos a alguns sectores e grupos na sociedade portuguesa explicam a crise que teve início no início do século. A minha resposta é negativa.
Vale a pena termos presente nesta discussão que o aspecto distintivo da crise nacional é a acumulação de uma enorme dívida externa, que teve início em meados da década de noventa. Note-se que não estamos a falar de dívida pública: na verdade, a dívida do Estado em percentagem do PIB esteve em queda até 2000 e depois disso subiu de forma ligeira até à grande crise internacional. A crise da economia portuguesa traduz-se, primordialmente, no crescimento acentuado da dívida privada, especialmente das empresas. Foi o aumento da dívida privada que levou a dívida externa portuguesa para valores próximos do PIB na viragem do século, quando era quase inexistente poucos anos antes.
De acordo com a tese da captura do Estado por interesses particulares, a origem da crise portuguesa está no facto de vários governos terem privilegiado certos grupos económicos, protegendo-os da concorrência e dando-lhe condições especiais para acumulação de lucros através da regulação dos sectores em que actuam. Teria sido assim que se tornaram poderosos as empresas e os grupos dos sectores da banca e seguros, da construção, da distribuição, da energia ou das telecomunicações. De acordo com esta tese, estes grupos tornaram-se dominantes porque tinham proximidade ao poder político, o qual os protegeu da concorrência interna e externa, e os alimentou financeiramente através de contratos públicos chorudos. Vivendo à sombra do Estado, e da regulação que este faz dentro das fronteiras nacionais, os grandes grupos económicos portugueses ter-se-iam sobreespecializado em actividades dirigidas ao mercado interno, menosprezando a disputa de mercados internacionais e a concorrência externa.
Em economês diz-se que a economia portuguesa se sobreespecializou em sectores “não-transaccionáveis” (ou seja, naquelas actividades que não estão sujeitas à concorrência internacional), em prejuízo dos sectores exportadores. E isto é um problema, na medida em que os não-transaccionáveis não permitem obter rendimentos a partir do exterior, mas dão origem a salários e lucros que serão usados em consumo e investimento, o que por sua vez se traduz em mais importações. Além disso, quando empresas daqueles sectores investem têm de pedir dinheiro emprestado, o qual de uma forma ou de outra vem do estrangeiro (agravando assim a dívida externa).
Por outras palavras, foi o predomínio dos sectores não-transaccionáveis que conduziu a que houvesse mais saída do que entrada de dinheiro no país, levando à explosão da dívida externa portuguesa. Até aqui estamos de acordo. A questão é saber o que conduziu ao peso excessivo dos sectores não-transaccionáveis.
Segundo a tese da captura do Estado por interesses particulares como origem da crise, foram os privilégios políticos atribuídos àqueles grupos económicos que explicam a orientação da produção nacional para o mercado interno. A tese é atractiva, sem dúvida. Mas, se analisarmos com atenção, há várias coisas que não batem certo.
Primeiro, o aumento do peso dos sectores não-transaccionáveis aconteceu em vários países da UE no mesmo período. Por exemplo, entre 2000 e 2007 o aumento do peso destes sectores no PIB em Portugal foi equivalente ao da França e inferior ao do Reino Unido, de Espanha e de Itália. Na verdade, nas vésperas da grande crise internacional, o peso dos sectores não-transaccionáveis em Portugal continuava abaixo destes e de vários outros países da UE. É difícil sustentar que todos estes países sofreram o mesmo processo de captura do Estado por interesses particulares, ao mesmo tempo, da mesma forma e com os mesmos efeitos.
Segundo, analisando com cuidado várias políticas públicas em Portugal nas últimas duas décadas, não é evidente que os sectores transaccionáveis tenham sido sistematicamente preteridos a favor dos não-transaccionáveis. Por exemplo, neste estudo mostrámos que vários tipos de políticas públicas (subsídios ao investimento, incentivos fiscais de natureza transversal, incentivos fiscais de natureza contratual, etc.) foram sistematicamente dirigidos para empresas da indústria transformadora ou actividades de serviços mais expostos à concorrência internacional (e não para os sectores e grupos económicos supostamente protegidos).
Terceiro, não haveria nenhuma razão óbvia para que os grupos de interesse que capturaram os decisores políticos portugueses estivessem todos ligados a sectores não-transaccionáveis. A história e os estudos comparados mostram-nos que sempre que os Estados quiseram (ou querem, ainda hoje) apoiar empresas nacionais expostas à concorrência internacional, arranjam forma de o fazer.
É um facto que a crise portuguesa surge associada a um aumento acentuado do peso dos sectores não-transaccionáveis. Mas para percebermos por que motivos os sectores menos expostos à concorrência internacional se tornaram mais lucrativos do que os restantes não precisamos de teorias da conspiração. Basta termos em conta três desenvolvimentos marcantes das últimas duas décadas e meia (que se conjugaram no tempo, em parte por um infeliz acaso):
• a liberalização financeira (particularmente acentuada em Portugal pelo processo profundo e acelerado de privatizações após 1989),
• a liberalização comercial (no caso português são particularmente relevantes os acordos comerciais da UE com a China, cujos produtos competem directamente com os nacionais) e
• a adesão ao euro (que no caso português acentuou os efeitos da liberalização financeira e da liberalização comercial, ao facilitar a entrada de capitais no país e ao tornar as exportações portuguesas mais caras – e as importações mais baratas).
Estes factores (desenvolvidos aqui) são suficientes para explicar o crescimento dos sectores não-transaccionáveis em Portugal (e noutros países): por um lado, a abundância de crédito levou ao crescimento do mercado interno, favorecendo os lucros de empresas que vendem cá dentro e impulsionando as importações; por outro lado, a liberalização financeira e a adesão a uma moeda forte penalizaram a lucratividade das empresas que vendem para fora (ao mesmo tempo que tornavam as importações mais acessíveis).
Em suma, não precisamos de falar em corrupção – que, repito, com certeza existiu – para explicar a crise da economia portuguesa desde a viragem do século.
Nada disto isenta os dirigentes políticos nacionais de responsabilidades. Em última análise, foram os governos que decidiram liberalizar a finança, precipitar a entrada no euro e viabilizar os acordos comerciais da UE com outros países. No entanto, os dirigentes políticos em causa não são exactamente os mesmos que estão na mente de quem apresenta as banais teorias da conspiração para a crise – nem a decisões relevantes são as mesmas.
É fácil perceber por que razão os comentadores da espuma dos dias insistem numa explicação que não cola com os dados disponíveis: dá menos trabalho e serve os propósitos que os movem. Compreender e conseguir explicar a um público alargado as origens complexas da crise portuguesa exige mais esforço do que simplesmente atribuir culpas a esta ou aquela pessoa. Em qualquer caso, o objectivo daqueles comentadores nunca é explicar seja o que for: é manipular a opinião pública para o lado que mais lhes convém no momento. O problema é que se acreditarmos em explicações simplistas nunca perceberemos verdadeiramente o que nos aconteceu. Nem perceberemos o que devemos fazer para evitar que volte a acontecer.

Os partidos liberais

artigo em BLASFÉMIAS


por vitorcunha

Três revolucionários entram num bar. Um é comunista dos que votam PS, outro é social-democrata dos que.votam qualquer coisa, o terceiro é liberal. Fartam-se de discutir sobre tudo o que tem que mudar para a verdadeira revolução, chamando a atenção das outras pessoas dispostas a ruidosas contribuições alimentadas por álcool.

O comunista grita com o social-democrata e com o liberal: eutanásia é estúpida, basta um tiro na nuca. O liberal argumenta que as pessoas têm um direito inalienável a uma execução digna desde que paguem menos impostos. O social-democrata diz que alguém tem que pagar os medicamentos para a eutanásia, logo é necessário mais impostos. O liberal responde que a eutanásia deve ser entregue à iniciativa privada de um jagunço auto-regulado pelo enquadramento legal de uma redacção de deputados e seus escritórios de advocacia. O comunista quase que concorda, mas ressalva que o jagunço tem que ser funcionário do partido. O social-democrata diz que isso sai ainda mais caro do que uns comprimidos letais, e acabam todos a concordar que o mais importante é a dignidade do direito inalienável à liberdade de execução de qualquer ser humano independentemente de raça, credo e preferência sexual.

O Zé Povinho enjoa-se e abandona o bar. Cá fora, vira-se para mulher desconhecida e diz: é por isto que um partido liberal faz tanta falta como a
lepra
.

A abstenção atinge os 50%. Ainda bem que criaram 38 partidos liberais.

domingo, 25 de março de 2018

Marques Mendes. Eleições antecipadas no PSD? “Tonterias, tonterias…”

LUÍS MARQUES MENDES

HÁ UMA HORA

Fazer cair Rui Rio é um "disparate", avisa Marques Mendes na SIC num comentário a pedir que a Santa Casa divulgue o relatório de avaliação do Montepio. E mandou mais um recado a Sócrates.

André Antunes

Autor

O comentador Luís Marques Mendes mandou um recado aos críticos internos de Rui Rio, ao referir-se a um artigo do Expresso em que opositores do novo líder admitiam — sob anonimato — que o presidente do partido poderia cair antes das legislativas. Este domingo à noite, na SIC, o ex-líder do PSD disse que isso “não faz sentido nenhum”. E repetiu três vezes: “Tonterias, tonterias, tonterias. Disparates”.

Marques Mendes acha que eleições antecipadas no partido para mudar de líder um “disparate monumental”, não só porque “os mandatos devem ser cumpridos até ao fim”, mas também porque danifica a imagem do partido”. Pior ainda: nem sequer beneficia os próprios críticos de Rui Rio: “Nem sequer é inteligente vitimizá-lo“, comentou com a jornalista Clara de Sousa. “Acho que deviam rapidamente ultrapassar esta fase”.

Apesar de ter feito críticas muito violentas ao líder do PSD nos mais recentes comentários dominicais, acabou por elogiar os últimos gestos políticos de Rui Rio. “Teve algumas falhas, mas está a dar alguns sinais de querer ultrapassá-las. Escolheu bem o novo secretário geral, José Silvano”, elogiou. “E esteve em Bruxelas com atitudes e posições muito corretas e corajosas, a defender o interesse nacional ao lado das posições do Governo”. Ainda acrescentou mais um encómio ao analisar da agenda que Rio tem prevista para esta semana: “Parece que vai começar a fazer oposição, vai visitar as zonas afetadas pelos fogos, e apresentar os porta-vozes setoriais”.

Porque é que a avaliação do Montepio não é tornada pública?

No fim do programa, Mendes recuperava o dossiê do Montepio, para perguntar onde está a avaliação feita pelo banco Haitong. “A Santa Casa pediu uma avaliação independente. Onde está? Nas mãos do Provedor. Então porque é que não é tornado público? Porque é que isto está tudo escondido?” O comentador questionava o valor do banco, por a Santa Casa da Misericórdia se preparar para dar cerca de 20 milhões de euros por 1% do banco, o que faria com que o seu valor de mercado ascendesse aos dois mil milhões de euros. Um valor que Marques Mendes contesta por ser demasiado alto, sobretudo se comparado com o de outros bancos. “Isto tem de ser tudo muito bem explicadinho”, afirmou.

No que respeita aos principais temas da semana, considerou uma “iniciativa meritória” — apesar de também ser “propaganda” — o esforço de “sensibilização” do Governo, do Presidente da República e do primeiro-ministro através da ação de limpeza das matas realizada esta sexta-feira.

Quanto aos relatórios sobre Tancos e acerca dos fogos de outubro, Marques Mendes foi muito crítico. “Para o Governo não há culpas nem responsabilidades, nem sequer pede desculpa”. O comentador vê um grande contraste entre o relatório da Comissão Técnica Independente que aponta responsabilidades ao Governo nos fogos se comparado com o relatório sobre Tancos: “O contraste com o relatório de Tancos, feito pelo Governo e não por uma entidade independente, é um escândalo: o problema daquele paiol existe há 20 anos… Quem é o culpado no plano militar e político? Ninguém, zero. Foi grave. Como se resolve? Com quatro processos disciplinares, umas repreensões. Culpa de quem? Do mexilhão”.

Luís Marques Mendes ainda deixaria uma resposta a José Sócrates, que esta semana se referiu a ele num comentário, de forma velada, por causa de uma eventual tentação de o ex-primeiro-ministro se candidatar a Presidente da República. Numa conferência em Coimbra, Sócrates disse que isso era do domínio da “bruxaria” para “videntes”. O social-democrata, depois de também vaticinar que o processo judicial de Sócrates não transitará em julgado antes de 2028 — portanto, daqui a 10 anos — replicou-lhe: “Registo que nunca disse que não era candidato”.

“Os lisboetas não vão conseguir voltar para o centro da cidade nos próximos tempos”

25 Março 2018

Edgar Caetano

Subida dos preços muito dificilmente será reversível. Mesmo que acelere a construção, há procura (sobretudo externa) para absorver, garante Nuno Nunes, diretor de investimento da CBRE, em entrevista.

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A cidade de Lisboa foi apanhada “desprevenida” por um “tsunami“, um “crescimento súbito e fora do normal” do turismo, mas esse fenómeno não é o único a fazer disparar os preços do imobiliário no centro da cidade, afirma Nuno Nunes, diretor de investimento da consultora CBRE. As políticas de urbanismo das últimas décadas não prepararam a cidade para o “tsunami” de procura não só por turistas mas, também, por estrangeiros e empresas que querem estabelecer-se na capital portuguesa.

Daqui para a frente, muito dificilmente se voltará ao passado. Mesmo que se acelere na construção e se aproveite o espaço que existe, há procura mais do que suficiente para a absorver. Por outras palavras, os preços não vão baixar e, “a menos que haja uma mudança de paradigma, isto é, que surja outra cidade que passe a despertar este tipo de interesse que Lisboa está a despertar, tão rapidamente os lisboetas não vão conseguir voltar para o centro”. É preciso uma mudança cultural e há que olhar para alternativas na periferia, acredita o head of capital markets da CBRE, em entrevista ao Observador.

Muitas empresas estrangeiras já estão a ter dificuldades em encontrar espaços em Lisboa, diz Nuno Nunes, da CBRE. FOTO: André Carrilho/OBSERVADOR

A CBRE fez uma sondagem alargada a investidores em imobiliário na Europa e uma das conclusões que me chamaram mais à atenção é que, a julgar pelas respostas, com a subida dos preços já começa a haver mais investidores interessados em vender, materializando mais-valias. O que é que isso nos pode indicar sobre o ciclo do mercado?
Essa é umas conclusões engraçadas do estudo, é que estamos a chegar a um momento em que há muito mais investidores interessados em comprar, o que é ótimo, mas também há mais a vender. Isso é verdade nas grandes cidades em que se concentrou o estudo mas também é verdade para Portugal e para Lisboa. Nós estamos, na CBRE, com um pipeline de 1.100 milhões de euros, mais ou menos. Para termos noção, isso seria metade de todo o mercado do ano passado, só com os negócios que angariámos nos últimos meses.

Mas há alguma indicação de que o mercado pode estar a abrandar?
Na Europa já se está a ver alguns setores e algumas zonas em que, apesar de ainda haver procura, cada negócio que se faz já não supera, tanto como dantes, o preço do anterior. Em algumas zonas já se está a atingir uma espécie de plateau.

Já sente isso no mercado português, sobretudo Lisboa e Porto?
Não, ainda não está a acontecer em Lisboa, e mesmo no Porto. Talvez porque os investidores acham que o nosso mercado ainda está menos explorado, por ter entrado mais tarde no ciclo, e por acharem que existe uma perspetiva macroeconómica que compara bem com outros mercados europeus (estamos a crescer relativamente bem e acima do esperado). Houve investidores que não entraram no passado porque achavam que a nossa economia não ia ter esta trajetória e agora estão a tentar recuperar. Por outro lado, continua a haver, em vários setores, um desequilíbrio entre procura e oferta.

"Centros comerciais médios vão desaparecer"

O investimento em logística está a superar, pela primeira vez, a nível europeu, o investimento em escritórios, revela o estudo da CBRE. “Era um setor que valia pouco numa carteira de um investidor. Mas com o desenvolvimento do e-commerce, é uma aposta cada vez maior. Em Portugal, a Amazon estará prestes a entrar, mas não é a única, diz Nuno Nunes. Em contraste, o investimento em centros comerciais está a cair. “Os centros comerciais de centro de cidade, pequenos, bem localizados, quase como um complemento do comércio de rua vão continuar a ter procura. Os grandes centros comerciais, como o Colombo, achamos que continuam a fazer todo o sentido porque têm massa crítica suficiente para oferecer a experiência do retalho, onde há toda uma experiência e a compra vem por acréscimo”, diz Nuno Nunes: “já os centros de média dimensão, no meio de nenhures, deixam de ter razão de ser e muitos vão fechar”.

Quais setores, por exemplo?
O setor dos escritórios. Atualmente, em Lisboa, acredito que há entre 100 e 200 mil metros quadrados que não encontram sítio para onde ir, de acordo com as nossas estimativas aqui na CBRE. Isto cria uma expectativa muito grande sobre as rendas e sobre os preços.

Falando sobre o lado da oferta: acha que Lisboa tem menos aproveitamento do espaço disponível do que outras capitais europeias?
A cidade de Lisboa tem um problema, ou melhor, está confrontada com uma realidade que é crescimento turístico fora do normal, súbito, que houve — para o qual não estava preparada. E, por outro lado, há um desenvolvimento do mercado residencial, nomeadamente de um produto de luxo, de classe média-alta, que apanhou o segmento dos escritórios completamente desprevenido. Estamos a ver as empresas, como sociedades de advogados, a saírem de zonas como a Avenida da Liberdade, onde, é certo, os escritórios também têm características que já não se coadunam muito com as novas tendências. O residencial — sobretudo de gama mais alta — impôs-se como opção: se tenho um prédio e posso optar por residencial ou escritórios, a conta é relativamente fácil de fazer: o residencial é muito mais rentável e está a expulsar os escritórios do centro da cidade.

Três elementos, portanto: o turismo, a procura por imobiliário de gama alta e as empresas. Quando se fala do centro, as empresas estão a perder?
Isso. Há dias, um grande investidor com quem falava, com muita experiência no mercado de Lisboa, dizia que vai chegar um momento em que a cidade vai ter de decidir se quer ser uma cidade turística, uma Disneyland, ou se quer ser uma “gatewaycity“, isto é, uma cidade importante nos negócios e um pólo de atração de empresas. As duas não são compatíveis, não pode ser as duas coisas.

Um grande investidor com quem falava dizia que há um momento em que a cidade vai ter de decidir se quer ser uma cidade turística (uma Disneyland), ou se quer ser uma "gateway-city", uma cidade importante nos negócios e um pólo de atração de empresas. Não pode ser as duas coisas.

Nuno Nunes, "head of capital markets" da CBRE

Para a classe média que ambiciona viver no centro da cidade, faz sentido pensar que estamos só a viver uma “febre” e que os preços vão voltar a cair para onde estavam há uns anos? Que, portanto, é só uma questão de esperar uns anos?
Coisas “impossíveis” acontecem todos os dias, mas não é nada provável que isso aconteça. Pode haver um abrandamento, até porque não é possível continuar a crescer ao mesmo ritmo exponencial. Mas eu acho que, mesmo que a procura turística abrande, já passámos o ponto de viragem em que, se forem criadas as condições, já há um interesse enraizado. O que, é claro, em termos urbanísticos, cria um desequilíbrio grande na cidade.

Como se resolve, ou mitiga, esse desequilíbrio. Com regulação?
Não é com regulação do mercado que se consegue resolver esta questão. Há várias bolsas de terrenos dentro da cidade de Lisboa, mas a nossa visão é que a procura que existe é mais do que suficiente para absorver qualquer oferta adicional que surja. Portanto, também não é isso que vai fazer baixar os preços. Dou-lhe um exemplo: há aqui [a sede da CBRE é nas Amoreiras] um terreno perto, ao pé do Hotel Dom Pedro [na Avenida Conselheiro Fernando de Sousa], que tem capacidade de construção para residencial de cerca de quase 70 mil metros quadrados…

De quem é o terreno? Da câmara?
Não, ainda que a câmara também tenha terrenos, como os de Entrecampos (antiga Feira Popular). Este terreno de que falo é um terreno do Novo Banco. Ora, se essa área fosse colocada no mercado, se não houvesse a procura externa, em teoria, isso faria com que os preços baixassem. Mas se alguém promover ali, mesmo que construa de forma massiva, todos os 70 mil metros — 700 apartamentos de 100 metros quadrados — a procura é tanta que também conseguiria vender-se a seis mil ou sete mil euros/metro quadrado. Esse preço está completamente fora da bolsa portuguesa, em média. A família média portuguesa não consegue pagar esses valores, 700 mil euros por um apartamento de 100 metros quadrados. Pensando que esse português tem de pedir um financiamento bancário, tem de ter quase 150 mil euros para dar de entrada e, depois, tem de suportar a prestação…

Se juros subirem rapidamente, mercado pode sofrer abalo

“A longo prazo, e a menos que a zona euro venha a ter um modelo macroeconómico do género do Japão, é pouco provável que esta situação de juros baixos seja sustentável”, adianta o especialista em mercados da CBRE. “Não se prevê que o Banco Central Europeu mantenha esta política por muito mais tempo. Nos próximos 12 a 18 meses deve haver uma inflexão na evolução das taxas de juro e toda a gente já incorporou esta expectativa”, aponta Nuno Nunes, acrescentando que “se, por alguma razão, houver uma subida mais rápida do que o esperado das taxas de juro, o mercado pode tornar-se menos atrativo” em comparação com os outros tipos de investimento, como os mercados de ações ou obrigações.

De que forma é que, se alguém quiser fazê-lo, consegue inverter esse rumo?
É pouco provável que o rumo se inverta, exceto se houver, de alguma forma, uma vontade da câmara, no fundo, de perceber o que é que quer para o desenvolvimento da cidade. Em todas as capitais europeias, os centros (as baixas) são para turistas e pouco mais. Mas as pessoas que querem viver na cidade têm de ter um sítio e a câmara, aí, tem de decidir o que fazer. O perigo de tudo isto é que — é verdade, a regulação vai chegar — mas o perigo é que quando chegar seja tão excessiva, ou tão tardia, que de repente se mate alguma coisa.

O quê?
É certo que todos queremos que cidades como Lisboa e Porto sejam capazes de atrair talento internacional ao mesmo tempo que dão condições e oportunidades para nós, portugueses. Ora, eu acredito que existe um certo estigma contra esses centros de competências, de empresas estrangeiras que vêm para cá: há que lembrar que esses negócios pagam o triplo do que se paga a uma caixa de supermercado. Temos de ter em conta que atrás destes BPOs (business process outsourcing) vem muita contratação de engenheiros e funcionários, incluindo portugueses. Isto tem importância para a economia portuguesa. E muitas destas empresas já estão a ter dificuldades em encontrar espaços em Lisboa, o que explica que alguns estejam a ir para outros locais e para outras zonas como o Porto, Braga.

Como vê, então, o mercado a evoluir nos próximos tempos?
O rumo em que nós vamos é que os escritórios vão continuar a seguir para as periferias — e podemos estar a falar da Expo, de Alcântara. E as pessoas acabam por ter de ir viver para fora do centro — ou seja, nessa perspetiva, nunca seremos como Madrid. Ou, então, há um plano estratégico onde se criam espaços específicos que conjuguem habitação, serviços e negócios que podem fazer com que Lisboa se torne uma cidade interessante no contexto europeu. Para alguém das novas gerações é melhor viver em Lisboa do que viver em Paris — e se eu puder fazer o meu trabalho cá vou querer vir para cá. Ainda ontem estava a discutir a localização de uma multinacional e o primeiro critério para a decisão era “onde é que a malta que vai estar a trabalhar comigo nos próximos 10 anos vai querer estar?”.

Dizia que, mesmo que nova oferta venha para o mercado, será absorvida e os preços não irão mexer. Mas há assim tanto onde construir?
Há algum espaço para construir. Só aqui perto há 140 mil metros quadrados residenciais para construir no Alvito, há 70 mil aqui [na Conselheiro Fernando de Sousa], há cerca de 30 mil ali mais à frente… O terreno existe, algum, mas existe procura suficiente para, se esses terrenos forem colocados no mercado, os negócios fugirem logo do bolso do português normal. O nosso mercado é pequeno — mesmo que construamos, de repente, mil casas… Pense: quantos franceses é que compraram casa no ano passado em Lisboa? Das 20 mil transações residenciais que se acredita terem sido feitas no ano passado em Lisboa, metade foi feita por estrangeiros. 10 mil. Num ano. Por isso é que digo que, por muito que se faça no centro de Lisboa, a procura estrangeira irá absorver.

O que é que Lisboa pode aprender com outras cidades que possam ter passado por situações semelhantes?
Sim, o que está a discutir-se aqui já se discutiu noutros países. Roterdão teve uma situação com algumas parecenças. Berlim também, não sendo o centro financeiro nem industrial da Alemanha, tinha funcionários públicos e turismo mas agora já tem muitas empresas e centros de competência. Os preços também cresceram muito em Berlim e, tal como Lisboa, a câmara tinha terrenos — então disse “Este terreno eu quero habitação a custos controlados para arrendamento” (não estamos a falar de habitação social, atenção), abre-se um concurso, cede-se o terreno por um dado número de anos, o promotor constrói e tem direito a arrendar, dentro de determinados parâmetros. Isso faria sentido, basta pensar que o residencial para rendimento é um dos setores preferidos dos investidores.

Porquê? Porque preferem investir em rendimento e não em construção/venda/mais-valia?
Uma das razões é que as novas gerações têm uma tendência menor para comprar habitação própria. Por outro lado, também se deve ao facto de os custos da habitação nos centros das cidades se ter tornado impossível para boa parte das gerações mais jovens.

Quem é Nuno Nunes?

Nuno Nunes é “head of capital markets” (diretor do departamento de investimento) da CBRE, uma empresa líder em serviços de imobiliário comercial e investimento em todo o mundo.

É licenciado em Economia pela Universidade Nova de Lisboa e pós-graduado em Finanças pelo INDEG/ISCTE, Nuno Nunes mudou-se para a CBRE em 2015, vindo da AXA Real Estate, onde estava desde 2008. Na AXA Real Estate, tinha funções de gestor de transacções e de activos, sendo responsável por um portefólio de ativos imobiliários avaliado em 400 milhões de euros.

A CBRE, com sede em Los Angeles (EUA), está em Portugal desde 1988 a prestar serviços de consultoria estratégica e mediação em operações de venda e arrendamento de imóveis, promoção, investimento imobiliário, gestão de imóveis, gestão de instalações, gestão de projetos, além de serviços de avaliação e research.

Qual é a alternativa, então, para quem quer cá viver?
Uma alternativa é a criação de muita oferta na periferia. Para um lisboeta é estranho, mas… Eu, por exemplo, moro na margem sul do Tejo. Repare que o Seixal, por exemplo, está a 12 minutos do centro de Lisboa. Para um londrino, numa posição equivalente à minha, há muita gente que vive a uma hora de Londres, do centro, onde trabalham. E são pessoas com muito poder de compra! Quando os estrangeiros olham para Lisboa, é Grande Lisboa. Para nós é que, conceptualmente, não funciona…

É uma questão “conceptual”, então, de cultura? É a cultura que tem de mudar?
Completamente. Eu não acredito que, a menos que haja uma mudança de paradigma, isto é, que surja outra cidade que passe a despertar este tipo de interesse que Lisboa está a despertar, que tão rapidamente os lisboetas possam voltar para o centro. Só se a câmara criar pequenas bolsas de arrendamento dentro do centro, mas seriam sempre coisas pequenas, para jovens, por exemplo. Quem gostava de comprar casa e está a olhar para este mercado, se o objetivo é comprar a casa para viver, o melhor é começar a pensar em não olhar só para o centro de Lisboa, mas admitir alternativas na periferia. Por outro lado, se quer investir, ainda há margem — podemos dizê-lo com alguma segurança — para investir numa casa e fazer um bom negócio.

Viver em Lisboa custa o dobro do que na margem sul

A subida dos valores das rendas é um dos sinais mais claros da mudança dos tempos. Segundo dados divulgados na semana passada pelo INE, a renda média na cidade de Lisboa é de 9,62 euros por metro quadrado, o dobro do que se paga, por exemplo, na margem sul do Tejo. Arrendar uma casa de 100 metros quadrados na Moita ou no Montijo custa menos de 500 euros mas em Lisboa chega facilmente aos mil — e há quem diga que os dados do INE pecam por carência. Cascais tem preços médios de 8,06 euros e Oeiras também já está próximo disso (7,84 euros).

Para a classe média, está fora de questão, certo?
Mas, pergunto: a classe média estava em Lisboa antes? Lisboa tem vindo a perder habitantes desde os anos 60…

Sim, se há 10 ou 15 anos déssemos uma volta no Rossio à noite víamos muito pouca gente…
Exatamente. No centro histórico de Lisboa havia a velhota que vivia com uma renda de dois euros por mês, imensos prédios a ficarem devolutos, porque os donos não os reabilitavam, porque as rendas eram baixas. Foram políticas que conduziram a esta situação, ao longo de várias décadas.

Foi por isso que a cidade foi apanhada desprevenida? Ou, melhor, pouco preparada, como dizia há pouco?
Sim, mas também, há que reconhecer, ninguém esperava este tsunamide procura. O que é certo é que este ciclo trouxe-nos outro leque de investidores e posicionou o nosso imobiliário no radar de muitos investidores, mesmo institucionais. Pelo que, mesmo que o ciclo abrande, já há mais gente e mais entidades a olhar para nós, o que significa que uma eventual queda não será, provavelmente, para os mínimos anteriores.

É uma tendência internacional, na realidade, certo?
Não é só em Portugal, claro. Houve uma série de investidores que, tendo tido experiências más noutros setores, passaram a alocar uma parte maior do capital ao imobiliário. Pensemos numa [seguradora] Prudential, por exemplo, que gere várias centenas de biliões [de euros]: se o imobiliário antes era 5% da carteira de investimentos e passar a 7% — esses dois pontos percentuais significam centenas de milhões de euros que vão para o imobiliário de forma instantânea. E, olhando para as alternativas de investimento, é pouco expectável que retirem peso a este setor. Pelo contrário, todos estes grandes investidores estão é, cada vez mais, a aumentar a exposição ao imobiliário. E o mesmo se aplica ao mercado interno: também houve muita gente a ter ou a assistir a más experiências na banca, por exemplo, e portanto hoje estão a preferir comprar casas.

Lisboa: o estranho caso do Demónio encontrado na casa da fadista Severa

por admin

No edifício da Mouraria, em Lisboa, onde terá vivido a fadista Maria Severa Onofriana, falecida em 1846, uma escavação arqueológica descobriu um curioso vestígio do passado medieval da cidade e da evolução das superstições. Mais do que um molde, este pequeno artefacto é o reflexo de como a própria cidade era uma encruzilhada de crenças e superstições que raramente se encontram no contexto arqueológico, defendem os arqueólogos Tânia Casimiro, do Instituto de Arqueologia e Paleociências da Universidade Nova de Lisboa, e António Marques, do Centro de Arqueologia de Lisboa.

A Severa

A peça emergiu num sector de Lisboa tradicionalmente dedicado às comunidades muçulmanas, autorizadas, desde o reinado de Dom Afonso Henriques, a permanecer em bairros específicos da urbe. Encontrado num estrato correspondente ao século XIV, só após a produção de um molde de silicone foi possível obter a descrição da figura antropomórfica ali representada, com feições quase grotescas e o topo da cabeça coroado com dois chifres. Os membros superiores terminam no que parecem ser duas garras e os inferiores em cascos, destacando-se o seu carácter marcadamente sexual.

Desenho de Luísa Batalha

Embora raras na Idade Média, as representações conhecidas do demónio coincidem com a figura deste molde. No levantamento realizado sobre manifestações demoníacas na Idade Média em Portugal, a historiadora Lurdes Rosa notou igualmente que a maior parte dos demónios estão associados ao registo de exorcismos e muitos visitam mulheres para encontros sexuais, as suas vítimas preferenciais, numa alegoria à crença de que o diabo entra pelos buracos do corpo.

A Severa

A adoração de imagens não canónicas foi proibida desde o reinado de Dom João I, mas certamente não foi extinta. “Raramente os lados ocultos da subjectividade humana se consubstanciam. Tivemos a sorte de nos depararmos com uma dessas raras realidades”, diz Tânia Casimiro, em relação à Casa da Severa.

Casa da Fadista SeveraCasa da Fadista Severa

Um dos desafios da interpretação desta peça é a atribuição cultural: teria pertencido a um membro da comunidade muçulmana ou seria, ao invés, propriedade de um cristão? As referências documentais e literárias que se conhecem são todas referentes às comunidades cristãs e estas imagens alimentariam um imaginário plasmado na obra de Gil Vicente. Quem não se recorda do desbocado diabo do “Auto da Barca do Inferno”: “À barca, à barca, houlá! / que temos gentil maré!”?

Quem era Maria Severa, a Fadista?

Através do seu registo de baptismo a 12 de Setembro de 1820, na Paróquia dos Anjos, registamos a data de nascimento de Maria Severa Onofriana a 26 de Julho de 1820, o local do seu nascimento terá sido na Rua da Madragoa (actual Rua Vicente Borga nº. 33), onde sua mãe tinha uma taberna. Filha de Severo Manuel de Sousa, natural da freguesia de S. Nicolau, em Santarém, e de Ana Gertrudes, nascida em Portalegre. O casal havia celebrado matrimónio a 27 de Abril de 1815, na Paróquia de Santa Cruz da Prideira de Santarém.

Severa faleceu muito jovem. O assento de óbito indica a sua morte no dia 30 de Novembro de 1846 na Rua do Capelão, apoplética e sem sacramentos, com a idade de 26 anos e solteira. A fadista foi sepultada no Cemitério do Alto de S. João. Para além destes dados pouco mais está comprovado sobre a vida da cantadeira, uma vez que a maioria das informações provém dos reduzidos relatos orais de contemporâneos, casos de Luís Augusto Palmeirim, Miguel Queriol e Raimundo António de Bulhão Pato.

O poeta Bulhão Pato, que a conheceu pessoalmente, deixou o seguinte testemunho da sua personalidade: "A pobre rapariga foi uma fadista interessantíssima como nunca a Mouraria tornará a ter!... Não será fácil aparecer outra Severa altiva e impetuosa, tão generosa como pronta a partir a cara a qualquer que lhe fizesse uma tratantada! Valente, cheia de afetos para os que estimava, assim como era rude para com os inimigos. Não era mulher vulgar, pode ter a certeza" (cf. Júlio de Sousa e Costa, "Severa").

Por seu lado, Luís Augusto Palmeirim confessa que viu e falou com Severa apenas uma vez, mas que "foi o bastante para nunca mais me esquecer da esbelta rapariga, que tinha lume nos olhos, uma voz plangente e sonora, e, apesar destas aparentes seduções, uns modos bruscos e sacudidos, que avisavam os seus interlocutores a porem-se fora do alcance «de um revés de fortuna»".

Tendo-a visitado numa casa onde então morava, no Bairro Alto, descreveu posteriormente, no seu livro "Os excêntricos do meu tempo", esta visita da seguinte forma: "Quando entrei em casa da Severa, modesta habitação do tipo vulgar das que habitam as infelizes sua congéneres, estava ela fumando, recostada num canapé de palhinha, com chinelas de polimento ponteadas de retrós vermelho, com um lenço de seda de ramagens na cabeça e as mangas do vestido arregaçadas até ao cotovelo.

Era uma mulher sobre o trigueiro, magra, nervosa, e notável por uns magníficos olhos peninsulares. Em cima de uma mesa de jogo estava pousada uma guitarra, a companheira inseparável dos seus triunfos; e pendente da parede (sacrilégio vulgar nas casas daquela ordem) uma péssima gravura, representando o Senhor dos Passos da Graça!"

Miguel Queriol dá nota de uma visita nocturna de um grupo de boémios ao Palácio do Conde de Vimioso, na qual Severa cantou o Fado, acompanhada à guitarra por Roberto Camelo. Em artigo publicado no jornal "O Popular" registou os seguintes comentários: "Se bem me recordo era uma rapariga esbelta, bem apessoada, cabelo escuro e farto, com um ar de desenvoltura sem ultrapassar as conveniências da sua posição para com quem a favorecia, trajando limpa mas modestamente, sem fazer lembrar a desgraça da classe em que menos o vício que a miséria a havia precipitado, e que pela sua timidez se mostrava contrafeita no meio social em que ali se achava."

Maria Severa Onofriana, celebrizou-se como "Severa", tornada o ícone de primeira fadista pelos seus amores e pelos fados que cantava, tocava e dançava, no bairro da Mouraria.

Os locais de actuação de Severa não estão ainda identificados, mas acredita-se que estão relacionados com os circuitos de prostituição, em particular do Bairro Alto e da Mouraria.

Severa fez também apresentações em festas aristocráticas, facto tornado possível pela sua ligação ao conde de Vimioso, descrição presente no relato de Miguel Queriol no jornal "O Popular", onde relata a apresentação de Severa no Palácio do Conde.