A «bolha do insucesso» de Nuno Crato (I)
Posted: 03 Jul 2018 06:30 PM PDT
Foram há dias divulgados os valores de retenção e desistência no ensino básico e secundário relativos a 2016/17. Os progressos registados, em todos os anos e ciclos de ensino, tornam hoje mais nítida a inversão da tendência de redução do insucesso escolar ocorrida durante o consulado de Nuno Crato. De facto, de taxas a rondar em 2001 os 18% (total), 13% (ensino básico) e 40% (secundário) passou-se, respetivamente, para valores na ordem dos 11%, 8% e 21% entre 2008 e 2011, voltando a retenção e desistência a subir nos anos seguintes (em particular no básico), já com Crato na 5 de outubro. Desde 2015, contudo, foi retomada a trajetória de diminuição do insucesso, atingindo-se em 2016/17 os valores mais baixos de retenção e desistência registados desde 2001 (8% no total, 6% no básico e 15% no secundário).
Torna-se portanto hoje mais difícil a José Manuel Fernandes alegar, de novo, que «Nuno Crato entregou» em 2015, ao atual Governo, «um sistema com menos retenções do que aquele que herdou em 2011» (como se nada se tivesse passado entre essas duas datas). E por isso também já não será necessário pedir à atual maioria que «não estrague», com um «ataque (...) suicida e criminoso», as políticas do Governo anterior. Pode ficar descansado, José Manuel. Como vê, a bolha de insucesso que a direita gerou já faz parte do passado.
É claro que nós sabemos de onde vem tanta (e tão indisfarçável) revolta: acabou-se com a «jóia da coroa» do Cratismo, os exames finais do 4º e 6º ano. Isto é, uma decisão que consagrou, entre outras, a rutura com uma conceção retrógrada de ensino e aprendizagem - como era a do anterior Governo - orientada para a memorização e para o empobrecimento curricular e que desvaloriza a prioridade à compreensão e a aquisição de competências. Dirão que é o regresso do «eduquês», do «facilitismo» e da «década perdida». Sim, da tal «década perdida» que conduziu aos muito bons resultados do PISA em 2015, obtidos por alunos que, manifestamente, não frequentaram a escola de Crato.
Urgente clarificação
Posted: 03 Jul 2018 06:52 AM PDT
Todos os temas são justos de ser debatidos.
Mas há uns mais importantes e mais urgentes do que outros. E nesses nem sempre a clivagem se faz entre a esquerda e a direita, mas colocando certa direita do lado de certa esquerda e certa esquerda do lado de certa direita, o que revela que essa clivagem passa por outras razões.
Refiro-me à discussão da sustentabilidade da dívida pública.
Por proposta do PCP, foi criado um grupo de trabalho no seio do Parlamento sobre a sustenbilidade da dívida pública e externa. Foram ouvidas diversas entidades e até era importante tentar realizar uma compilação de tudo o que foi dito. Mas para já, refira-se apenas duas audições realizadas no mesmo dia, a 26/6/2018.
Uma, com Manuela Ferreira Leite, militante do PSD, ex-secretária de Estado do Orçamento de Cavaco Silva, uma polémica ministra das Finanças de Durão Barroso (foi ela quem assinou o contratro com o Citigroup para a titularização das receitas fiscais e aceitou as acções do SL Benfica como garante da dívida do clube).
Outra, com Carlos Costa, que como se pode ver no CV oficial, esteve na base da desregulação do sector financeiro nos anos 80, foi coordenador económico do governo Cavaco Silva em Bruxelas quando Ferreira Leite era secretária de Estado, foi chefe de gabinete do comissário João de Deus Pinheiro, foi um polémico director-geral do BCP durante 4 anos, foi contratado por outros bancos, e finalmente nomeado governador do Banco de Portugal, onde teve um desempenho polémico.
Pois, estas duas pessoas que vêm do mesmo quadro partidário, têm - vá-se lá saber porquê – opiniões diferentes sobe o tema.
Ferreira Leite - subscritora do Manifesto dos 70 - afirma claramente que “não é possível pagar a dívida” pública. “Porque todos os cálculos se baseiam em taxas de juro, défices primários e taxas de crescimento que dificilmente se verificarão. Mas se tudo se mantiver, vamos precisar de 30 e tal anos. Não é projecto que se apresente a uma sociedade”. “Não é possivel estar assim nos próximos 30 anos”. “Apesar dos beneficios de haver uma situação orçamental mais equilibrada, não poderemos deixar de excluir que tem custos bastantes para a sociedade e para as pessoas”. É o caso da “degradação dos serviços públicos”, disse ela. “Como vamos resolver o assunto? Com o aumento de impostos? Isso é contrário ao crescimento. O crescimento é absolutamente essencial para a redução da dívida (...), mas é uma quadratura do circulo que não vejo, não sei como se resolve”.
Carlos Costa recusa-se a responder a essa pergunta directa dos deputados. Diz apenas que, em última instância, a disciplina orçamental "é essencial". À pergunta, como se paga com este Tratado Orçamental, responde: “Cumprir o Tratado é uma recomendação que reforça a credibilidade no mercado, mas não podemos pensar que os mercados não possam ter volatilidades superiores daquelas que resultam do cumprimento do Tratado”...
Disse Ferreira Leite: Para poder lidar com o problema, “faltam instrumentos, acho que faltam, como é óbvio” e essa responsabilidade é da União Europeia. "Se me perguntam sobre o tempo em que estava no Ministério das Finanças, havia já uma consciêcia muito forte e que era resultante da nossa entrada no euro”. Um dos seus efeitos “foi a redução drástica da taxas de juro” que “só poderia levar ao endividamento. Foi das empresas e das familias. Era a consequencia natural do embaratecimento do dinheiro. Teve efeitos nefastos porque não foi controlado. Nem houve alertas”. Nomeadamente do Banco de Portugal. “Havia solicitações das instituições financeiras para o crédito. Essa foi a causa.”
Carlos Costa lembra – naquele seu tom arredondado e pouco frontal - que fez umas intervenções... E quanto a responsabilidades, é tudo muito sem alternativas, como se tudo fosse assim, pronto. “Pensar que há uma alternativa aos mercados para o financiamento da dívida pública é pensar naquilo que não existe. E as instituições não se podem substituir aos mercados.”
“Quer queiramos quer não, os mercados estarão sempre presentes, de forma directa ou através de instituições internacionais ou europeias". Mas essas instituições só aceitarão "esse papel de avalista, de garante porque exigem programas de ajustamento e de redução do défice e de sustentabilidade da dívida. Vai haver programas no futuro – se houver um Fundo Monetário Europeu – tal como tivemos nos 3 anos em que estivemos submetidos. Não tenhamos dúvidas disso.”
“Era desejável que houvesse uma instituição que fizesse de avalista e não exigisse programas de ajustamento e de disciplina orçamental e da dívida? Bom, se era desejável, não sei se seria: porque seria alimentar um comportamento que mais tarde ou mais cedo se torna explosivo. Não é desejável. Alguém está disponível para fazer esse papel? Ninguém está".
"Há uma solução que é a emissão de dívida nacional, mas isso implica ter um nível superior de poupança que não existe”. E depois desencadear uma hiper-inflação. Mas os aforradores sentir-se-ão lesados e isso apenas “se faz uma vez”.
Portanto, tem de haver uma saída, diz ela. Mas não há saída, diz ele. Algo que já se antevia em 2014, com o Governo Passos Coelho.
Estranhamente o posicionamento actual dos deputados do CDS e do PSD é - ainda - o mesmo do do governador do banco central e de Passos Coelho, embora agora clamam por menos austeridade...