Translate

sábado, 30 de junho de 2018

Entre as brumas da memória


Uma imigrante como outra qualquer

Posted: 30 Jun 2018 01:16 PM PDT

.

Oh!... Choro, pois

Posted: 30 Jun 2018 09:01 AM PDT

.

Balanço de uma manhã de Sábado

Posted: 30 Jun 2018 06:56 AM PDT

Andei pelas redes sociais, na esperança de ler novas reacções ao comunicado dos 28 sobre Migrações, com aplausos ou críticas provocadas pelo mesmo. Em vão.

Encontrei fundamentalmente duas discussões transcendentes:

- Dezenas de ataques e defesas de políticos que estiveram ontem num palco a cantar, com discussões acaloradas para se decidir se se tratou de populismo ou antes pelo contrário, e com um tom apimentado por entoarem uma canção do tempo da outra senhora;

- Menos dezenas de discussões, mas também com louvor ou escândalo, porque Medina cedeu 15 lugares de estacionamento a Madona, perto da residência da mesma – de borla, evidentemente.

Entretanto, mais de 100 migrantes morreram ontem afogados no Mediterrâneo.

.

A Europa a implodir

Posted: 30 Jun 2018 03:15 AM PDT

«Não é apenas o mundo global idealizado pelos americanos que está a ruir. É também a própria ideia de unidade europeia, criada à volta das sementes do Iluminismo, quando a Europa era considerada a autoridade moral que era olhada como referência moral, política e mesmo económica e social. Continente de migrações constantes e de fronteiras porosas, solidificada por uma moeda comum e por uma burocracia tentacular, a União Europeia foi um sonho que rapidamente começou a ser dinamitado quando a Grã-Bretanha decidiu não entrar no euro, impedindo que o petróleo do mar do Norte passasse a ser cotado nos mercados internacionais na moeda europeia. O dólar tinha aí a sua vitória. Hoje os EUA olham para a Europa unida como um alvo a abater. Washington não quer aliados: quer nações devotas. Por isso, dividir para reinar é a nova tese.

Quando Angela Merkel cair, que sobrará do sonho europeu de alguns? A crise migratória apenas pode acelerar a destruição da UE. Na era em que o dinheiro navega pela internet, os seres humanos viajam em barcos frágeis. É este o mundo da pós-verdade. E a UE continua sem ser capaz de dar resposta a este desafio que não vai parar, mesmo que Espanha receba umas centenas de migrantes e Portugal e França outros milhares. A política de destruição das zonas-tampão na Síria e na Líbia (a pretexto da "democracia", que como se sabe foi implantada naqueles países depois da intervenção militar dos EUA, de França e da Grã-Bretanha), a falta de investimento europeu na metade superior de África, e outros equívocos criaram a bomba-relógio que agora chegou à Europa. Afinal a globalização não alimentou uma "empatia global" (em que alguns acreditaram), e a conexão global ficou-se pelos cidadãos sem pátria que viajam nas classes executivas e tratam de tudo por via digital.

A política de austeridade cega e a forma como foram abandonados os países que têm fronteiras como o Mediterrâneo geraram esta situação. Não admira que Grécia, Itália e Malta estejam fartos. E os populistas bebem aí a água tónica. Donald Trump, Matteo Salvini ou Víktor Orban são apenas a linha da frente para o que aí vem. O problema é que, neste momento de grandes incertezas, a disparidade de interesses nacionais e mesmo os diferentes posicionamentos ideológicos estão a desintegrar a comunidade de países europeus. E como esta questão é muito emocional o problema torna-se ainda mais grave.

Conseguir travar o fluxo de migração africana de forma sensata só é possível com a criação de condições económicas, sociais e políticas de estabilidade e desenvolvimento sustentado na metade superior do continente africano. De outra forma será impossível fazer muros para evitar que os migrantes assaltem o "castelo europeu". É aqui que ainda existe um sonho de sobrevivência e possível sucesso para eles e é isso que os leva a arriscar a vida nas águas do Mediterrâneo. Porque, para trás, deixam lugares que lhes ameaçam a vida e não lhes oferecem nenhum destino. Ou seja, esta discussão é complexa, mas fácil de ser sintetizada por políticos, ora populistas ora burocratas. O destino da Europa unida também se discute aí.»

Fernando Sobral
.

José Tengarrinha – um grande resistente que hoje desaparece

Posted: 29 Jun 2018 03:18 PM PDT

José Manuel Tengarrinha morreu hoje, 29 de Junho, às 14h30, em Lisboa, vítima de doença prolongada. Tinha 86 anos.

O corpo vai estar em câmara ardente na Basílica da Estrela a partir das 18h de Domingo, de onde sairá no dia seguinte, para ser cremado em cerimónia reservada à família e amigos próximos.

As cortinas de fumo e os spin doctors de serviço

Novo artigo em Aventar


por Bruno Santos

A agressão de que terá sido vítima uma cidadã portuguesa na cidade do Porto, agressão essa cujo autor foi, alegadamente, um elemento do corpo para-militar privado contratado pelos STCP para efectuar serviço de segurança, suscitou, como não podia deixar de ser, uma reacção imediata dos spin doctors do costume. A função desses spin doctors foi a de reduzir instantaneamente o acontecimento a um fenómeno racista, ocultando, distorcendo e falseando factos essenciais, sendo que o primeiro desses factos é que a responsabilidade pelos acontecimentos cabe, em primeira instância, aoConselho de Administração dos STCP, que já deveria ter sido exonerado e accionado criminalmente pelo sucedido, procedimento após o qual caberia analisar a responsabilidade solidária da tutela, designadamente dos seis municípios da Área Metropolitana do Porto responsáveis pela gestão da empresa.

Não podendo negar-se, à partida, a possibilidade de estarmos, na verdade, perante um crime com motivações racistas, hipótese que deve ser plenamente investigada, essa seria sempre uma qualidade acessória de um acto muito mais grave do ponto de vista penal, o de ofensa à integridade física qualificada, com a agravante de ter sido perpetrado por um agente ao serviço de uma empresa pública, crime cuja sanção pode chegar aos 12 anos de prisão.

Querer transformar este episódio, de gratuita e bárbara violência, em mais um argumento em favor daqueles que lutam diariamente pela destruição da memória e do legado universalista português e o significado profundo da sua História, comparando-a à de qualquer Reich sanguinário e racista, é uma ignóbil traição, essa, sim, com laivos discriminatórios e até racistas, aos nossos valores civilizacionais autênticos e uma inaceitável falta de respeito pela dignidade histórica dos portugueses e de todos os povos em comunhão com os quais esses mesmos portugueses evoluíram no mundo.

Decidam-se:

A pessoa no chão é Nicol Quinayas, 21 anos, nascida na Colômbia, desde os cinco anos em Portugal.
Diário de Notícias, 27 de Junho de 2018

Nicol Quinayas, de 21 anos, nascida em Portugal, mas de ascendência colombiana
Diário de Notícias, 29 de Junho de 2018

Mais um marco a caminho da ignorância atrevida e do deficit cívico

por estatuadesal

(José Pacheco Pereira, in Público, 30/06/2018)

JPP

Pacheco Pereira

Em 1864, o primeiro editorial do Diário de Notícias era um documento notável e absolutamente moderno. Repare-se nesta frase-programa: “registar com a possível verdade todos os acontecimentos, deixando ao leitor, quaisquer que sejam os seus princípios e opiniões, o comenta-los ao seu sabor.

Eu compreendo que os jornalistas que sobram no novo projecto a que se vai dar o nome de Diário de Notícias reafirmem que para eles o que se diz no velho editorial continua válido. Podem ter essa impressão subjectiva, mas não é verdade. Já não era verdade há muito para uma parte dominante do jornalismo português, incluindo o Diário de Notícias, e é-o muito menos agora. Isto porque a crise do jornalismo português antecede estas passagens ao online de publicações falidas em papel.

Não é modernização, é redução drástica de custos com a mudança do produto, beneficiando do valor residual de uma marca de prestígio. O que vai surgir não é um novo Diário de Notícias, é outra coisa, é um site de notícias sem dinheiro que chegue para pagar jornalismo de qualidade, investigação, opinião a sério, com um semanário em papel acoplado. Com tempo irá embora o semanário e o resto se verá. Desculpem a crueldade, mas é mesmo assim. Desejava e muito que não o fosse.

O “único fim” que o editorial de 1864 enunciava era este: “interessar a todas as classes, ser acessível a todas as bolsas e compreensível a todas as inteligências”. Repare-se na lista dos temas propostos para o novo jornal: política, ciência, artes, literatura, comércio, indústria, agricultura, crime e estatísticas. E se o critério for, como deve ser, ter notícias, esprema-se este primeiro número do Diário de Notícias e saem muitas notícias. Hoje, em muitos jornais, espreme-se e sai ar e vazio, ar muito parecido com o do jornal do lado. Mesmo saber que “Suas Majestades e Altezas passam sem novidade em suas importantes saúdes” era o equivalente da exigência actual de conhecer o estado de saúde dos governantes.

Os jornais portugueses, uns mais do que outros, deixaram há muito de querer “interessar a todas as classes”, deixando de fora das suas páginas uma parte maioritária dos portugueses, cujos problemas no trabalho, na escola, na casa, na vida quotidiana, de segurança, de violência e crime, não chegam aos jornais em contraponto com uma qualquer performance “artística” que ocupa duas páginas ou com as encomendas das agências de comunicação, cuja origem é ocultada aos leitores. Falta cobertura independente e isenta dos negócios, das empresas, em particular das grandes empresas e dos centros de poder fáctico, como os grandes escritórios de advocacia de negócios. Não é por acaso que todos têm agências de comunicação. A arte e a cultura, tantas vezes medíocre, mas urbana e trendy, tem uma cobertura particularmente acrítica, mas com lugar nobre. O que falta? Um exemplo: em plena luta dos professores, o que é que sabemos da condição de se ser professor hoje, numa escola comum, com alunos comuns, mas reais, os que existem, os que lá estão? Quase nada, muito pouco. Não é glamoroso, eu sei.

PÚBLICO -

Foto

Outra preocupação do editorial era o “estilo fácil” e “conciso”, “compreensível a todas as inteligências”, hoje diríamos a diferentes graus de cultura e literacias, preocupação que há muito deixou de existir. Era possível fazer uma compilação do tamanho deste jornal de frases rebuscadas e incompreensíveis, muitas vezes apenas por pedantice ou ignorância em notícias e reportagens, mostrando a debilidade da edição, um dos grandes problemas do jornalismo actual e da fragilização das redacções. Mas a recomendação seguinte é ainda mais actual: "nele são vedados” “absolutamente” a “exposição dos actos da vida particular dos cidadãos”, e será “escrito em linguagem decente e urbana”. A hipocrisia de aceitar os comentários não moderados, ou, pior ainda, moderá-los no jornal e depois permitir o Facebook sem regras, mostra como o valor da “linguagem decente e urbana” é puramente retórico. É que esses comentários grosseiros e sem nenhum valor informativo fazem parte do jornal e, com a passagem ao online, ainda vão ser mais centrais devido à economia dos cliques.

O editorial define uma fronteira – “eliminando o artigo de fundo, não discute política, nem sustenta polémica” –? que o Diário de Notícias nunca cumpriu, em particular na direcção de Augusto de Castro. Foi um típico jornal de interesses e de regime, ligado à moagem e ao Estado Novo, até ao 25 de Abril. Depois foi também um típico jornal do PREC, com Saramago a fazer os estragos que esses anos trouxeram à vida pública portuguesa, de qualquer modo infinitamente menores do que os 48 anos de ditadura.

Eu não tenho nenhuma nostalgia do papel, embora saiba que há aí coisas que não emigram para o online e que são vitais para se fazer jornalismo e opinião numa sociedade democrática e livre. Mergulhar no online tem o risco de aproximar o jornal do implodir subjectivista e egoísta das redes sociais, uma das fontes do populismo e do afastamento da vida cívica democrática. Vamos ver como será, mas à partida não é brilhante. Seja bem-vindo o novo site de notícias e o semanário que usa o nome do Diário de Notícias. Boa sorte!

Desonestidade

  por estatuadesal

(Dieter Dellinger, 30/0672018)

expressox.jpg

Na sua habitual desonestidade, o semanário do Balsemão noticiou uma subida do desemprego em Maio para 7,3% baseada numa previsão ainda não confirmada do INE.
Em Abril, com números certos, o desemprego desceu para 7,2%, o valor mais baixo desde que António Guterres deixou o cargo de Primeiro Ministro.

Na política como em tudo na vida não precisamos de ser grandes especialistas para colocar dúvidas, nomeadamente quanto a previsões de 0,1% ou um miléssimo.

Ora, o desemprego ronda as 370 mil pessoas, pelo que um número de 370 pessoas a mais ou a menos num universo de mais de um milhão de empresas que é o português é tudo menos certo e sabe-se que no Algarve a hotelaria debate-se com falta de pessoal e a restauração também. Nos últimos 10 anos foram criadas mais de 400 mil empresas.

Pelo que foi dito esta manhã na TSF pela direção da Associação de Hoteleiros, toda a hotelaria em Portugal tem falta de pessoal porque começa a deixar de haver pessoas disponíveis para aceitarem empregos com salários baixos e precariedade sazonal.

As empresas querem trabalhadores precários. Estes é que recusam isso, principalmente quando não se trata de um primeiro emprego de um jovem saído do sistema educativo.

No ano passado entraram em Portugal mais de 22 milhões de turistas e o aumento continua este ano, se bem que a um ritmo mais moderado por falta de voos para os aeroportos controlados pela francesa Vinci que, praticamente, está a bloquear o turismo em Portugal. O aeroporto de Montijo só deverá entrar em funcionamento em 2022 por falta de visão dos franceses a quem foi concedido o monopólio absoluto da esxploração aeroportuária nacional sem que o governo de Passos tivesse tido o cuidado de verificar se os dirigentes tinham experiência em aeroporto de gbrande dimensão e conheciam algo do turismo e viagens. Na verdade eram neófitos nesta matéria e não possuíam qualquer visão de futuro da evolução do turismo.

A título de curiosidade, diga-se que os muitos hotéis que existem no país ofereceram em 2017 21 mil colchões e roupas de cama ainda em bom estado s a Instituições de Solidariedade Social para casas de sem abrigo e outras. Os hotéis trocam muito de colchões e roupas porque não querem ter os seus clientes deitados em camas muito usadas. A essas doações corresponde um aumento de vendas dos fabricantes deste material, logo de mais emprego.

Também não é verdade que 25% dos jovens estejam desempregados. Temos um pouco mais de 1 milhão de jovens em condições de trabalharem, isto é, já fora do ensino. Seriam 250 mil desempregados quando se sabe que a maior parte do desemprego vem de empresas mal geridas e falidas que têm geralmente pessoal maioritariamente com mais de 40 a 50 anos de idade.

O México entre a renovação, o crime e o FMI

  por estatuadesal

(Francisco Louçã, in Expresso, 30/062018)

LOUCA3

Andrés Obrador poderá ganhar no domingo as eleições no México contra as humilhações lançadas por Trump e o sistema de corrupção e violência do narcotráfico


Elegendo de uma só vez Presidente, deputados e governadores, amanhã o México vai votar. A eleição presidencial, que define o poder político, pode ser ganha por Andrés Manuel Lopez Obrador, Amlo para a população e imprensa. Amlo é um candidato veterano e que, por isso, sabe dos riscos do sistema, pois esteve sempre à frente nas sondagens e foi derrotado em 2006 (acabaria por ter 35%) e 2012 (32%). Só que, desta vez, a sua vantagem é muito substancial: nas sondagens publicadas há uma semana, e confirmadas por estes dias, tem 49,6% contra 27% de Anaya Cortés (candidato de uma coligação entre um partido de direita, o PAN, e um de centro-esquerda, o PRD) e 20% de Meade (candidato do partido que durante oitenta anos governou o México, o PRI).

Trump e guerras internas

As eleições ocorrem num contexto marcado por duas grandes pressões. Uma é a de Trump, que prometeu fazer o México pagar o muro a ser construído na fronteira e que tem radicalizado a sua posição contra as famílias migrantes. Outro é a crise social e a corrupção do sistema (por exemplo, o governador de Vera Cruz está acusado do desvio de três mil milhões de dólares para o seu bolso), conjugadas com a violência dos gangues do narcotráfico (200 mil assassínios desde 2007). Amlo é apoiado por um movimento maioritário porque surge como a alternativa de orgulho nacional contra Trump e de resistência à corrupção e insegurança.

O crescimento desse movimento cria a possibilidade de uma maioria parlamentar do Morena, o partido de Amlo, e da sua aliança com um grupo de esquerda, o Partido do Trabalho, e um partido de direita, o evangélico Encuentro Social. Se esta coligação obtiver mais de 250 deputados, Amlo terá poder efetivo.

Um apagão pode mudar as eleições

Pode não ser assim, o México tem uma história de surpresas. Em 1988, a candidatura de um dissidente do PRI, Cardenas, filho do Presidente do México que tinha nacionalizado o petróleo nos anos 1930, estava à frente na contagem dos votos quando houve um apagão. Quando a eletricidade foi restabelecida umas horas mais tarde, Salinas de Gortiari, o candidato oficial do PRI, tinha ganho. Estudei o caso de Salinas no livro que publiquei recentemente com Michael Ash, “Sombras”, porque se trata de um exemplo notável da influência dos programas de educação de dirigentes latino-americanos em universidades dos EUA e de viragem neoliberal imposta por personagens treinados pelas instituições da globalização: Salinas, com doutoramento em Harvard, tinha sido vice-diretor do FMI (1956-8), o seu ministro das finanças vinha do MIT, os ministros do comércio e do orçamento de Yale e o negociador do tratado Nafta (um acordo com os EUA e o Canadá para comércio livre) vinha de Chicago.

Ganhando as eleições com fraude, Salinas não se coibiu de impor um programa de privatizações incluindo a companhia aérea, as indústrias de aço e química, as seguradoras e os bancos, a televisão, a rádio, as companhias de telefone e comunicações (assim nasceu a fortuna do homem mais rico do mundo, Carlos Slim).

O risco do subdesenvolvimento

Se as eleições não forem falseadas, poderá Amlo fazer uma viragem, defendendo o seu país, combatendo a corrupção, favorecendo os direitos das populações indígenas? Os opositores temem-no e acusam-no de ser um novo Hugo Chávez, embora o candidato se apresente mais próximo do que foi a presidência de Lula, moderado, aliado a um sector da direita e muito temeroso dos poderes económicos.

O caderno de encargos é gigantesco. O México é um dos países mais desiguais da OCDE (os 10% mais ricos recebem 36% do rendimento nacional, os 10% mais pobres ficam com 1,8%). A agricultura familiar foi destroçada, mais de cinco milhões de camponeses foram arruinados pelas importações de cereais subsidiados dos Estados Unidos. E a subida de juros no vizinho do Norte leva a uma fuga de capitais, o que enfraquece a relação cambial e a capacidade produtiva do México. Finalmente, o FMI pressiona para uma “consolidação orçamental”, que já sabemos o que significa: num país com tanta pobreza, reduzir as despesas orçamentais com os escassos serviços sociais pode parecer bem nas estatísticas em Washington, mas condena muitas pessoas à miséria.

Essa é a herança que Amlo pode receber amanhã. É o que lhe pode dar a vitória, pela esperança da mudança, e o que lhe impõe os riscos, pela pressão dos poderes que têm pilhado o México.


JOSÉ_MARIO

Inéditos 1967-1999, de José Mário Branco

Ao fim de mais de uma dúzia de anos sem gravar novo disco, José Mário Branco recolheu e publicou músicas de três décadas que nunca tinham sido incluídas num CD do autor. Algumas estavam dispersas em filmes (“Agosto”, de Jorge Silva Melo, “A Raiz do Coração”, de Paulo Rocha, “Gente do Norte”, de Leonel Brito, “O Ladrão do Pão”, de Noémia Delgado), ou foram feitas para peças de teatro (“Fim de Festa”), ou para um musical (“Le Cafard”), ou para discos coletivos (para a CGTP, ‘Remendos e Côdeas’; para a campanha pela libertação de Otelo, ‘Quantos é que Nós Somos’). Os dois CD incluem ainda algumas cantigas de amigo, três exercícios (“fantasias”) apresentados num único espetáculo no Instituto Franco-Português, e a muito anterior ‘Ronda do Soldadinho’, um panfleto contra a guerra colonial, de que pelo menos três mil exemplares foram introduzidos clandestinamente em Portugal.

Este “Inéditos 1967-1999” são assim uma viagem a três décadas de trabalhos essenciais e uma oportunidade para registar estilos diferentes, canções em diversos tons e línguas, documentando uma história do pensamento, das intervenções e da música de José Mário Branco. Para quem sente a falta da sua música, aqui está um encontro imprescindível; para quem tem sentido o seu trabalho de diretor musical com Camané, encontrará uma confirmação das suas capacidades tão raras de orquestração; para quem se lembra, ouvirá letras de combate.


A estratégia do imbróglio

Quando este jornal for publicado já terá terminado o Conselho Europeu e os leitores saberão mais do que eu quando escrevo esta nota. Mas constato que a preparação da cimeira seguiu meticulosamente a estratégia do imbróglio.

O imbróglio primeiro é o dos refugiados. Com a Itália a exigir dinheiro e fronteiras e a coligação alemã em risco se não forem tomadas medidas repressivas, Juncker ressuscitou as “plataformas de desembarque”, que quer colocar no Norte de África ou nos países que querem aderir à UE nos Balcãs.

Ou seja, um novo negócio como com Erdogan, para aprisionar os migrantes em campos de retenção. A escolha desta sinistra iniciativa seria o melhor prémio à extrema-direita. E a “coligação de voluntários” que Merkel pede para expulsar os imigrantes para o país onde desembarcaram é uma guerra contra a Itália, Espanha e Grécia.

O segundo imbróglio é o da reforma do euro, prometida com fanfarra para esta cimeira. Afinal, o que é proposto “não se trata de um Big Bang”, escreve Centeno na “Eco”. Mais ainda, o ministro português desvaloriza a proposta de cooperação orçamental europeia com um subterfúgio: “Para alguns, um instrumento orçamental ou um orçamento da zona euro é uma prioridade-chave. Esta ideia tem levantado preocupações relativamente ao risco moral e a transferências permanentes, que não podem ser ignoradas e devem ser tidas em conta”. O compromisso, para Centeno, está em mexer o mínimo possível.

Havia pouco em cima da mesa, só as ambíguas propostas de Macron e Merkel para 2021, que Vítor Constâncio arrasou num tweet como “inadequadas”. Entre nós, o PSD entusiasmou-se e propôs um Fundo Monetário Europeu, o que é uma cópia do que está a ser discutido desde há um ano, mas a verdade é que não se sabe como é que o Mecanismo Europeu de Estabilidade se transforma nesse Fundo, visto ser preciso um novo tratado para o efeito. E unanimidade é uma mercadoria cara na União. Já há doze governos a recusarem as propostas Macron-Merkel e não vejo como se podem fazer omeletes sem ovos. Ou seja, a cimeira foi intensamente preparada pela vontade de agravar o imbróglio.