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quinta-feira, 7 de junho de 2018

Os plásticos

Novo artigo em Aventar


por j. manuel cordeiro

Talvez alguns de vós se recorde de uma iniciativa do Governo, por volta do ano 2000 (Guterres era Primeiro-Ministro), na qual se aprovou legislação para proibir o uso de garrafas de água de plástico nos restaurantes. Por outro lado, continuava-se a permitir água em garrafas de plástico, desde que fosse para consumo fora dos restaurantes. O argumento para justificar a prerrogativa foi que, de outra forma, haveria grave prejuízo para alguns sectores económicos. Como se constata ao pedir uma água em 99.9% dos restaurantes portugueses (sim, há uma ou outra excepção), a lei em causa serviu para nada.

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A nova esquerda é fofinha!

Luís ReisSeguir

18/5/2018, 7:03

Mário Nogueira, como sempre um precursor e um inovador, acaba de inaugurar uma nova esquerda. A esquerda do protesto fofinho, que não quer ser incómoda nem desagradável para o Governo.

Havia um sketch do Gato Fedorento, daqueles que deixaram saudades, em que uma claque de futebol explicava ao repórter, em pleno estádio, que ficava algo triste quando a equipa que apoiava estava em vantagem no jogo, pois isso deixava a equipa adversária aborrecida. Preocupavam-se – mais do que com a vitória da partida – com o bem-estar do árbitro e explicavam, compungidos: “a nossa claque não entra no campo do desagradável”. Ainda que se vissem forçados, de quando em vez, a entoar cânticos de protesto perante erros clamorosos do juiz da partida, e então entoavam em coro: “o árbitro foi extremamente incorrecto”!… “o árbitro foi extremamente incorrecto”!….

Ora, parece que está marcada para amanhã, Sábado, dia 19 de Maio, uma manifestação de professores contra o congelamento da contagem de tempo de serviço, destinada a obrigar o Governo a ponderar e a inflectir a sua posição acerca do assunto.

“Não vamos fazer num dia da semana, não vamos fazer um pré-aviso de greve, não vai afectar as escolas”, explicou Mário Nogueira. O que disse, por outras palavras, foi, sem tirar nem pôr, que a FENPROF não entrará no campo do desagradável – como seria, por ex., a inconcebível e peregrina ideia de fazer greve aos exames nacionais, prejudicando seriamente a vida de milhares de estudantes e suas famílias.

De resto, o líder sindical acrescentou um esclarecimento: “se ponderamos um novo protesto depois das avaliações? Claro. Se houver novas formas de luta com certeza que não serão em Agosto”, denunciando, com a sua ironia fina, as verdadeiras intenções da estrutura que dirige e o grau de compromisso que coloca nas iniciativas de “protesto” que convoca hoje em dia.

É louvável, na verdade, esta perspectiva de quem quer reivindicar sem afrontar nem agastar o interlocutor, de quem se reclama credor mas não concebe chamar caloteiro ao devedor, não vá ele sentir-se arreliado.

Mário Nogueira, como sempre um precursor e um inovador, acaba de inaugurar uma nova esquerda. A esquerda do protesto fofinho, que não quer ser incómoda nem desagradável para o Governo e apenas pedir-lhe, delicadamente e por favor, que pondere. Excelente!

Gostei tanto, aliás, desta maneira de ver as coisas que me atrevo a deixar algumas sugestões para manifestações, greves e protestos futuros, eivados de boas intenções e prenhes de respeitinho. São protestos fofinhos.

Para a FENPROF: protestar contra a mobilidade garantindo que nenhum professor deslocado usará a buzina enquanto palmilha os quilómetros necessários às deslocações para as escolas.

Para os médicos: reclamar melhores condições para os hospitais públicos fazendo greve de zelo ao transporte do estetoscópio – que passará exclusivamente a ser carregado no bolso da bata, jamais ao pescoço!

Para os enfermeiros: exigir salários mais dignos, através da ameaça de não voltarem a dizer “bom dia” aos porteiros dos estabelecimentos de saúde.

Para os hospedeiros de bordo: protestar contra as políticas laborais da RYANAIR deixando de ouvir toda e qualquer música composta por irlandeses (incluindo, note-se, para além dos U2 e de Enya, o próprio Van Morrison).

Para os metalúrgicos: clamar por condições de trabalho mais dignas por meio de palavras de ordem inscritas em cartazes exclusivamente de plástico.

Para os lesados do BES: gritar (não demasiado alto) exigências de justiça e de devolução dos seus investimentos ruinosos utilizando adjectivos dignos e compatíveis com a posição social do Dr. Ricardo Salgado (exemplos: “insensível”, “alheado” ou “descomprometido”), sempre com pronúncia típica da linha.

Finalmente, para o coelhinho da Páscoa: fazer, decidida e definitivamente, greve ao Natal.

E assim – ninguém duvide – Portugal será um lugar melhor para viver, numa nova era de protestos fofinhos, inaugurada pelo não menos fofinho Mário Nogueira e a que a esquerda pós moderna irá com certeza aderir. Todos nós agradecemos e o mapa cor-de-rosa que aí vem também.

Governo quer manter benefícios fiscais ao emprego até final de 2019. Parlamento tem de aprovar

6/6/2018, 16:29

Governo quer prolongar apoios fiscais ao emprego, entre outros, até final de 2019, enquanto aguarda relatório de grupo de trabalho para rever todos os benefícios fiscais. Parlamento tem de aprovar.


António Mendonça Mendes justifica o prolongamento da validade dos benefícios fiscais ao emprego com razões de prudência

ANTÓNIO COTRIM/LUSA

Autores
  • Agência Lusa
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O Governo quer prolongar os benefícios fiscais às empresas que criam emprego até ao final de 2019.  Isto porque o grupo de trabalho que está a trabalhar na revisão de todos os benefícios fiscais só entregará o relatório final em março de 2019. A proposta de lei apresentada ao Parlamento já está a ser discutida na especialidade, mas terá de ser aprovada em plenário ainda nesta sessão legislativa para evitar que os atuais benefícios caduquem — 1 de julho é o limite — antes de ser finalizada um novo quadro legal para estes incentivos.

O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, justificou esta quarta-feira na comissão de orçamento e finanças a proposta de lei apresentada pelo Governo em março para estender 15 benefícios fiscais às empresas até ao final de 2019. O essencial dos benefícios fiscais mantém-se, mas com algumas modulações que procuram responder a críticas, sobretudo vindas da esquerda, a estes instrumentos.

“Em vez de acabarem agora [aqueles 15 benefícios fiscais], e chegarmos à conclusão de que não deviam acabar, é melhor prorrogar”, defendeu junto dos deputados, explicando que o grupo de trabalho vai concluir a avaliação até 31 de março do próximo ano e que os restantes seis meses do ano servirão para uma avaliação dessas conclusões, a refletir apenas no orçamento do próximo ano. Isto significa que os contornos finais do novo pacote legislativo para os benefícios fiscais só será definido pelo próximo executivo. 2019 é ano de eleições legislativas e se se cumprir o calendário indicativo de setembro/outubro, a proposta de Orçamento do Estado para 2020 poderá derrapar para o início desse ano, como aconteceu aliás com o Orçamento de 2016 apresentado já pelo Executivo que saiu das eleições de 2015. O trabalho no entanto fica feito.

Durante a audição, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais deixou ainda o aviso aos beneficiários. Os incentivos fiscais têm uma natureza transitória. “Não podemos assumir que os benefícios fiscais são para sempre”.

Mais do que fazer as contas à despesa fiscal — o relatório já apresentado indica que o custo foi de 164 milhões de euros em 2015 — o objetivo é avaliar também o impacto qualitativo destes incentivos fiscais. Ou seja, pretende-se responder à pergunta. Estão a cumprir os objetivos para os objetivos para os quais foram criados?

E um dos incentivos que mais polémica tem gerado, sobretudo à esquerda, é o que premeia as empresas em sede de IRC pela criação de postos de trabalho. A deputada do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, tem sido uma das principais vozes contra estes benefícios que beneficiam sobretudo as grandes empresas que, argumenta, são as que não precisam.

A deputada do Bloco já tinha revelado no passado a lista dos maiores beneficiários destes apoios, onde constam grandes empresas de distribuição como a Jerónimo Martins, mas também a TAP e até o Banco de Portugal. Em causa está uma despesa fiscal da ordem dos 40 milhões de euros por ano cuja eficácia na criação de emprego permanente é questionada pela própria Inspeção-Geral de Finanças, sublinhou Mariana Mortágua esta quarta-feira. A deputada manifestou por isso o descontentamento pela proposta do Governo de estender, pela terceira vez esta legislatura, o prazo de validade destes benefícios. Na proposta em discussão, o Executivo responde apenas em parte às preocupações manifestadas pelo Bloco, reduzindo para 120% a majoração dos benefícios em sede de IRC para as grandes empresas, mantendo os 150% para as pequenas e médias empresas (PME).

Outro benefício que esteve debaixo de fogo é o que abrange empréstimos e swaps concedidos por bancos estrangeiros à banca nacional e que, representou uma despesa fiscal em 2015 da ordem dos 40 milhões de euros. O Governo reintroduziu uma salvaguarda que impede a aplicação destes benefícios a offshores, mas não consegue deixar de fora os swaps ditos especulativos por razões de técnicas, explicou António Mendonça Mendes.

Apesar das críticas da esquerda, ainda não é claro qual será o sentido de voto dos partidos à direita do Governo que preferem esperar pelas propostas de alteração ao quadro apresentado pelo Executivo. Para o deputado do CDS, João Almeida, em vez de mexer na exceção — o benefício fiscal — o Governo devia aproveitar a conjuntura orçamental e económica para alterar a regra, neste caso baixar a carga fiscal. O secretário de Estado considera que o caminho escolhido pelo Governo pode dar o mesmo resultado, na medida em que a revisão dos benefícios fiscais pode originar margem orçamental para alterar a regra, neste caso baixar os impostos. Já o PSD prefere esperar pelas alterações antes de decidir o sentido de voto.

A revisão destes benefícios fiscais já estava prevista numa norma transitória no Orçamento do Estado para 2016 que previa a apresentação ao parlamento, até ao final da sessão legislativa, de uma avaliação a vários benefícios fiscais que caducavam a 1 de janeiro de 2017, com o objetivo de os cessar, alterar ou prolongar a vigência (prorrogação), acabando por ser decidida uma prorrogação por mais um ano dos incentivos, entre os quais os da criação de emprego ou da conta poupança-reformados.

Este ano, no Orçamento do Estado, estes mesmos 15 benefícios fiscais voltaram a ser prorrogados, mas desta vez com a condição de o Governo, no prazo de 90 dias, apresentar ao parlamento uma proposta de lei que incluísse as conclusões daquela análise qualitativa e quantitativa dos benefícios, e mesmo que, ao não entrar em vigor até 1 de julho deste ano, o novo regime conduzisse à caducidade daqueles benefícios.

Ricardo Salgado, o “fininho”, as “maçãs” e a Venezuela

06 Junho 2018178

Luís Rosa

Uma ex-procuradora-geral da Venezuela, a viver em Lisboa, e o ex-líder da PDVSA terão recebido parte dos 105 milhões de pagos da ES Enterprises. Tudo para garantir aplicações de 8 mil milhões no GES

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Se aquelas paredes falassem, muitas histórias de espionagem, traição e intriga seriam conhecidas — ou não fosse o Hotel Palácio, no Estoril, um dos principais ninhos de espiões dos Aliados e do Eixo durante a II Guerra Mundial. Foi precisamente aquele mítico hotel, onde ingleses e alemães se digladiaram em perigosos jogos de sombras, que Ricardo Salgado escolheu para montar o seu forte no verão quente de 2014 — mais concretamente em junho de 2014, depois de sair da liderança do BES. Transformou uma suite em escritório, mudou o seu arquivo pessoal para o hotel e começou a organizar a sua defesa. Até que, poucas semanas depois de se instalar, já em julho, a Polícia Judiciária bateu-lhe à porta para apreender toda a documentação que tinha sido retirada do BES e da sede do Grupo Espírito Santo, situada na rua de São Bernardo, em Lisboa.

Entre a extensa papelada apreendida encontrava-se uma carta assinada e enviada por Ricardo Salgado para a Junta Diretiva da empresa Petróleos da Venezuela (PDVSA) a 11 de abril de 2014. Objetivo? Ganhar a adjudicação da gestão do fundo de pensões dos trabalhadores da PDVSA, com mais de 3,5 mil milhões de euros de ativos, por um período de seis anos; e assegurar a entrada da empresa pública venezuelana no capital social da Rio Forte, a holding da área não financeira, com um investimento de 750 milhões de euros a partir de 15 de julho de 2014. Duas metas que foram alcançadas após as respetivas adjudicações terem sido aprovadas pela Assembleia Extraordinária da PDVSA de 30 de abril de 2014, tal como atestava um documento interno da PDVSA igualmente apreendido a Salgado.

A pouco menos de dois meses de ser expulso do banco pelo governador Carlos Costa, Salgado lutava desesperadamente pela obtenção de liquidez para salvar o BES e o GES — uma luta inglória quando, naquela altura, o destino já estava traçado.

Aqueles documentos, por outro lado, indiciavam uma grande proximidade entre a PDVSA, um dos gigantes do mercado de petróleo, com ativos superiores a mais de 100 mil milhões de euros, e um banco familiar com prestígio na alta finança mas uma pequena instituição de crédito  à escala global. O procurador José Ranito, o líder da equipa de investigação do caso Universo Espírito Santo, ficou alerta para a pista venezuelana.

Sensivelmente um ano depois, a Suíça começou a enviar para o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) os arquivos do Banque Privée Espírito Santo, a instituição financeira suíça do GES. A documentação das contas da sociedade offshore Espírito Santo (ES) Enterprises, o famoso ‘saco azul’ do GES, levou a equipa de Ranito a concluir que os fundos que diversas empresas públicas da Venezuela aplicaram entre 2009 e 2014 — com um pico de 8,2 mil milhões de euros em junho de 2009 — só terão sido concretizados após o pagamentos via Dubai de alegadas comissões num valor total de mais de 124,5 milhões de dólares (cerca de 105 milhões de euros ao câmbio atual) em alegadas comissões a figuras centrais do regime então liderado por Hugo Chávez.

Entre esses titulares de altos cargos públicos venezuelanos estarão alegados testas-de-ferro de Rafael Ramirez, ex-presidente da PDVSA, como Domingo Galán Macias, além do pai de Rafael Alfredo Cure Lopez, gerente das operações internacionais da Petróleos da Venezuela (PDVSA), e Arnoldo Hernandez, tesoureiro do Banco del Tesoro (um dos principais bancos públicos da Venezuela). Estes são os nomes de responsáveis públicos venezuelanos que terão recebido fundos da ES Enterprises através do Dubai. E a eles acrescenta-se mais um: Margarita Luísa Mendola Sanchez, ex-procuradora-geral da República Bolivariana da Venezuela e atual ministra conselheira do embaixador da Venezuela em Lisboa. Tudo com base, entende o DCIAP, no compromisso assumido em nome, e com o acordo, de Ricardo Salgado.

Só a ex-procuradora-geral da Venezuela é suspeita de ter recebido cerca de 6,8 milhões dólares americanos entre 16 de março de 2009 e 26 novembro e 2012. Qualquer coisa como cerca de 5,8 milhões de euros ao câmbio actual. Duas das transferências realizadas para a conta da sociedade offshore com conta no Espírito Santo Bankers no Dubai ocorreram quando Maria Mendola Sanchez era procuradora-geral da República Bolivariana da Venezuela.

Só com a documentação do 'saco azul' do GES foi possível ao MP concluir que os investimentos de 8,2 mil milhões de euros de diversas empresas públicas da Venezuela no GES entre 2009 e 2014 teriam como alegada contrapartida o pagamento de mais de 124 milhões de dólares em comissões a figuras centrais do regime então liderado por Hugo Chávez. Tudo com base “no compromisso assumido em nome, e com o acordo, do arguido Ricardo Salgado”.

Depois da acusação da Operação Marquês por alegada corrupção ativa do ex-primeiro-ministro José Sócrates e dos ex-gestores da PT Zeinal Bava e Henrique Granadeiro, depois das suspeitas de corrupção no setor privado de ex-administradores e de altos funcionários do BES imputadas no processo Universo Espírito Santo, chegava a vez de Ricardo Salgado ser suspeito de um novo crime: corrupção no comércio internacional por alegadamente ter ordenado pagamentos a Rafael Ramirez, ex-presidente da PDVSA, e a outros responsáveis da petrolífera pública venezuelana para alegadamente conseguir ganhar consultas ao mercado realizadas por aquela que é considerada a principal empresa da Venezuela — ou não fosse este país da América do Sul o 11.º maior produtor global de petróleo.

Tudo isto está a ser investigado no chamado processo Universo Espírito Santo. Sendo ainda um só inquérito, existem diversos dossiês que poderão resultar em acusações autónomas. Um deles diz respeito às suspeitas relacionadas com a Venezuela e, além da colaboração que as autoridades norte-americanas já solicitaram, também o procurador José Ranito enviou cartas rogatórias para a Suíça, China, Panamá, Dubai e Holanda a solicitar cooperação judiciária internacional para identificar todos os circuitos financeiros em causa na investigação.

O Observador enviou um conjunto de perguntas a Ricardo Salgado mas o seu porta-voz afirmou que a defesa “não faz comentários sobre processos em segredo de justiça”.

O “fininho” e o alegado testa-de-ferro de Rafael Ramirez, o líder da PDVSA

O caso da adjudicação da gestão do fundo de pensões dos trabalhadores da PDVSA à Espírito Santo Ativos Financeiros (ESAF), a sociedade dominada pelo BES que era especializada em fundos de pensões e de investimento, é, aliás, encarado pelo DCIAP como um caso paradigmático do alegado esquema de corrupção que os investigadores do DCIAP associam a Ricardo Salgado e ao BES.

Nesta história, tal como na investigação internacional nos Estados Unidos, Espanha e Venezuela anteriormente revelada pelo Observador, João Alexandre Silva volta a ser um dos protagonistas — ele que foi libertado no dia 17 de maio depois de ter estado em prisão domiciliária durante 10 meses. Contactado pelo Observador, Artur Marques, advogado do ex- diretor da Sucursal Financeira da Madeira e do ex-diretor do Departamento de International Business and Private Banking do BES, recusou prestar declarações mas manifestou satisfação por o seu cliente ter deixado de ser o único ex-responsável do BES com uma medida de coação privativa da liberdade.

Apesar dos cargos que desempenhava no BES, o verdadeiro papel de Alexandre Silva era servir de interlocutor de Ricardo Salgado junto das altas esferas do regime de Hugo Chávez. Terá sido ele, por exemplo, o intermediário nos pagamentos alegadamente realizados por ordens de Ricardo Salgado aos representantes da PDVSA.

Outro protagonista chama-se Michel Joseph Ostertag. Homem alto, muito alto para os padrões nacionais. Com cerca de 1,90m, olhos e cabelo castanho escuro que foi ficando grisalho com o passar dos anos, tinha direito a um nickname na família e no grupo: “o fininho”. Discreto e de poucas palavras, como Jean-Luc Schneider, o operacional do ‘saco azul’ do Grupo Espírito Santo (GES), Michel Ostertag foi mais um suíço que ganhou a confiança de Ricardo Salgado. Enquanto João Alexandre Silva tratava diretamente dos contactos, em nome de Salgado, com as grandes figuras do regime de Chávez, Michel Ostertag terá montado a rede de 30 sociedades offshore que abriram contas no Espírito Santo (ES) Bankers, o banco do Grupo Espírito Santo no Dubai, para receber mais de 105 milhões de euros com origem nas contas suíças da ES Enterprises.

Na prática, Ostertag criou cada uma das 30 sociedades com sede em paraísos fiscais que serão detidas por figuras de topo do regime venezuelano então liderado por Hugo Chavéz.

Regressemos ao contrato de gestão do fundo de pensões da PDVSA. Tudo terá começado em março de 2014. Numa altura em que o BES já estava sob um escrutínio muito intenso do Banco de Portugal por suspeitas de falsificação da contabilidade das principais sociedades do GES, tendo inclusive o supervisor proibido o BES de vender papel comercial de sociedades não financeira do GES aos balcões do banco. O que levou à necessidade de encontrar novas formas de liquidez que permitissem continuar a colocar o grupo da família Espírito Santo à tona do mar da insolvência.

Cliente antigo desde o início do século, a Venezuela de Hugo Chávez foi uma das bóias de salvação que Ricardo Salgado procurou, sendo a gestão do fundo de pensões uma das várias hipóteses que surgiram.

Entregue em mão por João Alexandre Silva à administração da PDVSA liderada por Rafael Ramirez — o homem-forte de Hugo Chávez à frente da empresa que é, na prática, o fundo soberano da Venezuela –, a proposta assinada por Ricardo Salgado foi avaliada pela Divisão de Engenharia Financeira da PDVSA liderada por Domingo Galán Macias.

De acordo com as suspeitas reunidas pelo DCIAP, este cidadão espanhol naturalizado venezuelano era o homem de mão de Rafael Ramirez e é encarado pelas autoridades portuguesas e venezuelanas como um dos seus vários testas-de-ferro. Foi o departamento liderado por Galán Macias que deu a ESAF como o primeiro classificado de um procedimento concursal em que participaram diversas instituições financeiras internacionais, tendo o contrato de gestão sido assinado no dia 28 de maio de 2014 — pouco menos de 20 dias antes de ser anunciada na comunicação social a saída de Ricardo Salgado da liderança executiva do BES por pressão do governador do Banco de Portugal.

O contrato de gestão de ativos entre o BES e a PDVSA foi assinado por Ricardo Salgado e por Domingo Galán Macias, na qualidade de conselheiro do Conselho de Administração da Petróleos da Venezuela.

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Os pagamentos em numerário em Lisboa e as transferências para o Dubai

O acesso às contas da ES Enterprises permitiu identificar um conjunto de pagamentos muito significativos do grupo da família Espírito Santo a Domingos Galán Macias antes, durante e após a decisão de adjudicação à ESAF.

Logo no dia 30 de abril de 2014, dia em que a Assembleia Geral da PDVSA aprovou a ajudicação, foi deliberado igualmente o pagamento por parte do BES de uma verba de cerca de 2 milhões de eurosreembolsáveis precisamente pelo facto de o banco de Ricardo Salgado ter ganho a consulta ao mercado. Foi igualmente deliberado pela PDVSA transferir 862 mil euros como entrada num primeiro investimento no capital social da Rio Forte.

A 7 de maio de 2014, a Comissão Executiva do BES aprova a proposta que aparentemente terá sido feita unilateralmente por Ricardo Salgado e sem o conhecimento dos restantes administradores executivos do banco. Isto é: já depois de garantido o contrato é que o órgão de gestão do BES aprovou a proposta apresentada por Ricardo Salgado. Mais: na mesma proposta é referido que o banco já recebeu três fundos de pensões na Sucursal Financeira da Madeira do BES, com um valor nominal de 640 milhões de dólares (cerca de 536,9 milhões de euros ao câmbio atual). De acordo com os termos do negócio, o BES ganhava uma comissão de custódia de 0,6% sobre o valor de cada carteira.

Um dia depois desta aprovação da cúpula executiva do BES, Domingos Galán Macia dirige uma missiva ao BES onde informa o seguinte:

  • Confirma que recebeu 13 mil euros em dinheiro vivo a propósito de “gastos administrativos”;
  • Solicita o pagamento de mais 27.020 euros por transferência para uma conta sua no Banco Santander referente aos mesmos “gastos administrativos”;
  • E insta o BES a transferir 2 milhões e 862 mil euros para uma conta aberta também em seu nome no banco suíço BSI — Banca della Svizzera Italiana, em Locarno.

Estas duas últimas transferências foram realizadas pela ES Enterprises, o ‘saco azul’ do GES, no dia 9 de maio de 2014 mas foram divididas em três operações:

  • Os 27.020 euros foram efetivamente transferidos para a conta de Galán Maciel no Santander;
  • Uma quantia exata de 2 milhões de euros foi transferida, a título de “comissão de adjudicação”, para a conta aberta no BSI em nome do diretor da Divisão de Engenharia Financeira da PDVSA;
  • E 862 mil euros, a título de “comissão devida pela aprovação dos investimentos” na Rio Forte, foram transferidos para a primeira conta aberta no Santander.

A 28 de maio de 2014, é assinado o contrato de gestão de ativos entre o BES, representado por Ricardo Salgado, e a PDVSA, representado por Domingo Galán Macias, na qualidade de conselheiro do Conselho de Administração.

O MP entende ter provas de que, entre 29 de maio e 27 de junho de 2014, o homem que deu a vitória ao GES na gestão dos fundos de pensões da PDVSA recebeu ainda 40 mil euros em numerário em dias imediatos após reuniões mantidas com Ricardo Salgado. Os levantamentos foram feitos em montantes entre um mínimo de 4 mil e um máximo de 8 mil euros no balcão do Marquês Pombal do BES e no próprio balcão da sede do BES. No mesmo período, Galan Macias já tinha recebido transferências de mais de 2,8 milhões de euros em contas em Espanha e na Suíça a título de “comissão de adjudicação”.
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O Ministério Público entende ter provas de que, entre 29 de maio e 27 de junho de 2014, Domingos Galán Macias recebeu ainda 40 mil euros em numerário em dias imediatos após reuniões mantidas com Ricardo Salgado. Os levantamentos foram feitos em montantes entre um mínimo de 4 mil e um máximo de 8 mil euros no balcão B1179 do BES — que era o balcão do banco no Marquês de Pombal, a poucos metros da sede onde Ricardo Salgado tinha o seu escritório.

No total, existem indícios documentais de que Galán Macias terá recebido cerca de 3 milhões de euros em alegadas comissões.

O Observador não tem informação, para já, sobre fluxos financeiros entre sociedades do GES e a conta de Domingos Galán Macias aberta no BES do Luxemburgo.

O procurador José Ranito suspeita que Domingos Galán Macias poderá ser um alegado testa-de-ferro de Rafael Ramirez, então presidente da PDVSA. No entendimento do DCIAP, um forte indício nesse sentido está relacionado com uma carta que Ramirez dirigiu ao Departamento de International Business and Private Banking, nomeadamente à area de Corporate Americas (que era acompanhada por João Alexandre Silva), em que o então ministro do Petróleo e Minas e líder da PDVSA remete o comprovativo da actividade profissional de Domingo Galán: assessor do Conselho de Administração da Petróleos da Venezuela. E porquê? Porque era necessário para a abertura de uma conta bancária na sucursal do BES do Luxemburgo, alegadamente em nome de Galán.

Além de Domingos Galán Macias, há ainda o caso de Rafael Alfredo Cure Lopez, gerente das operações internacionais da PDVSA. O seu pai, chamado Rafael Alfredo del Coromoto Cure Salazar, recebeu cerca de 10.836.873 dólares americanos (cerca de 9,2 milhões de euros ao câmbio atual) da ES Entreprises através da sociedade offshore Golden Captive. Foram 11 transferências realizadas entre 16 de março de 2009 e o 2 de fevereiro de 2012 que variaram entre um mínimo de 129 mil dólares americanos e um máximo de 2,6 milhões de dólares americanos (cerca de 2,2 milhões de eurosao câmbio actual).

O DCIAP suspeita que Rafael Lopez também terá desempenhado um papel de alegado testa-de-ferro de Rafael Ramirez.

Rafael Ramirez tem pendente um mandado de captura na Venezuela, depois de o regime liderado por Nicolás Maduro o ter decretado comopersona non grata. Tal como o Observador já noticiou, Ramirez é suspeito de ter participado no alegado desvio de 3,5 mil milhões de euros dos cofres da PDVSA, entre 2007 e 2012.

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As empresas da Venezuela que investiram no GES

A PDVSA e as suas sociedades subsidiárias (como a PDVSA Finance e a PDVSA Insurance) não foram as únicas empresas venezuelanas a depositar fundos de valor significativo no BES ou a investir em papel comercial das holdings Espírito Santo International ou Rio Forte. Outras empresas públicas ou bancos dominados pelo Estado venezuelano também seguiram os passos da petrolífera e confiaram na família Espírito Santo. O que indicia que houve um movimento concertado ao mais alto nível do regime então liderado por Hugo Chávez para investir no GES.

Além da PDVSA, eis alguns dos principais investidores venezuelanos no GES:

  • Banco del Tesoro, o banco público que geria o importante fundo soberano Fonden — Fundo Nacional de Desenvolvimento;
  • Banco del Desarollo e Desenvolvimiento Social;
  • Diversas empresas na área da energia como a Corporación Eletrica Nacional, Eletricidade de Caracas, a Eletricidade del Caroni e empresas do setor mineiro como a Carbozulia.

De acordo com os indícios que estão a ser investigados pelo DCIAP no chamado caso Universo Espírito Santo, estas instituições públicas venezuelanas começaram a investir fortemente no GES a partir de julho de 2008 — o que coincide com o início das relações mais estreitas entre Portugal e a Venezuela que foram promovidas pelos governos de José Sócrates e de Hugo Chávez.

O pico do investimento venezuelano no GES foi atingido em 2009, com um total de 8,2 mil milhões de euros aplicados no GES, sendo que em dezembro de 2011 esse valor tinha baixado para 3,1 mil milhões de euros.

Estes números, contudo, não são definitivos. Basta recordar, por exemplo, que em março do ano passado o Jornal Económico noticiou, a propósito do caso do ‘apagão informático’ da Autoridade Tributária sobre as transferências bancárias para fora de Portugal, que só a PDVSA tinha transferido cerca de 7,8 mil milhões de euros a partir do BES entre 2012 e 2014 — valor que não teria sido devidamente registado no sistema central da Autoridade Tributária.

Não foi só a PDVSA que investiu no GES. Também outras empresas públicas venezuelanas seguiram os passos da petrolífera, chegando a ter uma exposição de cerca de 8,2 mil milhões de euros ao grupo da família Espírito Santo. Entre bancos, diversas elétricas e até uma empresa do setor mineiro, todas estas entidades do Estado venezuelano tiveram uma relação intensa com o grupo informalmente liderado por Ricardo Salgado.

De acordo com os dados recolhidos pela Unidade Premium do Departamento Internacional do Departamento de Corporate Banking do BES, os produtos e serviços subscritos pelos venezuelanos costumavam ser os seguintes:

  • Operações de trade finance — que consistia na concessão de linhas de crédito, nomeadamente de cartas de crédito, que eram utilizadas pelas entidades públicas venezuelanas para adquirir bens e serviços nos mercados internacionais;
  • Operações sobre valores mobiliários — investimento em títulos de dívida GES;
  • Operações cambiais — câmbio de diferentes moedas;
  • Operações de mercado monetário — compra e venda de dólares americanos;
  • Operações de depósito à ordem e a prazo.

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O esquema geral do GES para pagar comissões

Pela importância estratégica, por revelarem uma relação direta com um ‘Petro-Estado’ com muitos recursos financeiros como a Venezuela e pela importância que tal investimento tinha para o GES (os 8,2 mil milhões de euros da Venezuela representavam cerca de 10% da totalidade dos ativos geridos pelo grupo da família Espírito Santo), todas as operações eram acompanhadas de perto pelo Departamento Financeiro, Mercados e Estudos (DFME) do BES.

Liderado por Isabel Almeida e tutelado pelo administrador Amílcar Morais Pires, então chief financial officer do BES e braço-direito de Ricardo Salgado, o DFME produzia relatórios trimestrais sobre todos os investimentos das entidades públicas venezuelanas no BES — informação esta que era compilada em mapas em formato excel e partilhada por Isabel Almeida com João Alexandre Silva.

De acordo com os indícios recolhidos pela equipa de José Ranito, era a Alexandre Silva que cabia a responsabilidade de calcular as alegadas comissões que teriam de ser pagas aos angariadores de negócios — eufemismo para classificar os responsáveis das entidades venezuelanas que seriam pagos –, tendo em conta os lucros obtidos pelo BES e pelo GES.

Assim, os mapas em excel continham quatro informações essenciais:

  • Os valores da receita venezuelana bruta e líquida;
  • O respetivo peso na atividade do BES;
  • O volume de investimento venezuelano no GES;
  • E o apuramento de saldos globais a transferir trimestralmente para as contas da ES Bankers alegadamente abertas em nomes de sociedades offshore dos responsáveis venezuelanos.

Ou seja, depois de ser apurado o lucro do BES e do GES com as operações das empresas públicas da Venezuela, determinava-se o pagamento das alegadas comissões aos angariadores do negócio. Tudo terá sido feito com alegadas ordens de Ricardo Salgado, suspeita o DCIAP.

Para efetuar tais pagamentos, eram utilizadas as contas que a sociedade offshore ES Enterprises tinha no Banque Privée Espírito Santo, na Suíça. O DCIAP calcula que tenham sido pagas dessa forma alegadas comissões que totalizaram cerca de 124,5 milhões de dólares (cera de 105 milhões de euros ao câmbio atual) entre maio de 2009 e maio de 2014.

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As ‘maçãs’ e as 30 offshores de PEP venezuelanos

Tais comissões foram pagas através de um esquema que consistia na abertura de contas bancárias no Espírito Santo (ES) Bankers, o banco detido pelo GES no Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Por alegada indicação de João Alexandre Silva, eram abertas contas no ES Bankers em nome de sociedades offshore que pertenceriam a responsáveis das entidades públicas venezuelanas que investiam no GES, tal como o Correio da Manhã já noticiou e o Observador confirmou.

Segundo os indícios documentais recolhidos pelo DCIAP, Ricardo Salgado e João Alexandre Silva comunicariam a Humberto Coelho, diretor do ES Bankers, e a Jean Luc Schneider, o operacional de Salgado que movimentava as contas da ES Enterprises a partir da Suíça, os valores que tinham de ser transferidos trimestralmente e aqueles coordenavam as respetivas operações.

Por exemplo, de acordo com tais mapas, no 4.º trimestre de 2011 terão sido transferidos da conta da ES Enterprises, no dia 2 de fevereiro de 2012, um total de 16.370.824, 55 de dólares americanos (cerca de 13,7 milhões de euros ao câmbio atual) para diversas contas do ES Bankers.

Ricardo Salgado terá alegadamente tido conhecimento e ordenado o pagamento de supostas comissões a responsáveis venezuelanos. Por exemplo, terão sido transferidos da conta da ES Enterprises no dia 2 de fevereiro de 2012 um total de 16 milhões e 370 mil dólares americanos para diversas contas do ES Bankers. Tais transferências terão sido precedidas de uma comunicação em código para Salgado de que o pagamento de "16,37 maçãs" estava a caminho.

Tal como o Correio da Manhã já noticiou, e o Observador confirmou, tais transferências terão sido precedidas de uma comunicação de João Alexandre Silva de que o pagamento de “16,37 maçãs” estava a caminho — uma linguagem de código que a equipa do procurador José Ranito interpreta como dizendo respeito à transferência de 16,37 milhões de dólares realizada por Jean-Luc Schneider, um alto quadro do GES que movimentava as contas da ES Enterprises apenas segundo as ordens de Ricardo Salgado.

Este é apenas um dos vários indícios documentais que leva o procurador José Ranito a afirmar que Salgado estava a par do pagamento das alegadas comissões a responsáveis venezuelanos.

O DCIAP tem também em seu poder a lista com os nomes das 30 sociedades offshore, cuja maioria já foi revelada pelo Correio da Manhã, com contas abertas no ES Bankers. Tais empresas estarão alegadamente ligadas a diversos responsáveis políticos do regime de Hugo Chávez e a gestores das empresas públicas venezuelanas que investiram no GES. Ao que o Observador apurou, há casos em que os beneficiários das sociedades offshore serão testas-de-ferro de ex-membros do Governo venezuelano, enquanto noutros casos os beneficiários são os próprios representantes das empresas públicas. Na linguagem jurídica do DCIAP, são Pessoas Politicamente Expostas venezuelanas — um conceito da legislação europeia contra o branqueamento de capitais que, em parte, também é seguido no Dubai e se refere a todo e qualquer responsável público ou político e aos seus familiares mais diretos.

Os 124,5 milhões de dólares (cerca de 105 milhões de euros ao câmbio atual) de alegadas comissões foram transferidas pela ES Enterprises entre 2009 e 2014 pelas entidades que constam do quadro abaixo reproduzido:

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Ostertag, o criador das estruturas

O léxico técnico do banqueiro Ricardo Salgado continha um número significativo de eufemismos. Por exemplo: “dinheiro” não era um substantivo digno de um banqueiro, ao contrário de “recursos”. O mesmo se diga de “sociedade offshore” ou “empresa com sede em paraísos fiscais”. Sendo algo com má fama, logo foram substituídas por “estruturas”.

Foi assim que as 30 “estruturas” offshore foram criadas por Michel Joseph Ostertag. Era precisamente essa a sua especialidade: criar “estruturas”, criar empresas offshore e outros veículos. Começou por trabalhar na Gestar, a empresa do GES que foi aberta para aconselhar essencialmente os clientes dos Espírito Santo que trabalhavam em negócios de importação e exportação ou nos mercados internacionais. Apesar de Salgado enfatizar que o GES aconselhava sempre “rigor fiscal” aos seus clientes, as “estruturas” offshore serviam precisamente propósitos opostos.

Ostertag podia criar, consoante o tipo de investimento que se pretendia — e aqui entra o léxico financeiro a sério –, três tipos de entidades, sempre com sede em paraísos fiscais:

  • Special Purpose Vehicles (SPV) — que são empresas com personalidade jurídica que servem apenas e só um determinado investimento, não tendo actividade geral.;
  • Personal Investment Companies (PIC) — é uma sociedade veículo geralmente utilizada para gerir heranças sem que os herdeiros possam controlar totalmente os ativos que a sociedade detém,
  • Trusts — entidade para a qual costumam ser transferidos os direitos de propriedade de um determinado conjunto de ativos, passando os responsáveis pelo trust a gerir os mesmos em nome dos beneficiários.

Todos estes veículos financeiros podem ter utilizações perfeitamente legais. O problema, na ótica do procurador José Ranito, coordenador dos inquéritos do Universo Espírito Santo, é que estes serviços financeiros terão sido utilizados por Michel Ostertag, alegadamente a pedido de Ricardo Salgado, para criar mecanismos de ocultação de património.  Ou seja, para promover a evasão fiscal e operações de branqueamento de capitais.

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O caso da ex-PGR da Venezuela e do tesoureiro do Banco del Tesoro

As 30 sociedades offshore abertas por Michel Ostertag no Dubai para os titulares de altos cargos venezuelanos entram na categoria de SPV. Além de Domingos Galán Macia, podemos ainda encontrar nomes como o de Margarita Luísa Mendola Sanchez, à data adida da Embaixada da Venezuela em Portugal mas que foi procuradora-geral da República Bolivariana da Venezuela entre janeiro e agosto de 2011. Mendola Sanchez regressou a Portugal e é hoje ministra conselheira do embaixador da Venezuela em Lisboa.

De acordo com a documentação recolhida pelo DCIAP, Margarita Mendola Sanchez será a titular da sociedade offshore The Paratus Investments Ltd, tendo esta empresa recebido na sua conta no ES Bankers a quantia de 6.837.791, 46 dólares americanos (cerca de 5,8 milhões de euros ao câmbio actual) com origem na ES Enterprises. Foram 15 transferências realizadas partir da Suíça com destino ao Dubai entre 16 de março de 2009 e 26 novembro e 2012. Cada transferência individual variou entre um mínimo de 81.083, 59 dólares americanos (cerca de 68.850 euros ao câmbio atual) e o máximo de 1.001.795, 47 dólares americanos (cerca de 850.582 euros).

Duas das transferências realizadas para a conta da sociedade offshore que alegadamente será detida por Maria Mendola Sanchez ocorreram quando esta ainda procuradora-geral da Venezuela. Uma ocorreu a 25 de fevereiro de 2011, no valor de 168.019, 87 de dólares (cerca de 142.673 euros ao câmbio actual) enquanto que a segunda, no valor de 259.590 dólares (220.434 euros), verificou-se a 16 de maio de 2011. No total, a ex-procuradora-geral da Venezuela terá recebido cerca de 5,8 milhões de euros

Duas das transferências realizadas para a conta da sociedade offshoreque alegadamente será detida por Maria Mendola Sanchez ocorreram quando esta ainda procuradora-geral da Venezuela. Uma ocorreu a 25 de fevereiro de 2011, no valor de 168.019, 87 de dólares (cerca de 142.673 euros ao câmbio actual) enquanto que a segunda, no valor de 259.590 dólares (220.434 euros), verificou-se a 16 de maio de 2011.

O DCIAP liga todas as transferências realizadas para a Paratus Investments aos negócios que foram realizados entre o GES e as diversas entidades públicas venezuelanas acima referidas.

Uma delas foi o Banco del Tesoro, o banco público que geria o importante fundo soberano Fonden — Fundo Nacional de Desenvolvimento. O DCIAP entende ter provas que indicam que Arnoldo Hernandez, tesoureiro do Banco del Tesoro, é o alegado beneficiário da sociedade offshore AC Chacal Investiments, Ltd. Esta sociedade offshore terá recebido um total de cerca de 330 mil eurosno dia 15 de junho de 2009 da ES Enterprises.

O Observador enviou perguntas por escrito dirigidas a Magarita Mendola Sanchez para a assessoria de imprensa no dia 22 de maio mas, apesar de várias insistências (a última das quais esta quarta-feira), nunca obteve qualquer resposta.

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O ataque das autoridades do Dubai

Todo este alegado esquema de pagamentos de comissões através de contas abertas no ES Bankers começou a ser descoberto em 2012 pelas próprias autoridades do Dubai. No âmbito de uma operação de fiscalização determinada pela Dubai Financial Services Authority (DFSA), a autoridade de supervisão na zona financeira daquele território dos Emirados Árabes Unidos, dispararam os primeiros sinais de alerta na sede do BES.

Ao que o Observador apurou, Ricardo Salgado chegou mesmo a enviar uma equipa especial de auditoria de Lisboa para tentar resolver “o problema”. Tudo porque a DFSA queria perceber se o GES sabia quem eram os beneficiários daquelas 30 sociedades e, mais importante do que isso, se tinha escrutinado a origem das respetivas fortunas que estavam depositadas naquelas contas do ES Bankers.

No seguimento dessa operação de fiscalização, entrou em cena uma nova sociedade chamada ICG Private Wealth Managment, que tinha sido criada por Michel Ostergat no Panamá em 2009. A ICG abriu escritórios em novembro de 2011 no Dubai, inscreveu-se na DFSA e assinou um acordo com a Espírito Santo Internacional (ESI), um das principais holdings do GES, com o objetivo de, segundo o DCIAP, esconder e iluder uma relação direta entre o GES e os beneficiários venezuelanos das 30 sociedades offshore com conta no ES Bankers.

Como? Foi assinado um referral agreement com data de 15 de maio de 2013, em que a ICG comprometia-se a procurar e em captar clientes para investir no GES, seja através da compra de serviços bancários nas diversas instituições bancárias dos Espírito Santo (como o ES Bankers), seja através de investimentos financeiros em dívida do GES.

Na prática, contudo, os clientes já tinham sido encontrados, não eram propriamente novos. Tratavam-se das 30 sociedades offshore com contas no ES Bankers. Por conta dessa alegada angariação, a ESI acabou por contratualizar o pagamento de cerca de 124 milhões de dólares(105 milhões de euros) à ICG.  Ou seja, o valor total das comissões que o DCIAP entende que são a alegada prova do pagamento de comissões a titulares de cargos políticos e públicos da Venezuela pelos investimento de mais de 8 mil milhões de euros realizado no GES por parte dessas mesmas entidades.

O acordo entre a ESI e a ICG foi assinado do lado da família Espírito Santo por José Manuel Espírito Santo e Manuel Fernando Espírito Santo mas estes não saberiam nada sobre os alegados acordos estabelecidos entre Salgado e Ostertag e sentir-se-ão usados e enganados pelo seu primo. É que este acordo, no entender do DCIAP, visava ocultar os pagamentos diretos do GES, através da ES Enterprises, para as 30 sociedades offshore ligadas aos poderosos venezuelanos — tudo para fugir ao radar às autoridades financeiras do Dubai que andavam através do ES Bankers.

De nada serviu. A DFSA não aceitou os procedimentos seguidos pela ES Bankers em relação à confirmação da origem lícita da fortuna das offshores dos clientes venezuelanos e ordenou o seu encerramento em 2014 — quando o descalabro do GES estava prestes a ser conhecido.

Ricardo Salgado e  Michel Ostertag, esses, não pararam. E terão redomiciliado uma parte das contas das 30 sociedades offshorepara o perímetro da Sucursal Financeira Exterior do BES Madeira e as restantes foram deslocalizadas para o Banque Privée Espírito Santo na Suíça. Mas, mais uma vez, de nada valeu.

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Buscas em Oeiras incluíram empresa de Isaltino Morais

Ricardo Santos Ferreira, Lígia Simões e Revista de Imprensa JE

10:44

O “Público” informa que a empresa de Isaltino Morais recebeu 50 mil euros por serviços de consultoria ao “grupo imobiliário SIL, dono do megaprojeto Porto Cruz, na Cruz Quebrada” e que estará “no centro da investigação” que levou a Polícia Judiciária a fazer buscas na câmara.

A investigação que as autoridades estão a fazer a um processo de urbanismo no concelho de Oeiras envolveu buscas à câmara municipal, mas também a uma empresa do atual presidente da autarquia, Isaltino Morais, que terá recebido 50 mil euros por consultoria no projeto imobiliário em causa, noticia o “Público”.

O “Público” informa que a empresa de Isaltino Morais prestou serviços de consultoria ao “grupo imobiliário SIL, dono do megaprojeto Porto Cruz, na Cruz Quebrada” e que estará “no centro da investigação” que levou a Polícia Judiciária a fazer buscas na câmara de Oeiras.

O jornal adianta, ainda, que “o Ministério Público acredita que os perto de 50 mil euros pagos a uma empresa que Isaltino de Morais tem com o filho terão servido para pagar a intervenção ou influência de órgãos autárquicos na validação daquele projeto”.

Projeto atravessou vários ciclos eleitorais

O Jornal Económico noticiou que as buscas realizadas a 6 de junho têm por base uma investigação a um processo do departamento de Urbanismo que atravessou “vários ciclos eleitorais autárquicos”, segundo revelou fonte oficial da Procuradoria-Geral da República (PGR).

Em causa está o projeto de um empreendimento no Jamor, cujo plano de pormenor foi aprovado em 2014 pelo executivo de Paulo Vistas.

Em causa está, segundo um comunicado da Procuradoria Geral Distrital de Lisboa (PGDL), um inquérito, em que se investigam os crimes de tráfico de influência, corrupção passiva e activa, participação económica em negócio e abuso de poder. Segundo a PGDL, foram emitidos e cumpridos mandados de busca à Câmara Municipal de Oeiras, adiantando que “nestas operações foram apreendidos documentos de índole contabilística e outras e mensagens de correio electrónico necessários à produção de prova”.

No âmbito destas buscas, “não houve lugar à constituição de arguidos”.

Em comunicado, a Câmara de Oeiras reagiu a esta investigação, dando conta que as buscas efetuadas se prendem com o Plano de Pormenor da Margem Direita e Foz do Rio Jamor e que as decisões relativas ao projeto passaram por três presidentes do executivo.

Em comunicado, a autarquia, atualmente liderada por Isaltino Morais, revelou que as buscas estão relacionadas com aquele projeto, “cuja aprovação data de 15 de abril de 2014”, altura em que o independente Paulo Vistas presidia ao município e Isaltino Morais estava a cumprir pena de prisão.

O plano que previa o investimento privado da empresa Silcoge, do grupo imobiliário SIL, foi aprovado com os votos a favor do PSD, PS e movimento Isaltino Oeiras Mais à Frente, liderado, na altura, por Vistas.

Cinco edifícios no Jamor e um hotel

Em causa está o projeto de Porto Cruz, um investimento imobiliário na margem direita e foz do rio Jamor, na Cruz Quebrada, que prevê cinco edifícios destinados à habitação, comércio e serviços – o mais alto com 20 pisos –, um hotel e estacionamento. Prevê ainda a criação de uma piscina municipal oceânica e de uma marina, esta última sobre a praia da Cruz Quebrada.

O plano de pormenor abrange uma área de 27,6 hectares, teve pareceres desfavoráveis da CCDR e é criticado pela Liga dos Amigos do Jamor.

Na mesma nota, o município de Oeiras indicou ainda que a primeira deliberação camarária do designado projeto Porto Cruz ocorreu em “11 de maio de 2004, momento em que se aprovaram os termos de referência do projeto”, durante o mandato de Teresa Zambujo (PSD).

“Em ambas as datas, o atual presidente da câmara não exercia funções no município de Oeiras”, sublinha a autarquia, revelando que “a única deliberação camarária” decidida no período em que Isaltino Morais presidia à câmara data de 13 de janeiro de 2010 e era relativa à “proposta remetida pela Silcoge de celebração de contrato de execução do Plano de Pormenor do empreendimento denominado Porto Cruz – Margem Direita da Foz do Rio Jamor”.

O inquérito está a ser dirigido pelo Departamento de Investigação e Ação Penal de Sintra, da Comarca de Lisboa Oeste, coadjuvado pela Unidade Nacional de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária.

Isaltino Morais voltou à liderança do município em 2017, após a gestão do executivo ter estado a cargo de Paulo Vistas.