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domingo, 1 de abril de 2018

Liberdade para os presos políticos catalães

por estatuadesal

(José Soeiro, in Expresso Diário, 31/03/2018)

José Soeiro

Depois de, no fim do ano passado, o governo espanhol ter dissolvido o Parlamento eleito da Catalunha e provocado novas eleições, Carles Puidgemont deixou um compromisso e uma pergunta. Antes de se saber qual seria o resultado, o compromisso era que os independentistas respeitariam escrupulosamente o resultado desse ato eleitoral. A pergunta era se o governo espanhol do PP faria o mesmo.

Como se vê, não fez. A resposta do Reino de Espanha não podia aliás ter sido mais expressiva. Os 13 ex-membros do governo da Generalitat da Catalunha, bem como deputados eleitos nas últimas eleições regionais a 21 de dezembro de 2017, estão acusados de crimes como rebelião, sedição e desvio de fundos. Além disso, foi emitido um mandado de captura europeu e internacional para todos os que, entretanto, decidiram exilar-se para evitar a perseguição.

O autoritarismo do governo e a sanha punitiva do Supremo Tribunal não têm tido limites. Mais de um milhar de autarcas e de diretores das escolas foram acusados por terem colaborado na organização do referendo de outubro. A libertação dos presos políticos catalães, que nunca usaram qualquer meio violento para defender os seus pontos de vista, é liminarmente recusada. A situação política e social na Catalunha degrada-se a olhos vistos. Com estas escolhas, o governo espanhol e o Supremo Tribunal boicotam qualquer solução democrática para a questão catalã.

Sim, é mesmo do respeito por princípios básicos da democracia que se trata. Por mais que as autoridades espanholas proclamem que são uma “democracia”, os seus atos contradizem-nas todos os dias. Constituir como presos políticos dirigentes que foram eleitos, propor que sejam condenados a penas que podem ir até aos 30 anos de prisão, perseguir os exilados com mandados internacionais, não é próprio de uma “democracia madura”. Se somarmos a isso a violência policial e a repressão das manifestações, a coberto da chamada “Lei da Mordaça” aprovada em 2015, só podemos constatar que hoje, aqui ao lado, os mais elementares direitos democráticos se encontram, de facto, suspensos.

Há uma semana, o Comité de Direitos Humanos da ONU insistia que o Estado espanhol deveria com urgência "assegurar todos os direitos políticos de Jordi Sánchez" (o dirigente associativo que foi impedido de defender a sua candidatura à Presidência da Generalitat). No mesmo dia em que este apelo era feito, Jordi Turull (o novo candidato independentista à presidência) foi preso. É o modo do Reino de Espanha responder à ONU.

Perante isto, o silêncio quase generalizado da chamada “comunidade internacional” é um gesto lamentável de cobardia. O governo português pode invocar que não pretende ingerir-se em “assuntos internos” de outros estados, e os deputados da Direita e a maioria dos deputados do PS podem alinhar pelo mesmo diapasão. Porque o argumento é puramente circunstancial, a hipocrisia torna-se evidente. Dezenas de votos foram aprovados noutros momentos sobre situações de desrespeito pelos direitos humanos e pelos direitos democráticos noutros países. Agora, o silêncio e a conivência.

Não vale a pena mascarar de legalidade o que é um evidente atentado à democracia, independentemente do que cada um e cada uma possa pensar sobre a independência ou a autodeterminação da Catalunha. Nenhum problema político se resolve sem que haja a negociação de uma solução política. Por isso, o que está a acontecer é grave e é uma irresponsabilidade. Felizmente há quem, em Portugal como noutros países, não se cale. E exija o mais básico dos direitos: liberdade para os presos políticos catalães

sábado, 31 de março de 2018

O canário na mina de carvão

por estatuadesal

(Alexandre Abreu, in Expresso Diário, 31/03/2018)

abreu

É como o proverbial canário na mina de carvão, que alerta contra o ar irrespirável. Quando ouvimos falar da importância de reformas estruturais que flexibilizem adicionalmente o mercado de trabalho, sabemos que estamos perante a mera defesa ideológica de interesses conservadores.

Se há um elemento recorrente na ortodoxia emanada por instituições como a OCDE e a Comissão Europeia e pelos seus correligionários nacionais, é a desregulação do mercado de trabalho. Mecanismos como a penalização do recurso ao despedimento, o salário mínimo, a contratação colectiva ou um subsídio de desemprego abrangente e duradouro são vistos como meros obstáculos à criação de emprego e ao dinamismo da economia. As ‘reformas estruturais’, entendidas como a redução da abrangência ou eficácia destes instrumentos, são, em contrapartida, uma panaceia. Tornaram-se um dogma, aceite como evidente sem discussão, e um mantra, invocado com fins encantatórios.

E no entanto, a base de evidência em que assenta este pilar central da ortodoxia é extraordinariamente frágil. Ao longo das últimas décadas, os estudos realizados com o objectivo de investigar a relação entre os diferentes aspectos da regulação do mercado de trabalho e o desemprego têm chegado a conclusões inconsistentes. Por cada estudo que sugere existir uma relação positiva entre o nível de protecção no emprego e o nível de desemprego, existe outro que não encontra qualquer relação e outro ainda que encontra uma relação inversa. As revisões da literatura concluem… que a literatura é inconclusiva. Existem algumas associações aparentemente mais convincentes que outras, mas, no conjunto dos estudos que têm sido realizados, verificamos que os nexos causais são inexistentes, inconsistentes ou suficientemente fracos para serem dominados por factores mais importantes.

O caso português é esclarecedor. O mais perto que a economia portuguesa esteve do pleno emprego nas últimas décadas foi em 2000, ano em que a taxa de desemprego desceu abaixo de 4%. Desde essa altura, a legislação laboral foi alterada múltiplas vezes e, com excepção de algumas reversões incipientes levadas a cabo pelo governo actual, todas essas alterações foram no sentido da liberalização e da redução da protecção dos trabalhadores. Isso não impediu que o desemprego aumentasse significativamente de 2000 em diante, para os 8% em 2005, 11% em 2010 e 16% em 2013, no auge da crise e do impacto da austeridade. Nem impediu que, quase duas décadas e muitas reformas estruturais liberalizadoras depois, a taxa de desemprego seja hoje ainda o dobro (8%) da que se verificava na viragem do milénio.

Quer isto dizer que as alterações da legislação laboral das últimas duas décadas fizeram aumentar o desemprego? Não necessariamente, mas quer seguramente dizer que é possível ter pleno emprego com uma legislação laboral relativamente mais protectora e ter desemprego generalizado com um mercado de trabalho muito mais desregulado. Qualquer que tenha sido o efeito da evolução da regulação do mercado de trabalho sobre o emprego e o desemprego, outros factores houve – em particular, a evolução da procura – cujo efeito terá sido muito mais decisivo.

Entretanto, se o impacto da regulação laboral sobre a criação e destruição de emprego tem visivelmente uma importância secundária, o mesmo não pode ser dito do seu efeito sobre a distribuição do rendimento. A esse nível, sabemos com elevada confiança que a desregulação do mercado de trabalho é um factor crucial de agravamento da desigualdade. Da mesma forma que a ameaça e desprotecção face ao despedimento exerce um efeito disciplinador que pressiona os salários em baixa, a regulação da relação laboral para conferir mais protecção à parte mais fraca é um factor de promoção da equidade e da justiça social. Entre partes com poder desigual, é a regulação que protege e a liberalização que oprime.

Perante tudo isto, percebe-se melhor que o discurso sobre as reformas estruturais não tem uma base científica mas sim ideológica: disfarça a nudez crua dos interesses particulares de alguns sob um manto de preocupação com o interesse geral.

É um manto diáfano, porém.

Se são todos iguais como é que podem ser diferentes?

por estatuadesal

(José Pacheco Pereira, in Público, 31/03/2018)

JPP

Pacheco Pereira

A discussão sobre as forças do governo e as fragilidades da oposição não é uma verdadeira discussão porque parte de premissas falsas. A mais importante dessas premissas é a de que há uma diferença de fundo nas políticas económicas, quando não há. E se não as há em matéria de condução económica muito menos existem no mais importante terreno das relações institucionais com a União Europeia e com o Eurogrupo, assim como a aceitação da menorização da soberania nacional com a perda de autonomia orçamental, a capitulação do parlamento português à burocracia europeia e aos interesses dominantes, que impedem uma política que melhor corresponda às nossas necessidades e assegure o desenvolvimento de um dos países mais atrasados da Europa.

É por isso que as explicações sobre o carácter manipulador de Costa, a anestesia face ao PS e às suas politicas, a eventual duplicidade de critérios nas críticas ao governo anterior em contraste com as deste, não explicam nada, a não ser aquilo que consiste na principal dificuldade da oposição, é a de que não é oposição, é que não está em quase tudo em oposição ao governo e no que está são meros aspectos quantitativos, muitas vezes tão grosseiros que ninguém os leva a sério.

Na verdade, a oposição critica o governo às segundas, quartas e sextas de pôr em causa a saúde económica do país com as “reversões” e nas terças, quintas e sábados, para dizer que o crescimento económico do país se deve ao governo anterior. Ou seja, o Diabo anda por aí, embora atrasado em cumprir as suas obrigações com Passos, e o Anjo passeia-se com um autocolante do PS em vez de andar com um do PSD-CDS.

Percebe-se? Não, não se percebe, ou melhor percebe-se muito bem, que é um discurso vazio sobre uma plataforma vazia numa gesticulação vazia que não pode dar resultados porque não convence ninguém, nem os próprios.

Significa isso que o PCP e o BE têm razão sobre a existência de uma espécie de “bloco central” não assumido entre o PS, o PSD e o CDS? Têm e não têm. Têm porque como vimos existe um acordo de fundo sobre a governação entre PS, PSD e CDS, mas esse acordo conta com o beneplácito do PCP e do BE. Ambos aceitaram, por razões que não são menores, deixar de lado do acordo da “geringonça”, o centro da política económica para obterem ganhos políticos, sociais e “culturais” no plano simbólico.

Os ganhos políticos principais são dois: um, e o fundamental, é impedir, pelo exercício da maioria absoluta PS-BE-PCP, o acesso dos partidos do PAF, PSD e CDS, à governação; e o outro é a travagem do processo legislativo anti-sindical e contra os direitos laborais que estava em curso nos anos da troika e que teria certamente continuado se o PAF pudesse governar.

Não são pequenos ganhos, mas tem o preço da deslocação da luta política e do voto parlamentar para fora do núcleo central da governação económica, conforme as imposições do Eurogrupo, como se verifica no Orçamento. Em complemento, as questões de política externa e de defesa, assim como o aspecto crucial das relações europeias, fica igualmente de fora. Não contam com o voto do PCP e do BE, mas não pagam o preço dessas políticas nas decisões centrais do Orçamento, embora obtenham muitas vezes de parte do PS uma política de prudente omissão para não criar problemas à “geringonça”. Podem assim continuar a ter uma política tribunícia e declarativa sem afectar a coligação.

Ganharam também no plano social, reivindicando reversões e vantagens para reformados e trabalhadores, muitas vezes apresentando-se como vitoriosos de combates, sobre aumentos de reformas, sobre medidas sociais, sobre a precariedade, sobre o salário mínimo, quando o PS e o governo fariam em quaisquer circunstâncias o mesmo. Esse jogo competitivo de autoria entre BE e PCP, mas também com o PS, é um ganho para o BE e PCP que podem assim justificar a sua permanência no terreno da governação com a satisfação de reivindicações a que tem dado patrocínio político.

Por fim, o discurso político da governação do PS com o apoio parlamentar do BE e do PCP, fez uma ruptura com o discurso da “austeridade” do governo anterior. Essa mudança não deve ser menosprezada, mesmo que em muitos aspectos seja apenas retórica, porque rompeu com o processo de culpabilização de trabalhadores, reformados, funcionários públicos, classe média, sindicatos e de um modo geral o “Estado”, pela situação económica do país, colocou-se no terreno da Constituição e deixou de considerar que esta era uma força de bloqueio para “reformas”, deixou alguns aspectos do “economês” da troika e apresentou-se com uma agenda com diferentes prioridades. Insisto, muitas vezes tal discurso foi mais retórico do que real, em particular na submissão às chamadas “regras europeias”, mas é errado menosprezar este aspecto “cultural” simbólico da política. Gente diferente fala diferente, mesmo que faça muita coisa igual.

A questão permanece a mesma: não há oposição a este governo sem sair do terreno da economia da “troika” e do questionar a actual Europa, e quer o CDS quer o PSD não o querem fazer, ou tem medo de o fazer e o BE e o PCP não o podem fazer sem por em causa a sua partilha da governação.

O problema principal que deveria preocupar quer PS, quer PSD, é o do país real em que vivem, e que deveriam olhar com alguma distanciação da politiquice habitual, e com consciência de que o bom momento que se vive na economia nos dias de hoje, tem um enorme efeito de ocultação enquanto dura e, quando acabar, vai substituir a ocultação pela recriminação.

É o costume, num país em que os grandes partidos da governação abandonaram de todo o debate político, o pensar fora da ortodoxia, têm um medo pânico de se portarem de forma inconveniente face aos controleiros a que se submeteram. Isso é válido em primeiro lugar para a economia, mas é-o também para a política externa, como se vê com Angola e Espanha, para a escola onde arrastamos um ensino muito pouco eficaz, para a justiça, para tudo o que seja instituições onde a rotina é regra, ou estão instalados muitos interesses, mesmo quando nada funciona.

Sim, Portugal mudou muito nos últimos anos, inclusive no quadro da União Europeia, mas há fragilidades de fundo, atrasos atávicos, desigualdades gritantes, uma enorme falta de competitividade, má preparação dos empresários, baixa qualificação dos trabalhadores, apatia cívica, corrupção dos grandes e dos pequenos, clientelismo e amiguismo numa administração distante de qualquer critério de mérito, mas muito próxima da “cunha”. Se olharem por detrás do fumo da retórica dos “sucessos”, deixarem o futebol, meia dúzia de casos de êxito empresarial, cientifico, cultural, desportivo, o país continua muito pouco preparado, demasiado boçal e inculto, e indefeso.

E como são sempre os mesmos a pagarem os custos das asneiras e como são sempre os mesmos que as fazem que se escapam ao seu custo, o país reproduz com muita eficácia o que não deve numa rotina pastosa entrecortada por crises que nada mudam. E, no entanto, podia fazer-se muito diferente, se fossemos mais livres da cabeça. A chave está aí: mais livres da cabeça, menos comprometidos com a banalidade e com a tenebrosa herança salazarista do “respeitinho”.

Como matar um americano

Novo artigo em Aventar


por j. manuel cordeiro

Há duas formas de matar um americano. A primeira está sob controlo e consiste em meter um bip quando alguém diz na televisão ass, fuck ou shit, ao mesmo tempo que se desfoca a boca do assassino, pois quem saiba ler os lábios pode morrer só pela constatação das terríveis palavras. Pela mesma razão, símbolos que representem essas palavras também têm que ser disfarçados. A simples ideia destas palavras mata o pobre americano logo que ele pensa nelas. São uma espécie de feitiços do Harry Potter, mas em versão The Killer Joke dos Monty Python.

A segunda consiste em continuar a permitir a venda livre de armas a todos os lunáticos, os quais acabam, de facto, por as usar.

Novidades (e surpresas) da ciência*

Quinta Emenda

Tenho o direito de ficar calado. Mas não fico!

Eduardo Louro

  • 30.03.18

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A notícia é nova, acabadinha de chegar. E surpreendente. Diria mesmo, inacreditável!

Uma bomba: acabou de ser descoberto um novo órgão no corpo humano!

Isso mesmo, quando julgávamos que sabíamos tudo do nosso corpo, que conhecíamos todas as células pelo nome, mesmo as mais remotas e disfarçadas, eis que todo um órgão novo se nos revela.

Mas vamos a ele, sem mais demoras: chama-se interstício – não é bonito, mas deve ter sido o que se pôde arranjar – e, para maior surpresa, é até um dos maiores do corpo humano. Era anteriormente conhecido apenas como um espaço - um espaço entre células – já designado de espaço intersticial (daí o nome ter sido o que se pôde arranjar) ou de “terceiro espaço” – por vir depois do sistema cardiovascular e do linfático – e reveste o tubo digestivo, os pulmões e o sistema urinário. E daí o seu tamanho, como se percebe!

A primeira pergunta parece óbvia: “como é que, sendo tão grande, nunca ninguém tinha dado por ele?

A resposta não é menos surpreendente: porque, à imagem daqueles suportes das mensagens da “missão impossível”, se destrói ... em contacto com as lâminas microscópicas. Só que a diferença, faz mesmo diferença – enquanto o “livro de instruções” da “missão impossível” se destruía depois de fazer o seu papel, o interstício destruía-se antes, sem se dar a conhecer.

Não estava no entanto preparado para resistir às novas técnicas de observação. E acabou surpreendido por novos materiais e equipamentos de investigação, como de surpresa apanhou os cientistas quando deram com uma coisa nunca vista em nenhum manual da anatomia. Como surpreendidos continuamos nós a ser todos os dias!

Ah… Faltava-me dizer que que esta descoberta traz um mundo novo à medicina, especialmente relevante no combate ao cancro. É que, o que a ciência acaba de revelar, é uma espécie de auto-estrada por onde circula 20% do volume de fluido que se movimenta no corpo humano. O que quer dizer que determina fortemente a mobilidade das células metastizadas… Por exemplo.

Boa Páscoa!

* A minha crónica de hoje na Cister FM