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sábado, 26 de maio de 2018

Ladrões de Bicicletas


A vida, e a dignidade, dos outros (II)

Posted: 25 May 2018 05:44 PM PDT

«Defendo a dignidade da vida como bem essencial e não tenho sobre os meus concidadãos a arrogância de achar que sei mais sobre a dignidade da sua vida do que os próprios sabem sobre o que de mais precioso têm. O direito à vida não passa, para mim, pela imposição autoritária e sem critério de uma obrigação de viver em qualquer circunstância. Não me vejo, por ser deputado, como dono da consciência dos outros. (...) O que se pretende despenalizar é a morte assistida sempre que haja a combinação de quatro coisas: um diagnóstico de doença incurável e fatal ou lesão definitiva; um prognóstico de que essa doença é incurável e fatal; um estado clínico de sofrimento duradouro e insuportável; um estado de consciência que demonstre a plena lucidez e capacidade da pessoa entender o alcance do pedido. É sobre isto, e apenas sobre isto, que serei, como os outros deputados, chamado a votar.»
José Soeiro, A minha morte e a dos outros
«O que acontece quando alguém tem a consciência clara de que a perda de autoestima, de dignidade e de independência, assim como o sofrimento físico e psicológico que o esperam, se irão acentuar nas semanas, meses ou até anos de vida de que possa vir ainda a usufruir? (...) Se, para uns, a resposta óbvia são os cuidados paliativos, para outros, o desejo e a possibilidade de pôr fim rapidamente a esse sofrimento são também muito claros. (...) E é perfeitamente concebível que para muitos (em que eu me incluo) não é só a dor física que é intolerável. É também a ideia de que a quantidade de vida adicional não compensa a qualidade de vida perdida. E suspeito que quanto mais rica tiver sido essa qualidade de vida de alguém, menos disposta estará a valorizar semanas ou meses de vida adicionais.»
Alexandre Quintanilha, Porque a quantidade de vida adicional não compensa a qualidade de vida perdida
«Estou à espera do momento em que os partidos que defendem a "inviolabilidade absoluta da vida humana" sejam consequentes e se cheguem à frente para acabar com o consentimento informado. Pelos seus pressupostos filosóficos e éticos, um paciente não tem o direito de optar pela suspensão de um tratamento que o salva mas que lhe retira a qualidade de vida que ele considera nível mínimo para valer a pena viver e um médico que respeite a sua vontade estará, portando, a incorrer em má praxis. (...) Suspender tratamentos sem os quais alguém morrerá é também eutanásia e é legal. No caso acima é eutanásia passiva voluntária mas não é a única legal, há milhares de casos de eutanásia passiva involuntária que são sinal de boa prática clínica, o encarniçamento terapêutico [*] é falha deontológica grave.»
Maria João Pires (facebook)

Para lá do inofensivo

Posted: 25 May 2018 03:37 AM PDT

Anteontem, o primeiro-ministro foi acossado no Parlamento (minuto 22) com perguntas sobre a actividade do seu ministro adjunto Pedro Siza Vieira.
As questões ficaram-se pela ética. Ou seja, sobre a sua exclusividade obrigatória enquanto membro do governo, quando também era gerente de uma sociedade, criada dois dias antes de entrar para o Governo; ou sobre o facto de o ministro ter reunido com a sociedade China Three Gorges que tem como advogados a sociedade de advogados Linklakers de onde veio o ministro adjunto.
Tudo pareceu uma tempestade num copo de água por parte do PSD. Mas talvez fosse necessário ir mais fundo sobre a sua actividade junto do primeiro-ministro.
Pedro Siza Vieira não é um advogado qualquer. Veja-se com atenção o seu curriculum oficiale aquele que aparece na Wikipedia, ao que parece baseado num artigo do Expresso.
Já na passada sexta-feira, o advogado esteve no centro de um artigo do Público onde se suscitava uma questão grave: a de o Governo ter decidido alterar uma lei para facilitar uma operação da qual beneficiariam os sócios chineses da EDP, a China Three Gorges. Ou seja, ao contrário do que seria suposto, secundarizava-se o princípio geral que uma lei deve ter, para atender a um caso concreto. E estranhamente o PSD não levantou essa questão...
Depois, o gabinete de Siza Vieira assumiu a sua paternidade na criação das SIMFE, sociedades de investimento mobiliário para fomento da economia: "O Sr. Ministro-Adjunto era vogal da EMCM, estrutura essa que propôs, nomeadamente, a constituição das SIMFE e dos certificados de curto prazo". Ora, as SIMFE - a julgar pelo preâmbulo da lei - são uma forma de financiar as pequenas e médias empresas que não conseguem financiamento no desconfiado mercado bancário. Ou seja, um mercado de segunda que o sistema financeiro desdenhou e com menores exigências.
E foi também por isso que a Associação de Fundos de Investimento, Pensões e Património (APFIPP) decidiu atribuir,  há dias, precisamente a Pedro Siza Vieira, o prémio de figura do ano. Porquê?  
“Pelo trabalho ímpar que desenvolveu na Estrutura de Missão para a Capitalização das Empresas e na implementação do Programa Capitalizar, procurando criar o enquadramento jurídico necessário para que a indústria de Gestão de Activos e de Fundos de Pensões desempenhe um papel mais significativo no financiamento da chamada economia real por parte dos investidores institucionais”. Ou ainda: "É para nós evidente a importância que teve o trabalho desenvolvido pela Estrutura de Missão para a Capitalização das Empresas, ao tentar abrir caminho para o renascimento de um mercado de Capitais em Portugal", justificou Veiga Sarmento, presidente da APFIPP.
Mas como funcionará esse mercado de segunda? E porquê tanto apoio dos fundos de investimento? E por que será que o PSD nada diz sobre isso também?

A SIMFE tem uns accionistas (ou subscritores de acções da SIMFE) que investem na SIMFE. E a SIMFE investe em acções de empresas e subscreve obrigações dessas pequenas empresas. A SIMFE é uma sociedade anónima, de responsabilidade limitada e que tem de ter um capital mínimo de apenas 125 mil euros. Portanto, precisa de mais capitais para cumprir a sua função. O diploma não é explícito, mas a SIMFE ou vende acções suas ou deve unir os títulos das empresas, em fundos de investimento e vende as suas unidades de participação a outros investidores - não se sabe como, por quem, em que balcões. E as receitas da SIMFE devem resultar de toda esta actividade de intermediação.
É esse o entendimento da CMVM, como disse ao LADRÕES: "Importa sublinhar que a SIMFE corresponde a um organismo de investimento coletivo, pelo que os acionistas da SIMFE (ou seja, os investidores) não detêm diretamente as ações ou obrigações das empresas elegíveis, mas apenas as ações da própria SIMFE, cuja administração investirá então nesses ativos elegíveis."
A ideia das SIMFEs até parece aliciante: Há empresas que precisam de capital e arranja-se "capitalistas" para as apoiar.
Mas passado um ano, segundo a CMVM disse ao LADRÕES, "até ao momento, apenas uma entidade solicitou esse registo, tendo o mesmo sido efetuado pela CMVM no início de 2018". Foi esta. E foi assessorada pela sociedade de advogados Sérvulo Correia & Associados, tendo já um corpo de pessoal já conhecido. Entre os quais, o economista Ricardo Arroja.
A Sérvulo Correia & Associados é uma sociedade de advogados que tem tido um papel relevante naquilo que se chama o outsourcing legislativo por parte do Estado. Ou seja, o Estado encomenda à sociedade de advogados aquilo que supostamente deveria ser a sua função fazer, de forma a melhor defender os seus interesses. O argumento que a Sérvulo Correia & Associados usa para justificar esse outsourcing é perverso: diz-se que é um risco o Estado recorrer à sua "prata da casa" quando se trata de assuntos complexos para os quais não têm know-how. Na verdade, trata-se do risco inverso: não tendo conhecimento e colocando-se nas mãos "externas" é a melhor forma de acentuar a dependência, ao mesmo tempo que se concede de bandeja a possibilidade de criação de "alçapões" legais invisíveis, que apenas o seu criador conhece e pode vender a clientes seus, como soluções suas. E essa dependência pode assumir diversas formas. Veja-se aqui o que aconteceu com a aquisição de equipamento militar.
Ora, com as SIMFE resta saber o que se passou. Qual a vantagem efectiva das SIMFE? Qual a vantagem para a Sérvulo Correia & Associados se apressar a assessorar a única SIMFE, quando mais ninguém o fez? Quererá isso dizer que foi a Sérvulo Correia que elaborou o diploma que as criou? E se assim foi, porque se recorreu à Sérvulo? E quando custou? E quem o encomendou? Como disse a CMVM ao LADRÕES, o regulador pouco interveio: "O regime jurídico das SIMFE resultou de um projeto de iniciativa governamental. A CMVM comentou o projeto de regime jurídico das SIMFE numa fase já adiantada do processo. Na sequência dos comentários da CMVM ao projeto de regime jurídico das SIMFE foram feitos alguns aperfeiçoamentos no referido projeto".
Mas, mais que tudo, por que razão foi feita desta forma? O diploma gera variadas dúvidas:
1) Quem garante a qualidade dos títulos revendidos das empresas?
Supostamente cabe à SIMFE avaliar as "empresas elegíveis", mas é a própria SIMFE que tem interesse em vender as unidades de participação dos fundos compostos por esses títulos das empresas. A CMVM descarta qualquer responsabilidade: "O início da atividade das SIMFE não está sujeito a autorização da CMVM, mas a mero registo prévio. (...) A competência da CMVM é, portanto, de verificação da elegibilidade dos ativos, de cumprimento da política de investimento definida e da atuação no interesse dos investidores, competindo à SIMFE a busca de qualidade e de valor, através de uma ponderada seleção de ativos e da gestão profissional dos mesmos". Ou seja, quem garante realmente que não se esteja a vender gato por lebre? Não poderá tudo redundar num subprime?

2) Quem avalia as SIMFE?
A CMVM apenas pode recusar o registo da SIMFE se não tiver "todos os documentos e elementos necessários" e não estejam cumpridos os requisitos relativos à idoneidade dos membros dos órgãos da administração e fiscalização da SIMFE. Mas a lei apenas fixa que "os membros do órgão de administração e de fiscalização da SIMFE devem reunir condições que garantam a sua gestão sã e prudente, devendo cumprir requisitos de idoneidade, qualificação e experiência profissional e disponibilidade comprovadas". Ou seja, devem, mas não são obrigados a isso. E os fundamentos para o cancelamento da SIMFE são extremamente difíceis de concretizar.
3) Quem garante os fundos investidos nas SIMFE  ou nos produtos das SIMFE?
A CMVM não é muito clara: "A escolha das empresas elegíveis objeto de investimento concreto por cada SIMFE em cada momento é da exclusiva competência da administração da SIMFE, sendo que tal escolha deverá ser efetuada em termos profissionais e no exclusivo interesse dos acionistas". O diploma estabelece que as SIMFE têm de durar pelo menos 10 anos, mas ao mesmo tempo afirma-se que a autorização da SIMFE se extingue com o fim da SIMFE...
E o que acontece se tudo correr mal? Os investidores perdem dinheiro nas unidades de participação, mas o que acontece à SIMFE?     
A dúvida que se deve colocar é por que se meteu o governo apressadamente nesta legislação, pelos vistos com a colaboração de Pedro Siza Vieira.
Tal como está acontecer com as sociedades REIT (Real Estate Investment Trusts). Ainda estão em apreciação pelo Governo, mas, a julgar pela imprensa, espera-se que tenha um regime semelhante às SIMFE, mas desta vez para o investimento imobiliário. E com boa imprensa e artigos que saem antes mesmo da sua aprovação legal, mostrando como têm sido um sucesso em Espanha (ou mais aqui) e até incluindo a CMVM na campanha (e mais aqui), tudo parecendo estar-se a pressionar o Governo.
Só que, aqui, as REIT já parecem estar mais próximas da actividade da empresa criada por Siza Vieira, antes de entrar no governo. O futuro dirá sobre o que vai acontecer.

sexta-feira, 25 de maio de 2018

Entre as brumas da memória


Ataques a quem defende o Sim quanto a Morte Assistida / Eutanásia

Posted: 25 May 2018 01:40 PM PDT

O Facebook apagou esta Sexta-feira a página do «Movimento Direito a Morrer com Dignidade». Este vídeo, exibido na página do Movimento, e no qual figuras públicas apelam à despenalização da morte assistida, contava já com mais de meio milhão de visualizações.

Isto acontece, normalmente, por denúncia de utilizadores, até que a situação seja analisada e reposta. Foi também eliminado do Youtube, onde eu tinha ido buscá-lo para este blogue (e onde passou a não estar acessível).

Neste preciso momento há novas ligações para o vídeo, mas prefiro pôr a versão que, entretanto, descarreguei para o meu computador – não vá o diabo tecê-las.

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A múmia saiu do sarcófago e falou

Posted: 25 May 2018 11:35 AM PDT

Cavaco apela ao voto contra a eutanásia.

«Como cidadão, sem responsabilidades políticas, o que posso fazer para manifestar a minha discordância é fazer uso do meu direito ao voto contra aquelas que votarem a favor da eutanásia.» – diz ele.

Será que o PCP pode ter esperança de receber o voto deste ex-PR?

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RGPD

Posted: 25 May 2018 07:54 AM PDT

O Regulamento Geral de Protecção de Dados, tal como nos está a atacar, é um retrato mais do que fiel da estupidez que impera na governança dos povos. E cheira a canto do cisne.

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Deuses e diabos

Posted: 25 May 2018 06:01 AM PDT

Obedecer a Deus, às escrituras e.. a outras coisas. Por exemplo disciplina de voto em questões de direitos humanos – se é que me faço entender.

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Metam-se na vossa morte

Posted: 25 May 2018 02:48 AM PDT

«Representantes de oito comunidades religiosas, com "perspectivas distintas" sobre muitas matérias, estiveram esta quinta-feira reunidos com o Presidente da República, a quem transmitiram estar "absolutamente convergentes" em relação à eutanásia, que consideram ser "um retrocesso civilizacional", tal como a lei do aborto, dos casamentos homossexuais, da adopção gay, do divórcio, etc.

As comunidades religiosas estão assustadas com este retrocesso civilizacional. Se isto continua assim, qualquer dia ainda acabamos a fazer exorcismos, a canonizar pastores ou a andar quilómetros de joelhos por acreditar em milagres.

Católicos, evangélicos, judeus, muçulmanos, hindus, ortodoxos, budistas e adventistas foram recebidos por Marcelo Rebelo de Sousa, e foi um bocado confuso porque o PR não sabia se podia cumprimentar todos com beijinhos. Por exemplo, os budistas, que tinham tomado uma pastilha, já queriam abraços e carícias.

Imagino que, se Marcelo tirou a habitual selfie, com toda aquela gente, fique uma coisa parecida com um cartaz da Benetton. Custa-me entender que os hindus estejam contra a eutanásia, porque para quem acredita na reencarnação, no fundo, isto é deixar outro ser à espera. Está ali um indivíduo em sofrimento quando já podia ter falecido e regressado ao mundo como uma bonita e saudável gazela e andar a correr feliz pela savana.

Esta ideia de que estar contra a eutanásia é "Lutar pela tua vida" faz pouco sentido. Na eutanásia, as pessoas não querem lutar pela sua vida, querem ter direito à sua morte. O que esta gente quer não é que as pessoas em estado terminal lutem pela sua vida, mas sim pedir às pessoas que estão com saúde, e que não têm nada com isso, que se vão meter na vida e na morte dos outros.

Há na nossa sociedade uma espécie de glorificação do sofrimento. Basta ver as condições em que estão alguns doentes nos hospitais. Deve ser uma coisa que nos ficou do tempo da troika.

Entretanto, o PCP já veio afirmar que vai votar contra a despenalização da eutanásia. Para o PCP, o sofrimento faz parte da vida, daí o apoio ao regime do Maduro. Segundo o PCP, despenalizar a eutanásia "não corresponde a uma necessidade prioritária para a sociedade", a não ser que entretanto o Sindicato dos Profissionais do sector funerário se manifeste por falta de trabalho.

O CDS também vai votar contra, como ficou bem expresso num cartaz onde o partido afirma que "A Eutanásia Mata." Por esta é que eu não esperava! Que surpresa! Ia morrendo com esta revelação. Qualquer dia, até morrer mata! Que chatice! Já não se aguenta este tipo de informações. Agora faz tudo mal à saúde. Já não bastava o álcool, a carne de porco, o tabaco, o sal, o açúcar, agora, até a eutanásia mata! Irra!»

João Quadros

Teste da bússola política. Espelho meu, quem é mais de esquerda do que eu?

25 Maio 2018

Rita Tavares

Pedro Benevides

O PS deve estar mais à esquerda ou mais ao centro? O debate vai marcar o congresso do partido, por isso desafiámos destacados socialistas a responderem ao famoso teste da bússola política.

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Dois anos e meio de uma inédita “geringonça”. Será que devemos repetir? Não será hora de realinhar ao centro? Há social-democracia para lá da terceira via ou é ela o único caminho? Os socialistas moderados ainda têm espaço? Agora só conta a esquerda? Para onde ir? Eis o PS às portas da Batalha, onde vai decorrer o congresso do partido — o último antes das legislativas — durante todo o fim-de-semana. O debate ideológico volta em força, com dirigentes, deputados e governantes a trocarem argumentos publicamente nas últimas semanas. Desafiámos um grupo de destacados socialistas que se opõem neste debate interno a responderem a um questionário já bem conhecido. Afinal o que os separa dentro da esquerda a que pertencem?

O teste é o do Political Compass e o Observador desafiou vários socialistas a responderem às 62 perguntas do teste americano que não só ajuda a mostrar o posicionamento político na lógica esquerda-direita, como também permite perceber quem é mais liberal ou conservador em matéria de costumes. Juntámos a este grupo, as respostas dadas por António Costa ao mesmo teste, em 2014 ao Observador, quando ainda estava a concorrer pela liderança do partido. O resultado geral não é surpreendente: são mesmo todos socialistas. Mas apesar de todos estarem no espectro da esquerda libertária — a tradução não é fácil porque o teste é americano, mas diz respeito a pessoas que defendem um maior peso do Estado, mas são liberais nos costumes –, a verdade é que a rosa tem vários tons.

Pode ler as respostas dos nove socialistas a cada uma das perguntas no final do texto e também comparar as diferenças entre o que pensam. Em mais de metade das resposta (34) não há discordâncias, com os novos socialistas a divergirem apenas na intensidade da resposta: “concordam” ou “concordam fortemente”; “discordam” ou “discordam fortemente”. Nuances que acabam por ter na mesma relevância para o resultado final. Há apenas quatro perguntas em que as respostas são exactamente iguais.

Quanto à diferenças, as mais significativas têm a ver com a segurança do país e dos direitos dos cidadãos quando se combatem ameaças terroristas. Por exemplo, são cinco (António Costa, Ascenso Simões, Eurico Brilhante Dias, Marcos Perestrello e Sérgio Sousa Pinto) os que consideram que “ações militares que desafiem o direito internacional são por vezes justificadas”, os outros quatro estão contra. E há quatro dos socialistas (António Costa, Ascenso Simões, Marcos Perestrello e Eurico Brilhante Dias) que consideram que “os nossos direitos cívicos estão a ser excessivamente limitados em nome da luta contra o terrorismo”.

Também há divisão quando o tema é o papel que as escolas religiosas têm na educação das crianças, ou à “fusão crescente entre a informação e o entretenimento” e como ela “contribui de forma preocupante para o declínio do interesse dos cidadãos”. Os nove socialistas que fizeram o teste também não se entendem quando são confrontados com a capacidade que as empresas têm de defenderem o ambiente por si mesmas, sem intervenção do Estado. Ou sobre o proteccionismo. Ou ainda sobre se toda a autoridade deve ou não ser questionada.

Um a um (aqui por ordem alfabética), afinal onde se posicionam estes socialistas no partido?

Ana Gomes: mais à esquerda não há

A eurodeputada consegue ser não só a socialista mais à esquerda do espectro, como a mais anti-sistema. É, aliás, a única que defende com mais convicção que toda a autoridade deve ser questionada. As respostas de Ana Gomes revelam uma crítica mais radical de tudo o que tenha a ver com o capitalismo do que a maioria dos companheiros de partido que responderam ao inquérito.

Vejamos este exemplo: é a única que concorda que a venda de água engarrafada, um bem essencial transformado em produto de marca, é um triste reflexo do estado a que a sociedade chegou. E só ela concorda “fortemente” que a terra não deve ser um bem de comércio, para comprar e vender. No extremo oposto, “discorda fortemente” que as pessoas sejam mais livres quanto mais livre o mercado. Neste ponto junta-se a Duarte Cordeiro e a Tiago Barbosa Ribeiro, dois socialistas também conotados com a ala mais à esquerda do PS.

Do lado dos costumes, se a maioria das respostas está alinhada com a dos outros inquiridos, há um surpreendente lado conservador quando se fala da abertura da sociedade às questões ligadas ao sexo. Hoje vai-se longe demais? Ana Gomes  diz que sim. É a única que concorda.

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António Costa: patriótico e de esquerda

António Costa não é homem de acreditar em previsões astrológicas. Mas se todos os outros socialistas deste painel  discordam “fortemente” da possibilidade de os astros explicarem “muita coisa de forma rigorosa”, Costa não nega à partida uma ciência que desconhece e é o único a deixar ali alguma margem. Talvez já em 2014 estivesse escrito nas estrelas que chegaria a primeiro-ministro.

Foi precisamente no início dessa caminhada, quando ainda disputava a liderança do PS a António José Seguro, que o Observador o desafiou a responder às perguntas do teste Political Compass. E, por essa altura, os resultados apresentaram-no como um político mais à esquerda que Alexis Tsipras, aliás, um político patriótico e de esquerda — talvez também estivesse escrito nas estrelas que, para chegar a primeiro-ministro, haveria de se entender com o Bloco e com o PCP.

Olhando agora para os resultados, e em comparação com o restante painel, António Costa é o único que defende apoiar sempre o país, esteja o país certo ou errado. E é dos poucos (na verdade, é ele e é Sérgio Sousa Pinto) que discordam “fortemente” de quem considera um “disparate” ter orgulho no país quando não se escolhe o sítio onde se nasce.

Na economia, surpresa seria se Costa defendesse ideias liberais como “quanto mais livre o mercado, mais livres as pessoas” — não o faz. Defende a necessidade de restringir certas multinacionais “predatórias”, assume que o protecionismo na economia às vezes é necessário e discorda fortemente da ideia de que os ricos pagam poucos impostos. Ou seja, um homem à esquerda.

Já em termos de política internacional, o posicionamento é menos consensual, já que Costa é daqueles que admitem ações militares que desafiem o direito internacional.

Já foi ministro da Administração Interna, hoje é primeiro-ministro. Na altura não gostava (provavelmente agora ainda gosta menos) da ideia de que “toda a autoridade deve ser questionada”. Duarte Cordeiro pensa exatamente o mesmo. Mas já não concorda com o agora primeiro-ministro que em 2014 entendia que a reconciliação com a norma estabelecida é “um aspeto importante de maturidade”.

E por falar em disciplina, António Costa concorda que “os bons pais têm por vezes de bater nos filhos para os ensinarem a distinguir o certo do que está errado”.

A resposta mais surpreendente a este questionário tem a ver com sexo. Se na maioria das perguntas sobre costumes Costa se mostra liberal (embora não seja o mais entusiasta da adoção de crianças por casais homossexuais), na questão sobre sexo fora do casamento apresenta-se bem mais conservador e é o único da lista a considerar esta prática “geralmente imoral”.

De então para cá, admitimos a hipótese de algumas coisas terem mudado, mas outras estão exatamente na mesma. O mesmo Costa que, em Março deste ano, aproveitou um debate quinzenal para co-responsabilizar a comunicação social pelas consequências dos incêndios do ano passado, nomeadamente por causa da “péssima qualidade” da “informação que só desperta para o problema no meio da tragédia”, já era crítico dos media em 2014. É, aliás, o único deste painel a concordar “fortemente” com a ideia de que a “preocupante” falta de interesse dos cidadãos está ligada à “fusão crescente” entre informação e entretenimento.

Para terminar, a curiosidade de Costa ter ao seu lado apenas dois socialistas na pergunta sobre os momentos em que nos sentimos “perturbados”, precisamente o que está mais à direita e a que está mais à esquerda nos resultados deste teste. Tal como Ascenso Simões e Ana Gomes, Costa também concorda que nesses casos o melhor “é não pensarmos nisso” e ocuparmo-nos com “coisas alegres”.

Talvez seja esta a fibra dos “otimistas irritantes” como lhe chamou o Presidente da República. Em todo o caso, Costa não deverá ter de recorrer ao truque. Este 22.º congresso está desenhado para lhe trazer o mínimo de “perturbações” possível.

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Ascenso Simões: o mais à direita dentro da esquerda

Discorda que o protecionismo seja por vezes necessário no comércio internacional, não tem desconfianças de maior face à iniciativa privada e admite ações militares que desafiem o direito internacional. Estas são apenas algumas das ideias defendidas por Ascenso Simões que o colocam à direita dos seus camaradas de partido. Exemplos? Este defensor assumido da “terceira via” assume simpatia com os mercados e não vê necessidade de ter a mão estatal a intervir no comércio entre países, nem diaboliza as empresas, sendo, aliás, o único dos socialistas que aceitou fazer este teste a concordar que “o que é bom para as empresas mais bem sucedidas é, em última análise, bom para todos”.

Também confia nas empresas para que “respeitem o ambiente de forma voluntária” e sobre a regulação do comércio com outros países, Ascenso Simões é claro: discorda da opção “o protecionismo é por vezes necessário no comércio internacional”, uma das ideias fortes da esquerda. No capítulo económico do teste, estas são questões decisivas para o posicionamento ao longo do eixo horizontal, que baliza o pensamento económico dos inquiridos entre esquerda e direita. As respostas dadas por Ascenso Simões acabaram por colocá-lo mais perto do centro nestas matérias.

Já em termos sociais, este socialista só tem outro mais conservador do que ele, entre os que fizeram o teste: António Costa. E, para esta definição, muito contribuem respostas como as que deu sobre o tema da segurança. Ascenso Simões concorda que “ações militares que desafiem o direito internacional são por vezes justificadas” e não se revê na ideia, defendida por tantos dos seus pares, que “os direitos civis estão a ser excessivamente limitados em nome da luta contra o terrorismo”. É o único que considera que a primeira geração de imigrantes nunca se consegue “integrar completamente no país de acolhimento” e está também isolado quando defende que “numa sociedade civilizada há sempre pessoas acima para serem obedecidas e abaixo para serem comandadas”. O socialista também destoa da maioria dos inquiridos ao “discordar fortemente” da ideia que “toda a autoridade deve ser questionada”. E quando admite que os pais batam nos filhos “para os ensinarem a distinguir o que está certo do que está errado”.

É um moderado, mas socialista. Em questões sociais que são decisivas para o espectro político a que pertence, como por exemplo no acesso ao Serviço Nacional de Saúde, não descola um milímetro da ideia da universalidade e “discorda fortemente” da ideia que os que podem pagar tenham acesso a melhores cuidados de saúde. É também radical no que diz respeito à defesa do sistema de Segurança Social, discordando também fortemente da ideia de que a caridade o possa substituir.

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Duarte Cordeiro: economicamente alinhado com o líder

Quanto mais livre o mercado, mais livres as pessoas? Duarte Cordeiro não se limita a discordar — “discorda fortemente”.  Um verdadeiro mercado livre necessita de restrições à capacidade que multinacionais predatórias têm para criar monopólios? O socialista não fica por apenas concordar — “concorda fortemente”. Quem pode trabalhar mas recusa a oportunidade para tal não deve esperar o apoio da sociedade? Discordar não chega para Duarte Cordeiro, que “discorda fortemente” da ideia. Aqueles que o podem pagar devem ter direito a melhores cuidados médicos? Discordar é pouco, este socialista “discorda fortemente”. Asrespostas extremadas que dá em questões centrais do pensamento da esquerda em matérias económicas fazem com que o líder do PS-Lisboa apareça como um dos socialistas mais à esquerda no que diz respeito ao pensamento económico (à sua esquerda, só mesmo Ana Gomes).

É também o mais radical na resposta sobre a frase popularizada por Karl Marx para descrever a sociedade que ambicionava: “De cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades”. Duarte Cordeiro foi o único dos inquiridos a optar por responder “concordo fortemente”, em vez de apenas concordar, como fizeram os outros seis socialistas que, tal como ele, também veem a ambição celebrizada por Marx como “fundamentalmente uma boa ideia”. Recorde-se que Cordeiro faz parte da ala que começa a ganhar peso dentro do PS e que é representada, à cabeça, por Pedro Nuno Santos, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares que é um dos principais defensores da “geringonça”. Tal como ele, também Duarte Cordeiro defende a continuidade desta solução no futuro, com o PS mais encostado à esquerda. Ainda recentemente, na apresentação em Lisboa da moção que António Costa vai levar ao congresso, mesmo ali ao lado de Costa (que tem evitado entrar neste debate a fundo) defendeu que o PS se mantenha neste trilho: “É à esquerda que temos de ir buscar as forças para executar este programa e será à direita que temos de combater”.

É o mais alinhado com António Costa, se olharmos exclusivamente para o eixo horizontal, mas bem mais liberal do que o líder em matéria de costumes. Um dos exemplos é a resposta que dá sobre a legalização do haxixe. Não se limita a concordar, como a esmagadora maioria dos socialistas que fizeram o teste. Duarte Cordeiro também aqui opta por sublinhar o seu acordo com a ideia respondendo que “concorda fortemente”. Nas outras respostas sobre moral e costumes, Cordeiro responde muito alinhado com os mais novos, Ivan Gonçalves (líder da JS) e Tiago Barbosa Ribeiro.

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Eurico Brilhante Dias: protecionismo, não

Eurico Brilhante Dias é o segundo socialista mais à direita no teste do political compass e, tal como Ascenso Simões, o resultado é este muito por causa de algumas posições que tendem a defender o papel das empresas e, claro, pelo que assume sobre uma questão central para a esquerda em matérias económicas: o protecionismo nas relações comerciais com outros países. Este secretário nacional do PS é contra o protecionismo.

A questão ganha especial interesse por Eurico Brilhante Dias ser o atual secretário de Estado da Internacionalização, lidando diariamente com empresas que pretendem posicionar-se além fronteiras. Na prática, o seu trabalho é precisamente facilitado quanto menos protecionismo existir. Nesta posição não está sozinho, com Ascenso Simões a pensar a mesma coisa (ver mais acima neste mesmo texto). Também não está isolado quando discorda que as empresas multinacionais estão a explorar, contra a ética, os recursos genéticos das plantas nos países em vias de desenvolvimento, sendo curiosamente acompanhado por um socialista bem mais à esquerda, Tiago Barbosa Ribeiro. Mas já lá chegaremos.

Eurico Dias é também dos poucos socialistas que discorda dos efeitos nefastos para os cidadãos com a mistura entre informação e entretenimento e pertence ao grupo dos mais securitários. Ações militares que desafiem o direito internacional podem justificar-se? Eurico Brilhante Dias concorda e também não alinha pela ideia que “os nossos direitos cívicos estão a ser excessivamente limitados em nome da luta contra o terrorismo”. Isto quer dizer que este secretário nacional do PS acredita que a segurança pode sobrepor-se, em algumas situações, a outros direitos dos cidadãos ou dos países.

Já quanto a costumes, Eurico Brilhante Dias é um dos socialistas questionados que se mostra mais libertário, ainda assim é o único que discorda da legalização do haxixe. Mas nem mesmo esta resposta faz com que o seu posicionamento no eixo vertical (que mede a posição sobre liberdades individuais e costumes) se mexa do fundo do diagrama. Na maior parte das questões que contam para essa leitura, a resposta do socialista é tendencialmente libertária. Exemplos: concorda fortemente com a adoção por casais de pessoas do mesmo sexo, ou discorda totalmente da ideia de que “ninguém se pode sentir naturalmente homossexual”, ou ainda discorda fortemente que hoje em dia se vá demasiado longe sobre questões ligadas ao sexo (além dele só Tiago Barbosa Ribeiro fez esta mesma opção no teste).

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Ivan Gonçalves: sempre alinhado com a maioria

O líder da Juventude Socialista é dos mais liberais em matéria de costumes e liberdades individuais e na economia é, sem dúvida, à esquerda que se coloca. Ainda assim, é curiosamente o primeiro a aparecer neste eixo imediatamente depois do grupo que é considerado da ala direita do partido (Ascenso Simões, Marcos Peretrello e Eurico Brilhante Dias) e também de Sérgio Sousa Pinto.

Nas respostas que deu ao questionário do political compass, Ivan Gonçalves quase nunca aparece isolado. Na maior parte das vezes surge ao lado da resposta que é maioritária. Onde radicaliza mais a sua posição é, por exemplo, numa questão sobre a presença do Estado na comunicação social, onde só é acompanhado por Tiago Barbosa Ribeiro ao optar pela resposta “discordo fortemente” quando questionado sobre se nenhum meio de comunicação social, seja qual for o grau de independência que tem, deve receber financiamento público.

Há um tema em que acaba por ser sempre mais extremado nas respostas: naquele que analisa o nível de confiança no meio empresarial. No caso de Ivan Gonçalves, esta confiança é muito reservada já que não acredita, e manifesta-o de forma firme, que as empresas sejam capazes de auto-regular-se de forma voluntária para cumprirem normas ambientais. Também “discorda fortemente” que a única responsabilidade social seja dar lucro aos seus acionistas, bem como a maioria dos socialistas que fez o teste.

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Marcos Perestrello: de esquerda sim, comunista não

Bastava ver o final da sessão comemorativa deste 25 de Abril no Parlamento, para se perceber que Marcos Perestrello é um orgulhoso homem de esquerda. Tanto ele, como Pedro Nuno Santos, se juntaram ao coro de deputados do PS e do BE que de improviso cantavam a Grândola Vila Morena.

Mas é preciso bem mais do que se assumir de esquerda e cantar a Grândola, para se ser considerado revolucionário. E Perestrello traça bem essa fronteira quando é um dos dois únicos socialistas neste grupo — o outro é Sérgio Sousa Pinto — que não se deixa encantar pelas palavras popularizadas por Karl Marx (“De cada um de acordo com as suas capacidades, para cada um de acordo com as suas necessidades”). Está aqui sumariamente corporizado o conceito de uma sociedade comunista. Marcos Perestrello não concorda que esta seja “fundamentalmente uma boa ideia”.

Está mais enturmado quando se fala de comércio externo ou de políticas fiscais — concorda que às vezes o protecionismo é necessário, e não acha que os ricos paguem demasiados impostos. É defensor da intervenção estatal nos mercados para evitar abusos monopolistas, mas aqui não com a mesma convicção de outros companheiros mais à esquerda.

O homem que é hoje secretário de Estado com a pasta da Defesa também não fica propriamente sozinho — até porque essa é a questão que mais divide o painel — quando admite que por vezes pode haver necessidade de recorrer a acções militares, mesmo que desafiem o direito internacional.

Mas Perestrello é o único a romper o consenso em três questões. Defende que a escolaridade deve ser obrigatória (embora seja o único que não o defenda “fortemente”), e depois fica isolado em mais duas outras perguntas que mexem sobretudo com a escala de valores e de costumes. Quase todos os inquiridos discordam “fortemente” da premissa “Ninguém se pode sentir naturalmente homossexual.” Marcos Perestrello também discorda, ponto final.

Tem exatamente o mesmo posicionamento no que diz respeito à pergunta sobre as vantagens de “pessoas diferentes” se darem mais com os seus. Discorda. O resto do painel “discorda fortemente”.

O ex-presidente da FAUL (Federação da Área Urbana de Lisboa do PS) acredita que a religião e a moral estão fortemente ligadas e, embora defenda a adoção de crianças por casais homossexuais, não o faz tão convictamente como alguns dos seus pares. Aliás, o único que nesta pergunta deu uma resposta exatamente igual foi António Costa.

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Sérgio Sousa Pinto: contra a “geringonça” mas fora da ala direita

É um dos principais críticos da atual solução governativa, não se conformando até hoje com os acordos que António Costa firmou com PCP e Bloco de Esquerda para governar. Mesmo assim, Sérgio Sousa Pinto não se posiciona na ala direita do PS, aparecendo mais à esquerda do que este grupo e divergindo dele em matérias decisivas, como as relativas à segurança ou na fé quanto à existência de um bom senso empresarial. É também um dos únicos dois a responderem com um rotundo “discordo” perante a frase que sintetiza o pensamento marxista.

Só Sérgio Sousa Pinto e Marcos Perestrello não acham que “é fundamentalmente uma boa ideia” a frase “de cada um de acordo com as suas capacidades, para cada um de acordo com as suas necessidades”. O socialista que até rompeu com Costa (de quem sempre foi próximo) na sequência do acordo do líder do PS com a esquerda tem feito várias declarações, nos últimos anos, contra PCP e BE. Chegou mesmo a dizer que a “geringonça” só funciona porque, “em tudo o que é essencial, o PCP e até o BE não são tidos em consideração”. E especificou que temas são esses: “A política de alianças de Portugal, a política europeia, a prioridade absoluta ao equilíbrio orçamental”.

O seu posicionamento no gráfico do political compass é bem no centro do espectro da esquerda libertária, onde se localizam (mais à esquerda ou mais moderados, mais ou menos libertários) todos os socialistas. Dois exemplos de duas matérias socialistas em que vinca a sua posição de forma muito clara: discorda fortemente que os que podem pagar tenham melhores cuidados de saúde e acredita fortemente na ideia que um verdadeiro mercado livre necessita de restrições para multinacionais que tenham tendência para criar monopólios. São pontos de honra para os socialista.

Aparece ao lado de Ana Gomes numa questão bem atual (que tem centrado o debate político ao nível internacional): há povos mais civilizados do que outros? Ou o que existe é apenas uma variedade grande de culturas? Apenas estes dois socialistas se afastam mais de um certo relativismo moral normalmente associado aos que consideram que “não há povos selvagens e civilizados, mas apenas culturas diferentes”. E é o único a alinhar com António Costa ao discordar fortemente que “ninguém escolhe o país onde nasce, pelo que é disparatado ter-se orgulho no seu país”. Vincam mais a posição do que todos os outros socialistas que apenas discordam da afirmação.

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Tiago Barbosa Ribeiro: nos antípodas do liberalismo económico

É o mais liberal em matéria de costumes. Já quanto ao outro liberalismo, o económico, Tiago Barbosa Ribeiro aparece praticamente nos antípodas, pertencendo ao grupo de socialistas que surge mais à esquerda. O deputado do PS opta por respostas mais extremadas quando o que está em causa são os valores socialistas, sobretudo no que diz respeito à economia.

Quanto mais livre o mercado, mais livres as pessoas? Tal como Duarte Cordeiro, também para Tiago Barbosa Ribeiro não foi suficiente dizer apenas que discorda. O socialista conotado com a ala esquerda do PS (na política até começou pelo Bloco de Esquerda) “discorda fortemente” desta ideia, bem como de outra que é emblemática para a esquerda: a desconfiança face às empresas. Se os outros socialistas questionados (à exceção de Ascenso Simões) discordam da ideia de que “o que é bom para as empresas mais bem sucedidas é, em última análise, bom para todos”, Tiago Barbosa Ribeiro surge ao lado de Sérgio Sousa Pinto discordando fortemente da mesma afirmação.

Esta mesma veia sobressai quando é confrontado com a ideia que “controlar  a inflação é mais importante que controlar o desemprego”. “Discorda fortemente, sendo um dos dois únicos a vincar a posição desta forma. A outra é a campeã da esquerda no PS, Ana Gomes.

Veja nesta infografia todas as perguntas do teste e todas as respostas

grafismo de Maria Gralheiro.

Costa em jeito de lição à esquerda: “Foi possível virar a página da austeridade sem sair do euro”

António Costa arranca os trabalhos do congresso pressionado pelo caso do seu ministro-adjunto. No discurso inicial, Costa fala em Sócrates para ilustrar que o PS sempre foi europeísta.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

ÚLTIMA ATUALIZAÇÃO HÁ 5M

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Momentos-chave

Atualizações em direto

  • Há 5m21:43Rita Dinis

    O orgulho de Costa: "Acabamos com o mito de que a direita é que sabe governar a economia e as finanças"

    Mais: além de ter acabado com a tradição do arco da governabilidade, Costa “orgulha-se” também de ter acabado com um “mito”. O mito de que só a direita é que governa bem as questões da economia e das finanças públicas.

    “Se há algo de que nos devemos orgulhar nestes dois anos e meio é que acabamos com o mito de que é a direita que sabe governar a economia e as finanças públicas. Não, o PS é o partido que melhor governa a economia e as finanças públicas — sabe governar e sabe transformar os valores da esquerda na realidade do dia a dia dos portugueses”, disse.

  • Há 13m21:36Rita Dinis

    Costa dá lição à esquerda: "Provamos que era possível virar a página da austeridade sem sair do euro"

    Na reta final do discurso, António Costa deixa duros recados à esquerda, depois de ter elogiado os feitos que os três partidos têm conseguido nos dois últimos anos de governação. Ou seja, uma no cravo, outra na ferradura.

    Primeiro, diz que o PS é um partido de valores mas que, ao contrário de outros, “nunca se escudou na retórica dos valores como mera utopia para amanhãs que cantam”. Em vez disso, o PS “é um partido que quer fazer, um partido de governo, que quer fazer tudo para que o país e cada português possa viver melhor”. A ideia é que o PS é um partido de “diálogo”, tanto com os parceiros sociais, a concertação social, como com os partidos políticos — todos os partidos políticos, sublinhou, orgulhando-se de ter sido ele a acabar com “o absurdo do arco da governação, que excluía da governação partidos democraticamente eleitos”.

    Depois, continuou a dar uma espécie de lição ao PCP e BE, mas sobretudo ao PCP: “Hoje podemos dizer a quem duvidava há 2 anos e meio, que era impossível virar a página da austeridade sem sair do euro. Nós provamos que era possível sair da austeridade sem sair do euro”, disse, sublinhando que nos últimos dois anos e meio o salário mínimo subiu 15% e, paralelamente, “criámos 300 mil novos postos de trabalho”. “Porque sabemos que não enfrentamos a dívida com gravatas, mas sim com uma gestão rigorosa”, afirmou, elogiando os valores históricos do défice, e a redução dos juros que permite “investir na saúde, educação e serviços públicos”.

  • Há 21m21:28Pedro Raínho

    Costa também lembra o papel de António José Seguro

    Foi de passagem, mas António Costa também incluiu uma passagem ao seu sucessor no PS. Fala no “dever” e na “necessidade” dos socialistas de “continuar a atualizar os valores de abril” — “tal como fizeram” os líderes socialistas que o antecederam, “desde Mário Soares a António José Seguro”, que “pegaram nos valores do PS e encontraram soluções” para os problema do país.

    E lembra François Miterrand, quando diz que “o socialismo continua a ser a ideia mais jovem do mundo”. “É isso que queremos que continue a ser o nosso socialismo”, defende.

  • Há 22m21:27Miguel Santos Carrapatoso

    Costa sobre a revolução digital: "Não pode ser uma revolução onde os robôs destroem o ser humano"

    António Costa fala agora sobre os desafios que existem para os jovens e como é evital ajudar as empresas a encontrarem formas de se modernizarem e de se adaptarem às novas realidades. Só assim, diz o socialista, é possível garantir que o tecido empresarial tem condições para oferecer as melhores as condições aos jovens.

    Mas o secretário-geral do PS vai mais além para falar sobre os riscos que “a revolução digital representa para o conjunto da nossa sociedade” a confirmarem-se as perspetivas de que “14% dos empregos” vão simplesmente desaparecer nas próximas décadas. “[Esta revolução digital] não pode ser uma revolução onde os robos destroem o ser humano”, nota Costa.

    Por isso, sublinhou o primeiro-ministro, é preciso preparar o futuro de duas formas: “temos de ter um sistema de ensino mais flexivel”, em que as crianças possam “aprender a aprender ao longo de toda a vida”; mas também encontrar resposta para os que já hoje estão no mercado de trabalho, garantido que terão oportunidade “mesmo quando os robos quiserem disputar o nosso trabalho”.

  • Há 29m21:20Rita Dinis

    "Temos de assegurar às novas gerações condições adequadas para que possam constituir família"

    Costa fala agora do desafio da demografia, associado ao elevado índice de desenvolvimento. "Temos de ter boas políticas de apoio às famílias, temos de assegurar às novas gerações as condições adequadas para que possam constituir família e para que possam ter os filhos que desejarem ter", disse. Isso passa, nomeadamente, por "diversificar as fontes de financiamento da Segurança Social, para o Estado poder pagar as pensões de hoje e de amanhã", bem como passa por ter um SNS preparado para responder às "novas doenças", assim como uma escola pública preparada para as crianças "que vão ter uma esperança média de vida superior a 100 anos e uma vida mais saudável do que todos nós". Sobre a emigração, Costa quer melhores condições para acolher "todos os imigrantes que queiram aqui trabalhar", diz, explicando que "precisamos de mais imigração para termos um saldo demográfico positivo".
  • Há 31m21:18Pedro Raínho

    Costa: socialistas "tranquilos" porque asseguraram "estabilidade política para a mudança política"

    O “legado de Mário Soares” representa “uma enorme responsabilidade” para os socialistas, lembra Costa, ao nomear os membros do Governo, os deputados e os autarcas.

    Os socialistas, diz, estão “orgulhosos”, “satisfeitos” e “tranquilos” com o trabalho feito, na única referência (e indireta) ao apoio parlamentar do Bloco e do PCP ao Governo que Costa lidera.

    Tranquilos, porque sabemos que cumprimos bem o nosso dever por ter assegurado ao país a estabilidade política necessária para fazer a mudança política que quisemos e que queremos continuar a fazer até ao ultimo dia da legislatura” e ao momento em que o partido se volte a apresentar a votos.

    É para aí que António Costa quer olhar, para a frente, para o que falta fazer. Haverá tempo para falar sobre o programa de Governo a apresentar no final para as eleições do próximo ano; também haverá tempo para discutir as europeias de maio.

    Para já, Costa traça os quatro desafios do PS para os próximos anos. À cabeça, as “alterações climáticas”, cujo impacto já se fez sentir, entre outros momentos, nos incêndios de 2017, destaca.

A peste do futebol

por estatuadesal

(António Guerreiro, in Público, 25/05/2018)

Guerreiro

António Guerreiro

Consumada a futebolização do país, chegados ao estádio último de um ininterrupto matraquear futebolístico do espaço público, já os ideólogos desportivos se parecem com hooligans e os hooligans se parecem com os ideólogos desportivos. Todos primos, todos irmãos.

Para prosseguir a crónica de uma intoxicação voluntária, aproprio-me do título de um livro que não li, de dois sociólogos franceses. Basta-me o título: Le football, une peste émotionnelle (“O futebol, uma peste emocional”). Em vez de peste, o futebol-espectáculo organizado também pode ser um lugar de formações sociopatológicas. Ou uma obsolescência desportiva. O que não devemos fazer é naturalizar o que nele e à sua volta se passa. Tal como não devemos tratar como meros desvios ou derivas aquilo que já constitui a própria substância do espectáculo. E não é preciso ter ocorrido um episódio de violência real para percebermos o que tem sido uma continuada violência simbólica, exercida como uma injunção colectiva através do empreendimento dos media.

A crónica de uma violência normalizada, ou mesmo da banalidade do ódio, é aquela que nos fala dessa peste emocional promotora da barbárie nos estádios e à volta deles, que difunde o racismo, o populismo, os nacionalismos xenófobos, os regionalismos atávicos e os ódios identitários, dando origem a uma regressão cultural generalizada.

O futebol-espectáculo não é simplesmente um jogo colectivo, tornou-se uma organização para o enquadramento pulsional das multidões: e os estádios de futebol são lugares concentracionários, modelos de totalitarismo. É preciso abdicar da ideia de que são os grandes acontecimentos que determinam essencialmente os homens. Pelo contrário, são as catástrofes minúsculas de que é feita a vida quotidiana que têm uma influência maior e mais duradoura.

Ora, o futebol, que é uma crónica ininterrupta de catástrofes minúsculas, dramatizadas de maneira enfática através da mediatização e da espectacularização exacerbadas, propõe de maneira ideal a violência da competição desportiva. O bárbaro — escreveu Claude Lévi-Strauss — é sobretudo o homem que acredita na barbárie. No futebol-espectáculo instalou-se a barbárie da competição desportiva e a barbárie originada pela peste emocional. Lutas, enfrentamentos, guerras, conflitos, rivalidades, provações, desafios agonísticos: o mais extremo campo semântico do darwinismo social transferiu-se para aqui. E os media praticam o incitamento à guerra e montam o palco das baixas contendas. Não fazem jornalismo desportivo: são, digamos assim, especialistas de polemologia do futebol.

E os jogadores, no meio de tudo isto? Os deuses do estádio são os representantes de formas extremas de escravidão, que a nossa época recalca e não ousa pensar. Há uma pequena parte com ganhos tão astronómicos que tudo o resto é esquecido. E o resto é a instrumentalização dos indivíduos no mais alto grau,  estritamente reduzidos à sua função específica: espera-se que eles sejam um apêndice da performance absoluta. E, por serem isso e nada mais, não podem falar para além daquilo que lhes é consentido pelo clube, não podem protestar contra os patrões, mal são “comprados” ficam destituídos de todo o direito e têm como única condição serem “activos” dos clubes. Têm de abdicar de toda a autonomia e da vida privada. São inteira propriedade do clube, da empresa desportiva que os compra, os vende, os empresta.

E quanto mais valem como desportistas, menos valor têm como pessoas. Chegámos aqui ao grau último da mercadorização da existência. Não há nenhum deus do estádio que não seja ao mesmo tempo uma criatura que se defronta com o inferno.