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terça-feira, 3 de abril de 2018

Ladrões de Bicicletas

Não somos todos Centeno

Posted: 03 Apr 2018 12:42 AM PDT

O Ministro da Saúde afiançou no fim-de-semana passada ao Expresso que “somos todos Centeno”. Por sua vez, Ana Catarina Mendes garantiu ontem no Público que “gostaria de ver Centeno num próximo governo do PS”. Diria antes que num próximo governo é necessário superar as políticas de Centeno, da banca ao investimento público, o que exige alterações bem profundas, incluindo na política externa nacional. Para justificar esta posição, deixo aqui o artigo que escrevi, também sobre Centeno, no Le Monde diplomatique – edição portuguesa:
Por quem o sininho dobra no Eurogrupo?
Yanis Varoufakis, ministro das Finanças grego durante o primeiro semestre de 2015, escreveu um livro recentemente editado entre nós com o título Comportem-se como Adultos [i]. Creio que pode ser útil tê-lo presente numa reflexão sobre a chamada eleição de Mário Centeno para a chamada presidência do chamado Eurogrupo. É, como já escrevemos em recensão à edição inglesa original, simultaneamente um livro de memórias, de economia e um thriller político, destinado a justificar o seu papel e a sua derrota, ou seja, a capitulação do governo liderado pelo Syriza perante um «golpe de Estado financeiro» e a eventual cooptação europeia da esquerda dita radical  [ii]. Afinal de contas, o governo grego passou a comportar-se como um adulto, usando os reveladores termos de Christine Lagarde, directora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), mantendo a linha política anterior – da austeridade às privatizações ou à redução de direitos laborais –, em nome da promessa de uma nova reestruturação da sua dívida pública nos tempos e nos termos dos credores.
É verdade que o livro torna evidentes as contradições do próprio Varoufakis, da sua crença num europeísmo comum capaz de gerar uma solução mutuamente vantajosa até à evidente falta de preparação técnica e política de um plano B, assumido como eventualmente necessário e que teria de contemplar a saída do euro, passando pelo seu desprezo elitista pela militância e vida partidárias ou pela sua incapacidade de reconhecer erros próprios. Mas também é verdade que nos dá um vislumbre inédito do funcionamento, em grande medida secreto e em toda a medida pós-democrático, da mais poderosa máquina de liberalização jamais inventada – a União Europeia (UE), em geral, e a zona euro, em particular – e da consequente arrogância da elite, sem freios e contrapesos significativos, que maneja essa máquina.
Da informalidade e da sua utilidade
Vale a pena reter por agora a descrição que Varoufakis faz do chamado Eurogrupo: «O Eurogrupo é um animal interessante. Não tem existência legal em nenhum tratado da UE e, não obstante, é o organismo que toma as decisões mais vitais da Europa. Ao mesmo tempo, a maioria dos europeus, incluindo a maioria dos políticos, não sabe quase nada acerca dele. Reúne-se à volta de uma enorme mesa retangular. Os Ministros das Finanças [dos países da zona euro] sentam-se dos dois lados compridos, cada um acompanhado por um único assessor, que também os representa no Grupo de Trabalho do Eurogrupo. Contudo, o verdadeiro poder encontra-se de uma ponta e outra da mesa» [iii].
De facto, neste órgão reconhecidamente «informal», segundo a própria informação oficial [iv], uma parte do poder, a fazer fé em Varoufakis, residia não no presidente, mas sim no presidente do Grupo de Trabalho. Mas era na outra ponta da mesa que se concentrava o maior poder, dado que aí se sentavam os dois comissários das áreas económicas e financeiras, os representantes do Banco Central Europeu (BCE), sem esquecer que no «mesmo canto da mesa que [Mario] Draghi, mas do lado mais comprido e em ângulo recto com ele», se sentava o ministro das Finanças alemão [v]. Ou seja, era aí que estava o representante da variante alemã do neoliberalismo, o ordoliberalismo, bem entranhado desde há décadas nas duas alas – União Democrata-Cristã (CDU) e Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD) – do «partido» exportador da maior economia da área e, por maioria de razão, nas instituições europeias.
A informalidade do Eurogrupo tem servido bem as grandes potências, em especial a Alemanha. A formalidade das restantes instituições europeias serve o pesado acervo de regras políticas que de forma explícita se destina a construir mercados mais amplos e que operem em cada vez mais esferas da vida, beneficiando os «povos dos mercados», os ganhadores da integração. E isto à custa da soberania democrática de Estados nacionais desprovidos de instrumentos decentes de política, o que é pior para as periferias, que deles mais necessitam, e dentro destas para os «povos dos Estados», a grande massa de perdedores [vi]. No fundo, a complexidade e opacidade institucional da União Europeia e da zona euro estão ao serviço de duas lógicas que não se articulam espontaneamente, mas que requerem instituições, formais e informais, para esse efeito: a da geopolítica, associada ao poder das grandes potências, e a de classe, associada à dominação do capital financeiro.

Bravo, Mário?
Neste contexto estrutural, o episódio da entrega do sininho, com que Jeroen Dijsselbloem abria as reuniões do Eurogrupo, a Mário Centeno, que o passou a usar, foi uma tentativa algo patética de dar a dimensão cerimonial possível à passagem de testemunho num órgão informal, onde o poder não está realmente na sua chamada presidência. Numa excitação em crescendo, a generalidade da comunicação social portuguesa reproduziu acriticamente o tom e os termos da declaração do comissário europeu dos assuntos económicos e financeiros, o socialista francês Pierre Moscovici – «Bravo, Mário, pela condução da tua primeira reunião como Presidente do Eurogrupo. És verdadeiramente o Ronaldo das Finanças portuguesas». Moscovici, por sua vez, reproduzia a famosa metáfora do então ministro das Finanças e actual presidente do Parlamento alemão, Wolfgang Schäuble, quando este deu a sua bênção ao português e à sua política, mostrando que a hegemonia também passa pelas metáforas. Na imprensa garantia-se agora, em grande parangonas, que «só saíram boas notícias da primeira reunião de Centeno como presidente do Eurogrupo», incluindo para a Grécia [vii]. Acontece que, também para a Grécia, não houve ali qualquer novidade, já que o plano está há muito definido, depois do esmagamento da alternativa. Esse plano foi, de resto, claramente confirmado no primeiro documento do Eurogrupo da presidência do português, em termos em tudo idênticos aos do último documento da presidência do holandês: referências vagas «a medidas de alívio da dívida, se necessário», mas só depois da conclusão formal do programa da Troika [viii]. A dívida continua a ser um instrumento para garantir a conformação política. Tal como na reestruturação da dívida de 2012, em 2018 os termos e os tempos serão definidos pelos credores. Entretanto, passou despercebida uma mudança no que Varoufakis apodou de «establishment profundo da Europa» [ix], com a poderosa presidência do Grupo de Trabalho do Eurogrupo a passar do austríaco Thomas Wieser, uma das figuras sinistras por detrás do drama grego, para o holandês Hans Vijlbrief, oriundo do historicamente ortodoxo Ministério das Finanças holandês. Mudam as caras, mas a orientação é a mesma.
Seja como for, afiançam os crentes nas possibilidades agora abertas de reforma do euro, Mário Centeno terá pelo menos a oportunidade de influenciar a agenda e o debate europeus, ainda que informais, exportando eventualmente alguns dos termos da solução governativa portuguesa para o Eurogrupo. Neste contexto, vale a pena retomar os termos mobilizados pela eurodeputada Marisa Matias numa interpelação ao novo presidente do Eurogrupo, quando declarou ficar à espera para ver «o que vai ganhar», «se é a influência de Mário Centeno no Eurogrupo, se é a influência do Eurogrupo em Mário Centeno» [x]. Retórica parlamentar e táctica política à parte, a verdade é que temos a obrigação de saber que para lá da escassa influência que terá, Mário Centeno não precisa de ser influenciado nem mudado pelo Eurogrupo, porque sempre aceitou, no essencial, os seus termos ideológicos, ganhando pelo seu currículo e pela sua política interna a confiança externa: é, note-se, o Cristiano Ronaldo das Finanças, porque jogou bem na periferia pelas regras fixadas pelo centro.
Em primeiro lugar, Centeno aceitou que o sistema bancário português continuasse a ser uma cobaia para testar a União Bancária em construção, permitindo que em Portugal se aplicasse, por exemplo no Banif e no Novo Banco, o princípio europeu do «pagam, mas não mandam», ou seja, os contribuintes nacionais pagam, como sempre acabam por pagar, pelos desmandos dos bancos, mas o capital estrangeiro fica com um maior controlo de um sistema assim mais vulnerável. A Caixa Geral de Depósitos (CGD), por sua vez, mantém-se como banco nominalmente público, mas o quadro regulatório europeu garante que é ainda mais intensamente compelida a comportar-se como se fosse um banco privado. Numa próxima crise, tudo será pior [xi].
Em segundo lugar, Centeno apostou no respeito mais do que escrupuloso por regras orçamentais crescentemente draconianas, dando a cara pela redução do investimento público nacional para valores mínimos na história da democracia. Portugal é, na União Europeia, o país com menos emprego público, em percentagem do emprego total, e com o investimento público, em percentagem do produto interno bruto (PIB), mais baixo. Os serviços públicos estão e estarão sob pressão. O défice orçamental mais baixo da democracia só não implicou sacrifícios equivalentes aos do tempo da Troika porque se trata de uma variável em grande medida endógena, ou seja, dependente do ritmo de andamento da economia. O crescimento económico registado, também à boleia da recuperação económica europeia, permitiu aliviar uma pressão que, devido às regras austeritárias dos tratados europeus, é constante. Entretanto, o emprego criado concentra-se em sectores de baixos salários como o turismo e a construção, correspondendo a um processo, indissociável do euro e acentuado pela Troika, de regressão estrutural, ou seja, de especialização crescente em sectores com menor potencial de inovação e de ganhos de produtividade, garantindo um lugar subalterno de Florida da Europa [xii].
Em terceiro lugar, se bem que o economista do trabalho Mário Centeno, oriundo do Banco de Portugal, com uma «visão de mercado» das relações laborais, revelador subtítulo de um seu livro, não tenha tido a oportunidade de aplicar as suas ideias, a verdade é que a sua influência crescente não pode ser desligada da manutenção da pesada herança da Troika nesta área [xiii]. A sua obsessão com a atracção de capital estrangeiro, também para colonizar sectores já existentes, indo para lá da banca, contribui para impedir qualquer alteração nas relações de propriedade, por exemplo através da renacionalização necessária de sectores estratégicos.
Em quarto lugar, Centeno foi um dos responsáveis pelo quase desaparecimento da discussão em torno da reestruturação da dívida, em particular pública, por iniciativa do país. A combinação de saldos primários (antes do pagamento de juros) positivos, com taxas de juro por agora baixas, graças à política do BCE, num contexto de crescimento económico, com antecipação de pagamentos da dívida ao FMI, permitem criar a ilusão conjuntural de que a opção da renegociação e reestruturação da dívida por iniciativa do país pode ser evitada, com todas as decorrências que daí advirão, incluindo a necessidade de nos prepararmos para a saída do euro.
O bloco central europeu, em conclusão
Para quem ainda tivesse dúvidas sobre o perfil de Mário Centeno, uma entrevista a uma cúmplice Teresa de Sousa esclarece-as. Nela defende que «temos agora estes dois grande blocos políticos [centro-direita e a direita, por um lado, e os sociais-democratas, por outro] com a necessidade de olhar para um lado e para o outro e, eventualmente, juntarem-se», reforçando o euro e assim aproximando a Europa da «agilidade» das economias anglo-saxónicas, que continua a tomar como esclarecedora referência [xiv].
O modelo económico é o dos Estados Unidos, como se vê também por uma das apostas por si alardeadas noutra intervenção já enquanto presidente do Eurogrupo, na Conferência do Semestre Europeu, a 20 de Fevereiro último: para lá de completar perversa União Bancária, que nos condena a ser controlados por bancos e reguladores estrangeiros, o aprofundamento da convergência com o capitalismo anglo-saxónico passa por reforçar o peso dos mercados financeiros à escala da União Europeia, a golpes de política, como não podia deixar de ser, através da aposta na União dos Mercados de Capitais. A memória das crises financeiras é mesmo curta. Um dos exemplos que Mário Centeno dá na sua intervenção na Conferência é revelador da ordem que está a ser criada à escala europeia: tal engenharia política facilitaria, entre outros, «a colocação das poupanças de um pensionista irlandês na Alemanha» [xv]. As pensões são entendidas aqui não como o resultado de um sistema de repartição como o da Segurança Social portuguesa, mas sim como poupanças individuais a serem jogadas num casino de dimensões europeias. Poucos exemplos ilustram melhor a ideologia da financeirização e da sua expressão ideológica, a neoliberalização, indissociáveis da economia política europeia realmente existente.
Mário Centeno é um problema crescente internamente. A questão não é pessoal, mas sim política. Talvez também tenha sido por isso que Jean-Claude Juncker apodou de sábia a sua eleição para a presidência do Eurogrupo.
[i] Yanis Varoufakis, Comportem-se como Adultos – A Minha Luta contra o Establishment na Europa, Marcador, Lisboa, 2017.
[ii] João Rodrigues e Nuno Teles, «Já não nos vemos gregos?», Público, 28 de Julho de 2017.
[iii] Yanis Varoufakis, p. 229.
[iv] www.consilium.europa.eu/pt/council-eu/eurogroup.
[v] Yanis Varoufakis, p. 229.
[vi] E isto para mobilizar a útil dicotomia de Wolfgang Streeck, Tempo Comprado, Actual, Coimbra, 2013.
[vii] Público, 22 de Janeiro de 2018.
[viii] www.consilium.europa.eu/en/press/press-releases/2018/01/22/eg-statement-on-greece.
[ix] É de notar que o subtítulo da edição original, que em português seria qualquer coisa como «a minha luta contra o establishment profundo da Europa», passou na edição portuguesa a ser estranhamente um menos radical «a minha luta contra o establishment na Europa».
[x] www.esquerda.net/artigo/marisa-presidencia-do-eurogrupo-tem-constrangimentos-na-abordagem-dos-problemas/53356.
[xi] Ver João Rodrigues e Nuno Teles, «O Caso do Novo Banco: nacionalizar ou internacionalizar», Le Monde diplomatique – edição portuguesa, Junho de 2017.
[xii] Ver «A dupla face da recuperação: subida do emprego, estagnação da produtividade», Barómetro das Crises, Observatório sobre Crises e Alternativas, 29 de Novembro de 2017, disponível em www.ces.uc.pt/observatorios/crisalt/documentos/barometro/17BarometroCrises_Recuperacao.pdf.
[xiii] Ver Mário Centeno, O Trabalho – Uma visão de Mercado, Fundação Francisco Manuel dos Santos, Lisboa, 2013.
[xiv] Público, 9 de Dezembro de 2017.
[xv] Disponível em www.portugal.gov.pt/download-ficheiros/ficheiro.aspx?v=5223a091-e2fd-4288-ac67-ad0f2cd38995.

Leituras

Posted: 02 Apr 2018 04:56 PM PDT

«A crise global diplomática, após o envenenamento de um ex-espião russo, é demasiado forçada ou exagerada para poder ser tomada como genuína, pelo menos, assim, acriticamente, como estamos a assistir. É que já vimos este filme: antes de nos solidarizarmos com o Reino Unido, independentemente de todas as alianças, convinha que os britânicos apresentassem provas mais consistentes do que aquelas que apresentaram quando nos impingiram a suposta existência de armas químicas no Iraque. (...) Visto desapaixonadamente, o crime aproveita muito mais a uma Grã-Bretanha em pleno Brexit e a uns EUA emaranhados na nuvem de suspeitas sobre a alegada mão russa por detrás do arbusto, na eleição de Donald Trump, do que aos russos, cujo único móbil seria a vingança. (...) É por isso que, antes de "engravidarmos" pelos ouvidos, com a exageradíssima tese de que um envenenamento de um indivíduo é o "primeiro ataque com armas químicas em solo europeu depois da II Guerra Mundial" (uuhhh!...), convinha estarmos seguros dos passos a dar».
Filipe Luís, Orgulhosamente sós
«Terão sido as mesmas fontes - igualmente credíveis - em que se baseiam agora May e Johnson que terão convencido Blair da irrefutável posse de armas de destruição massiva pelo Iraque. São conhecidas as consequências desastrosas dessas crenças sem a devida certificação. (...) Encontramo-nos numa estrada perigosa. Assistimos a algo que se assemelha ao início de uma guerra. As guerras, leia-se os confrontos militares generalizados, são sempre precedidos por uma escalada que passa pela subida de tom na retórica, a demonização do oponente, o reforço dos dispositivos militares e a conquista da opinião pública para apoiar ações mais assertivas contra o oponente. Depois é necessário criar um acontecimento, um pretexto que não tem necessariamente de ser causado pelo oponente e que é normalmente provocado por quem pensa que vai beneficiar com o resultado da guerra».
Carlos Branco, O caso Skripal e as dúvidas que ainda subsistem
«Este exercício de fechar os olhos e abanar o rabo conforme as orientações dominantes é visível todos os dias nos mais pequenos detalhes. Quando lemos uma notícia com um título em que se garante que o “PCP condena 'massacre' na fronteira de Gaza com Israel”, estamos em pleno linguajar que absolve tudo. Massacre entre aspas pretende colocar na cabeça do leitor que não houve massacre. Quer transformar um fuzilamento de manifestantes desarmados, que fez 16 mortos e mais de 1400 feridos, num simples conflito em que as duas partes estavam na mesma situação. A segunda operação, que nos permite achar normal a ocupação, prisão, tortura e morte de milhares de palestinianos ao longo dos anos, é a mesma que permitiu aos nazis massacrarem durante anos os judeus, com o silêncio cúmplice dos governos ocidentais. Baseia-se num trabalho de sapa que faz dos outros sub-humanos. Faz deles gente privada de direitos cuja vida tem um valor muito menor que o da nossa».
Nuno Ramos de Almeida, Os cães de guarda

Euro visões

Posted: 02 Apr 2018 05:36 AM PDT

Muita coisa mudou desde que a crise da zona euro eclodiu de forma aguda há quase uma década. Os mecanismos de coordenação da política orçamental dos Estados-membros (leia-se, da sua subordinação às autoridades europeias), do Tratado Orçamental ao Semestre Europeu, foram substancialmente reforçados. A disponibilidade do Banco Central Europeu (BCE) para «fazer o que for preciso» para salvar a zona euro, incluindo monetizar a dívida pública dos Estados-membros de forma mais ou menos encapotada, foi demonstrada de forma decisiva. Foram dados alguns passos, porventura incipientes, no sentido de começar a desmantelar as ligações de dependência mútua entre os Estados e os bancos nacionais. Nos últimos anos, até os países intervencionados da periferia conseguiram retomar o crescimento e a criação de emprego e, no caso português, fazê-lo a par da redução do endividamento externo. O Eurogrupo é hoje presidido por um ministro das Finanças de um país da periferia. Para os euroentusiastas mais optimistas, tudo isto quer dizer que o pior já passou e que as notícias da morte anunciada do euro foram claramente exageradas.
Em contrapartida, tem-se tornado cada vez mais evidente a tendência para a divergência entre os países do centro e da periferia. O colapso da economia grega excedeu, na sua dimensão e consequências sociais, a Grande Depressão. Os níveis do produto interno bruto (PIB) per capita de Itália e Espanha são idênticos aos de há dez anos. Portugal teve a sua própria década e meia perdida, só interrompida (e por quanto tempo?) nos anos mais recentes. O desemprego, especialmente o desemprego jovem, continua em níveis muito elevados por toda a periferia. O lastro do endividamento público e privado é hoje muito maior do que há dez anos, aumentando consequentemente a vulnerabilidade à próxima crise. A par de tudo isto, a ilusão de uma comunidade de interesses europeia caiu por terra e o autoritarismo pós-democrático do eixo Bruxelas-Frankfurt-Berlim foi demonstrado à evidência, especialmente aquando da subjugação do governo grego no Verão de 2015. A revolta dos eleitorados tem-se traduzido na ascensão de novos actores políticos, na quase aniquilação da social-democracia europeia tradicional e numa extrema-direita com aspirações reforçadas, sendo vários os países que têm estado ou estão à beira de eleger governos eurocépticos.
Que podemos esperar de tudo isto? Até que ponto é que as vulnerabilidades estruturais da arquitectura do euro foram colmatadas? Está o euro irremediavelmente condenado? Se sim, devemos celebrá-lo, independentemente de um eventual desmantelamento caótico e da eventual liderança do processo por forças políticas reaccionárias? Qual será o primado relativo da economia, do direito e da política nos desenvolvimentos que podemos esperar para os próximos tempos? E que consequências devemos retirar de tudo isto para a nossa prática política?
Texto de enquadramento do Jantar-Tertúlia do Le Monde diplomatique – edição portuguesa, cuja inscrição pode ser feita aqui. A vossa participação é também um apoio a este projecto editorial cooperativo.
Pela minha parte, procurei retomar a pergunta que fiz no número de Abril de 2015 - de que é que têm medo e de que é que temos medo? - à luz dos novos desenvolvimentos desde essa data e da necessária crítica às renovadas ilusões europeístas.

O comunismo tem algo que ver com Putin?

por estatuadesal

(Pedro Tadeu, in Diário de Notícias, 03/04/2018)

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Vladimir Putin é nacionalista, defensor da autoridade centralizadora do Estado e zeloso da preservação da sua autoridade pessoal. Vladimir Putin não é comunista: para os padrões prevalecentes nas sociedades do Ocidente rico ele seria classificável, se por acaso governasse um desses países, na categoria "líder de direita conservadora", nunca um revolucionário ao serviço dos interesses do proletariado e dos trabalhadores.

Esta leitura é uma evidência clara, largamente demonstrada desde que, em 1999, Putin começou a mandar em Moscovo.

Face à realidade política que circunscrevia a luta pelo poder na Rússia à guerra do capitalismo contra o comunismo, Putin serviu a ideia de unir o país em torno do orgulho patriótico, místico e historicista, dos czares à URSS, com a religião a solidificar o conceito.

A esta ideia de unidade, Putin juntou a prática de formar uma elite de magnatas capitalistas, politicamente controlados, numa economia liberal, de impostos relativamente baixos, ajudada pela exploração de vastos recursos naturais, muitos deles nas mãos do Estado. Eternizou-se, assim, no Kremlin.

Aos saudosos na União Europeia e nos Estados Unidos da América dos tempos da Guerra Fria parece ser conveniente insinuar que a Rússia de Vladimir Putin disfarça ou adormece o ideário comunista.

Para uns, esta sugestão é a forma mais fácil de ganhar boa parte da opinião pública mais distraída para as insanidades sucessivas que colocam o mundo em perigo de guerra total e ajudam a esconder a crueldade, a estupidez com que os governos ocidentais conduziram as suas tentativas de dominio do Médio Oriente, com a Síria, agora, a centrar as atenções.

O suposto perigo "russo comunista" serviu também para transformar países do Leste Europeu, saídos da ex-União Soviética, numa espécie de cordão antirrusso governado por antidemocratas.

Para outros, a sugestão de um hipotético comunismo subterrâneo no governo da Rússia serve para acalentar a esperança de ali, talvez em aliança com a China, vir a renascer uma oposição séria e consequente aos desmandos do capitalismo monopolista.

Para estes, a Rússia de Putin teria no seu ADN um gene capaz de fazer nascer um corpo político de combate ao imperialismo económico dos senhores da globalização; frontalmente denunciador da manipulação e do controlo, por potências estrangeiras, de muitos governos de países menos desenvolvidos; um motor da defesa da autodeterminação dos povos, livres dos constrangimentos do capitalismo mundial high tech...

Esta visão é todos os dias desmentida pela realidade: a luta da Rússia de Putin, simplesmente, é a de disputar com a União Europeia (sobretudo com Alemanha, França e Inglaterra), com os Estados Unidos e com a China, em alianças e confrontos conjunturais, o maior domínio político e económico que lhe for possível alcançar.

Duas décadas de conspiração, apoio, financiamento e armamento concedido a terroristas, a fanáticos, a protofascistas, a ditadores, a oligarcas, a fundamentalistas, a traficantes, sempre em nome da defesa dos direitos humanos, numa competição entre os maiores países da NATO e a Rússia (a China tem-se afastado deste campeonato bélico), resultaram em milhões de mortos e de refugiados.

Entretanto, o governo britânico acusou, sem mostrar provas conclusivas, o governo russo de estar por detrás de um atentado em Inglaterra que vitimou um ex-espião russo e a filha. Convenceu mais de 30 países, a começar nos Estados Unidos da América, a expulsar 150 diplomatas russos. Putin retaliou e mandou embora da Rússia uns 60 diplomatas de 23 países.

Putin talvez esteja por detrás do envenenamento de Sergei Skripal, não sei, mas, sendo um político experiente, bastante melhor do que a maior parte dos líderes ocidentais com quem se confrontou em 20 anos, suscita-me a pergunta: se autorizou esse assassínio, o que é que pensava ganhar?... Ninguém, ainda, explicou algo que convencesse.

O governo português não foi na onda, limitando-se a chamar o seu embaixador em Moscovo para consultas. Está a ser acusado de trair os seus aliados e de não acreditar na palavra e nas informações dos britânicos.

A Inglaterra e os EUA inventaram, em 2003, as armas químicas de Saddam e puseram Durão Barroso, então primeiro-ministro português, a ser padrinho de uma cimeira que decidiu a invasão ao Iraque: em 10 anos essa mentira causaria meio milhão de mortos.

Com este antecedente acho que o governo português tem o direito e o dever de exigir dos seus aliados, antes de se meter em novos conflitos, muito mais do que aquilo que foi, até agora, mostrado no caso Skripal... É o mínimo.

Caso Skripal interessa a Londres porque desvia atenção do Brexit, diz MNE russo

2/4/2018, 14:00

Serguei Lavrov afirma que o caso Skripal interessa ao governo britânico porque é incapaz de "cumprir as promessas feitas aos eleitores sobre as condições do Brexit".

MAXIM SHIPENKOV/EPA

Autor

pela capacidade para agir com permissão para matar”, acrescentou.

Segundo Lavrov, a Rússia não tinha nenhuma razão, nas vésperas das presidenciais de 18 de março e a poucos meses do Mundial de futebol, para envenenar o ex-espião, que foi condenado na Rússia por traição, mas integrou em 2010 uma troca de prisioneiros.

O ministro dos Negócios Estrangeiros russo afirmou esta segunda-feira que o envenenamento do ex-espião Serguei Skripal tem interesse para o Reino Unido porque permite desviar a atenção da opinião pública britânica do Brexit.

O envenenamento “podia ser do interesse do Governo britânico, que está numa situação desconfortável pela incapacidade para cumprir as promessas feitas aos eleitores sobre as condições do Brexit”, disse Serguei Lavrov, numa conferência de imprensa em Moscovo.

“E também podia ser do interesse dos serviços especiais britânicos, que são conhecidos

O ministro criticou também a decisão de vários países ocidentais de expulsar diplomatas russos como represália, afirmando tratar-se de “uma vingança” contra os diplomatas numa altura “em que não há provas” do envolvimento de Moscovo.

Lavrov acusou ainda o Reino Unido, os Estados Unidos e os aliados de terem “perdido toda a decência” e de “recorrerem a mentiras ou à desinformação pura e simples”. A Rússia, afirmou, “tem numerosas questões” em relação ao caso Skripal e “a incapacidade do Reino Unido para responder significa que tudo não passa de uma invenção e, mais concretamente, de uma provocação”.

“Com este crescimento, não entendo que não haja aumentos na Função Pública”

02 Abril 2018101

Edgar Caetano

Próximo de Rui Rio, o economista Fernando Alexandre revela que não será um dos porta-vozes do líder do PSD. Em entrevista, defende que o Governo tem de dar explicações se não quiser aumentar salários.

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  5. Legislaturas até ao fim. “Passos fê-lo para salvar o país. Costa para salvar o PS”

É prerrogativa do Governo decidir se deve ou não fazer aumentos na Função Pública. O Público noticiou, recentemente, que isso está fora de questão por questões orçamentais. António Costa está no seu direito, se decidir não aumentar os funcionários públicos. Mas dizer que não se faz porque não há dinheiro não é justificação. Se a economia está a crescer, tem de se explicar porque é que não se aumentam os salários, defende o economista, professor da Universidade do Minho e ex-secretário de Estado do Governo de Passos Coelho Fernando Alexandre.

Numa longa entrevista ao Observador, no dia seguinte à revelação dos números do défice de 2017, Fernando Alexandre garante que, ao contrário do que dizem alguns rumores, não irá ser um dos “porta-vozes” ou “coordenadores” temáticos (por áreas, como economia, saúde, etc.) que Rui Rio quer ter espalhados pelo país — apesar de ser próximo do líder do PSD e achar que “tem ideias importantes para o país”.

Fernando Alexandre está envolvido em vários projetos académicos — é um dos poucos a estudar, há vários anos, a economia portuguesa, e publicou inúmeros livros sobre esse tema pouco explorado “de forma realmente científica”. Mas continua atento à atualidade e fica a sensação que não tardará muito até aceitar um novo desafio na política, apesar de estar 100% concentrado na universidade e na investigação académica.

Fernando Alexandre revela que não será um dos "porta-vozes" temáticos de Rui Rio.

Está a ser falado como um dos nomes possíveis para fazer parte da equipa de “porta-vozes” ou “coordenadores” temáticos que Rui Rio quer ter espalhados pelo país, sobretudo depois de ter ajudado o líder do PSD com a sua moção de estratégia de candidatura. É candidato a assumir um lugar desse tipo?
Não, não vou estar nesse Conselho Estratégico do PSD. É conhecido que participei na moção de estratégia, na parte económica, falo com o dr. Rui Rio, acho que tem ideias importantes para o país. Mas, por razões profissionais, por compromissos que assumi, não tenho disponibilidade para o que essas funções exigem.

Nesta fase…
Exatamente. Desde que regressei à vida académica — depois de dois anos no Governo [como secretário de Estado adjunto do ministro da Administração Interna, no governo de Passos Coelho], onde estive com muita honra, num momento difícil — já publiquei três livros sobre a economia portuguesa, com outros colegas. E tenho um conjunto de projetos de investigação em curso — ainda sobre a economia portuguesa — porque desde 2008/2009 assumi como opção de carreira fazer da economia portuguesa o tema principal da minha investigação enquanto académico, de corpo e alma, na Universidade do Minho.

O que está a estudar, neste momento?
Eu sou macroeconomista de formação, portanto há vários anos que me dedico a estudar questões sobre porque é que deixámos de crescer em Portugal, enquanto economia, quais são os desequilíbrios e as grandes tendências da nossa economia. No entanto, hoje há bases de dados que permitem fazer investigação científica microeconómica, que contribuem para uma melhor compreensão das questões macro — em Portugal há muito a fazer nesse aspeto e, nos últimos anos, com os trabalhos que temos vindo a desenvolver, acho que demos um contributo para compreender melhor a natureza da crise portuguesa.

Falando de política económica: recentemente, num artigo de opinião publicado no jornal Eco, questionava se as lideranças políticas ainda queriam que Portugal fosse um país de progresso. Dizia que o Governo e os seus apoiantes apenas querem fazer com o que país regresse o mais possível ao que era antes da troika. Porquê?
Há uma dimensão, que é óbvia: o conjunto das principais medidas deste governo foram reposições e reversões. Ainda hoje, quando ouvimos os partidos que apoiam o governo, a reivindicar mais “mudanças”, essas “mudanças” são sempre no sentido de repor o que havia. Isso é muito preocupante: querer fazer com que o país volte o mais possível ao que era antes da quase-bancarrota.

Quando ouvimos os partidos que apoiam o governo, a reivindicar mais "mudanças", essas "mudanças" são sempre no sentido de repor o que havia. Isso é muito preocupante: querer fazer com que o país volte o mais possível ao que era antes da quase-bancarrota.

Não vê uma ideia sobre o progresso, que era a palavra-chave desse artigo?
Isso tem a ver com a forma como as nossas lideranças têm definido as políticas. Com Mário Soares, com Cavaco Silva, ainda com António Guterres, que tinha uma paixão pela educação e pela área social, havia projetos de progresso — de tornar Portugal um dos países mais avançados da Europa…

O tal “pelotão da frente”…
Sim, isso desapareceu do discurso político. E o discurso político trata a crise como um problema de curto prazo, que se deveu apenas à crise financeira, que veio de fora… Eu lia, no outro dia, um documento deste Governo — a atualização do Livro Verde — em que se referia a perda de emprego como algo resultante da crise financeira internacional. Ou seja, como se aquilo que aconteceu em Portugal tivesse acontecido em todos os países.

Como é possível exportar mais para a Bélgica do que para a China?

Fernando Alexandre defende que há a tradição, em Portugal, de ir sempre procurar outras explicações para o que corre mal. “Ou é porque alguns dizem que é impossível crescer dentro do euro — seria curioso saber como é que alguns partidos que dizem isso explicam, então, porque é que estamos a crescer agora”.

Outro exemplo do determinismo: a concorrência da China que, “que obviamente foi um problema mas também foi — e é — uma enorme oportunidade”, ainda mais para um país como Portugal que até 1999 tinha uma posição na Ásia (Macau). “Temos laços com a China, portanto não sei como é que ainda hoje exportamos mais para a Bélgica do que para a China, que é o mercado em maior crescimento no mundo”, questiona o professor de Economia da Universidade do Minho.

Não é um retrato fidedigno do que aconteceu?
Aquilo que aconteceu em Portugal, felizmente para o mundo, felizmente para a Europa, aconteceu em poucos países. Portugal foi, depois da Grécia, o país mais afetado pela crise financeira, porque tínhamos os desequilíbrios mais graves — a par da Grécia, e até estávamos pior do que a Grécia em algumas dimensões. E esses desequilíbrios resultaram de opções de política que nós tomámos. Não foram coisas que caíram do céu. Se olharmos para os dados da OCDE, entre 1999 e 2008, não há nenhum país da OCDE que tenha crescido tão pouco e que se tenha endividado, face ao exterior, tanto quanto Portugal.

O crédito fácil, nos primeiros anos da zona euro, não foi um incentivo?
Sim, foi num contexto em que nos quiseram emprestar dinheiro, mas não deixam de ser opções que se tomaram, sobretudo a dívida (pública e privada). E pior: o endividamento não subiu para que se aumentasse o investimento — porque este estava a cair ou estagnado — foi para compensar a queda da poupança. Vem nos livros que isso gera crises mais graves. Portanto, ver um discurso de associação da crise portuguesa à troika ou à crise internacional é não perceber (ou fazer que não se percebe) aquilo que aconteceu.

Não perceber ou fazer que não se percebe?
Eu acredito que às vezes não se percebe mesmo.

António Costa diz uma coisa (aos empresários) e faz outra

Então e, voltando para a atualidade, o que vê de errado com a política económica?
Quando vejo o programa do governo, e aquilo que é feito na prática, mais uma vez eu não vejo políticas que sejam diferentes do paradigma pós 25 de Abril em que o que havia a fazer era “montar” um Estado, que era mínimo durante o Estado Novo. Agora, precisamos de outro tipo de orientação para aproveitar as muitas oportunidades que o mundo tem.

Mas ouvimos o Governo, e o próprio primeiro-ministro, a falar sobre a importância da inovação, do investimento, da exportação etc.
Qualquer pessoa que tenha tido a oportunidade de ouvir o primeiro-ministro a falar para uma plateia de empresários, o discurso que ele tem é completamente diferente do discurso que ele tem, depois, quando se está a discutir o orçamento. Perante os empresários, o discurso é o correto — e portanto não tem desculpa para que depois se chegue à altura de discutir as políticas concretas e é zero. IRC aumenta, legislação laboral cada vez mais rígida… Ou seja, não há nenhuma preocupação com a situação das empresas. Reduzir a carga fiscal é absolutamente decisivo para a competitividade da economia portuguesa.

"Não me falem em 'sair da zona de conforto'"

Portugal só vai poder crescer se as empresas portuguesas venderem mais no estrangeiro. Isto é uma evidência, porque temos a população a diminuir, estamos muito endividados, a poupança vai ter de aumentar. Portanto, se as empresas quiserem vender mais, têm de vender lá fora. E não me falem em “sair da zona de conforto”, por causa da crise — essa é outra — porque a maioria das empresas exportadoras não sabe o que é isso, sempre esteve fora da zona de conforto.

Que impostos teriam de descer?
Além do IRC, o IRS é muito elevado em Portugal, quando comparamos os escalões e as taxas marginais com o que existe em Espanha e em França. Um engenheiro informático que esteja a pensar ficar em Lisboa ou em Madrid, a empresa em Lisboa que o queira fixar tem um custo salarial bruto muito mais elevado.

E o que financiaria o investimento público?
Apesar dessa carga fiscal, nós estamos com volumes de investimento público que são muito inferiores, até, ao que havia durante a troika. E isso pode criar um problema sério, quer na manutenção de infraestruturas críticas essenciais — como a Ponte 25 de Abril, para garantir que não caem mais parafusos — quer na realização de mais algumas infraestruturas que são essenciais para a competitividade das nossas empresas exportadoras, que têm a chave para o nosso futuro.

O que é que os políticos podem fazer a esse respeito, além da questão da carga fiscal e das infraestruturas?
Quando um governo tem noção de que nós só vamos crescer se as exportadoras crescerem temos de centrar todas as políticas públicas nos fatores de competitividade das empresas. Só que as empresas exportadoras não têm voz. Tirando os grandes exportadores, como a Galp, a AutoEuropa, a Bosch, que podem pegar no telefone e falar diretamente com o ministro, ou até com o primeiro-ministro, o Estado não tem políticas para eles.

Estamos nos primeiros meses de 2018 e na agenda política está o orçamento para 2019. E só se fala de questões como os salários da Função Pública. Isso é um sintoma?
Toda a discussão pública é sobre a devolução, ou não, das pensões, é sobre a reposição, são as carreiras. Essa conversa é importante mas aquilo que é decisivo não aparece. E quando se fala de investimento público, não há uma estratégia — como é que se escolhe o que se faz ou não se faz? Eu acho que depende, basicamente, do poder que o presidente da câmara e a sua distrital têm. Se é preciso ali uma estrada, se ele tiver forma de falar com o ministro, faz-se.

Se as exportadoras tivessem voz o que é que pediriam?
Uma das prioridades é a formação profissional e as áreas em que o Estado tem de apostar mais no ensino superior, conforme as necessidades das empresas. Onde é que está a identificação das necessidades da indústria e qual é a rapidez com que conseguimos responder, com jovens formados nessas áreas? Eu vejo o ministro Manuel Heitor a ter ideias muito boas mas, depois, não tem dinheiro. É confrangedor.

"Toda a discussão pública é sobre a devolução, ou não, das pensões, é sobre a reposição, são as carreiras. Essa conversa é importante mas aquilo que é decisivo não aparece. São as empresas exportadoras que têm a chave do nosso futuro, e [exceto as grandes] não têm voz"

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Descentralização. Atenção: “é preciso extinguir (mesmo) os serviços originais”

Isso passa, também, pela reforma do Estado?
Esse é um tema sobre o qual tenho pensado mais nos últimos tempos, sobre o Estado ser mais centralizado ou mais descentralizado. O Estado português cresceu depois do 25 de Abril, altura em que era um Estado de século XIX, cumpria funções básicas. Nas décadas seguintes criámos um Estado europeu, com todas as suas funções de acesso à saúde, educação, prestações sociais. Aí fazia sentido haver centralização.

Quem é Fernando Alexandre? "Apenas" um académico?

Tem três filhos e foi pai cedo, para os padrões atuais. Tem apenas 46 anos, mas a filha mais velha já fez 25. O facto de, logo na adolescência, ter trabalhado em restaurantes e bares da Praia de Quiaios – vem de uma família humilde — deu-lhe, segundo o próprio, um sentido de responsabilidade que só seria agudizado com a paternidade logo aos 21 anos.

Depois de Coimbra, o doutoramento em Londres sobre política monetária e mercados financeiros foi feito em tempo recorde. Com a família longe, não havia tempo a perder. E a mentalidade foi a mesma quando aceitou o desafio de ir para Lisboa e para o governo de Passos Coelho, como secretário de Estado do ministro da Administração Interna. Os serões eram passados não a socializar — que é uma coisa muito “valorizada” em Portugal, mais do que o verdadeiro conhecimento — mas fechado no gabinete a estudar dossiês e leis orgânicas. “Se quero poder mudar as coisas, preciso de conhecê-las. E se quero poder discuti-las, não chega mandar um assessor ler”, atira.

Sairia do governo dois anos depois, voltando para perto da família, em Braga. Regressou à vida académica, onde além da investigação teve sempre um papel relevante na gestão universitária — foi diretor do departamento de economia e vice-presidente e presidente da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, além de Pró-Reitor da mesma universidade nortenha.

Fez da economia portuguesa o seu principal tópico de investigação, tendo sido coordenador e autor de quatro livros.

No final dos anos 90 a regionalização foi a referendo…
E foi chumbada. E precisamente por isso a forma de organização altamente centralizada do Estado português nunca mais foi questionada. E não sei se isso, hoje, porque temos especializações diferentes nas várias regiões, se não é uma dimensão a que faz sentido estar atento. Será que hoje ainda faz sentido termos uma política decidida centralmente quando precisamos de apoiar uma zona industrial, rapidamente, que precisa de um acesso a uma auto-estrada, ou uma escola profissional que responda às necessidades locais ou regionais? Era este tipo de coisas que se devia discutir: que competências é que estão a nível central e deviam estar a nível regional ou local.

É um defensor de descentralização, portanto.
Sim, mas é preciso garantir que, caso se reduzam as competências a nível central e se passem para o nível local, elas sejam realmente eliminadas da administração central. Isso é que é fazer reforma. Porque às vezes tiram-se as competências mas mantém-se lá o diretor de serviços. Normalmente o problema é esse: porque um diretor de serviços é diretor há muitos anos e se deixar de o ser passa a técnico superior, e isso é uma redução de salário significativa.

Na sua experiência no governo, a dificuldade vem daí?
Quando entrei no governo tínhamos cinco serviços e passámos a ter apenas um, o que permitiu reduzir em quase 50% os cargos dirigentes, passámos de seis edifícios espalhados pela cidade de Lisboa para dois, o que permitiu reduzir o número de motoristas. Obviamente que quando se faz isto, isto gera… dificuldades… enfim. Eu tenho ideia de que há muitos serviços que nunca são extintos e empresas públicas porque estão lá aqueles diretores pendurados, que são pessoas importantes.

Conhecendo esses serviços por dentro, é mais fácil perceber onde está o desperdício…
Não pode ser cortar a eito — isso é um perigo. É preciso saber o que é que cada serviço faz, o que tem de mudar. No fundo, é preciso ter conhecimento. E em Portugal valoriza-se pouco o conhecimento. Valoriza-se os títulos, sejam reais ou inventados, como se viu recentemente. E como se valoriza mais o CV do que o conhecimento, o mais fácil é embelezar o CV, em vez de passar horas fechado a trabalhar num gabinete a adquirir conhecimento, que dá imenso trabalho. E um trabalho muitas vezes sozinho, que não tem a componente da socialização que em Portugal compensa mais, muitas vezes.

"Em Portugal valoriza-se pouco o conhecimento. Valoriza-se os títulos, sejam reais ou inventados, como se viu recentemente. E como se valoriza mais o CV do que o conhecimento, o mais fácil é embelezar o CV, em vez de passar horas fechado a trabalhar num gabinete a adquirir conhecimento, que dá imenso trabalho. E um trabalho muitas vezes sozinho, que não tem a componente da socialização que em Portugal compensa mais, muitas vezes".

Do que tem ouvido sobre a possível descentralização, o que está a parecer-lhe?
É preciso ter coragem para fazer a reforma do Estado, porque não é fácil — é preciso ter os políticos e os dirigentes certos. Quando estamos a falar de uma reforma que não é só ao nível da reorganização dos serviços mas implica… articulação e… redefinição do papel dos serviços centrais… comissões de coordenação… tenho medo desta descentralização que está a ser discutida porque acredito que pode ser só montar uns serviços aqui e outros ali, os serviços que estão cá em Lisboa continuam na mesma. Não estou a ver neste contexto político como é que se extinguem ou reformulam serviços…. isso mexe sempre com os funcionários públicos.

Viu-se no caso do Infarmed, que é um caso um pouco diferente mas não correu da melhor maneira.
Foi mais um exemplo de como isto é algo que tem de ser feito com muito cuidado e foi feito sem cuidado nenhum. A forma como foi anunciado, a forma como não foi estudado… Como eu dizia, o conhecimento dá muito trabalho, ler leis orgânicas chatas que eu não posso pedir ao meu assessor para ler se quero poder discutir aquilo a sério.

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Não há aumentos na Função Pública? “Porque é que não há? Porque não merecem?”

Mas falávamos há pouco de como grande parte do debate público se resume ao aumento dos salários da Função Pública. Devia falar-se mais, ao invés, de reforma do Estado?
Os funcionários públicos são muito importantes. Eu sou funcionário público e a função pública tem um papel muito importante na educação, na segurança, na saúde, na justiça, etc. E já digo há muitos anos — e o Conselho de Finanças Públicas veio repeti-lo agora — que o peso dos salários no PIB está a cair há muitos anos. Não é essa a prioridade. O problema em Portugal não está nos salários dos funcionários públicos. Está nas prestações sociais — essa é a grande pressão sobre os orçamentos e sobre a despesa públicas.

Então o que se deve fazer na Função Pública?
Na Função Pública, é preciso olhar para as carreiras, os funcionários têm de ter aumentos se a economia crescer. Isso parece-me óbvio. O crescimento deve remunerar e deve-se refletir na contribuição que as pessoas deram.

Privados e públicos.
Claro, no setor privado e, também, público, claro. Acho errado que se diga que não há aumentos dos salários dos funcionários públicos. É preciso explicar isso. Porque é que não há? Porque não merecem? Não deram contributo nenhum para a recuperação? É porque já tiveram as reposições dos salários? Se a economia estiver a crescer, porque não?

35 horas (só) no público "foi precipitação"

Fernando Alexandre não entende porque é que o Governo rejeita aumentar os salários na Função Pública. Mas não se trata de uma defesa dos funcionários públicos, por si só. Até porque o ex-secretário de Estado é contra a redução que houve, para as 35 horas semanais, sem que o mesmo tivesse acontecido no privado. “Acho que foi uma precipitação do Governo, claramente. Quando falo dos salários, não é uma questão de estar a defender os funcionários públicos — aliás, acho que clivagens como essa são de evitar”.

Foi noticiado que, para o PS, está fora de questão o aumento dos salários na Função Pública. Concorda que é uma boa decisão?
Atenção: eu fui a favor do corte dos salários na Função Pública muito cedo, quando ninguém o defendia, logo em 2008. Os funcionários públicos, como os pensionistas, têm de viver muito aquilo que é o estado da economia — se há receita, deve haver aumentos.

Os ordenados devem ter uma parte que é ajustada ao ciclo económico?
Claro. Cortes salariais só, obviamente, em situações de emergência — como aconteceu ainda na governação de José Sócrates, é sempre bom lembrar que foi logo aí, em 2010, que cortou em 5% depois de ter subido 2,9% no ano anterior. Portanto, se a economia estiver a ter um bom desempenho, se estiver a crescer em níveis semelhantes ao deste ano — em crescimento real [excluindo a inflação] — porque é que os funcionários públicos não hão de ser aumentados?

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Porque é que as cativações são “piores do que os cortes da troika

A partir da experiência governativa, quando se fala da importância das cativações para a execução orçamental, qual é que é o reflexo concreto disso no dia a dia dos serviços públicos?
As cativações são um instrumento de gestão do ministro das Finanças. São uma ferramenta de gestão orçamental, que em teoria se usa se for necessário para cumprir objetivos orçamentais. Ora, sabemos hoje que o orçamento de 2017 e a sua execução foram um embuste para os portugueses. O primeiro-ministro andou a anunciar durante o ano resultados abaixo da meta no orçamento como se isso fosse o resultado do objetivo de uma maior consolidação orçamental. Hoje sabemos que o 0,92% foi o valor necessário para o défice ficar abaixo dos 3% por causa da inclusão da recapitalização da Caixa Geral de Depósitos. Ou seja, de facto as cativações foram utilizadas para cumprir a meta orçamental, mas não a que estava no Orçamento. A meta era ficar abaixo de 3% do PIB. E isso nunca foi explicado aos portugueses nem aos serviços do Estado.

Mas nos serviços, em concreto, qual é o efeito?
Nos serviços o efeito desta gestão orçamental é desastroso.

Porquê?
Porque se o serviço souber, desde o início do ano, que vai ter menos 5% de orçamento, ele trabalha para executar isso desde o início do ano. Se ele tiver lá a cativação ele vai andar o ano todo a bater à porta das Finanças para tentar libertar aqueles 5%. Se eu acreditar que com uma boa conversa com o ministro vou convencê-lo a libertar mais 10 milhões ou mais 15 milhões, é por aí que vou e adio a procura de eficiência.

Então, o objetivo foi cumprido para acomodar o impacto provável — e agora confirmado — da recapitalização da Caixa Geral de Depósitos?
Sim. E o problema é resolvido com cativações porque não há reformas. Como o Governo não tem coragem de fazer reformas a sério, o que tem é um ministro a fazer cativações que de facto são cortes. Só que quando os cortes são desta maneira ainda são cortes piores do que os da troika. São mais cegos do que a troika, porque o corte da troika está anunciado no orçamento e nós sabíamos que tínhamos menos x%.

É uma forma errada de fazer política, por parte do ministro das Finanças?
Acho que não é o problema dele. É mesmo um problema desta solução de governo.

"Há cativações porque não há reformas. Como o Governo não tem coragem de fazer reformas a sério, tem um ministro a fazer cativações que de facto são cortes. Só que quando os cortes são desta maneira ainda são cortes piores do que os da troika. São mais cegos do que a troika"

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Legislaturas até ao fim. “Passos fê-lo para salvar o país. Costa para salvar o PS”

Sobre o crescimento da economia: em 2017 o PIB cresceu 2,7%, mas isso compara com um 2016 muito mau (sobretudo a primeira metade do ano), em que o país parecia estar à beira de perder o rating da DBRS. Em contraste, desde 2015 que Espanha cresce mais de 3% todos os anos.
Precisamente, mas há uma questão que há que salientar. A desaceleração da economia não começou em 2016, começou em meados de 2015. E isso aconteceu porque toda a gente percebeu que vinha ali uma crise política, porque a coligação PSD/CDS dificilmente teria maioria absoluta, não sabia sequer se ganhava, havia a possibilidade de o PS deixar esse governo funcionar mas seria sempre um governo muito limitado, por isso, não conseguiria fazer grande coisa e cairia ao fim algum tempo. Portanto, antes das eleições, aquilo que os mercados e toda a gente antecipava era…

Uma grande confusão, a partir de outubro de 2015…
Sim. E mesmo depois das eleições, no início de 2016, falava-se com empresários e eles diziam “eu tenho tudo parado!”. Ainda assim, acho que aí há um mérito de António Costa. O facto de ele conseguir esta solução governativa, apesar de tudo, com todas as dificuldades que isto causa ao desenvolvimento do país, a verdade é que do ponto de vista da democracia portuguesa é muito importante. É muito importante o facto de Passos Coelho ter conseguido levar a legislatura até ao fim, o facto de António Costa estar a levar esta legislatura até ao fim — apesar de, neste caso, estar a fazê-lo para salvar o lugar do próprio PS, ao passo que Passos Coelho fê-lo para ajudar a salvar o país.

Então mas, agora, faz sentido lançar foguetes com estes resultados do défice e da economia?
Bem, eu quando vi os números do défice, esta semana, lancei foguetes… Só por uma razão: quando nós pensamos de onde viemos, de défices de 11%, 10%, aquela loucura completa. Aquele delírio que foram os anos do José Sócrates. Ter chegado a este ponto, sabendo que temos muito trabalho a fazer, é um resultado excelente. Agora, a única coisa que me preocupa é que não se vê grande coisa a acontecer nas políticas públicas. Mas quem conhece o tecido empresarial português, como eu tenho tido o privilégio de conhecer nos últimos anos, sabe que há gente fantástica a fazer coisas incríveis. Há na sociedade portuguesa matéria para fazer a tal transformação estrutural — o que eu não vejo, e gostava de ver, são as mudanças que deviam estar a acontecer nas políticas públicas.

O turismo está a dar uma ajuda decisiva?
Temos tido uma grande ajuda do turismo. O mundo descobriu Portugal. E nós estamos a conseguir agarrar os turistas. O turismo, para além de outros efeitos positivos, está a ajudar a resolver o problema do imobiliário e a ajudar o sector da construção.

Quando vi os números do défice, esta semana, lancei foguetes... Só por uma razão: quando nós pensamos de onde viemos, de défices de 11%, 10%, aquela loucura completa. Aquele delírio que foram os anos do José Sócrates.

Escrevia, também recentemente, que a economia está “ao sabor do vento”…
Nós não temos hipótese nenhuma de manter isto se não houver políticas certas. E não estamos a fazer nada.

Também por estar já tudo um pouco à espera das próximas eleições. Qual seria o resultado mais conducente a que essas “políticas certas” viessem a ser tomadas? Um bloco central?
Eu sou do PSD portanto o melhor cenário seria que o PSD ganhasse com maioria absoluta. Depois, obviamente, o melhor cenário é o PS ganhar com maioria absoluta, sem precisar de ninguém. Porque, de facto, o Bloco de Esquerda — que tem algumas dimensões interessantes, em que é uma voz importante como a luta contra a captura do Estado por interesses privados, ainda que hoje andem muito caladinhos e só falem de funcionários públicos. Mas, dizia, de resto o programa deles é completamente anacrónico, anti-modernização, protecionista, anti-europeísta…

E o PCP?
O PCP nem vale a pena falar, porque é mesmo dinossáurico. O BE no fundo é a mesma coisa mas com outra roupagem, são mais urbanos, supostamente mais modernos, mas não há nenhuma ideia de progresso. Nunca os ouvi a defender as empresas: eles acham que os bens vêm de onde? Caem do céu? Só têm um projeto de redistribuição, nunca pensam em saber de onde vem o dinheiro. Quem é que paga?

Então e o Bloco Central? Faz sentido?
Penso que não. Um Bloco Central poderia ter feito sentido na altura da troika, só numa situação desse tipo. Do ponto de vista do país, tem de haver uma oposição e um governo, e tem de haver dois projetos — e eu quero achar que o PSD é diferente do PS. Acho que, se houver um governo minoritário liderado pelo PS, vai-se buscar o apoio do Bloco de Esquerda. Até não sei se não teríamos, aí, o Bloco de Esquerda no governo.

O pior pesadelo de Israel

Logótipo de Expresso

Expresso

Margarida Mota 15 horas atrás

Depois dos “rockets” disparados contra território de Israel e dos ataques surpresa através de túneis, os palestinianos da Faixa de Gaza parecem apostados num novo método de confronto. Começou na passada sexta-feira e está planeado para durar mais seis semanas — até ao 70º aniversário de Israel

O pior pesadelo de Israel © Foto Mohammed Salem / Reuters O pior pesadelo de Israel

É o pior dos pesadelos de Israel — hordas de palestinianos a caminho da fronteira, com a intenção de a derrubar, motivados pela ideia de recuperarem terras que outrora foram suas e que foram ocupadas por Israel quando da criação do estado judeu. Este pesadelo ganhou vida e está a acontecer na Faixa de Gaza. “Vai acontecer todos os dias. Às sextas-feiras, será o dia principal”, diz ao Expresso, desde Gaza, o fotógrafo Ahmed Salama, de 23 anos. “Os palestinianos vão usar um método novo. Vão tentar e tentar e tentar... Talvez na próxima sexta-feira consigam entrar. Não temos nada a perder. O bloqueio está a matar-nos lentamente.”

Depois de anos em que Gaza reagiu ao bloqueio por terra, mar e ar, imposto por Israel e pelo Egito, lançando “rockets” contra território israelita ou tentando surpreender o inimigo através de túneis escavados sob a fronteira, uma nova estratégia está a mobilizar os palestinianos daquele território: marchas volumosas e persistentes na direção da fronteira, “indiferentes” aos que tombam mortos pelo caminho.