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quarta-feira, 20 de maio de 2020

Desconfinar e olhar em frente. O sol, a praia e a política regressam às nossas vidas

Curto

Paula Santos

Paula Santos

Diretora-adjunta

20 MAIO 2020

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Bom dia.
E subitamente, as eleições presidenciais entram na agenda.
Rui Tavares
, quem sabe embalado pela porta que Ana Gomes deixou aberta nos últimos dias, disse ao Expresso que vê, numa eventual candidatura da ex-eurodeputada, uma “esperança de convergência à esquerda”.
A reação do fundador do Livre surge dois dias depois de Ana Gomes ter prometido uma nova reflexão (tinha chegado a descartar a possibilidade) em que pondera uma eventual candidatura à presidência da República. O historiador acha que está na altura dos partidos da esquerda mostrarem que é possível construir compromissos para além da “geringonça”.
Não foi só junto de Rui Tavares que as criticas de Ana Gomes à forma como o nome de Marcelo Rebelo de Sousa foi lançado na corrida presidencial tiveram efeito.
José Luís Carneiro, secretário-geral adjunto do PS, deu voz à contestação socialista perante as palavras da ex-eurodeputada. “Declarações inaceitáveis” alega José Luís Carneiro que não gostou de ouvir Ana Gomes dizer que António Costa protagonizou um “episódio lamentável, grave e deprimente”. O dirigente assegura que o PS vai mesmo debater a questão das presidenciais, apesar de o Congresso do partido ter sido adiado por Carlos César para lá de janeiro do próximo ano (data prevista das eleições) e rejeita que haja falta de democracia interna no partido.
A resposta do PS é feita à medida das reclamações de Ana Gomes mas talvez também se encaixe nas críticas que Manuel Alegre deixa esta quarta-feira nas páginas do Público. “Não gostei do que se passou na Autoeuropa”, diz Alegre, “até porque as regras têm de ser respeitas no partido”. Continuamos assim no domínio da consulta, que não aconteceu… e do congresso que já não se faz a tempo das presidenciais.
A questão do adiamento do Congresso para lá de janeiro de 2021 não é um pequeno detalhe na agenda política de um partido em vésperas de eleições. O Expresso relembra-lhe o que aconteceu em 1991 quando Cavaco Silva decidiu não apresentar candidato face à popularidade de Mário Soares. Aí, a estratégia do então chefe do Governo partiu da mesma ideia mas não dispensou, justamente, o aval do PSD… em congresso.
Rui Rio ainda não se pronunciou sobre as presidências, mas as consequências da discussão dos últimos dia, também tiveram eco no PSD. O nome de Miguel Albuquerque surgiu na eventual lista. E já tem apoio prometido de Alberto João Jardim, confirmado pelo jornal i.
Com tantos ingredientes à partida e outros mais que se vão juntado, o debate não escapou à Comissão Política, o podcast do Expresso.
Não é preciso ser vidente para antever que esse é o resultado óbvio [reeleição de Marcelo]”. António Costa insiste, depois de ter dado o tiro de partida. Faltam 8 meses para as presidenciais.

terça-feira, 19 de maio de 2020

Remorsos de Magalhães

por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 18/05/2020)

Daniel Oliveira

Com centenas de milhares de crianças casa, é impossível não recordar o projeto e-escolinha e o Magalhães. Os arquivos desse tempo são um retrato do nosso debate político. Casos, casos, casos. Fora isso, a reação geral da nossa elite foi a de ridicularizar.


Quando vejo centenas de milhares de crianças ficarem confinadas em suas casas, longe da escola, e dependentes dos recursos tecnológicos (e culturais) das suas famílias, é impossível não recordar o malogrado projeto e-escolinha, que ficou popularizado como Magalhães. Com vontade de recordar este projeto, nos seus acertos e falhas, fui procurar o que se foi escrevendo. Os arquivos desse tempo são um retrato da qualidade do nosso debate político. Pouco se encontra sobre as vantagens e perigos da ideia. Casos, casos e mais casos.

O caso da JP Sá Couto, com a acusação de fraude e fuga ao fisco. As polémicas em torno das burocracias e dos processos administrativos que caíram em cima dos professores por causa do portátil. Episódios caricatos em torno de cantigas sobre o Magalhães entoadas em ações de formação, que se espalharam em vídeos pela Internet. A utilização de imagens de crianças a usar o Magalhães em tempos de antena do PS. Os erros de português nas instruções dos jogos do computador. No meio de uma selva de polémicas mais ou menos relevantes, preocupantes ou apenas caricatas, quase não existiu debate público sobre a necessidade de dar a todos este instrumento.

Usando a memória, lembro-me que a reação geral da nossa elite foi a de ridicularizar. Do alto de um conservadorismo arrogante, que tendo a modernidade garantida em casa acha que aos mais pobres bastará o passado da ardósia e cursos profissionais para serem, quem sabe, canalizadores competentes, aquilo parecia-lhe uma bizarria. O herói desse tempo, que paralisou a modernização da escola pública durante quatro anos por causa dos seus preconceitos ideológico, foi Nuno Crato. Ainda me lembro de ver o mesmo homem que desfez o Magalhães e todas as modernices dos que achavam que os pobres precisavam de mais do que aprender a contar, ler, escrever e ter um ofício, a distribuir tablets oferecidos por uma empresa, já como ministro.

A forma como se fez o debate contribuiu para o seu fracasso. Porque a superficialidade da crítica, que se concentrou nos escândalos e em episódios e foi incapaz de perceber a função democratizadora do acesso de todos às tecnologias, foi acompanhada por um discurso modernizador simplista e deslumbrado, habitual em José Sócrates. Não percebia que dar a tecnologia sem modernizar a escola não é mais do que oferecer uma ardósia com teclas. E a verdade é que o Magalhães foi pouco usado no contexto da sala de aulas. Porque não se pode acreditar que a tecnologia do século XXI serve para ensinar como no século XIX. Nem o atavismo engraçadote, que despreza em tom anedótico tudo o que modernize a escola, nem o deslumbramento dos “choques tecnológicos”, que separa a tecnologia do modo de aprender, de produzir e de fazer as coisas, permite que a escola dê o salto que tem de dar.

Ao olhar para milhares de crianças isoladas da escola, sem um computador e Internet, que não é tratada como um bem essencial, constato o mesmo que na interminável polémica sobre o TGV, que nos deixou eternamente dependentes dos transportes aéreos sem futuro num mundo em transição energética: a incapacidade de olhar para o essencial, corrigindo o processo sem matar o objetivo. A ausência de democracia no acesso ao espaço público faz com que os mais pobres sejam sempre esquecidos nas polémicas que nos entretêm.

Podíamos ter atacado as suspeitas de ilegalidade, brincado com as parvoeiras e corrigido os erros. Mas se nos tivéssemos dedicado mais a debater o que era preciso mudar na sala de aulas para que o Magalhães fosse útil, é provável que hoje estivéssemos numa fase diferente. Provavelmente, com manuais digitais, poupando os recursos públicos e o ambiente. Provavelmente, com todas as crianças com um tablet e uma ligação à Internet. Provavelmente, sem ter de regressar à “telescola”, fraco remendo para quem não tem quem ajude em casa. Era tão bom que não nos distraíssemos sempre com as curvas quando queremos ir para algum lado.

O dilema do sr. Melo

Posted: 18 May 2020 03:21 AM PDT

«Há quem diga que o sr. André Ventura é comentador desportivo. E talvez o sr. Nuno Melo seja uma espécie de apanha-bolas do PPE no Parlamento Europeu. Tudo os une e tudo os divide, mesmo quando a política não passa de um jogo de claques de futebol. O sr. Ventura vê perigosos ciganos em cada esquina. O sr. Melo vislumbra uma conspiração marxista na telescola. Cada um escolhe a história da carochinha que prefere. A do sr. Ventura é conhecida: é uma transpiração de ódio. A do sr. Melo tinha-se manifestado só em dias de míldio intelectual, quando fez uma vénia ao partido espanhol Vox. Claro que há uma enorme diferença ideológica entre o sr. Nuno Melo e o sr. André Ventura. O sr. Melo degusta escargots num café selecto de Estrasburgo. O sr. Ventura come caracóis na tasca da esquina. Daí estarem em agremiações diferentes.

Esse é um cisma ideológico que explica muita coisa. O sr. Melo teme viver no país dos sovietes, depois de folhear a aventura de Tintin publicada em 1930. Precisa de actualizar a leitura. Afinal, quis transformar a utilização de partes de um documentário emitido na telescola, onde o sr. Rui Tavares participava, numa tenebrosa conspiração bolchevique. Não era, mas o sr. Melo criou um “facto alternativo” para justificar a sua presença nas redes sociais e nos media. É uma pena saber que o sr. Melo não vai aparecer na telescola. Não se lhe conhece nenhuma ideia ou pedaço de ideia sobre qualquer tema que não seja política. Talvez, com um pouco de sorte, a birra do sr. Melo possa surgir, no futuro, no Canal Panda.

Dizia Maquiavel: “São tão simples os homens e obedecem tanto às necessidades presentes, que quem engana encontrará sempre alguém que se deixará enganar.” O mundo actual está cheio de crédulos. E ainda estará mais, quando a crise se revelar totalmente. O sr. Ventura já delimitou o seu canavial nesse novo mundo. Já o CDS não sabe o que é. Se democrata-cristão. Se de direita moderada. Se de direita extremista. Face a isso, os seus apoiantes mais moderados vão refugiar-se no PSD. Ou seja, o CDS arrisca-se a deixar de ser um partido. E passar a ser uma isca. Ou meia isca. E então lá se irá o lugar de eurodeputado do sr. Nuno Melo. É esse, provavelmente, o seu pavor. Daí esta estratégia de tentar ser uma versão moderna do bardo de Astérix, o divertido Assurancetourix. Só que, quando este começava a cantar, todos fugiam.

O sr. Melo gostava de ter os votos do sr. Ventura, mas agarrando-os com luvas de pelica. Para não ficar contaminado. O sr. Ventura desdenha o sr. Melo. Este detestaria ser o sr. Ventura. Os fatos e as camisas brancas do sr. Melo nunca conquistarão o eleitorado mais à direita. Porque, se o sr. Melo não tem arcaboiço para ser um ideólogo, também é incapaz de ser um sargento de tropas. Os partidos conservadores, tal como os sociais-democratas, crescem quando a polarização política é mínima. O CDS, perdido, não sabe se há-de ser sensato ou radical. A questão é que nenhuma das soluções o salva. Daí a política de terra queimada do sr. Melo.

A chegada do sr. Chicão não resolveu o problema. O CDS é hoje uma versão deprimente da canção A Moda do Pisca-Pisca. E, nela, o sr. Melo parece agora, para pena de todos, o groupie de um grupo onde o sr. Ventura é o vocalista. É certo que os partidos políticos são hoje simples máquinas eleitorais sem músculo ideológico. Jogam sobretudo com as emoções, que são mais úteis para ganhar eleições, do que com as ideias. Mas momentos como este necessitam de respostas complexas, e não de caldos de galinha. O sr. Melo nunca será um ideólogo de uma nova direita. Nem um líder para ela. Mas socorre-se da mesma falta de elegância: busca o maniqueísmo e o enfrentamento fácil, como a extrema-direita, para se mostrar. Poderia ter aproveitado para enriquecer a política. Não foi o caso.

É no meio do caos que, normalmente, vencem os radicais sem princípios morais ou éticos. O sr. Ventura sabe isso. Percebe que parte do eleitorado, que previamente foi polarizado, prefere soluções fáceis e rápidas em vez de respostas inteligentes e complexas. Isto não favorece os partidos tradicionais. Mas a arte destes, e da sobrevivência da democracia, está em lutar contra este tribalismo extremista. Como dizia Tywin Lannister: “Algumas batalhas são vencidas com espadas e lanças, outras com papel e caneta”. Será no território dos “vencidos pela covid” que se centrará o próximo debate político pelo poder. E a sua conquista. O sr. Nuno Melo, lamentavelmente para ele, não fará parte desta guerra dos tronos.»

Fernando Sobral

segunda-feira, 18 de maio de 2020

Guião para a nova vida

Curto

Joana Pereira Bastos

Joana Pereira Bastos

Editora de Sociedade

18 MAIO 2020

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Bom dia,
Imagine que está a ver um filme na televisão e, por qualquer motivo, é obrigado a fazer pausa. Quando, passado algum tempo, volta a carregar no play, o filme já é outro. As personagens são as mesmas, mas o guião mudou. É mais ou menos o que está a acontecer às nossas vidas.
Com a reabertura das creches e das escolas secundárias, dos restaurantes, cafés e esplanadas, das lojas de maior dimensão, de museus, monumentos e galerias e até das visitas a lares, damos hoje um novo passo para retomar o filme da vida que conhecíamos. Mas, depois de dois meses de confinamento, nada é como antes foi.
O novo guião tem 35 páginas e o título não muito apelativo “Saúde e Atividades Diárias”. Foi escrito pela Direção-Geral da Saúde, o mesmo argumentista que nos últimos tempos tem definido as cenas que vivemos, e detalha ações e comportamentos “a adotar por todos”, em todos os contextos do dia a dia. Divulgado no final da semana passada, o manual ensina, por exemplo, como devemos lavar a roupa ou pôr o lixo na rua e determina que não devemos partilhar objetos pessoais, frequentar lugares movimentados ou ter “convívios dentro ou fora de casa”.
Tudo o que antes fazíamos sem pensar, todos os gestos que nos saíam naturalmente, como pôr os filhos na escola, ir jantar fora ou cumprimentar familiares e amigos, obedecem agora a instruções precisas. Não há margem para improvisos.
Nos últimos dias, proliferaram listas com normas e orientações para diferentes setores. Para os restaurantes, que hoje voltam a abrir portas com medo que o medo de todos os obrigue a encerrar depois, há um manual de dez páginas que discrimina as novas regras de funcionamento. A disposição das mesas deve permitir uma distância de pelo menos dois metros entre os clientes, que deverão ficar sentados na diagonal, embora as pessoas que vivem juntas possam ficar frente a frente a uma distância inferior. Pratos, copos e talheres só devem ser colocados na presença do cliente e todas as zonas de contacto frequente, como as mesas, maçanetas ou torneiras, têm de ser desinfetadas pelo menos seis vezes por dia. Deixa de existir a ementa tradicional para se escolher a refeição, os funcionários terão de usar máscara e o mesmo se recomenda aos clientes, exceto quando estão a comer. Qualquer semelhança com o que era antes ir a um restaurante será pura coincidência.
O mesmo acontecerá nas creches, que hoje também voltam a abrir. Os pais que levarem os filhos até aos 3 anos vão deparar-se com uma realidade inteiramente nova. O guião final da DGS, menos restritivo do que a primeira versão, impõe que as crianças sejam deixadas à porta e que troquem de sapatos para entrar. Lá dentro, terão de se habituar a ver educadores e auxiliares de máscara e mais contidos nas manifestações de afeto e não poderão partilhar brinquedos, salvo se forem "devidamente desinfetados entre utilizações". Depois de dois meses fechados em casa e afastados dos amigos, não será fácil explicar-lhes tudo isto.
Mas se a reabertura das escolas causa ansiedade, o retomar das visitas a lares, onde aconteceu o maior número de mortes e focos de contágio, é ainda mais sensível. Também aqui há um manual com normas rígidas a seguir.
Como tudo o resto, o tão esperado reencontro com os familiares será vivido com medo, o sentimento que nos vai acompanhar durante todo o resto do filme. Até ser descoberta uma vacina ou um tratamento eficaz, continuaremos em suspenso. O fim ainda não está escrito.

Retrato de uma tragédia anunciada

por estatuadesal

(Pedro Adão e Silva, in Expresso,16/05/2020)

Pedro Adão e Silva

Há semanas, o Governo reuniu-se com economistas para discutir medidas de relançamento da economia. Infelizmente, este é um momento em que o contributo dos economistas é próximo do zero. Mesmo que se desenhassem as políticas e os estímulos mais eficazes, persistiria um problema de fundo: falta de confiança.

É este o retrato que nos deixa a sondagem do ICS/ISCTE publicada pelo Expresso. Os portugueses continuam a confiar na resposta que políticos e instituições têm dado à pandemia e acreditam maioritariamente na nossa capacidade coletiva para limitar a difusão do vírus (62%), mas todos os outros sinais são aterradores.

Com razão, estamos preocupados em relação à situação económica e financeira do país (94%) e tememos que o pior ainda esteja para vir (57%). Só que, questionados em relação aos riscos associados ao desconfinamento, uma larga maioria julga arriscado regressar às rotinas quotidianas comuns. Os portugueses consideram mesmo que não se esperou o tempo suficiente para levantar as restrições.

A decisão de colocar o país em confinamento foi rápida e eficaz, mas a reabertura será bem mais exigente e não dependerá de soluções para a economia, de dados estatísticos, nem sequer da melhor informação médica. A perceção de risco é um processo social e alterá-la depende de mecanismos difusores de confiança coletiva que não se vislumbram.

A história das nossas civilizações é, em importante medida, a história da socialização dos riscos. O que nos distingue, hoje, é não sermos individualmente responsáveis pela nossa saúde e o nosso bem-estar económico depender de mecanismos coletivos (à cabeça a segurança social pública). A resposta comunitária dada à pandemia correspondeu a mais uma etapa deste longo e atribulado processo de gestão coletiva de riscos.

Mas há também duas outras ideias relevantes sobre gestão de riscos: a primeira é que há riscos que decidimos ignorar, enquanto privilegiamos a resposta a outros; a segunda é que a resposta que lhes damos pode ir da individualização radical (cada um é responsável por lidar com os riscos que enfrenta), passando pelo fatalismo (não há nada a fazer), até aquilo que foi feito face à covid-19: uma abordagem comunitária (todos procuramos proteger todos os outros, em particular os grupos de risco) combinada com mecanismos de decisão hierárquicos (de que o Estado de emergência é o pináculo).

O que os dados da sondagem demonstram é que chegou o momento de alterar o equilíbrio entre os riscos que privilegiamos e aqueles que igno­ramos (sob pena de termos de enfrentar uma pandemia económica e social aterradora), sem com isso comprometer o equilíbrio virtuoso entre comunitarismo e respostas hierárquicas que caracterizou a resposta à pandemia em Portugal. É o único caminho para recuperarmos um pouco de confiança.