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quarta-feira, 4 de julho de 2018

Aquelas coincidências do camandro

Novo artigo em Aventar


por j. manuel cordeiro

perto de 8000 milhões correspondem a operações ordenadas a partir do colapsado Banco Espírito Santo (BES), sendo que 98% dos fluxos de capital colocados em offshores em 2014 (o ano da derrocada do banco) ficaram omissos da base de dados.

As coincidências começam logo aqui. Havia um banco em vias de ser intervencionado e 98% das transferências do BES para offshores caíram no apagão. Sendo que 80% do apagão corresponde ao BES.

O “apagão” que se verificou no registo das transferências realizadas de 2011 a 2014 só ocorreu consecutivamente em três dos quatro anos nos ficheiros informáticos XML submetidos por dois bancos, o BES e o Montepio. O relatório de auditoria elaborado pela Inspecção-Geral de Finanças (IGF) – que atribui os erros a uma “combinação complexa de factores tecnológicos” e considerou “improvável” ter existido mão humana no processamento parcial dos dados – referiu que os problemas aconteceram em três anos apenas em duas entidades financeiras.

Eis a coincidência explicada. Uma "combinação complexa de factores tecnológicos". Com improvável intervenção de mão humana. Será, então, à mão divina a quem devemos apontar culpas? Na minha terra, o software ainda não nasce sozinho e há erros que vêm mesmo a calhar.

E o fisco, tão eficaz a lembrar-me que tenho uma factura para confirmar se o soro que comprei no supermercado tem receita médica ou não, deixa passar um buracão destes em três anos consecutivos?

Só tenho pena que estas coincidências tenham apenas incidência em possuidores de contas em offshores. Espero que o Bloco de Esquerda detecte esta desigualdade e que, prontamente, proponha uma lei para todos terem a sua conta fora de terra.

As citações são de uma notícia do Público.

Ladrões de Bicicletas


A «bolha do insucesso» de Nuno Crato (I)

Posted: 03 Jul 2018 06:30 PM PDT

Foram há dias divulgados os valores de retenção e desistência no ensino básico e secundário relativos a 2016/17. Os progressos registados, em todos os anos e ciclos de ensino, tornam hoje mais nítida a inversão da tendência de redução do insucesso escolar ocorrida durante o consulado de Nuno Crato. De facto, de taxas a rondar em 2001 os 18% (total), 13% (ensino básico) e 40% (secundário) passou-se, respetivamente, para valores na ordem dos 11%, 8% e 21% entre 2008 e 2011, voltando a retenção e desistência a subir nos anos seguintes (em particular no básico), já com Crato na 5 de outubro. Desde 2015, contudo, foi retomada a trajetória de diminuição do insucesso, atingindo-se em 2016/17 os valores mais baixos de retenção e desistência registados desde 2001 (8% no total, 6% no básico e 15% no secundário).

Torna-se portanto hoje mais difícil a José Manuel Fernandes alegar, de novo, que «Nuno Crato entregou» em 2015, ao atual Governo, «um sistema com menos retenções do que aquele que herdou em 2011» (como se nada se tivesse passado entre essas duas datas). E por isso também já não será necessário pedir à atual maioria que «não estrague», com um «ataque (...) suicida e criminoso», as políticas do Governo anterior. Pode ficar descansado, José Manuel. Como vê, a bolha de insucesso que a direita gerou já faz parte do passado.
É claro que nós sabemos de onde vem tanta (e tão indisfarçável) revolta: acabou-se com a «jóia da coroa» do Cratismo, os exames finais do 4º e 6º ano. Isto é, uma decisão que consagrou, entre outras, a rutura com uma conceção retrógrada de ensino e aprendizagem - como era a do anterior Governo - orientada para a memorização e para o empobrecimento curricular e que desvaloriza a prioridade à compreensão e a aquisição de competências. Dirão que é o regresso do «eduquês», do «facilitismo» e da «década perdida». Sim, da tal «década perdida» que conduziu aos muito bons resultados do PISA em 2015, obtidos por alunos que, manifestamente, não frequentaram a escola de Crato.

Urgente clarificação

Posted: 03 Jul 2018 06:52 AM PDT

Todos os temas são justos de ser debatidos.
Mas há uns mais importantes e mais urgentes do que outros. E nesses nem sempre a clivagem se faz entre a esquerda e a direita, mas colocando certa direita do lado de certa esquerda e certa esquerda do lado de certa direita, o que revela que essa clivagem passa por outras razões.
Refiro-me à discussão da sustentabilidade da dívida pública.
Por proposta do PCP, foi criado um grupo de trabalho no seio do Parlamento sobre a sustenbilidade da dívida pública e externa. Foram ouvidas diversas entidades e até era importante tentar realizar uma compilação de tudo o que foi dito. Mas para já, refira-se apenas duas audições realizadas no mesmo dia, a 26/6/2018.
Uma, com Manuela Ferreira Leite, militante do PSD, ex-secretária de Estado do Orçamento de Cavaco Silva, uma polémica ministra das Finanças de Durão Barroso (foi ela quem assinou o contratro com o Citigroup para a titularização das receitas fiscais e aceitou as acções do SL Benfica como garante da dívida do clube).
Outra, com Carlos Costa, que como se pode ver no CV oficial, esteve na base da desregulação do sector financeiro nos anos 80, foi coordenador económico do governo Cavaco Silva em Bruxelas quando Ferreira Leite era secretária de Estado, foi chefe de gabinete do comissário João de Deus Pinheiro, foi um polémico director-geral do BCP durante 4 anos, foi contratado por outros bancos, e finalmente nomeado governador do Banco de Portugal, onde teve um desempenho polémico.
Pois, estas duas pessoas que vêm do mesmo quadro partidário, têm - vá-se lá saber porquê – opiniões diferentes sobe o tema.
Ferreira Leite - subscritora do Manifesto dos 70 - afirma claramente que “não é possível pagar a dívida” pública. “Porque todos os cálculos se baseiam em taxas de juro, défices primários e taxas de crescimento que dificilmente se verificarão. Mas se tudo se mantiver, vamos precisar de 30 e tal anos. Não é projecto que se apresente a uma sociedade”. “Não é possivel estar assim nos próximos 30 anos”. “Apesar dos beneficios de haver uma situação orçamental mais equilibrada, não poderemos deixar de excluir que tem custos bastantes para a sociedade e para as pessoas”. É o caso da “degradação dos serviços públicos”, disse ela. “Como vamos resolver o assunto? Com o aumento de impostos? Isso é contrário ao crescimento. O crescimento é absolutamente essencial para a redução da dívida (...), mas é uma quadratura do circulo que não vejo, não sei como se resolve”.
Carlos Costa recusa-se a responder a essa pergunta directa dos deputados. Diz apenas que, em última instância, a disciplina orçamental "é essencial". À pergunta, como se paga com este Tratado Orçamental, responde: “Cumprir o Tratado é uma recomendação que reforça a credibilidade no mercado, mas não podemos pensar que os mercados não possam ter volatilidades superiores daquelas que resultam do cumprimento do Tratado”...

Disse Ferreira Leite: Para poder lidar com o problema, “faltam instrumentos, acho que faltam, como é óbvio” e essa responsabilidade é da União Europeia. "Se me perguntam sobre o tempo em que estava no Ministério das Finanças, havia já uma consciêcia muito forte e que era resultante da nossa entrada no euro”. Um dos seus efeitos “foi a redução drástica da taxas de juro” que “só poderia levar ao endividamento. Foi das empresas e das familias. Era a consequencia natural do embaratecimento do dinheiro. Teve efeitos nefastos porque não foi controlado. Nem houve alertas”. Nomeadamente do Banco de Portugal. “Havia solicitações das instituições financeiras para o crédito. Essa foi a causa.”
Carlos Costa lembra – naquele seu tom arredondado e pouco frontal - que fez umas intervenções... E quanto a responsabilidades, é tudo muito sem alternativas, como se tudo fosse assim, pronto. “Pensar que há uma alternativa aos mercados para o financiamento da dívida pública é pensar naquilo que não existe. E as instituições não se podem substituir aos mercados.”
“Quer queiramos quer não, os mercados estarão sempre presentes, de forma directa ou através de instituições internacionais ou europeias". Mas essas instituições só aceitarão "esse papel de avalista, de garante porque exigem programas de ajustamento e de redução do défice e de sustentabilidade da dívida. Vai haver programas no futuro – se houver um Fundo Monetário Europeu – tal como tivemos nos 3 anos em que estivemos submetidos. Não tenhamos dúvidas disso.”
“Era desejável que houvesse uma instituição que fizesse de avalista e não exigisse programas de ajustamento e de disciplina orçamental e da dívida? Bom, se era desejável, não sei se seria: porque seria alimentar um comportamento que mais tarde ou mais cedo se torna explosivo. Não é desejável. Alguém está disponível para fazer esse papel? Ninguém está".
"Há uma solução que é a emissão de dívida nacional, mas isso implica ter um nível superior de poupança que não existe”. E depois desencadear uma hiper-inflação. Mas os aforradores sentir-se-ão lesados e isso apenas “se faz uma vez”.
Portanto, tem de haver uma saída, diz ela. Mas não há saída, diz ele. Algo que já se antevia em 2014, com o  Governo Passos Coelho.
Estranhamente o posicionamento actual dos deputados do CDS e do PSD é - ainda - o mesmo do do governador do banco central e de Passos Coelho, embora agora clamam por menos austeridade...

A zona euro nos seus labirintos

  por estatuadesal 

Ricardo Paes Mamede, in Diário de Notícias, 03/07/2018)

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Alguns problemas e riscos da zona euro eram bem conhecidos desde o seu início. Os países participantes deixaram de poder influenciar as taxas de câmbio e as taxas de juro, perdendo assim instrumentos importantes para combater eventuais crises. Nenhuma forma de compensar essa perda foi criada à partida, restando a emigração em massa e a descida acentuada dos salários como únicos instrumentos de "ajustamento".

Sabia-se que isto poderia levar a recessões prolongadas e à redução do potencial de crescimento das economias menos desenvolvidas. Também se sabia que, ao obrigar economias mais fracas a viver sob uma moeda forte, a unificação monetária poderia acentuar - em vez de diluir - a divergência de níveis de desenvolvimento entre os países participantes.

Para evitar os riscos de recessões prolongadas e de divergência persistente das economias mais fracas teria sido necessário um orçamento europeu de grandes dimensões, financiado necessariamente pelos países mais ricos. Porém, não havia como convencer o eleitorado destes países a pagar uma fatura tão elevada, de forma permanente, em nome da solidariedade europeia.

Assim, a moeda única nasceu coxa. Apenas pôde contar com um orçamento europeu mínimo e sem funções de estabilização, acompanhado de regras orçamentais restritivas para forçar os governos nacionais a flexibilizar as suas economias. Restava uma grande dose de fé por parte de alguns dirigentes políticos de que alguma solução seria encontrada para enfrentar problemas futuros.

Os problemas não demoraram a chegar. Primeiro, a globalização comercial e o alargamento da UE a Leste teve impactos negativos nos países do sul, que foram agravados pela forte valorização do euro face ao dólar entre 2002 e 2008. Depois, a grande crise financeira de 2007/2008 e suas sequelas tiveram os efeitos devastadores que se conhecem.

Aqui a zona euro descobriu que as suas fragilidades institucionais eram ainda maiores do que se pensava: não só escasseavam instrumentos para evitar recessões prolongadas e a divergência permanente entre economias, como não havia modo de evitar o colapso dos países mais vulneráveis em situações de pânico financeiro. O resultado foi uma crise profunda e duradoura em vários países.

Confrontados com o descontentamento popular crescente face ao processo de integração europeia, alguns líderes da UE têm procurado remendar a arquitetura defeituosa do euro, mas sem grande sucesso. Não é hoje mais fácil do que era há 30 anos convencer o eleitorado dos países mais ricos a pagar uma fatura elevada e permanente pela existência do euro. Os avanços parciais conseguidos (União Bancária, Mecanismo Europeu de Estabilidade, etc.) tentam reduzir a ocorrência de pânicos financeiros, sem porém resolver os problemas de fundo - e criando outros pelo caminho.

Os riscos de recessões prolongadas e de divergência das economias mais fracas persistem, sendo hoje maiores, dado enorme aumento do endividamento público e privado na periferia da zona euro desde 2008.

Tal como no passado, resta uma grande dose de fé por parte de alguns dirigentes de que alguma solução será encontrada para enfrentar crises futuras. Outros, incluindo centenas de milhares de portugueses, já viram esse futuro - e sabem que não funciona. A zona euro continua à procura de saída para o labirinto em que se meteu. Não vai ser fácil.

Qual é a pressa?

  por estatuadesal

(Francisco Louçã, In Expresso Diário, 03/0/2018)

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Um interessante artigo levantou nos últimos dias à seguinte questão: a “geringonça” acabou? Daniel Oliveira (DO), aqui no Expresso, foi taxativo, “a geringonça acabou e quem perde é Costa”. Terá razão e, se assim for, o que é que está a acontecer?

Começo pela análise. DO interpreta o voto da esquerda na questão do adicional do imposto sobre combustíveis como uma retaliação. O Governo enganou os seus parceiros, escondendo-lhes a proposta que ia fazer às associações patronais sobre a duplicação do período experimental e a manutenção de um banco de horas grupal, e estes vingaram-se, sugere ele. Admito que possa parecer, mas duvido que seja essa a explicação para a questão. Se assim fosse, mal iriam os partidos de esquerda, que têm razão de queixa sobre a rasteira da lei laboral, mas que não devem nem podem agir num dossiê em função do que não se conseguiu resolver noutro. Decidir desse modo seria aceitar uma lógica de castelo de cartas e pôr o pé na armadilha. Ora, pelo que foi dito, a posição da esquerda justificava-se pelo facto de ter sido o próprio Governo a fixar o compromisso de alterar o imposto adicional quando o preço do petróleo voltasse a subir, e o não cumprimento de uma promessa cabe unicamente ao faltoso. Mas é certo que a questão deve ser discutida no âmbito orçamental para que a medida seja coerente, incluindo o controlo dos preços agora oligopolizados e para que se adequem outras medidas fiscais. Se essa era a ponte possível e desejável entre os partidos da maioria atual, fiquei com a sensação de que a precipitação de declarações da direção parlamentar socialista teve uma intenção belicosa. Talvez por isso, Pedro Filipe Soares, líder parlamentar do Bloco, queixou-se no “DN” do “fel” que tem havido em atitudes do Governo.

A ressurreição do Partido Santana Lopes alimenta no Largo do Rato o sonho da maioria absoluta.

Quanto às análises do contexto político, partilho o ponto de vista. A chave da mudança foi a eleição de Rui Rio no PSD, confirmando-se logo de seguida que esse partido não recupera nas sondagens e continua atravessado por conspirações sangrentas, incluindo agora a ressurreição do Partido Santana Lopes, o que alimenta no Rato o sonho da maioria absoluta.

Além disso, Rio tem uma prioridade, perdendo: entender-se com o PS para o Governo de 2019, afastando a esquerda. Costa poderia assim pensar que ganharia de uma forma ou de outra. Mas, como DO argumenta, se o PS passar a uma geometria variável, pode ser punido eleitoralmente por um povo cujo voto não é decidido por algum temor a Rio. O efeito desta tensão é, portanto, elevar o patamar de exigência para 2019.

Assim, as minhas conclusões são estas. Primeiro, o PS vai usar a geometria variável só em casos de último recurso, e isso será quando o seu entendimento com o patronato estiver em causa, e o PSD e CDS só entrarão nesse jogo para o confirmar, não tendo voz. Segundo, o Governo vai continuar a negociar o Orçamento à esquerda, mesmo atrasando-se e levando o processo até à exasperação dos seus parceiros, que preferem um trabalho cuidadoso a arranjos de última hora. Terceiro, com a crise na saúde e na educação, não atender as prioridades é erro e não fazer um Orçamento competente seria outro erro. Mais, apresentar um Orçamento antipopular na véspera de eleições seria suicidário. Quarto, e por tudo isso, os atuais abalos de confiança prejudicam o funcionamento da maioria, mas todos sabem que as eleições europeias vão ser as primeiras em 2019, aliás muito mais importantes do que aparentemente se está a sentir. Nada será decidido pela pressa. Quem tiver pressa, perde a cabeça.

Madonna: o olhar pequeno sobre a pequenez

  por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 03/07/2018)

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Desde que Madonna chegou a Portugal que o festival de provincianismo tem sido deprimente. E quem mais tem contribuído para ele tem sido a comunicação social, que vai alimentando o orgulho pátrio e bairrista fazendo cada lisboeta e português sentir que respira o mesmo ar que a estrela pop. Que a imprensa cor de rosa se dedique a isso, é natural. Faz parte da sua “função”. Que os jornais de referência o acompanhem sempre me pareceu um pouco mais estranho. Mas adiante.

Quando saiu a primeira notícia sobre o estacionamento de Madonna – excelente deve estar o país e a cidade para esta ser a polémica que alimenta as nossas preocupações – julguei estar perante mais um episódio de bimbalheira nacional. A senhora dona Madonna quer uns lugarzinhos, que não seja por isso, cá estão eles. Não seria de espantar, sabendo que quando Madonna chegou a Lisboa teve direito a boas-vindas de Fernando Medina. O deslumbramento denuncia o atraso. As primeiras notícias sobre este caso confirmavam o meu receio: não tinham conseguido confirmar se havia um contrato e quanto ela pagava e houve jornais que até nos garantiram que o acordo tinha sido oral.

Passados uns dias, as coisas eram um pouco diferentes. A cedência a título precário, de que Madonna não é a única beneficiária na cidade, feita no Palácio Pombal, foi contratada em 2018. Dela resulta o pagamento de 720 euros mensais e é justificada pelo facto dos imóveis que comprou estarem em obras. O contrato foi divulgado e corresponde a outras duas dezenas similares. Incluindo para particulares quando há edifícios em obras. Mas é um contrato difícil de se celebrar, porque é preciso que sejam obras significativas e por um tempo que justifique e que haja espaço disponível próximo.

Há alguma arbitrariedade na forma como estas cedências precárias são feitas e Medina esteve péssimo quando não divulgou imediatamente o contrato. Mas entre o que a comunicação social insinuou no início e o que sabemos agora vai uma razoável diferença. E esta polémica é o melhor retrato da pequenez com que olhamos para nossa própria pequenez.

Pelo menos um órgão de comunicação social (a agência Lusa) tinha a obrigação de o saber porque tem um acordo igual. Estes espaços cedidos para estacionamento são espaços temporariamente vazios para necessidades temporárias e com um pagamento que resulta de uma tabela da EMEL. Tudo está enquadrado pela lei (artigo 148.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo), apesar do CDS ter dúvidas sobre o rigor dessa aplicação. E, ao que parece, faz parte da gestão corrente que não tem de ser discutida em reunião de Câmara. Mas a verdade é que outras cedências precárias de espaço (ao que parece toda a gente sabe que eles sempre existiram, mas resolveu fazer-se tudo de parvo durante uns dias) passaram pela Câmara.

O parque mais próximo tem um custo mensal de 65 euros por carro, o que corresponderia a mais 255 euros mensais, mas com a vantagem de ser uma solução definitiva e a desvantagem de não ser fácil arranjar 15 lugares. As razões invocadas pela Câmara de Lisboa para ceder o estacionamento em troca de pagamento estipulado pela tabela da EMEL foram semelhantes a de outras cedências – Madonna adquiriu imóveis na zona envolvente à Rua das Janelas Verdes que estão em obras e a ausência temporária de estacionamento para os carros da sua equipa causaria ainda mais problemas numa zona onde o estacionamento é ainda muito difícil.

Ou seja, tudo indica que o contrato assinado para a cedência precária de estacionamento num terreno camarário perante obras profundas em vários imóveis de Madonna parece cumprir todas as regras legais (o CDS contesta), não é inédito (são os próprios vereadores da oposição a reconhecer que discutiram outros em reuniões de Câmara) e os valores cobrados correspondem à tabela da EMEL. Não estamos perante um acordo oral ou informal. Parece-me haver alguma arbitrariedade na forma como estas cedências precárias podem ser feitas, graças a critérios demasiado subjetivos? Sim, tanto para a Madonna como para a Lusa e para os outros poucos beneficiários. Parece-me que Fernando Medina esteve péssimo quando não divulgou imediatamente o contrato e não deu as explicações que dá agora. Claro. Todos temos direito a saber os contratos que que a Câmara assina. Mas entre o que a comunicação social disse no início e o que sabemos agora (graças, por exemplo, ao insuspeito “Observador”) vai uma razoável diferença. E o rigor que exijo aos governantes é aquele que exijo a quem os escrutina. Até porque sem esse rigor não temos escrutínio, temos polémicas passageiras e estéreis que acabam sempre numa névoa que vagamente se assemelha à verdade. O provincianismo com que Madonna foi recebida não é exclusivo de Medina. E esta polémica é o melhor retrato da pequenez com que olhamos para nossa própria pequenez.