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terça-feira, 3 de julho de 2018

Regime Geral das Infracções dos Chefes das Repartições de Finanças

  por estatuadesal

(Por Valupi, in Blog Aspirina B, 03/07/2018)

cobrança

A coima enviada nesta semana a quem não se inscreveu no Via CTT, para lá de não ter sido precedida de qualquer aviso para uma parte indeterminada de contribuintes, começa por levantar interrogações acerca do sentido desse serviço. Serve para quê se até aqui toda a gente agora multada passou tão bem sem ele na sua relação com as Finanças? Admitindo a minha ignorância, salto para a questão mais importante, embora lateral: o poder arbitrário e não sindicado dos chefes das repartições de Finanças.

Recorrendo a uma experiência pessoal análoga ao que está aqui em causa, descobri que a invocação dos requisitos previstos no artigo 32.º do Regime Geral das Infracções Tributárias – (i) a prática da infracção não ocasione prejuízo efectivo à receita tributária: (ii) estar regulariza a falta cometida; (iii) a falta revelar um diminuto grau de culpa – não chegava para que a Lei fosse aplicada em favor do cidadão. Era ainda preciso fazer um requerimento ao chefe da repartição de Finanças, mesmo depois de tal já ter sido feito repetidamente por via digital ao longo de 3 anos. Assim fiz, entregando presencialmente e em papel esse pedido e ficando a aguardar a resposta. A resposta foi a de que a Lei não tinha mais poder do que o chefe da repartição de Finanças, o qual decidia em casos similares de acordo com critérios impossíveis de prever até para os funcionários fiscais que atendem os contribuintes nos balcões. Se eu quisesse, que fosse para tribunal – situação em que poderia perder, e situação em que, mesmo que ganhasse, os custos de iniciar o processo equivaliam ao valor da coima que pretendia ver anulada. Logo, saía mais barato pagar sofrendo a injustiça do que procurar a Justiça. Para além disto, fiquei com a cristalina ideia de que esse tipo de decisões fiscais podia envolver múltiplas pessoas que imitavam o chefe da repartição na facilidade com que decidiam de forma arbitrária até em casos tão básicos como o meu na circunstância.

O cenário é de flagrante violação do Estado de direito. Se os chefes das repartições de Finanças e suas equipas exercem este poder de forma discricionária, se o Estado não faz um levantamento das respostas aos requerimentos (e aposto os 10 euros que tenho no bolso como não faz) com a intenção de proteger os contribuintes, então estamos perante uma cultura corrupta, haja ou não vantagens para os trabalhadores estatais envolvidos.

Cultura corrupta porque, obviamente, se eu tivesse um amigo ou meia amiga na repartição de Finanças onde fui roubado teria saído de lá com um sorriso e uma assinatura do chefe a garantir que estavam respeitados:

“os requisitos previstos no artigo 32.º do Regime Geral das Infracções Tributárias – (i) a prática da infracção não ocasione prejuízo efectivo à receita tributária: (ii) estar regulariza a falta cometida; (iii) a falta revelar um diminuto grau de culpa”

Não sou votante do PS também por causa disto. É chato ser gamado por aqueles que recebem salários por causa dos meus impostos.

79 INCENDIÁRIOS

  por estatuadesal

(Dieter Dellinger, 03/07/2018)

bombeiros

No noticiário de hoje da TVI, o comandante da GNR declarou que desde o início do ano foram detidas 79 pessoas pelo crime de fogo posto.

Os GIPS-GNR fizeram cerca de 20.000 patrulhas e levantaram 2000 autos de contra-ordenação por falta de limpeza das zonas obrigatórias por lei. 500 desses autos foram anulados porque, entretanto, os proprietários deram cumprimento às imposições legais.

O número de militares integrados nos GIPS-GNR ascendeu 1064 pessoas com um excelente equipamento em viaturas muito móveis e bem equipadas.

Enfim, posso acrescentar que se as condições meteorológicas fossem este ano semelhantes às do ano passado teríamos já mais de 10% da PÁTRIA a arder porque os INCENDIÁRIOS detidos já teriam cumprido a missão para a qual foram pagos por gente de direita e, Rui Rio, estaria a esfregar as mãos de contentamento, enquanto Marcelo diria "eu bem avisei", mas claro não avisou nada nem se sabe o que deveria ter avisado.

Devemos achar estranho que tenha havido fogo em muitos edifícios, geralmente iniciado em plena madrugada. A TVI disse à uma da tarde que uma loja num grande edifício de Portimão começou a arder pelas três da madrugada. A pronta intervenção dos bombeiro evitou que o fogo se alastrasse para o edifício para ficar confinado à loja onde foi prontamente apagado. Já antes arderam fábricas, andares, etc. Quase todos os dias é anunciado um fogo que surge assim de repente sem a presença humana. Estranho, muito estranho.

Quanto aos 79 detidos nada se sabe sobre a sorte deles e nem os nomes foram divulgados. O Ministério Público considera que o carácter público de um crime advém da categoria da pessoa detida e não do perigo que pode causar à população e à PÁTRIA. É uma atitude idiota porque o mais importante é a PÁTRIA por via da extensão do crime e não a personalidade em causa.

Um simples habitante de uma aldeia do interior sem estudos nem grande inteligência é no plano jurídico igual a um ex-PM e a haver segredo de justiça para um deverá haver para o outro e nunca esquecer que os INCENDIÁRIOS provocaram prejuízos superiores a dois mil milhões de euros, tanto nos estragos provocados como na contratação de pessoal dos GIPS para vigiar a floresta e nos meios de combate aos incêndios, incluindo os caríssimos aviões e helicópteros.

Não vamos pôr em igualdade de circunstâncias, o dinheiro que um amigo muito próspero de um ex-PM tem, mas valor inferior a 1% da verba gasta com os incêndios.

Os detidos por fogo posto devem ser denunciados com nome e local de residência para que vizinhos e familiares os possam passar a vigiar. Se foram libertados, sentem-se IMPUNES e logo que o tempo aqueça e deixa de cair estas pequenas chuvas passam ao ataque lançando fogo à PÁTRIA.

A culpa nesse caso será do Ministério Público e, em particular, da PGR Joana Marques Vidal.

Foto: Uma das novas viaturas dos GIPS adquiridas para uma pronta intervenção no apagamento de fogachos e fogos postos por criminosos INCENDIÁRIOS que o Ministério Público teima em não levar a julgamento.

O drama da direita

Ricardo Costa28/06/2018

Ricardo Costa


opiniao@newsplex.pt

193VISUALIZAÇÕES

Rui Rio e Assunção Cristas atravessam um período difícil de afirmação das suas lideranças, acentuado pela ausência de um projeto comum de PSD e CDS para 2019

Aproxima-se a tradicional pausa política das férias de verão e, a partir de setembro, inicia-se a última etapa pré--eleitoral. PS, PCP e BE vão a jogo com o que conquistaram nos últimos anos de exercício de poder e de condicionamento sobre o poder. PSD e CDS desafiam o poder vigente, ou tentarão desafiar, com grandes incertezas sobre a possibilidade de reconquistarem esse poder. De facto, é no lado da (chamada) direita que se preservam as grandes dificuldades, enfatizadas pelas opções de ambos os partidos de seguirem o seu próprio caminho. Teria mais impacto haver bloco comum em alternativa; a sua falta gera naturais e previsíveis obstáculos que a dicotomia gera na definição de mensagens comuns. E também na ausência de identidade e na contradição da atitude: por um lado, Assunção Cristas combate invariavelmente o governo; por outro, Rui Rio parece interessado em construir pontes seguras de entendimento com o PS. E, na descoordenação, fica mais fácil para António Costa. E também para o eleitorado que hesita.

Para além das decisões estratégicas, a tal direita confronta-se com o problema de sempre: o carisma das lideranças. Que traz consistência, confiança e alinhamento, nomeadamente para um eleitorado que, sociologicamente, sempre terá um caráter de forte ligação personalista. A tal direita, nomeadamente depois de ostracizada pela esquerda que se fez vencedora com Abril, sempre se afirmou com líderes que entrassem pelo centro e, ademais, disputassem o eleitorado do PS e fossem intransigentes com a esquerda radical e ortodoxa. Sá Carneiro, Cavaco Silva, Durão Barroso, Passos Coelho (decisivo para a luta contra Sócrates), Freitas do Amaral e Amaro da Costa no lançamento do CDS, Lucas Pires e Manuel Monteiro na resistência ao declínio do CDS, Paulo Portas. Independentemente do maior ou menor êxito na aspiração eleitoral imediata, essas lideranças fizeram o caminho para se alcandorarem ao poder ou dele se aproximarem e marcaram os seus partidos (com os “ismos” que todos conhecem em fileiras endógenas), tornando mais difícil o percurso dos seus sucessores. Não podemos, por isso, esquecer que Passos e Portas deixaram raízes até porque, mesmo numa conjuntura implausível, conseguiram ganhar. Juntos e com carisma, cada um à sua maneira e cada um convencendo os seus. Logo, o problema original de Assunção Cristas (que não repetirá no país o que aconteceu na eleição municipal em Lisboa) e de Rui Rio é comum e é de afirmação das suas lideranças, requisito imprescindível à direita para ter sucesso.

Depois virão os programas, as propostas, as reformas e as pessoas. Sem identidade pessoal de grande lastro, não valerá a pena. E ainda mais não valerá a pena se, olhando para o lado, os aspirantes e desafiadores são tudo menos líderes agregadores, tão-só chefes de fação ou secção. Não se estranha, em consequência, que as desavenças, os dissensos e as derrotas internas se acumulem no PSD e no CDS – as desautorizações do grupo parlamentar com Fernando Negrão e os desaires do aparelho de Cristas nas contendas do Porto são apenas os sinais mais imediatos de que o futuro não deixará de ser crítico.

Dir-se-á que sobra Marcelo como figura tutelar da direita. Que, na sua veste ecuménica, não resistirá a mexer nas lideranças se as legislativas de 2019 confirmarem o declínio. Não parece. Marcelo ama hoje o país e o amor que o país lhe oferece. Deseja terminar com esse legado a sua vida política, esquecendo as brigas e as lutas que o caracterizaram no passado. Pode custar-lhe, mas não se envolverá, tirando os comentários adequados. Fica a questão: com quem pode contar a direita para ganhar?

Professor de Direito da Universidade de Coimbra. Jurisconsulto

“Xutos” à democracia: Marcelo, o “Rock”; Costa, o “Roll”!

João Lemos Esteves03/07/2018

João Lemos Esteves


opiniao@newsplex.pt

321VISUALIZAÇÕES

Marcelo não convida Donald Trump porque não quer espicaçar Catarina Martins e companhia, utilizando a “opinião pública portuguesa” para não assumir o óbvio: até o Presidente da República – com a sua obsessão pelas selfies e pelas sondagens – já está refém da extrema-esquerda

1. A imprensa portuguesa rejubilou na semana transata: afinal, os portugueses podem ter orgulho em pertencer a esta nação, que tem sobrevivido às contingências da História contra todas as probabilidades e vaticínios mais fatalistas. Não há muito tempo, os mesmos jornalistas, comentadores e autointitulados intelectuais que pululam pelas nossas televisões, rádios e jornais faziam carreira a parodiar, a satirizar e a denegrir Portugal. O nosso país não passaria, afinal, de uma “choldra”, de uma “país do quinto mundo habitado por gente inculta”, com uma “classe política absolutamente corrupta e impreparada”. Entretanto, tudo mudou: Portugal passou a ser fantástico; o “último paraíso na terra”; um “exemplo de civilização”! Qual a razão desta mudança súbita? Estará a economia nacional estruturalmente melhor, projetando um presente mais seguro e um futuro mais auspicioso para todos os portugueses? Será que o nosso poder político é mais competente, sequer transparente, do que no passado?

2. Não, não e não: Portugal, na lógica da opinião publicada (sim, porque hoje praticamente não há notícias: só opinião ou propaganda), virou paraíso porque o fetiche sonhado por numerosos jornalistas do politicamente correto se tornou realidade. Finalmente temos um governo da extrema-esquerda com o PS: o casamento sonhado (e negado) durante décadas foi consumado, derrubando--se destarte os muros que separavam a esquerda. E a esquerda unida será invencível: independentemente das preferências políticas dos portugueses devidamente manifestadas nas urnas, a esquerda (basta querer) vencerá sempre. É uma mera questão aritmética: somando-se os deputados do extremo-PS com a extrema-esquerda, é bastante verosímil que a direita fique afastada do poder por um longo tempo. Só uma maioria absoluta da direita assegurará a sua possibilidade de exercer funções governativas – pelo que só em situações de exceção, de crise profunda, após o PS levar o país à bancarrota (cumprindo a sua tradição político-constitucional mais conhecida e reiterada) é que a direita poderá aspirar a corresponder aos anseios de mudança da maioria (cada vez menos) silenciosa dos portugueses.

3. Pois bem, qual o motivo que excitou as nossas “elites comunicacionais”? A lição de História dada por Marcelo a Donald Trump – e o seu aperto de mão em forma de “puxão ostensivo”. A prioridade nacional desde quarta-feira tornou-se, pois, desvendar os segredos do “aperto de mão singular” de Marcelo Rebelo de Sousa. Para tal foram ouvidos especialistas em linguagem corporal e mestres de judo (parece que o cumprimento é uma forma de sinalizar a disposição do combatente) e o próprio Presidente Marcelo comentou ao “Expresso” a sua façanha. De facto, Marcelo descreveu o gesto como um “golpe de aikido”, confirmando as análises com que o país político-mediático se entreteve: o nosso Presidente é especialista em aikido, o que, como se sabe, é a principal valência de política internacional que um político deve ter. Mais acrescentou Marcelo Rebelo de Sousa que não convidou o presidente Donald Trump para vir a Portugal porquanto tal poderia causar melindre na opinião pública nacional. Na mesma declaração ao “Expresso”, Marcelo revelou que o presidente da República Popular da China, Xi Jinping, virá a Portugal em novembro – o que é uma notícia, segundo o próprio Marcelo, entusiasmante. As leitoras e os leitores já perceberam o ridículo desta situação: então o nosso sábio Presidente Marcelo Rebelo de Sousa recusa convidar o presidente Donald Trump (o que é, aliás, um gesto contrário à cortesia diplomática, ainda para mais relativamente ao nosso mais importante aliado) porque isso poderia causar “urticária” na opinião pública devido ao “radicalismo” (como?!) do presidente dos EUA? No entanto, Marcelo anda muito contente (e a jornalista do “Expresso” fica em êxtase!) com a vinda do presidente de um Estado onde não há respeito pelos direitos humanos, não há limitação do poder político, onde há um Estado centralizado com “capitalismo de Estado” como é a República Popular da China! Então como é, senhor Presidente Marcelo: a opinião pública não fica com urticária por vir um presidente autoritário ao nosso país? Ainda para mais, Marcelo anunciou a vinda do presidente chinês a Portugal… nos Estados Unidos da América! O que, convenhamos, é uma singularidade diplomática…

4. Ora, por que razão terá Marcelo sentido “urticária” pela vinda do presidente dos EUA a Portugal (não obstante ter considerado a sua reunião com Donald Trump um “enorme sucesso” e com muita empatia entre os dois, como nós explicámos no “Sol” online na semana passada) – mas apenas júbilo pela vinda do presidente da China? Fácil: porque Marcelo não está preocupado com a opinião pública portuguesa – está tão-somente apreensivo quanto à sua popularidade junto dos militantes (e elite) do Bloco de Esquerda e da ala radical do PS. Marcelo não convida Donald Trump porque não quer espicaçar Catarina Martins e companhia, utilizando a “opinião pública portuguesa” para não assumir o óbvio: até o Presidente da República – com a sua obsessão pelas selfies e pelas sondagens de popularidade – já está refém da extrema-esquerda. Já convidar um presidente realmente autoritário que pensa que os direitos humanos são meros lirismos ocidentais e que tem evidentes objetivos expansionistas é uma animação para Marcelo – afinal de contas, até o Bloco de Esquerda e o PCP já se renderam aos encantos chineses. Portanto, no caso do presidente Xi, Marcelo não chateará nem Catarina Martins nem Jerónimo de Sousa. Não haverá, portanto, urticária na pele política de Marcelo… Assim como não haverá urticária no convite que Marcelo terá formulado ao presidente Putin para visitar Portugal: aliás, já em 2016, Marcelo, em declarações à agência de notícias do Kremlin, Sputnik, afirmou que “gostaria muito de receber o seu presidente, o presidente Putin, em Portugal”. Aí parece não haver urticária…

5. O melhor momento, contudo, ocorreu na passada sexta-feira. O poder político português esteve todo (literalmente todo!) no palco do Rock in Rio Lisboa, cantando as saudades que têm da sua alegre casinha. Entendamo-nos: a homenagem a Zé Pedro é mais do que merecida e justifica-se. Todavia, Marcelo poderia ter encontrado outras formas mais institucionais de proceder a tal tributo: por exemplo, um concerto aberto nos jardins do Palácio de Belém, como já fez. É que subir ao palco e ser fotografado encenando o símbolo do Rock in Rio suscita problemas políticos para o Presidente da República. Efetivamente, um Presidente que pugna e dá lições sobre a prevalência do poder político sobre o poder económico dá por esta via um sinal de que, afinal, é o poder económico e mediático que condiciona o poder político. Como poderá no futuro Marcelo Rebelo de Sousa reclamar (invocando a sua velha doutrina) que os políticos não devem envolver-se demasiado com iniciativas empresariais ou com os poderes fácticos? Será muito difícil…

6. Em segundo lugar, Marcelo Rebelo de Sousa ainda não percebeu que o tempo de tomar decisões difíceis está a chegar – no próximo ano teremos um calendário eleitoral intenso, com europeias e legislativas. Ora, o Presidente da República – que deveria ser o Presidente de todos os portugueses –, ao cantar junto de António Costa (e sua esposa, Fernanda, a estrela da noite, batendo todos em qualidade artística e vocal) e Catarina Martins, está objetivamente a beneficiar dois partidos políticos. Nossa questão: Marcelo também convidou representantes do PSD, do CDS ou do PCP para cantar no palco do Rock in Rio?

7. Por outro lado, como acreditar que Marcelo Rebelo de Sousa, quando for chamado a decidir sobre a nomeação do próximo governo, tem distanciamento crítico em relação a António Costa e Catarina Martins para rejeitar, em nome do interesse de Portugal, um executivo proposto por estes dois partidos? Politicamente, o que parece é. E o que parece é que Marcelo quer continuar com António Costa e Catarina Martins em São Bento… Enfim, os nossos políticos deram mais uns “xutos e pontapés” na qualidade da nossa democracia. Na autoridade do Estado. Surpresa? Talvez não… Portugal não é mesmo os Estados Unidos da América.

joaolemosesteves@gmail.com

À consideração da beleza do futebol português

Opinião

Miguel Guedes

27 Junho 2018 às 00:54

ÚLTIMAS DESTE AUTOR

A mudança de chip que a selecção portuguesa insinuava ser capaz de operar ainda não se materializou. Decorrida a fase de qualificação e após uma bem sólida exibição no particular contra a Bélgica, a sensação era a de que tínhamos um meio-campo capaz de desatar o nó, sepultando a monotonia artística que nos coroou campeões da Europa, sem que com esse upgrade perdêssemos consistência defensiva, solidez e espírito operário. Pela qualidade dos nossos jogadores, julgava-se por antecipação que continuaríamos a fazer das nossas fraquezas força mas algo mais: esta equipa podia não ir tão longe como em 2016 mas jogaria diferente, para melhor, e poderia ser bem sucedida. Com outro brilho, nota artística, outra beleza. Apesar do melhor jogo colectivo contra o Irão, a sensação que abala é a de que dificilmente melhoraremos o tanto que precisamos para os jogos a eliminar. Talvez porque ainda hesitemos, achando que somos capazes de mudar o chip em tempo recorde. A beleza não tem idade mas tem o seu tempo. E já a seguir vem o Uruguai, uma equipa sem "eyeliner".

Alguns jornalistas em auto-análise, que se queixam de que há um Mundial que lhes está a passar ao lado à custa das denúncias e investigações judiciais que atingem o Benfica e os seus responsáveis, foram - eles mesmos - protagonistas permanentes do maior enxovalho diário a um clube de que tenho memória, à boleia de um homem e das suas circunstâncias. Durante os últimos dois meses, o pântano do futebol português chamou-se Sporting e alimentou-se do seu ex-presidente. Entretanto anunciou-se a convocatória, a preparação da selecção entrou em curso, jogaram-se três particulares e o Mundial da Rússia disparou ao ritmo de quem desmantela matrioskas em loop. E apesar da beleza do futebol continuar bela, não houve um dia em que a crise do leão ficasse alojada nas grades internas da sua jaula. Pelo contrário, alimentou finados serões "non-stop" como se de uma novela de voyeurismo espírita se tratasse. E o futebol continuava belo, porém.

Agora que, a propósito da operação "Mala Ciao", a Polícia Judiciária desenvolve mais uma investigação que envolve o Benfica e, no respeito pelo Estado de Direito, há uma multiplicidade de buscas ordenadas por um juiz, algo parece estar a impedir alguns daqueles que alugaram cadeira de orquestra para a crise leonina de poder desfrutar da tão terna beleza do futebol, à conta do "ambiente irrespirável que se vive no futebol português". Vão medindo as tensões ao drama, é um belo jogo colectivo. Estimo as melhoras.

O autor escreve segundo a antiga ortografia

* MÚSICO E JURISTA