Translate

domingo, 8 de abril de 2018

Seis milhões de corruptos

08/04/2018 by

António Fernando Nabais

O mundo do futebol fora das chamadas quatro linhas é ainda mais feio do que um jogo do campeonato português. Em Portugal, nos últimos anos (dez, vinte, trinta?), o discurso sobre futebol passou a ignorar o jogo e transformou-se em acusações de corrupção e em debates intermináveis sobre erros de arbitragens sempre propositados ou, na melhor das hipóteses, grosseiros. Mesmo os erros dos jogadores, até aqui poupados às quotidianas teorias de conspiração, passaram a ser vistos com desconfianças cada vez mais confiantes. Tudo isto nasceu nos gabinetes dos dirigentes, propagando-se, com a pestilência dos cadáveres em decomposição, para os adeptos, seguidores fiéis de directores de comunicação capazes de tudo. E o delírio passa de pais para filhos e já vai em netos, ampliado pelas redes sociais, essas megatabernas em que os ébrios do apito só versam o tema dos roubos.

O adepto típico, hoje em dia, sabe o nome de todos os árbitros, árbitros auxiliares, a que se junta agora o videoárbitro (amanhã, será o audioárbitro, ficando a  faltar três sentidos – incluindo o paladar, porque pode haver árbitros de comer e chorar por mais), e lembra-se de todas as vezes em que roubou o seu clube ou a sua selecção, que também só é eliminada por artes de conspirações mundiais, com agentes secretos e tudo.

A minha crença, comodista como é meu timbre, reside no seguinte: a corrupção existe e, no fim, ganha quem joga melhor, o que faz com que a corrupção seja, no geral, inútil. Ontem, o meu amigo Ricardo Ferreira Pinto, grande portista e admirável fundador deste blogue, escreveu um texto que poderia ter sido produzido por Francisco J. Marques, Luís Bernardo ou Nuno Saraiva. Pelo meio, ainda irritado com um penaltymuito provavelmente mal assinalado a favor do Benfica, conseguiu criar um novo corolário: o Benfica é o clube mais corrupto do mundo, logo todos os que o apoiam são igualmente corruptos, porque “não se importam como ganham desde que ganhem”.

Curiosamente, há uns anos, não fiquei agradado com o golo de Vata que permitiu que o Benfica fosse a uma final da Taça dos Campeões que, num acto de justiça tardia, acabou por perder. Além disso, não perdi um minuto dos onze anos de seca de campeonatos do clube mais corrupto do mundo a pensar na corrupção dos que ganharam, preferindo culpar a qualidade dos jogadores. Na verdade, mesmo um corrupto empedernido como eu tem, por vezes, momentos de distracção em que liga ao futebol, tal como as pessoas honestas podem, conforme as circunstâncias, roubar. Peço, então, desculpa pela interrupção: se tiver de comemorar mais um campeonato imerecido, que assim seja, porque, infelizmente, já não vou a tempo de ser uma pessoa de bem. Se for outro clube a ganhar, será uma alegria para uma minoria de portugueses seriíssimos, o que também é bom.


Quem foi Martin Luther King?

Quem foi Martin Luther King?

Em 4 de abril de 1968, o mundo perdia um sonhador que sonhou e lutou por direitos iguais. Cinco décadas depois, suas palavras continuam a inspirar os defensores da igualdade de direitos.

  • 4 Abril, 2018
  • Jornal Tornado

“Eu tenho um sonho.” Martin Luther King será sempre lembrado por seu famoso discurso e por seu grande sonho: negros e brancos vivendo em paz uns com os outros, liberdade e justiça sendo desfrutadas por todos os americanos, e seus quatro filhos vivendo em um país onde não são julgados pela cor da pele, mas por seu caráter.

Com tal ideal, King entrou para a história. Mais de 250 mil norte-americanos, incluindo brancos, acompanharam seu discurso durante a Marcha sobre Washington, em 23 de agosto de 1963. O objetivo de King era fortalecer os direitos dos negros e chamar atenção para os problemas cotidianos por eles enfrentados.

Com seu discurso e suas ideias, King inspirou os cidadãos, estimulando-os a imaginar uma coexistência mais justa entre negros e brancos. Ele  próprio vivenciou a segregação racial desde cedo. Nascido em 15 de janeiro de 1929, em Atlanta, na Geórgia, sob o nome de Michael King Jr., filho de um pastor e de uma professora, ele passou grande parte da infância brincando com dois vizinhos brancos – até que um dia seus pais o proibiram de ver os amigos.

Mas King não se deixou abalar. Tanto na escola quanto nos estudos de Sociologia e na Teologia, ele brilhou, mesmo que, após sua morte, tenha vindo à tona que ele plagiou partes de sua tese de doutorado. Aos 17 anos, ele se tornou pastor assistente do pai em Atlanta. Tanto pai quanto filho tinham uma profunda fé em Deus, o que acabou manifesto em seus nomes.

Em 1934, King Pai viajou para Berlim para participar do Congresso Mundial Batista. Durante a viagem, ele aprendeu muito sobre o reformador Martinho Lutero e ficou fascinado. Ao voltar para casa, King Pai mudou seu nome e o nome do filho para Martin Luther King.

O filho não se interessava apenas por religião. Ele também lia Aristóteles, Platão e Marx e gostava particularmente dos escritos de Mahatma Gandhi. “Através do foco de Gandhi no amor e na não violência, descobri o método de reforma social que eu buscava”, disse King. Em 1953, ele se casou com Coretta Scott Williams, com quem teve quatro filhos.

King se engajou de fato pela primeira vez depois que a ativista negra dos direitos civisRosa Parks foi presa em 1955 por se recusar a dar lugar para um homem branco em um ônibus público em Montgomery, no Alabama.

Por mais de um ano, King e outros ativistas boicotaram ônibus públicos. A resistência foi bem-sucedida: em 1956, a Suprema Corte proibiu a segregação racial no transporte público de Montgomery. No ano seguinte, King fez dezenas de discursos e escreveu um livro sobre suas experiências na cidade.

King também apoiou os integrantes das chamadas Freedom Rides (Viagens da Liberdade) na Geórgia, nas quais os negros se manifestavam em pequenos grupos e de maneira pacífica contra a segregação no espaço público.

Por fim, os protestos da população negra em todo o país acabaram por surtir efeito. Em junho de 1963, o então presidente, John F. Kennedy, apresentou a Lei dos Direitos Civis, que previa igualdade ampla e nacional. Um ano depois, após o assassinato de Kennedy, o novo presidente, Lyndon B. Johnson, ratificou a lei.

Apesar dos desdobramentos políticos, King e outros líderes de vários movimentos de direitos civis não desistiram de sua manifestação em Washington, programada para 28 de agosto de 1963. Caso contrário, o famoso discurso “Eu tenho um sonho” (I have e dream) de Martin Luther King em frente ao Lincoln Memorial provavelmente nunca teria acontecido.

Um ano depois, King recebeu o Prêmio Nobel da Paz. Mas sua luta pela igualdade de direitos não parou por aí. A igualdade racial existia apenas no papel, razão pela qual ele organizou em 1965 as Marchas de Selma a Montgomery, no Alabama, a fim de chamar a atenção para a desigualdade entre brancos e negros quanto ao direito ao voto.

As marchas foram reprimidas pela polícia diversas vezes, mas acabaram alcançando a cidade vizinha. Na sequência, o presidente Lyndon Johnson mudou de ideia e se disse favorável a uma nova lei eleitoral. A Lei dos Direitos de Voto foi aprovada pelo Congresso no verão de 1965.

Enquanto isso, grupos violentos se organizavam sobretudo em cidades na Califórnia e nos estados do norte. Para eles, o progresso era muito lento. Desilusão e decepção se alastraram até que finalmente Malcolm X e o Partido dos Panteras Negras colocaram em xeque as ideias não violentas de Martin Luther King.

Mas King não desistiu. Seguindo o exemplo de Lutero, ele pregou, após um discurso em 1966, 48 teses na porta da Prefeitura de Chicago. Inicialmente, lá também houve resistência a King, que não deveria interferir nos interesses dos negros em Chicago. Mas King permaneceu firme. Do mesmo modo, suas mais de 30 detenções não o desviaram de sua convicção.

King não encontrou rejeição apenas entre a população. Durante anos, ele teve um relacionamento difícil com o FBI, o principal órgão investigativo do Departamento de Justiça. O FBI o interrogou, considerou-o comunista.

Além disso, os investigadores ameaçaram publicar informações privadas do ativista, incluindo suas infidelidades, se ele não parasse de fazer campanha pelos direitos civis dos negros. King acusou o FBI de não fazer nada diante da violência contra os negros.

Mas novamente King não se intimidou. O FBI não conseguiu interromper seu trabalho, somente James Earl Ray conseguiria tal feito. O racista diversas vezes condenado atirou em King no dia 4 de abril de 1968 na varanda de um hotel em Memphis, Tennessee. King tinha 39 anos de idade.

O assassinato provocou revoltas significativas em muitas cidades dos EUA. Um total de 39 manifestantes foram mortos, e cerca de 10 mil, presos.

Até hoje, King é considerado um herói da história norte-americana, e seus sonhos acompanham muitos negros nos Estados Unidos, incluindo sua neta Yolanda Renee King, que só recentemente apareceu em público.

No último dia 24 de março, durante a marcha pelas nossas vidas, em Washington, ela expressou seus desejos: “Meu avô sonhou que seus quatro netos não seriam julgados pela cor da pele, mas pelo caráter deles. Eu tenho um sonho de que já basta. De que este deveria ser um mundo livre de armas e ponto”, disse a menina de nove anos, não muito longe do lugar onde o avô realizou seu famoso discurso.

Texto original em português do Brasil

Exclusivo Editorial PV / Tornado

Porque Devemos Apoiar os Novos Partidos Liberais

Novo artigo em BLASFÉMIAS


por Cristina Miranda

Todos se queixam das más governações que destruíram economicamente o nosso país. Literalmente! Todos avançam com palavras de ordem de que é preciso acabar com o "bloco central" e este círculo vicioso da rotatividade entre governos PS e PSD. No entanto, quando surge a oportunidade de quebrar essas amarras, voltam costas e fecham os olhos. Não faz sentido.

Falo obviamente da ala liberal. Daqueles que defendem mais liberdade económica e individual com menos Estado. Daqueles que com razão, contestam o roubo obsceno com impostos para satisfazer a gula das clientelas. Mas que não  se movem para incentivar a mudança. Não me levem a mal. Mas estou deveras surpreendida.

Esta falta de coesão não era por mim expectável. Sempre achei que havia vontade séria de "partir a loiça" ao poder instalado durante décadas. Mas não. Afinal havia outra razão: deixar tudo como está mas com outros líderes. É isso não é?

O problema é que jamais haverá mudança sem a entrada de partidos novos liberais no Parlamento. Serão eles que terão coragem de enfrentar o politicamente correcto. Serão eles que representarão os desiludidos com as ideologias políticas vigentes. São eles que vão dar outro colorido às discussões e decisões que afligem o país. Serão eles que, com a sua força crescente - oxalá venha a acontecer como noutros lugares da Europa -  vão obrigar CDS e PSD a repensarem sua maneira de estar em política, "limpar suas casas" dos políticos de meia tigela, interesses instalados, vícios, corrupção e abrir espaço para novas lideranças "não escolhidas previamente" pelos barões cadavéricos. Porque foi por falta de concorrência que estes dois hoje cheiram a mofo e pararam no tempo (veja-se a "magnífica equipa de seniores" repescada do baú de antiguidades do PSD,  por Rio). Tal como a UBER veio revolucionar a actividade dos taxistas, serão estes liberais a revolucionarem o Parlamento. Não tenham dúvidas disso. A concorrência faz muito bem à política.

É o medo de perder o controlo que faz com que muita gente do PSD e CDS receiem os novos partidos liberais. Porque é disso que se trata: controlo. Ora que ganham os portugueses com o poder sempre controlado pelos mesmos? Nada.  Pior: estão a dar um tiro no pé porque quantos mais liberais houver, mais barreiras se edificam ao avanço destruidor de políticas socialistas/marxistas, peritas em bancarrotas. Sou assumidamente liberal na economia e conservadora nos valores. Mas não deixo de apoiar, mesmo com algumas divergências, gente que vem dar uma lufada de ar fresco às políticas reinantes.

O Estado Português parece um grande acumulador de lixo. Lembra aquelas pessoas que enchem a casa de tralha, que deixam por isso  de ter espaço e começam a dizer que a casa é pequena. Que é preciso aumentá-la, quando na verdade o que faz falta é fazer uma grande limpeza e deitar fora o que não interessa e só ocupa lugar. Portugal tal como os acumuladores de lixo, não precisa de mais Estado. Precisa de alguém, com coragem, que limpe o Estado do seu peso mórbido, o torne leve e  eficiente para chegar a todos com excelência.

Ora, como se faz isto - antes de termos de pagar mais uma bancarrota - e ainda acabar com a hegemonia dos partidos do sistema que por "interesses ocultos" não fazem as reformas estruturais que o país precisa urgentemente? Abrindo espaço aos liberais.

Sou defensora de "Menos Estado, Menos Impostos, Melhor Estado Social". Defendo que as  questões sensíveis da sociedade se resolvem actuando na raiz dos problemas e não pela rama e que qualquer proposta que mexa com a vida e liberdades  das pessoas, deva ser referendada.  Que nenhum Estado pode falhar na protecção do seu povo, por isso, não pode deixar entrar massivamente todos os que assim o desejam, dentro do país, sem controlo e que para termos liberdade individual, não podemos comprometer a liberdade em sociedade (são coisas distintas) porque ser liberal é promover a liberdade, não a anarquia. E por isso estarei sempre do lado dos liberais que defendam o mesmo.

Parem de se lamentar e saiam do sofá. Dar uma assinatura não dói nada nem transforma ninguém em militante. Mas abre caminho à mudança tão desejada em Portugal.

Pensem nisso.

Isolado em 15 m2. Como é a prisão de Lula

6/4/2018, 8:52185

A cela onde ficou o antigo presidente brasileiro foi preparada nos últimos meses. Por razões de segurança, Lula fará os seus dias isolado dos outros presos na sede da Polícia Federal de Curitiba.

Autor
Mais sobre

A cela onde Lula foi colocado, na sede da Polícia Federal de Curitiba, foi preparada nos últimos meses. Era até agora uma sala, com um beliche, onde ficavam os agentes deslocados em missão, mas a cama dupla foi substituída por uma individual, entre a parede que tem duas pequenas janelas com grades e a da casa-de-banho privada que tem no espaço de 15 metros quadrados (3 metros por 5 metros) onde o antigo presidente brasileiro deverá ficar a partir desta sexta-feira.

A sala fica no quarto andar do Núcleo de Inteligência Policial, afastada do local dos outros presos no âmbito na operação Lava-Jato, como mostra a infografia publicada pelo Estadão. O edifício, na capital do estado do Paraná, foi inaugurado em 2007 durante a gestão de Lula da Silva como presidente do Brasil.

O ex-ministro António Palocci ou Renato Duque, ex-diretor da Petrobrás estão noutra ponta do mesmo complexo que também já recebeu figuras como o ex-ministro José Dirceu e o empresário Marcelo Odebrecht. Lula ficará no centro do edifício, dois pisos acima, e terá um agente policial à porta da sua cela 24 horas por dia, para garantir a sua própria segurança.

Dados do mapa ©2018 Google

Mapa

Satélite

No despacho em que executou a ordem de prisão do antigo presidente e atual candidato à presidência do Brasil, Sérgio Moro explicou que “em razão da dignidade do cargo ocupado, foi previamente preparada uma sala reservada, espécie de Sala de Estado Maior, na própria Superintência da Polícia Federal, para o início do cumprimento da pena, e na qual o ex-Presidente ficará separado dos demais presos, sem qualquer risco para a integridade moral ou física”.

Assim, Lula não vai estar, pelo menos no início, em contacto com os outros presos. Terá duas horas diárias de acesso a uma zona exterior, mas isolado, e o mesmo vai acontecer no horário de visitas. Normalmente, as visitas acontecem às quartas-feiras, e a regra mantém-se igual para todos, embora as visitas de Lula não aconteçam no espaço comum aos outros presos.

As 15 provas que convenceram os juízes a condenar Lula

08 Abril 2018

Cátia Bruno

Um número rasurado, Whatsapps sobre o “chefe” e a “madame”, um porteiro que diz que “todos sabiam” que triplex era de Lula. São algumas das provas que chegaram para condenar o ex-Presidente do Brasil.

Em 2005, Luíz Inácio Lula da Silva e a mulher, Marisa Letícia, adquiriram uma quota num empreendimento para comprar a prestações um apartamento simples, com o número 141 (mais tarde 131), num edifício que seria construído em Guarujá, zona à beira mar não muito longe de São Paulo, conhecida pelas suas praias. Até aqui, todos — seja a defesa de Lula, seja a Procuradoria que o acusou, sejam os tribunais que o condenaram — estão de acordo. Tudo o que se passou daí para a frente, contudo, está envolto numa controvérsia que terminou com o ex-Presidente brasileiro a ser condenado.

O apartamento no Guarujá pertence ao Condomínio Solaris. Inicialmente construído pela Bancoop, cooperativa habitacional do Sindicato dos Bancários com ligações ao Partido dos Trabalhadores (PT), as obras de construção do Solaris acabaram por passar para a construtora OAS em 2009, por dificuldades financeiras do grupo.

É com a entrada da OAS em cena que a situação se complica para Lula da Silva, já que a acusação sustentou — e os tribunais aceitaram — que a construtora ofereceu ao ex-Presidente um apartamento melhor no empreendimento, o famoso ‘triplex’ com o número 174 (renomeado 164), no valor de 1,1 milhão de reais (equivalente a cerca de 270 mil euros), em troca de contratos públicos que beneficiariam a Petrobrás. Para além disso, segundo a Procuradoria, a OAS ofereceu ainda obras no apartamento no mesmo valor. O antigo Presidente nega por completo as acusações: explica que equacionou comprar o triplex 174 em vez do apartamento 141, mas que desistiu da ideia. E garante que nunca encomendou quaisquer obras.

O triplex de Lula no empreendimento da OAS é um dos andares de topo deste edifício (Getty Images)

A defesa de Lula tem classificado o seu julgamento como “político” e sublinhado que o ex-Presidente foi condenado sem provas que sustentem a acusação. “Esta ação nasceu de um PowerPoint que já tratava o ex-Presidente como culpado. O abuso do direito de acusar, este sim não pode ser aceite”, disse em tribunal o advogado Cristiano Zanin. A defesa sublinha que o apartamento está em nome da OAS e que não há documentos que provem que pertence ou pertenceu à família de Lula. E destaca que a OAS é a dona verdadeira do imóvel, até porque usou o triplex numa operação em 2009 com a Caixa Económica Federal e que este foi entretanto penhorado.

Os juízes, contudo, tiveram um entendimento totalmente diferente. Quer Sérgio Moro na primeira instância, quer o coletivo do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, de Porto Alegre, consideraram haver ampla prova para condenar Lula. “As provas resistiram, sejam as provas documentais, sejam as provas testemunhais, resistiram a esse cotejo. E se resistiram, refletem sua substância. E se refletem a sua substância, permitem que se forme um convencimento com base nelas”, declarou o desembargador Victor Laus.

Mas que provas são então estas que uns garantem não ser suficientes para condenar e outros afirmam ser evidências inegáveis de que Lula foi corrompido? O Observador apresenta as mais importantes que foram destacadas em tribunal.

O documento que prova que Lula e a mulher começaram a pagar um apartamento “normal”

O termo de adesão e compromisso de compra com a Bancoop, encontrado pelas autoridades em casa do ex-Presidente, prova que o casal se comprometeu com uma quota da cooperativa para comprar o apartamento número 141, considerado uma “unidade normal”.

O documento data de 1 de abril de 2005 e está assinado por Marisa Letícia, mulher de Lula, que viria a morrer de AVC em fevereiro de 2017.

A defesa de Lula: Para o antigo chefe de Estado, isto nada prova, já que assegura terem acabado por desistir da compra do apartamento 141. “Simplesmente, a minha mulher resolveu comprar uma quota da cooperativa Bancoop. Disse que comprou na cooperativa dos bancários uma quota de um apartamento”, declarou Lula a Sérgio Moro. Questionado sobre se havia intenção de adquirir o triplex em vez de um apartamento, respondeu “nunca”.

O número rasurado

Na casa de Lula foi também encontrado um documento de proposta de aquisição do imóvel. No papel, as perícias da polícia determinaram que o número 174 foi rasurado para se assemelhar antes ao número 141 — ou seja, para passar do “triplex” para um apartamento normal, de forma a iludir as autoridades. Segundo a Folha de S. Paulo, um perito concluiu que a rasura foi feita na mesma altura em que foi preenchido o documento.

A defesa de Lula: O ex-presidente diz nunca ter visto o documento na vida.

O ficheiro Excel da Bancoop

Na sede da Bancoop, as autoridades encontraram folhas de cálculo com uma listagem de todas as unidades do empreendimento. Apenas uma tinha a indicação de “reservada”: precisamente a 174 o “triplex”.

A defesa de Lula: “Só tem alguém que pode responder, que é a Bancoop.”

O mistério da inação de Marisa

Quando a Bancoop passou o empreendimento para a OAS, a cooperativa definiu que os associados podiam então celebrar novos contratos ou pedir a restituição do dinheiro que já tinham pago por cada apartamento. Contudo, Lula e a mulher nada fizeram: nem novo contrato, nem restituição do dinheiro.

Marisa acabaria por desistir do apartamento, mas apenas em novembro de 2015. Sérgio Moro ressaltou que tal só ocorreu já “depois da prisão cautelar de José Adelmário Pinheiro Filho [conhecido por Léo Pinheiro e presidente da construtora OAS] e da publicação a partir de 7 de dezembro de 2014 de matérias em jornais sobre o triplex”.

A defesa de Lula: O ex-Presidente tem-se queixado da dificuldade que é responder pela mulher, que já morreu. “Perguntar coisa para mim de uma pessoa que já morreu é muito difícil”, queixou-se a Moro num interrogatório. Contudo, apresentou uma possível explicação: “Eu tenho uma hipótese, a dona Marisa pode não ter recebido o convite para participar da assembleia [dos cooperados]”, disse, aquando da transferência da construção da Bancoop para a OAS e da possibilidade de receber o dinheiro de volta.

Sérgio Moro, o juiz responsável pela instrução e julgamento do caso de Lula da Silva

O testemunho de Léo Pinheiro (e a sua delação premiada falhada)

Léo Pinheiro, à altura presidente da OAS, começou por ser interrogado pelas autoridades no âmbito da Operação Lava Jato em 2014, tendo sido logo preso. Negociou um acordo de delação premiada com os investigadores mas, em 2016, o acordo caiu por terra. Tudo porque a Procuradoria acusou-o de quebra de confidencialidade, depois de ter surgido uma notícia sobre o acordo na revista Veja.

Apesar disso, Pinheiro quis colaborar na mesma com a investigação, na esperança de que tal ajudasse a reduzir a sua pena, o que veio a acontecer: Sérgio Moro, no final do julgamento, reduziu a pena que lhe aplicou de 10 anos e oito meses de prisão para uma pena de apenas 2 anos e seis meses em regime fechado, passando o resto da pena a regime aberto. Léo Pinheiro está ainda condenado a outros 42 anos de prisão, por outras duas sentenças também aplicadas por Moro, relacionadas com a Lava Jato.

No entanto, o juiz decidiu estender “o benefício” “às penas unificadas nos demais processos julgados por este juízo”. Em segunda instância, o Tribunal de Porto Alegre alterou a pena dos 10 para três anos e seis meses, em regime semiaberto.

“O Presidente foi ao apartamento para dizer o que eles queriam, porque eu não tinha ideia de quanto ia gastar. Quando a dona Marisa e o Presidente estiveram no apartamento, e nós fizemos o projeto, nós tivemos quantificado. Levei para o Vaccari e isso fez parte de um encontro de contas com ele.”

Depoimento de Léo Pinheiro, presidente da OAS

No julgamento de Lula, Léo Pinheiro declarou que foi contactado pelo ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, para que a OAS tomasse conta das obras do empreendimento no Guarujá, dizendo-lhe que um dos apartamentos seria para “a família do Presidente Lula”.

“O Presidente foi ao apartamento para dizer o que eles queriam, porque eu não tinha ideia de quanto ia gastar. Quando a dona Marisa e o Presidente estiveram no apartamento, e nós fizemos o projeto, nós tivemos quantificado. Levei para o Vaccari e isso fez parte de um encontro de contas com ele”, declarou. Sobre o pagamento, explicou que o acordado era que o valor da diferença entre o apartamento simples e o triplex, bem como o das obras, seriam debitadas de uma conta informal que existia entre a PT e a OAS, supostamente com dinheiro de subornos relacionados com contratos fraudulentos da Petrobrás e do Governo.

A defesa de Lula: “Vi o depoimento do Léo e, sinceramente, a mentira contada de que o Vaccari tinha oferecido um triplex logo no começo da construção é de um irrealismo total. Primeiro, porque o Vaccari tem prédio lá ou tinha um apartamento lá, ele poderia reivindicar o triplex para ele ou para outra pessoa; segundo, o Vaccari não ia passar o que não era dele para quem quer que seja. Eu vi o depoimento e achei muito irreal e uma deslavada inverdade contra o Vaccari”.

O email do triplex com “atenção especial”

Em 2012, Lucas Pithon Gordilho (empregado da OAS Empreendimentos) e Telmo Tonolli (diretor da OAS Empreendimentos) trocaram uma série de emails sobre o edifício. A certa altura, o empregado afirma: “Seria bom sabermos qual das coberturas [últimos pisos] é a que precisamos ter atenção especial”. Resposta: “164” [novo número atribuído ao triplex desde que passou para a OAS].

A defesa de Lula: “Não posso responder por e-mails ou por telefonemas entre terceiros”, disse. “Posso responder pelo que eu fiz ou pelo que eu não fiz.”

As mensagens no WhatsApp sobre o “chefe”, a “madame” e “Fábio”

“O projeto da cozinha do chefe tá pronto. Se marcar com a madame pode ser à hora que quiser”, escreveu Paulo Gordilho, engenheiro da OAS, para Léo Pinheiro, pelo WhatsApp. Segue-se uma troca de mensagens, e no dia seguinte o presidente informa que “o Fábio ligou a desmarcar”. Para a acusação, a tradução é simples: o “chefe” é Lula, a “madame” é Marisa e “Fábio” é o filho dos dois, que tem mesmo esse nome.

A defesa de Lula: Volta a responder que não responde “por terceiros”.

“Todo o mundo sabia na OAS” que apartamento era de Lula

O mesmo Gordilho testemunhou ao juiz que sabia que o apartamento era para o Presidente. “Isso todo o mundo sabia na OAS. Foi em reunião de diretoria, em 2011, por aí. Uma das pessoas perguntou ‘qual é o apartamento do Lula?’, aí mostraram na caneta laser: ‘é esse aqui’”, declarou. Disse ainda que chegou a estar com Léo Pinheiro na casa de Lula em São Bernanrdo para ele aprovar o projeto.

A defesa de Lula: Repete-se o argumento das anteriores.

A visita dos “500 defeitos”

É sabido e confirmado pelo próprio Lula da Silva que visitou o triplex. Há inclusivamente fotos desse encontro. Para a acusação, é prova inegável de que estava envolvido nas obras.

A defesa de Lula: “Eu tratei do triplex com o Léo uma vez que ele foi no Instituto dizer que eu tinha que visitar e o dia que eu fui visitar o prédio. Nunca mais tratei de triplex, nem de quadruplex”, diz o antigo Presidente. Afirma que colocou “500 defeitos” no imóvel e que compreendeu que não valeria a pena comprá-lo, por quase nunca ir à praia e por achá-lo demasiado pequeno para toda a sua família. “Eu não ia ficar com o apartamento, mas a dona Marisa ainda tinha dúvida se ia ficar para fazer negócio ou não”, explicou. Ou seja, possivelmente vendê-lo. Mas, diz Lula, acabaram por desistir da ideia.

"Todos sabiam lá que o apartamento pertencia ao ex-Presidente Lula, inclusive até os condóminos sabiam também que era dele o apartamento."

José Afonso Pinheiro, porteiro do edifício

O projeto pedido por Fábio

Roberto Moreia, funcionário da OAS, prestou depoimento garantindo que o filho do Presidente lhe pediu diretamente um projeto e orçamento para as obras no triplex, depois da tal visita de Lula e Marisa. “Depois dessa visita eles foram embora, eu ainda permaneci no Guarujá com o Igor, e tempos depois, semanas depois, o Fábio me chamou na sala dele e pediu para fazer algumas adequações, alguma reforma no apartamento, que inicialmente fizesse um projeto, fizesse um orçamento, apresentasse para ele para que fosse feito no apartamento.”

Outros funcionários da OAS, contudo, negam ter tido informações de que o apartamento fosse de Lula. É o caso de Igor Ramos Pontes, que acompanhou o casal na visita, mas diz pensar que se tratava de uma visita de possível comprador.

A defesa de Lula: Como das outras vezes, não comenta testemunhos de terceiros (com exceção do de Léo Pinheiro).

O porteiro do Solaris

José Afonso Pinheiro, porteiro do edifício Solaris, garantiu no seu depoimento a Sérgio Moro que o triplex nunca foi colocado à venda nem visitado por outros que não Lula e a sua família. Disse também que Igor Pontes, da OAS, o pressionou para não dizer que o triplex pertencia a Lula. “Todos sabiam lá que o apartamento pertencia ao ex-Presidente Lula, inclusive até os condóminos sabiam também que era dele o apartamento, sempre houve esse comentário lá”, disse José Afonso.

A defesa de Lula: Na mesma linha das anteriores.

Manifestantes contra a prisão de Lula da Silva (Getty Images)

Os eletrodomésticos

O Ministério Público avalia as obras feitas no triplex pela empresa Tallento em 1,1 milhão de reais. As obras consistiram num elevador privativo, armários novos na cozinha, demolição de uma área, retirada de uma sauna, ampliação do deck da piscina e colocação de eletrodomésticos.

Mariuza Marques, empregada da OAS, confirmou que assinou um recibo de compra de eletrodomésticos pela OAS, mas que não os pagou. “Somente recebi os eletrodomésticos na unidade”, disse. Ou seja, diz que esteve no triplex para receber a entrega.

A defesa de Lula: O ex-Presidente garante que a mulher nunca lhe comunicou que estavam a ser feitas obras e a ser comprados móveis e eletrodomésticos para o apartamento, na esperança de possivelmente o vender caso o casal o comprasse. “Não relatou, e infelizmente ela não está viva para perguntar”, disse Lula.

A peça do Globo

A acusação apresentou ainda como prova um artigo do jornal O Globosobre o atraso nas obras do empreendimento da Bancoop, em que era mencionado que Lula tinha um triplex no Guarujá, tendo a informação sido confirmada pela assessoria do Presidente à altura. “O prédio, no entanto, está no osso: sem nenhum acabamento, nem portas, janelas ou elevadores. É nele que a família Lula da Silva deverá ocupar a cobertura triplex, com vista para o mar”, pode ler-se na peça.

A defesa de Lula: Colocou os jornalistas em tribunal, acusando-os de mentir. Contudo, perdeu a ação tanto na primeira como na segunda instância.

O “tratamento diferenciado” ao PT

Agenor Franklin, diretor da área de Petróleo e Gás da OAS, confirmou que a construtora tinha um departamento para tratar dos subornos — a “Controladoria” — e que o PT tinha “um tratamento diferenciado, justamente por ser o partido que tinha maiores valores envolvidos”. Franklin, que também foi condenado no processo, garantiu que o valor triplex seria debitado da conta de subornos ao PT, que em troca teria ajudado a negociar contratos com a Petrobrás.

A defesa de Lula: O ex-Presidente garante que não sabia do alegado esquema, porque “quem monta cartel para roubar não conta a ninguém”. “O Presidente da República não participa do processo de licitação da Petrobras, o Presidente da República não participa de tomada de preço da Petrobras, é um problema interno da Petrobras”, acrescentou.

“Quem monta cartel para roubar não conta a ninguém (...) O Presidente da República não participa do processo de licitação da Petrobras, o Presidente da República não participa de tomada de preço da Petrobras, é um problema interno da Petrobras.”

Lula da Silva explicando que não tinha como saber do esquema da Lava Jato

A declaração de IRS

Na declaração de Imposto sobre a Renda (o correspondente à declaração de IRS portuguesa), Lula e Marisa declararam ter o apartamento simples em Guarujá — ou seja, o 141. Em 2014, a OAS vendeu essa unidade a outros compradores; contudo, Lula continuou a declarar a posse do imóvel nas declarações de impostos, alterando essa informação apenas em 2016. Por casa disso, o ex-Presidente foi acusado e condenado por prestar informações falsas ao Fisco e por lavagem de dinheiro.

A defesa de Lula: Argumenta que a declaração de IRS só ajuda a sustentar a sua defesa, por provar que não iria declarar a posse de um apartamento que não tinha: “Como é que alguém pode imaginar em sã consciência, doutor Moro, que um cidadão compra um apartamento que vale 10 e depois declarou no imposto de renda 5 anos seguidos, e depois aparece um apartamento que vale 20 sem nenhuma explicação?”.

*

Em recurso para a segunda instância, a defesa de Lula argumentou ter havido “parcialidade do juiz Sérgio Moro”, “condução coerciva de Lula [em interrogatório]”, “quebra de sigilo do escritório Teixeira Advogados”, “cerceamento da defesa” e “nulidades” na sentença.

A defesa argumentou ainda que a Procuradoria não provou ter havido qualquer contrapartida da parte de Lula pelo alegado suborno, mas nem isso serviu para convencer o coletivo de juízes de Porto Alegre. O desembargador João Gebran Neto declarou que, como a jurisprudência do caso Mensalão instaurou, o Supremo não exige a contrapartida para que se configure o crime de corrupção, bastando apenas a solicitação.

O tribunal não só confirmou a decisão como optou por aumentar a pena de Lula da Silva de nove para 12 anos e um mês de prisão, por se tratar de um antigo Presidente da República. “É lembrar que a eleição de um mandatário, em particular de um Presidente da República, traz consigo a esperança da população em melhor projeto de vida”, resumiu Gebran, para quem estas 15 provas chegaram para confirmar a condenação.