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quinta-feira, 26 de abril de 2018

Entre as brumas da memória


26.04.1937 - Guernica

Posted: 26 Apr 2018 11:09 AM PDT

Guernica foi bombardeada em 26 de Abril de 1937.
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26/27.04.1974

Posted: 26 Apr 2018 06:42 AM PDT

O mais importante foi isto.
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Passado. Para sempre

Posted: 26 Apr 2018 03:03 AM PDT

«Antes do 25 de Abril de 1974, a minha escola tinha um muro que separava rapazes de raparigas.

Antes do 25 de Abril de 1974, o meu pai confinava as críticas ao regime e ao pouco que a vida nos dava, às paredes da casa.

Antes do 25 de Abril de 1974, a minha mãe inibia-se de pintar as unhas, sinal de exterior de uma mulher putativamente devassa.

Antes do 25 de Abril de 1974, um tio fugiu para escapar à guerra colonial. Outros fugiram simplesmente para ir à procura de uma vida melhor.

Antes do 25 de Abril de 1974, o meu avô, galego marcado pela guerra civil espanhola, indignava-se com a guerra colonial portuguesa e questionava: porque não lhes dão a independência.

Vale a pena lembrar sempre o 25 de Abril de 1974, "por muito repetitivo que pareça", como sublinhou o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, porque ele ofereceu a todos o bem mais valioso para a construção de uma sociedade, a liberdade. A liberdade política, a social, a religiosa, de expressão e económica.

Aquilo que hoje parece um dado adquirido não o é. Foi por isso que na Assembleia da República alertou para os perigos do messianismo e defendeu a necessidade de renovação do sistema político. "A permanente proximidade aos cidadãos e aos seus problemas é essencial para evitar fenómenos de lassidão" disse o Presidente, acrescentando que é preciso combater o cepticismo em relação aos partidos que pode ser usado por "tentações perigosas de apoios populistas, ilusões sebastianistas, messiânicas e providenciais".

Basta olhar para os populismos preconceituosos que crescem na Europa (sem esquecer as ditaduras que habitam noutros continentes), para concluir que os alertas presidenciais não são apenas retóricos.

A memória é decisiva para construir um país melhor, orientado pelo farol das liberdades. É por isso, por muito repetitivo que pareça, que o 25 de Abril de 1974, deve estar sempre presente. Para que as escolas com muro, o condicionamento industrial ou a censura sejam parte do passado. Para sempre.»

Celso Filipe
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E depois veio a Junta de Salvação Nacional

Posted: 25 Apr 2018 04:26 PM PDT

Quando ouvimos isto, pela 1:30 am de 26 de Abril, depois de uma espera de várias horas, o ambiente pareceu um pouco sinistro, quando comparado com o que tínhamos vivido nas ruas. Mas a elas voltámos, poucas horas depois, sobretudo em Caxias, na longa espera pela libertação de todos os presos políticos.

15 dicas para poupar centenas de euros por ano em electricidade

Novo artigo em VortexMag


por admin

Reduzir a conta de electricidade. Quem nunca pensou nisso? Apagar as luzes, desligar aquecedores, trocar as lâmpadas por outras mais económicas. Pequenos gestos que podem reflectir-se numa grande poupança. Se pensar que uma redução de 20 euros na factura mensal traduz-se numa poupança de 1.200 euros em cinco anos, talvez comece a pensar em alterar o seu comportamento. No total, as sugestões que lhe apresentamos permitem poupar, no caso de uma família média portuguesa, cerca de 300 euros por ano na factura da electricidade. Se não sabe como e por onde começar siga alguns truques para poupar electricidade que poderá começar a por em prática:

1. Compare tarifas

Verifique qual a melhor tarifa, dentro de cada operador, que se adequa à sua família e procure ajustar a potência eléctrica da sua casa às suas necessidades

2. Atenção aos tipos de electrodomésticos

Compre apenas electrodomésticos que consumam pouca electricidade. Quando estiver às compras procure na etiqueta de eficiência energética sobretudo a classe A (a mais eficiente). As categorias vão até à G (menos eficiente). Por exemplo, ao trocar o seu velho frigorífico por um novo mais eficiente (categoria A), pode economizar até 35 euros da factura anual da electricidade.

3. Substitua as lâmpadas incandescentes

Compre lâmpadas fluorescentes de alta eficiência, que consomem aproximadamente 1/4 de energia para produzir a mesma intensidade luminosa, e duram vários anos mais. Embora sejam mais caras do que as incandescentes, a médio-longo prazo acabam por compensar. Considerando um uso de quatro horas diárias, pode conseguir poupar cerca de 55 euros ao fim de quatro anos.

4. Atenção aos aparelhos em stand-by

Não deixar os aparelhos electrónicos em modo de repouso (stand-by) é uma regra básica, já que assim eles continuam a gastar energia. Por isso, deve-se desligar a televisão, DVD, aparelhagem, etc. no botão e não com o comando de controlo remoto. Caso estes não estejam a ser utilizados durante muito tempo, é preferível desligá-los também na tomada. Estima-se que o consumo anual médio em Stand-by para cada lar Português seja de 377 kWh/ano, o que corresponde a uma despesa superior a 40 euros. Apresentam-se em seguida alguns exemplos de consumo em Stand-by de alguns aparelhos

5. Desligar as luzes quando não são necessárias

Esta é bastante óbvia, no entanto são poucas as pessoas que têm este hábito. O simples desligar no botão pode poupar centenas de watts diariamente. Além disso, também pode comprar um regulador de intensidade ou então remover fisicamente as lâmpadas do candeeiro.

6. Seja razoável com a iluminação

Opte por iluminação orientada ao que está a fazer (por exemplo: ler um livro) em vez de iluminar toda a divisão. Fora de casa, coloque sensores para que apenas acendam na presença de alguém.

7. Utilize uma ventoinha em vez de um ar-condicionado

No verão, tente sobreviver ao calor apenas com uma ventoinha para poupar energia. Caso use apenas o aparelho de ar-condicionado, não se esqueça de substituir os filtros regularmente (a eficiência pode chegar aos 5%). O ar-condicionado gasta muita electricidade quando está a funcionar. No verão pode poupar bastante mantendo uma temperatura ambiente de 25º em vez de baixar para 20º ou 21º. E se tiver a roupa adequada, não sentirá grande diferença de temperatura. No Inverno, baixe a temperatura alguns graus e agasalhe-se melhor.

8. Mantenha o frigorífico fechado

É um dos maiores consumidores de electricidade por isso deve ter sempre o termómetro ajustado com as indicações do fabricante e quando for ao frigorífico tire logo tudo o que necessita de uma vez só. Cerca de 20% do consumo global do frigorífico é causado pela abertura das portas.

9. Aproveite a luz natural

Aproveite ao máximo a luz natural para aquecer a casa durante os dias de sol de Inverno, comprando equipamento que isola as janelas e portas e impedir que o calor saia durante a noite. No Verão manter os estores fechados durante as horas de maior calor é uma boa forma de evitar ligar o ar condicionado por muito tempo.

10. Utilize luz "inteligente"

Nas áreas comuns dos prédios é possível colocar luzes temporizadas ou com sensores que acendem à passagem de pessoas, acautelando-se que a iluminação não está ligada desnecessariamente.

11. Modere o uso do microondas

Reduza a utilização do microondas para descongelar alimentos. Para isso, basta tirar a comida atempadamente do congelador.

12. Melhore a eficácia da máquina de lavar a roupa

Lave a roupa a 40º e, vez de 60º. Só esta alteração permite poupar 55% de energia

13. Melhore a eficácia da máquina de lavar a loiça

Utilize o programa mais económico da máquina de lavar a loiça. Os programas mais intensos demoram quase o dobro do tempo gastando mais electricidade e também muito mais água, na maioria dos casos sem necessidade.

14. Utilize o forno eléctrico de forma eficaz

Desligue o forno 10 minutos antes do final da cozedura. Além de, com esse tempo de antecedência, conseguir cozinhar na mesma o seu prato, estará a reduzir uma boa parte de electricidade.

15. Evite máquinas de secar a roupa

Sempre que possível, seque a roupa ao sol e ao vento. Nem sequer são precisas contas para compreender o que poupa, uma vez que está a trocar a utilização de um aparelho eléctrico por um recurso natural, ou seja, uma fonte de energia gratuita.

Como poupar 50 euros em electricidade com tomadas inteligentes

Televisão, iluminação, máquinas de lavar, aquecedores, computadores, impressoras, portáteis ou ‘tablets’. A panóplia de equipamentos eléctricos e electrodomésticos que povoam as casas modernas absorve muita energia e está em constante crescimento. Por este motivo, a factura da electricidade é uma das que mais pesa no orçamento familiar.

Existem algumas formas de fazer baixar este valor e que requerem alguns cuidados na utilização da energia. No entanto, há uma forma poupar quase sem dar conta: recorrendo às tomadas inteligentes. Recentemente a EDP fez uma campanha em que ofereceu 80.000 tomadas desta natureza aos clientes. A campanha já acabou, mas explicamos como é que pode poupar recorrendo a este equipamento que, segundo a Deco – Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor, pode ajudar a poupar até 50 euros anuais na factura da electricidade.

A) Acabe com os consumos ‘stand-by’

Muitos aparelhos eléctricos que temos em casa podem consumir energia sem estarem a trabalhar, nomeadamente, se estiverem em modo ‘stand-by’ ou ‘off-mode’. No primeiro caso, os aparelhos estão a consumir energia sem estarem a desempenhar a sua função, mas têm indicação de consumo. É o que acontece quando, por exemplo, desliga a televisão com o comando e fica a luz de presença ligada. Já o consumo em modo ‘off-mode’ acontece quando o aparelho não está a funcionar e não há indicação de consumo. Para que este consumo aconteça, basta que deixe os aparelhos ligados à tomada: o gasto é mínimo, mas tudo junto é um desperdício da energia e faz subir a conta mensal. De acordo com o ‘site’ Ecocasa, estes consumos correspondem a 4,8% na factura energética anual. Eliminar estes consumos pode significar uma redução de 88 kWh/ano no consumo de electricidade (cerca de 2,3% do consumo de uma família).

Os equipamentos informáticos e de entretenimento são os grandes responsáveis por estes consumos. Se optar por desligar estes aparelhos no botão (evitando desligá-los apenas pelo controlo remoto), tirá-los da tomada ou recorrer a uma extensão eléctrica com corte de corrente (desligando o interruptor cada vez que não utiliza os equipamentos) poderá conseguir eliminar estes consumos.

B) Extensões inteligentes: como funcionam?

Na correria do dia-a-dia estes gestos são, por vezes, esquecidos e a conta da electricidade continua a subir. Se é o seu caso, saiba que é possível eliminar estes consumos recorrendo a uma extensão inteligente, que corta a corrente automaticamente assim que um dos aparelhos entra em ‘stand-by’. De acordo com um estudo efectuado pela Deco – Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor, se escolher o modelo certo, poderá poupar quase 50 euros por ano em electricidade. Pode não parecer muito, mas se juntar esta poupança a outros cuidados que pode ter com a electricidade, pode chegar ao fim do ano com mais umas centenas de euros na conta bancária.

As extensões têm múltiplas tomadas e são dotadas de um sistema inteligente que corta a energia com base no consumo do equipamento instalado na primeira ficha.

Para utilizar correctamente estes dispositivos deve:

1. Ligar o equipamento principal ao ponto de entrada principal;

2. Ligue os equipamentos secundários nos restantes pontos de entrada;

3. Sempre que o equipamento principal estiver em ‘stand-by’, a tomada inteligente irá desligar automaticamente todos os equipamentos e eliminar os consumos “vampiros”.

Algumas coisas que sabemos

por estatuadesal

(Alexandre Abreu, in Expresso Diário, 26/04/2018)

abreu

Sabemos que Portugal tem um dos níveis de pobreza energética mais elevados da Europa. Um estudo da Universidade de Lisboa concluiu, com base nos dados dos Censos de 2011, que 22% dos idosos não têm possibilidade de aquecer adequadamente as suas casas no inverno. Outro estudo, da Universidade de Oxford, estimou em 2016 que a mortalidade invernal excessiva (excesso de mortes no inverno face ao verificado no verão) regista em Portugal o segundo nível mais elevado entre 30 países europeus.

Sabemos que os preços da energia pagos em Portugal são dos mais altos da Europa. O preço por quilowatt-hora das tarifas básicas é o segundo mais elevado, a seguir à Grã-Bretanha. O peso da despesa com electricidade no salário médio mensal líquido é também o segundo mais alto, a seguir à Bulgária.

Sabemos que, de 2005 para cá, a EDP registou todos os anos lucros superiores a 800 mihões de Euros. Em 2017 foram cerca de 1.100 milhões. A rendibilidade média dos capitais próprios nos últimos cinco anos foi cerca de 12% ao ano, um valor extraordinariamente elevado para uma actividade com um nível de risco baixo. Estes montantes eclipsam o que o Estado recebeu pela alienação da sua participação ao longo das várias fases de privatização.

Sabemos que uma parte importante destes lucros é o reverso da medalha de perdas incorridas pelo Estado, como no caso da prorrogação sem concurso público das concessões do domínio hídrico à EDP, que a REN estima terem beneficiado a empresa, e prejudicado o Estado, em mais de 850 milhões de Euros. Mas sabemos também que uma parte importante tem sido paga directamente pelos consumidores, como sucede com os chamados CMEC, que acrescem às facturas da energia dos portugueses ao abrigo de um regime fabulosamente lucrativo criado em 2004 pelo governo de Santana Lopes a que pertencia António Mexia e alterado em benefício da empresa em 2007 pelo governo de José Sócrates em que Manuel Pinho era ministro da Economia.

Sabemos que, segundo dois pareceres jurídicos do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, os actos administrativos que terão criado uma parte dos CMEC enfermam de vícios formais que implicam a sua nulidade. Terão por isso sido cobrados indevidamente 510 milhões de Euros aos consumidores. Essa é a parte nula, ilegal, das rendas excessivas. A parte ilegítima e imoral é bastante maior.

Soubémos entretanto que o rascunho da resolução do Conselho de Ministros sobre os CMEC aprovada em 2007 terá sido redigido e feito chegar ao governo pela própria EDP. E nos últimos tempos ficámos a saber que, enquanto era ministro e deliberava sobre estas matérias, Manuel Pinho terá alegadamente recebido mais de um milhão de Euros do BES, accionista da EDP, canalizados do saco azul do banco para offshores detidas pelo ministro, para além de ter mais tarde beneficiado das benesses associadas à cátedra da Universidade de Colombia paga directamente pela EDP.

Caberá à justiça estabelecer se, e de que forma, tudo isto está ligado. E espera-se que daí sejam retiradas as devidas consequências, tanto a nível penal como da eventual nulidade de actos administrativos praticados em benefício de interesses privados.

Mas há consequências políticas mais gerais que podemos retirar desde já de toda esta história. Dizem respeito às consequências da promiscuidade entre o poder económico e o poder político em sucessivos governos, ao carácter ruinoso desta e outras privatizações e à urgência de enfrentar seriamente as rendas do sector energético. Quando se transforma a provisão de serviços públicos essenciais numa arena para negociatas, este é o tipo de resultados que se obtém.

Marionetas ou ativos cúmplices dos ainda donos disto tudo?

por estatuadesal

(Jorge Rocha, in Blog Ventos Semeados, 26/04/2018)

balseiro

Às vezes surgem situações no nosso quotidiano que levam um ateu confesso (como é o meu caso!) a questionar se fazem algum sentido aquelas palavras de Cristo na cruz quando, a propósito dos que lhe promoviam o martírio, confidenciava ao Deus-pai: «perdoai-lhes Senhor, que não sabem o mal que fazem!».

Esse pensamento voltou-me à baila a propósito do muito enfatizado discurso da jotinha laranja na Assembleia durante a cerimónia evocativa do 25 de abril, ou nos dias anteriores, o das consecutivas violações aos mais elementares princípios deontológicos incorridos pelos «jornalistas» incumbidos de promoverem a pornográfica exibição dos interrogatórios da Operação Marquês.

A difusão da ideia generalizada em como todos os políticos são corruptos tem sido estratégia bem sucedida de quem vê a realidade prestes a alterar-se significativamente com a entrada em força da robótica, e da informática em geral, em áreas até agora poupadas à sua plena utilização, e sabe inevitável o engrossamento dos exércitos de desempregados que não encontrarão colocações precárias, nem apoios sociais suscetíveis de lhes satisfazerem as necessidades mais elementares.

As décadas mais recentes - mormente desde a Operação Mãos Limpas em Itália! - têm sido elucidativas sobre os efeitos decorrentes da suposta higienização das sociedades contra os corruptos, prendendo os mais expostos (normalmente escolhidos criteriosamente à esquerda por juízes e magistrados ideologicamente coniventes no processo!), e abrindo larga margem para proliferarem os Berlusconis, ainda mais envolvidos em trapaças financeiras e empresariais, mas dotados de força mediática (o controle da imprensa) e policial para sonegarem à maioria descontente a plena expressão da sua indignação.

Tem sido assim que Putin na Rússia consolida o seu poder às costas de oligarcas mandados prender para servirem de fáceis alibis de um desígnio escondido atrás de vestes nacionalistas, mas relacionado com os interesses que tão facilmente assim se acobertam. E explicam-se, da mesma maneira, os Orbans, os Erdogans, os Temers, que parecem justificar a ascensão inabalável das extremas-direitas.

Esse véu de fumo tende a escamotear-nos a realidade, a preparar-nos para regimes políticos onde os pensamentos contrários sejam esmagados, em que vigore uma única caracterização do presente e se adie tanto quanto possível a consciência coletiva de estarmos prestes a chegar a um daqueles momentos históricos, identificados por Karl Marx, como sendo aqueles em que as contradições alcançarão um tal ponto de rutura, que volta a fazer sentido substituir a possibilidade transformadora das reformas (mormente as ilusões sociais-democratas de alguns!) pelas revoluções de cunho marcadamente socialista.

Daí que se justifique a questão de saber se Margarida Balseiro Lopes ou Ricardo Costa têm alguma consciência relativamente ao mero papel de marionetas, que lhes é dado por quem maneja para que o futuro seja uma distopia fascista? Sabem o que fazem ou papagueiam aquilo que os verdadeiros patrões lhes insinuam como próprios dos  papéis enquanto, respetivamente, deputada da Nação ou diretor da SIC?

Nos próximos dias este blogue cirandará pelo controverso mundo dos fundos-abutres, que manobram as economias mundiais através dos paraísos fiscais e são os principais responsáveis pelo incremento acelerado das desigualdades e outras facetas injustas, que integram os nossos quotidianos...

A vida dos militares portugueses na República Centro Africana. Os combates, os ataques e os medos

26 Abril 2018

Pedro Raínho

Nas ruas da capital, sofrem emboscadas e são o alvo de apedrejamentos. A norte, já "limparam" zonas ocupadas por grupos armados. São a força portuguesa, o braço-direito do comandante da ONU.

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Em segundos, o som das hélices tornou-se nítido. O tenente-coronel Alexandre Varino, o sargento Rodrigo Silva e o cabo Sérgio Freitas sabiam que estava na hora do ataque. “Há um momento de adrenalina, quando vemos o helicóptero fazer fogo com armas de 20 milímetros”, recorda o sargento. “Aí, percebemos que está a acontecer alguma coisa.” Estavam 500 quilómetros a norte da capital da República Centro Africana (RCA) para ajudar a executar uma missão: uma centena de militares portugueses, a maioria comandos, tinha de recuperar o controlo de Bocaranga, uma vila ocupada por um grupo fortemente armado — um dos que o comandante da missão da ONU quer erradicar do país e cuja missão entregou aos militares portugueses, a sua força de confiança na RCA.

Os portugueses estão desde o início do ano passado no país. Como Força de Reação Rápida da missão das Nações Unidas deviam ser um último recurso, a resposta eficaz para as situações que fugissem ao controlo das outras unidades militares integradas na missão de paz, num momento em que a ONU tem mais de 12 elementos no terreno (sobretudo militares). Mas a instabilidade na República Centro Africana é demasiada e permanente e a força portuguesa acaba por estar diariamente envolvida em patrulhamentos nas ruas da capital, Bangui, além de ser convocada para missões de “limpeza” de pontos estratégicos, como aconteceu em Bocaranga, na região norte, no final do ano passado.

O grupo precisou de três dias para chegar a Bouar, onde estava instalado o comando de operações oeste da missão das Nações Unidas no país, a MINUSCA. Saíram de Bangui, fizeram todo o caminho para norte pelas estradas de terra que ligam as principais cidades e vilas do país e, finalmente, ao final da tarde de quinta-feira, 5 de outubro de 2017, chegaram ao ponto de concentração de forças que iam participar no assalto. O tenente-coronel Varino sabia qual era o objetivo da missão, mas precisava de planeá-la. Estava em causa uma das operações mais sensíveis da força nacional, num país em clima de pré-guerra civil e em que os capacetes azuis acabaram por tornar-se um alvo a abater para os vários grupos armados espalhados pelo território, que se dedicam à ameaça e à extorsão da população centro africana.

O comandante português tinha uma certeza: “A operação Bocarangatinha de ser lançada de madrugada para que se cumprisse a missão” de “limpeza” da cidade. Era importante apanhar o grupo armado com as defesas em baixo e garantir que havia tempo de luz suficiente para concluir o trabalho. Alexandre Varino não podia arriscar-se a que os seus homens ficassem presos, às escuras, em terreno inimigo. Por isso, o tenente-coronel precisava de definir o local de entrada no terreno na cidade, o posicionamento dos seus homens, e até o momento em que cada uma das equipas entrava em ação depois de os helicópteros fazerem a sua parte. Estudou o local, ouviu os outros comandantes ao serviço da ONU e apresentou a proposta ao comandante. Tinha poucas horas para definir o plano de ação e a última palavra ainda cabia ao comandante senegalês da MINUSCA. Chegou a luz verde. Iam avançar.

Depois de Bouar, o último ponto de reunião da força foi o aeródromo de Bocaranga, a sete quilómetros da cidade. Os militares portugueses chegaram na noite de sexta-feira, já conscientes de que voltariam a sair dali poucas horas mais tarde, ainda antes de a primeira luz do dia.

Depois de o helicóptero fazer um raide, os militares portugueses começaram a varrer a cidade, casa a casa. “Naquele momento, passam-nos muitas coisas pela cabeça, porque temos o intuito de caçar, mas, ao mesmo tempo, eles também são caçadores”, admite um dos militares envolvidos na operação. “Qualquer passo em falso pode ser a eliminar para nós.”

O primeiro helicóptero avançou. A carga desceu sobre os telhados de zinco e atingiu também as frágeis paredes de barro das casas, com menos de dois metros de altura, alinhadas ao longo da avenida principal da cidade. Dos homens que sobrevoavam a cidade, o comandante português ia recebendo indicações sobre onde tinham sido detetados elementos do grupo armado 3R (Retorno, Reclamação e Reabilitação) e ajustava a estratégia no terreno a essas informações recebidas.

Quando o primeiro raide aéreo terminou, Alexandre Varino já tinha dado ordens aos seus homens. De G3 na mão, o sargento Silva e o cabo Freitas estavam em alerta total quando saltaram dos Humvees brancos com as letras NU inscritas a negro. “Há grupos armados na vila que não querem sair e vai acontecer”. Era inevitável o confronto frente-a-frente, recorda o sargento. “É um momento difícil, porque não sabemos o que o grupo armado vai fazer”, explica. O inimigo vai fugir? Vai fazer fogo? Vai fazer fogo e fugir? Vai colocar armadilhas? Rodrigo Silva geria todos os cenários possíveis à medida que avançava na revista casa a casa.

Alguns dos elementos do grupo armado resistiram à investida dos comandos portugueses e somaram baixas ao grupo que nenhum elemento se dispôs contabilizar, como que num código de silêncio em sinal de respeito. Muitos fugiram pelas traseiras da principal igreja da cidade, na zona oeste, deixada propositadamente livre pela força da ONU para permitir que escapassem. “A nossa missão não era aniquilar o grupo” mas garantir a recuperação daquele ponto, explica o tenente-coronel Varino.

Sérgio Freitas seguia ao lado do sargento Silva à medida que revistavam as dezenas de habitações. “Naquele momento, passam-nos muitas coisas pela cabeça, porque temos o intuito de caçar, mas, ao mesmo tempo, eles também são caçadores”, admite. “Qualquer passo em falso pode ser a eliminar para nós” e, por isso, “ao entrar numa casa ou ao fazer uma travessia, temos de manter a atenção redobrada para não haver fatalidades”. Pelo rádio, a equipa ia recebendo as orientações do comandante Alexandre Varino. Em sete horas, a cidade estava nas mãos dos portugueses. Algumas baixas do lado do grupo armado; um cenário diferente do lado da força portuguesa.

“Um militar ferido ou morto é um insucesso”

Foi a primeira vez que os três militares  se cruzaram numa missão. Nenhum se estreava num teatro de operações mas, para o tenente-coronel, aquela era primeira experiência como comandante de uma força. “A diferença é significativa, há muito mais peso” sobre os ombros, porque, “quando se comanda, não cuidamos só de nós, cuidamos de nós e de todos os outros que estão sob o nosso comando, temos o dever de zelar por eles, pela sua segurança, para que as regras sejam cumpridas e para que tudo corra como deve ser”, explica o comandante. “É um peso diferente.”

Alexandre Varino integrou o 100º curso de Comandos. “Esse curso teve um peso um simbólico maior, porque era o reativar de uma unidade importante da história militar, os Comandos, que têm 96 anos e são a unidade mais condecorada das Forças Armadas”, diz ao Observador.

São Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique, Afeganistão — o currículo de missões já ia longo quando Alexandre Varino foi apontado comandante da segunda Força Nacional Destacada na República Centro Africana. A influência de um tio, antigo militar do Exército, e o fascínio pela “atividade física, pela disciplina, pelo rigor e pela ordem” empurraram-no para uma carreira nas Forças Armadas.

Foi na Academia Militar que teve o primeiro contacto com as tropas especiais e foi aí que decidiu desafiar-se num dos cursos mais exigentes — o de Comando. Mas em 1996, quando terminou a formação, o Regimento tinha sido extinto por decisão política (em 1993), na sequência da morte por exaustão de dois recrutas do curso e uma terceira morte sem explicação clara, nos anos anteriores.

O militar chegou a apresentar-se como candidato ao curso de Operações Especiais, mas não prestou provas porque os superiores se recusaram a dispensá-lo das suas funções na Escola Prática de Infantaria. Estava na região autónoma, já como comandante de companhia, quando a unidade de Comandos foi reativada, em 2002. Entretanto promovido a capitão, Alexandre Varino inscreveu-se. Integrou o curso 100 daquela força. “Esse curso teve um peso simbólico maior, porque era o reativar de uma unidade importante da história militar, os Comandos, que têm 56 anos e são a unidade mais condecorada das Forças Armadas”, diz ao Observador.

Na República Centro Africana, já como tenente-coronel e com meia dúzia de missões na ficha militar, Alexandre Varino teve mais de 100 homens sob o seu comando.

A preparação da missão começou cerca de seis meses antes da partida para África, assim que a primeira força portuguesa embarcou rumo a Bangui, no início de 2017. “O comandante tem de conhecer tudo: o teatro, as ameaças, a história do conflito e a sua própria força, à medida que é constituída”, explica ao Observador. Há ainda todo um processo burocrático, que envolve passaportes, preparação sanitária, exames médicos e a preparação tática e física dos militares.

1 milhão

A República Centro Africana é o sexto país mais pobre do mundo (em função do PIB per capita), o país com mais baixo nível de desenvolvimento humano (segundo as Nações Unidas), com uma esperança média de vida de 51 anos. Metade da população, que rondará os 4,5 milhões de pessoas, precisa de ajuda humanitária. O conflito atual já obrigou um milhão de centro africanos a abandonar as suas casas e mais de 400 mil fugiram do país.

Nalguns casos, ainda há questões menos óbvias que também têm de ser acauteladas — como tirar a carta. “As equipas de comandos são constituídas por cinco militares, um tem a função de condutor e, esses, a força já os terá quase todos” quando recebe a indicação de destacamento, diz o tenente-coronel. “Mas é sempre vantajoso na equipa ter mais de um militar com capacidade para conduzir, porque os deslocamentos são demorados, cansativos”, como aconteceu na viagem até Bocaranga e, logo a seguir, na subida até Bang, junto à fronteira com o Chade e os Camarões, o segundo ponto a ser recuperado das mãos de um grupo armado(naquele caso, o MPC), dias mais tarde.

O que significa falhar uma missão? “Poder ter um militar ferido ou morto é um insucesso, porque não quero que algum dos meus homens fique ferido ou que morra", diz o comandante da missão portuguesa na República Centro Africana. O risco esteve sempre presente. "Do lado de lá estão militares como nós", diz.

África não era novidade para o tenente-coronel. A República Centro Africana, sim. Numa missão de alto risco como aquela que os militares portugueses desempenham no país — neste momento, são os militares paraquedistas a assegurar a representação portuguesa —, o perigo é constante. “Para nós, não correr bem é termos uma baixa, e isso pensa-se sempre”, admite o comandante. “Poder ter um militar ferido ou morto é um insucesso, porque não quero que algum dos meus homens fique ferido ou que morra.”Nunca acreditou que pudesse perder um combate. Mas o risco de uma operação correr mal esteve presente. “Muitas vezes, porque do lado de lá estão militares como nós, com a mesma capacidade e que também disparam”, reconhece o tenente-coronel de 45 anos.

A missão Damakongo (que culminou com a libertação de Bocaranga e Bang) valeu à força portuguesa um louvor do general Simbuliani, comandante do setor. A nota — a primeira de três distinções ao trabalho dos militares portugueses na RCA — destaca a “iniciativa”, a “disciplina”, o “profissionalismo” e o “compromisso” que a Força de Reação Rápida (Quick Reaction Force) mostrou naqueles cenários. O nome de Alexandre Varino também é referido nesse louvor, para assinalar o “profissionalismo” e a “capacidade de liderança” do comandante português — mas o tenente-coronel relativiza. “O importante é a força” portuguesa que esteve no terreno. A operação no norte da RCA foi um caso limite, um ataque organizadopela força portuguesa para anular (ou repelir) um inimigo. A maior parte dos dias da missão foi dedicada a patrulhas na capital. Outro cenário, o mesmo risco iminente.

Combates em silêncio a 6 mil quilómetros de casa

Os militares que participam na missão na RCA sabem os riscos a que estão sujeitos. Passou mais de um ano desde a chegada dos capacetes azuis portugueses ao país e a tensão está a níveis explosivos. No início de abril, uma patrulha de paraquedistas “foi flagelada com tiros de armas ligeiras por elementos de um grupo armado” num bairro residencial de “influência muçulmana”, referiu então ao Observador uma fonte militar que acompanha a missão portuguesa no país. Nesse ataque, nenhum elemento daquela força especial ficou ferido, mas, exatamente uma semana mais tarde, um militar português sairia ferido, atingido por estilhaços de granada, de uma outra operação na capital. “Desde finais de 2017, quando a violência no país voltou a ganhar expressão, foi primeira vez que houve um ataque” a militares das Nações Unidas, disse então outra fonte militar ao Observador. A exceção está a tornar-se regra para a missão das Nações Unidas.

O trânsito em Bangui é caótico. Há motas que se cruzam por todo o lado, as buzinas apitam de forma ininterrupta. E, apesar de na capital haver edifícios em tijolo e cimento, a construção é maioritariamente precária, não há eletricidade, o saneamento básico é inexistente — os detritos são lançados de um balde pela janela das casas. As escolas estão destruídas, os hospitais não funcionam.

Na linguagem militar, o território está organizado por faixas de 360 graus, distinguidas entre si por um valor, a seguir à sigla PK, atribuído em função da distância desse ponto face ao centro. Por exemplo, a zona PK3, em que o “PK” significa, literalmente, pourkilometre, na expressão francesa, é a terceira mais distante do ponto zero, e fica a três quilómetros dessa referência central.

A população da capital do 6º. país mais pobre do mundo reúne-se com base na sua identidade religiosa, católicos com católicos, muçulmanos com muçulmanos — a religião foi, aliás, um dos principais motivos de um tumulto político com consequências sociais e militares fatais que, em 2013, levou à deposição do então presidente, o general François Bozizé, que já tinha assumido o poder com recurso à violência; a par da religião, o conflito é motivado por uma forte disputa pelo controlo dos recursos naturais do país.

Bangui continua a ser a única zona controlada pelo Governocentro africano e a força portuguesa esteve quase sempre destacada no terceiro distrito da cidade, um reduto muçulmano enclausurado entre outros bairros de maioria católica. Durante a presença dos comandos na República Centro Africana, o general Balla Keïta confiou aos portugueses a missão de erradicar os grupos armados que continuam a controlar partes significativas do território, inclusive em Bangui. Essa missão não foi concluída por aquela força, rendida no início deste ano depois de dois destacamentos consecutivos, e a tarefa passou para as mãos dos paraquedistas. Esse objetivo do comandante-geral da MINUSCA ajuda a explicar a crescente tensão com os capacetes azuis.

“Hoje em dia, esses grupos, inicialmente denominados de auto-defesa, dedicam-se à extorsão da população, funcionam como um grupo com armas, organizado, com líder e que controla determinada região dentro desse bairro” onde a força nacional esteve instalada, diz o tenente-coronel Alexandre Varino para explicar por que razão a própria ONU decidiu alterar a denominação destas unidades, de grupos de auto-defesa para grupos armados. Apesar de haver uma maior presença do Governo na capital, mesmo ali a tensão está presente a todo o momento.

Nas patrulhas que fizeram em Bangui, os militares portugueses foram-se apercebendo de que a missão da ONU não era recebida com o mesmo entusiasmo por toda a população centro africana. “A opinião não era toda igual, havia pessoal que nos apoiava e outros que não, que insultavam, não tanto com insultos verbais mas através de gestos”, diz o cabo Freitas. Por vezes havia lançamentos de pedras contra os militares. Noutros casos, eram feitas emboscadas como a que visou os paraquedistas, já este mês.

Os comandos optaram sempre por desvalorizar esses sinais. “Não era essa a nossa missão e, além disso, qualquer atitude negativa da nossa parte seria pior”, porque potenciava o conflito, explica o cabo.

O cabo Freitas queria mesmo tentar concluir o curso de comandos. “Para me desafiar a mim próprio”, diz. “Ouvi falar de uma tropa rija, dizia-se que era complicada.” Não imaginou que fosse tão rija. Foi o frio, a ele que veio da Covilhã, o que mais o marcou nas provas da formação.

A namorada ficou à espera em Lisboa, a mais de seis mil quilómetros de distância, quando o militar partiu para a missão. Instalados no acampamento de Bangui, perto do aeroporto, onde a força passou a maior parte dos cerca de sete meses de missão, a comunicação com a família estava facilitada. Uma ligação através do WhatsApp e ficavam tranquilos. “Sempre que conseguíamos ter comunicações” — e a própria missão disponibilizava sinal WiFi aos militares destacados —, “comunicava para casa, dizia que estava tudo bem, para não se preocupar”, recorda das conversas com a namorada.

Os pormenores, guardava-os para si. “Por vezes, apareciam notícias das ações que fazíamos, mas não lhe explicava detalhadamente, porque há coisas que ficam para nós e que não devemos partilhar”, resume o cabo. Fora da capital — precisamente quando se realizavam as missões de ataque as grupos armados —, essa tarefa tornava-se impossível. Sem ligação à Internet, em alguns casos o silêncio chegou a prolongar-sepor mais de um mês.

Em março do próximo do ano, esses problemas ficam para trás. O contrato que o militar assinou  com o Exército expira— representando o fim de seis anos da ligação com as Forças Armadas. Já tinha concorrido uma primeira vez àquela que viria a ser a sua força especial, em 2007, mas, como “demoraram muito a responder”, desistiu. Trabalhou como técnico de aparelhos de ar condicionado até que, em 2012, com os clientes a escassear, voltou a tentar a tropa. O cunhado, um boina verde dos paraquedistas, já tinha partilhado com ele algumas histórias sobre a vida militar. Mas Freitas queria mesmo tentar os comandos. “Para me desafiar a mim próprio”, diz. “Ouvi falar de uma tropa rija, dizia-se que era complicada.” Quando assistiu a uma reportagem sobre três irmãos gémeos que partilhavam uma vida militar, sentiu a motivação que faltava.

Procurou informação sobre aquela força especial, queria estar preparado para o percurso até conquistar as insígnias. “Já estava mentalizado de que ia ser duro, mas não imaginava que fosse tanto. Pude comprovar que não é fácil conseguir a boina e o crachá de comando”, admite. Apesar de ter crescido na Covilhã e de estar habituado ao frio seco da serra da Estrela, aquilo que deixou a marca mais profunda das semanas de curso foi o frio que sentiu. “Cheguei a ver camaradas a pedir para desistir, porque já não conseguiam aguentar as provas, e quando me senti um pouco mais débil foi quando me expus mais ao frio”, recorda. O curso decorreu durante o inverno. Num momento, o corpo ferve com a exigência dos exercícios físicos a que são sujeitos. No outro, os recrutas estão gelados. “A camaradagem e a entreajuda que se cria é o que nos fica mais presente”, garante.

Sérgio Freitas não tem um modelo de militar a apontar. “Cada um é comando à sua maneira e eu sou-o à minha, tento cumprir a minha missão da melhor maneira possível”, diz ao Observador. Mas o prazo está a expirar. Traído pela idade — tinha 23 anos quando entrou para as Forças Armadas —, falhou o objetivo inicial de integrar os quadros do Exército. Por isso, o cabo já tem em marcha o seu plano B: “Enquanto aqui estive, tive oportunidade de estudar”, conta. Está no segundo ano da faculdade, curso de gestão. “Cada um tira o melhor proveito do seu tempo livre, cada um tem uma visão diferente” daquilo que vai fazer quando despir a farda.

Diferenças dentro de muros

Rodrigo Silva está há 14 anos no Exército. Esteve três vezes no Afeganistão antes de embarcar para a sua quarta missão, na República Centro Africana, e quando partiu já tinha uma “noção” do que o esperava. “Agora, uma coisa é essa noção prévia, outra é estar no teatro e viver a situação em si.”

O sargento estudou a lição. Quando fala sobre os seus sete meses em África, descreve a topografia, deixa pequenos apontamentos sobre a geografia e mesmo as matizes culturais estão bem presentes. “Eles [os elementos dos grupos armados] sabem que somos de um país católico, e como as nossas missões preponderantes foram contra grupos armados na zona de Bocaranga, em tudo o que era bairros muçulmanos havia uma resistência passiva à nossa passagem”, conta o militar de 34 anos.

Esse contacto com gentes de outras paragens também se fazia sentir quando regressavam ao quartel em que estiveram instalados, num acampamento francês das Nações Unidas próximo do principal aeroporto do país. Ali, partilhavam o espaço do com forças de França, Nepal, Marrocos, Sri Lanka, Burundi, entre outros.

“A NATO obriga a normalizar procedimentos, a ONU não”, nota o sargento. “Tínhamos países com hábitos completamente diferentes e isso é muito mais difícil de conciliar” porque, explica, “enquanto um militar de qualquer país NATO sabe falar inglês, naqueles países isso não acontece”.

Dentro dos muros do aquartelamento, as diferenças entre as forças, ainda que notórias, eram fáceis de conciliar e ultrapassar. No terreno, essa gestão era mais complicada. Em teoria, a força portuguesa só seria chamada a intervir em Bangui quando a situação no terreno se tornasse complicada. A prática revelou outra realidade. “Muitas vezes, a Joint Task Force Bangui — que agrega todas as forças militares e policiais de Bangui — necessitava de pessoal e pedia a nossa intervenção para fazer patrulhas conjuntas com outros países”, recorda o comandante da força portuguesa.