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terça-feira, 2 de junho de 2020

Cântico de Zacarias

por estatuadesal

(César Príncipe, in Resistir, 01/06/2020)

Bendigamos

As bobinas de papel higiénico. Restarão para a posteridade como metáfora do açambarcamento-confinamento no brotar da Pandemia-19. As populações urbanas interiorizaram que o desfecho seria dirimido entre Sanitas & ETAR`S. As populações rurais sempre dispuseram de uma folha de couve nas hortas de subsistência. Haverá que apurar a fonte do pânico e quais os interesses ocultos das corporações ou se apenas emergiu no contexto de um rumor relacionado com o inimigo invisível (embora o mundo esteja prenhe de agentes excre(mentais) tão ou mais tenebrosos que ele, o mundo, o que não enxerga Trumps & Bolsonaros). Uma interrogação decorre desta corrida consumista. Ao que parece, perdida a Fé nos Homens, em vez de fazer cumprir o disposto no Novo Testamento, o Criador envenenou os criados com as próprias fezes. O Apocalipse acaba de ser reescrito em Rolos W.C. por João de Patmos. O apóstolo catastrofista.

Bendigamos

A Clausura da Salvação Nacional. O Estado voltou a desempenhar a função de tratador de pandemias & salvador de economias & estabilizador de psicologias. Para tal, accionou as sinetas das comunidades monásticas, fazendo recolher as ovelhas aos apriscos. Aplanada a curva, estão a espaçar os toques das cercas, quarentenas, clausuras e das campainhas dos gafados. Enaltecido seja o Estado, diabolizado pelos Donos Disto Tudo e pela chamada classe média ou remediada, mais uma vez abruptamente proletarizada, apostada em escapar entre as gotículas infeciosas e insidiosas. Já se vê: o povo é quem menos ordena.

Bendigamos

As Irmãs Descalças do Correio da Manhã & do Jornal de Notícias. Sem elas, as eternas esquecidas, as madrinhas de guerra do Covid-10, agravar-se-ia o DUCI/Défice de Unidades de Cuidados Intensivos. As Irmãs da Consolação são credoras de palmas e ramos de flores. Constituem a última reserva moral do patronato: mantiveram os postos de trabalho no Estado de Emergência e no Estado de Calamidade e nenhuma recorreu ao Lay-Off. Elas, as Irmãs, não desertaram nas horas que reclamavam espírito de missão, entrega, endurance, resiliência, patriotismo. Elas são dignas de um Ministério da Segurança Sexual.

Bendigamos

O sexo feminino em geral. Ao contrário dos holandeses que nos moveram guerra para saquear as Terras de Santa Cruz (1595-1663) e ainda hoje se admiram por tanto apreciarmos mulheres multicolor e copos de boa cepa enquanto eles (frugais e repugnantes) se deleitam com tetas de vaca turina e emborcam cerveja de hooligans. Bárbaros do Norte. Que mais dizer?

Bendigamos

O Novo Banco & o Pingo Doce & o Continente. Símbolos da sociedade da abundância. No desenlace viral, prontamente acudiram às necessidades derivadas da peste e desveladamente têm disponibilizado máscaras, luvas e gel. E além dos equipamentos de protecção individual, asseguram com mão firme e pródiga o abastecimento alimentar de 10 milhões de gentios e dos vindouros 20 milhões de forasteiros, contribuindo para a Pax da República, que sabiamente gere as filas da fome e do desemprego e dos recibos verdes e da mão-de-obra nepalesa.

No entanto, o optimismo (desconfiado e desconfinado) está de volta: as praias estão animadíssimas e contam com as selfies do Presidente de Todos os Veraneantes e Fátima reabre a Tenda dos Milagres e Cascais promove missas campais para as Tias da Linha e até as Feiras de Espinho e de Ponte de Lima recuperam o bulício e o regateio e os ciganos do Chega e a Empresa-Bandeira Autoeuropa já pode reconvocar os 6.000 trabalhadores e os passageiros já podem viajar à pinha nos aviões da TAP e demais companhias mais ou menos insolventes e até já se admite a Multitudinária Noitada Sanjoanina Portuense & etc. etc. etc.

Quase tudo no Novo Normal. Tudo. Tudo. Tudo. Tudo. Tudo. Tudo. Tudo.

Que pena a Festa do Avante! ter sido proibida pela Inquisição Multimédia.

Nem sequer tiveram pa(ciência) ou escrúpulo para esperar uns três meses.

Fujam! Fujam! Um tsunami coronário varrerá o Planeta a partir da Atalaia!

Fujam! Fujam do 25 de Abril & do 1º de Maio & do 4 & 5 & 6 de Setembro!

Benedictus ou Cântico de Zacarias. Prece de agradecimento do profeta pelo nascimento de João Baptista, seu filho.

Confinado ou desconfinado, o pobre lixa-se sempre

por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 01/06/2020)

Daniel Oliveira

Não é possível, sem o trabalho de sociólogos, comparar o aumento da covid-19 com a condição social dos infetados. Mas desde o início de maio que sabemos, por trabalhos da Escola Nacional de Saúde Pública, que os concelhos com maiores taxas de desemprego e maiores desigualdades de rendimento eram os que tinham mais casos de covid-19. Olhando para o que está a acontecer em Lisboa, percebemos que são os mais pobres que estão a sofrer mais com o desconfinamento.

Os concelhos que registam maiores aumentos na região de Lisboa e Vale do Tejo foram Loures, Barreiro, Amadora, Moita, Seixal e Montijo. E não é por acaso que esta é a região mais massacrada. A caricatura irritantemente instalada de uma região privilegiada trata-a como uniforme. Só que Lisboa sofre o preço alto do centralismo, com periferias onde se concentra pobreza, precariedade e desigualdade, sobretudo entre os trabalhadores.

Os surtos na plataforma logística da Azambuja e no bairro degradado da Jamaica – é interessante a abissal diferença de comportamento das autoridades nas duas situações – mostram como há um país que esteve sempre em risco e que, com a pressão do regresso generalizado ao trabalho, levou a primeira pancada. Parece que os centros comerciais vão manter-se fechados.

Não contesto, mas não deixo de achar graça que os momentos de lazer, e não as condições de trabalho e de transporte, sejam a única preocupação que sobra com os pobres. Assim como não deixa de ser revoltante haver quem julgue pessoas que vivem em barracas por não ficarem fechadas em “casa” ou ouvir a ministra da Saúde a responsabilizar os trabalhadores da plataforma logística pelo contágio.

Defendi o urgente regresso das atividades económicas porque também foram os mais pobres quem mais sofreu com o confinamento. O tal estudo do início de maio dizia-nos que um quarto das pessoas que ganham 650 euros mensais perdeu a totalidade do rendimento e isso só aconteceu a 6% dos que ganham mais de 2500 euros. Ao fim de um mês penso que a situação será muito mais dramática. E não é só o rendimento. São as crianças afastadas da escola e sem acesso a computadores e Internet ou casas sem condições para lá permanecer durante quase dois meses.

O confinamento foi uma tragédia para os mais pobres, por causa da economia; o desconfinamento está a ser uma tragédia para os mais pobres, por causa do vírus.

É por isso que tenho recusado o absurdo combate de trincheiras que opõe “desconfinadores” e “confinadores”, corajosos e responsáveis. De um lado e do outro, ouvi absurdas certezas científicas sobre um vírus de que tão pouco se sabia. De um lado e do outro, se falou em nome dos pobres massacrados pelo desemprego ou pela pandemia. Defender a ponderação dos dois fatores sempre foi o menos sexy. Nunca garantirá a ninguém o estatuto de visionário, que percebeu a verdade antes de todos os outros. Mas parece-me que foi e continua a ser a única posição intelectualmente séria.

Quanto à pobreza, a questão é tragicamente mais simples. E resume-se assim: os pobres lixam-se sempre. Lixam-se confinados, lixam-se desconfinados. E é por isso que o problema não é o vírus inesperado ou o desconfinamento inevitável. O problema é a desigualdade. E essa não tem nada de inevitável.

Se houver um terramoto quem se lixa mais são os mais pobres. E quando chega a reconstrução são os mais pobres que são expulsos da nova cidade. Numa sociedade desigual, a catástrofe lixa o mais pobre tanto como o lixa a solução. Porque o problema nunca é a tragédia que bate no pobre, é a pobreza que lhe tira todas as defesas para lidar com essa tragédia.

É por isso que defendo, desde o primeiro dia, que o critério do confinamento e do desconfinamento tinha de ser sanitário e social. E que enquanto continuarmos a ser uma das sociedades mais desiguais da Europa não seremos exemplo de nada. O que corra bem deixará sempre de fora demasiada gente. Os outros, o país que se trama, são os moradores do Bairro da Jamaica ou os trabalhadores da Plataforma Logística da Azambuja. E, para tornar tudo um pouco mais chocante, uns e outros ainda são apontados como responsáveis pelo seu próprio infortúnio.

O racismo (não) é intolerável!

Posted: 01 Jun 2020 03:42 AM PDT

«Imagine-se por uns minutos o momento inaugural de genuína perplexidade de uma criança ao descobrir que algo de tão fútil como a cor da sua pele constitui um problema na sociedade onde vive. Que a cor da sua pele faz dela um alvo privilegiado de chacota, de insulto e de violência, não só por parte de outras crianças, mas também de adultos, não só no seu bairro, na sua cidade ou no seu país, mas em várias partes do mundo, não só na época em que vive, mas que é uma realidade que se perpetua há séculos. A incompreensão inicial transforma-se num ápice em profunda angústia. O racismo é um traumatismo.

A influência nefasta da carência afetiva precoce está, hoje, bem documentada. Em meados do século passado já René Spitz e Harry Harlow haviam demonstrado a importância da atenção, do carinho e do amor no desenvolvimento normal de uma criança e as repercussões na sua vida de adulto. Essa relação de reconhecimento e cuidado por parte do Outro é essencial e chega a condicionar a própria sobrevivência da criança. No entanto, as nossas relações afetivas não se limitam às figuras maternas ou paternas, estendem-se também a esta espécie de família alargada a que chamamos de sociedade. O racismo é uma das expressões mais cruéis e perversas dessa relação afetiva deteriorada. Para além da evidente rutura do contrato social, alicerçado sobre o valor da Igualdade, que constitui o racismo, para além desta rutura política abstrata, existe uma rutura mais íntima, mais profunda, mais encarnada. Afinal não somos uma família.

Esta primeira rejeição é arrasadora, desconstrói uma personalidade em desenvolvimento. A criança vai desde logo recorrer a estratégias para voltar a sentir a confiança inicial, para voltar a fazer parte da família. Convence-se de que, de facto, o problema é ela. O processo de racismo interiorizado está em curso. Mas aos poucos a criança, o jovem, o adulto entende que afinal pouco importam as estratégias, pouco importam os esforços, o problema continua visível, o seu corpo negro incomoda.

Ao longo dos séculos esse corpo (indissociável da mente) foi subjugado, martirizado, assassinado, invisibilizado, enviado para campos de trabalho, para as periferias, para as cozinhas, para as prisões, para as sepulturas. Como o corpo de George Floyd, torturado e assassinado por um polícia branco de Minneapolis em 2020, na autoproclamada “maior democracia do mundo”. O racismo é violência.

Derek Chauvin outorgou-se o direito de matar George Floyd em frente das câmaras porque tinha a possibilidade física e social de o fazer. A sociedade onde vive não considera que o racismo seja intolerável. A História e a justiça do seu país, as convicções racistas e supremacistas de uma parte importante dos americanos, inclusive do seu próprio Presidente, confortam-no na sua ação. É a mesma sociedade que permite em Nova Iorque que Amy Cooper ameace e proceda a uma falsa denúncia contra um homem negro à polícia. Esta mulher racista sabe em que sociedade vive.

Em Portugal, o polícia que brutalizou Cláudia Simões também sabe em que sociedade vive, tem consciência, por exemplo, que na última década nenhum polícia foi condenado por racismo. O deputado André Ventura conhece a sociedade em que vive, conhece o valor das vidas de ciganos e negros em Portugal. Sente-se confortável para exprimir, há anos, toda a sua ciganofobia, porque não somente não foi alvo de qualquer sanção à altura dos seus atos como ainda pôde entrar sorridente pela porta principal da Casa da Democracia. Ventura conhece a sociedade que lhe permite sugerir o regresso de uma deputada portuguesa negra para a sua terra, sem qualquer perda pessoal e política. Pelo contrário, sobe nas intenções de voto. Se o racismo fosse intolerável o deputado racista já teria sido expulso do Parlamento (aliás nunca lá teria entrado) e estaria no banco dos réus por incitação ao ódio racial, da qual a proposta de um plano de confinamento para a população cigana é mais um insuportável exemplo.

Mas o racismo é tolerável dentro do Parlamento, é tolerável na sociedade portuguesa, na americana, na francesa, no nosso mundo. E tolerar o racismo é ser racista. É admitir a existência de cidadãos de segunda, que a justiça não seja igual para todas e todos. É aceitar que não façam parte da família. É permitir que a criança negra ao ser testemunha dos últimos instantes de respiração de Floyd seja também ela transportada para aquele chão e sufoque e chore sabendo que este não é nem o princípio nem o fim do pesadelo. O racismo é terrorismo.»

Luísa Semedo

Manual de instruções para desconfinamentos (nada) banais

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02 JUNHO 2020

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Bom dia,
Pode ser apenas impressão, mas parece que, nos últimos dias, a mensagem dos políticos e das autoridades de saúde não está a chegar com clareza. A época balnear ainda não abriu, as regras de segurança não estão a funcionar e já as praias estão cheias de milhares de portugueses. Ao mesmo tempo, multiplicam-se os comportamentos arriscados e a polícia é obrigada a intervir. Estamos apenas no arranque da terceira fase de desconfinamento, não é ainda a normalidade total.
Os centros comerciais reabriram, como conta a reportagem do Expresso no Porto, e apesar das regras limitadas os clientes parecem estar a aderir. Mesmo na zona de Lisboa, onde ainda não houve reabertura total por causa da subida dos contágios, o movimento é elevado e espera-se que possa haver um regresso à normalidade já na sexta feira.
Nas Lojas do Cidadão, a afluência foi muita e os nervos em franja também. O cidadão deslocou-se à loja mas o atendimento era feito apenas por marcação. Também já há ginásios e é possível voltar a fazer tatuagens.
Na Madeira, mais à frente no desconfinamento, os espaços de diversão nocturna vão regressar e o Expresso esteve na primeira discoteca que vai reabrir em Portugal. “Isto também é uma questão de saúde mental” , diz um dos empresários do setor.
Em Lisboa, não há bares e discotecas mas ontem houve concerto no Campo Pequeno: “Deixem o Pimba em paz” de Manuela Azevedo e Bruno Nogueira. Até António Costa lá esteve.
A economia está a reabrir mas a crise continua e é bem visível. A Concertação Social discute hoje o plano de estabilização económica, numa reunião em videoconferência que conta com a participação do ministro da Economia, Siza Vieira, e da ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho. Até agora, a Autoridade para as Condições do Trabalho só detetou nove irregularidades no lay-off.
A maioria dos portugueses (61% é a favor da utilização de apps para controlar a covid-19, de acordo com uma sondagem da Pitagórica que faz manchete esta terça-feira no Jornal de Notícias.
Para não se perder em tantas regras e alterações, o melhor é consultar o guia que o Expresso preparou. Confira também os últimos dados da covid-19 e toda a informação em direto: são mais 200 infetados, o valor mais baixo numa semana, e mais 14 mortos. E, claro, as infografias que o Expresso atualiza diariamente há quase três meses sobre a evolução da doença em Portugal e no mundo.

Tensão e violência em 40 cidades dos EUA

De  Nara Madeira  •  Últimas notícias: 01/06/2020 - 08:57

Tensão e violência em 40 cidades dos EUA

Direitos de autor Matt Dunham/Copyright 2020 The Associated Press. All rights reserved

Mais de 1400 pessoas detidas em seis dias de protestos violentos em agora, pelo menos, 40 cidades dos EUA, "instigados" pelo assassinato de George Floyd, há uma semana, por um polícia.

De Boston a São Francisco, centenas de pessoas ignoraram a ordem de recolher obrigatório.

Em Washington DC a polícia usou gás lacrimogéneo para dispersar a multidão.

Os protestos chegaram, uma vez mais, à porta da residência oficial do presidente dos EUA. Donald Trump que abriu guerra contra os Antifa, um movimento de esquerda antifascista e quer que este seja declarado como organização terrorista.

Um pouco por todo o país diz-se que sem justiça não haverá paz. Clama-se pelo fim da violência contra as minorias, também em Nova Iorque.

Mas no meio dos protestos há quem aproveite para semear o caos - lojas saqueadas e vandalizadas, etc. - dando argumentos à administração Trump para considerar "os instigadores de cinco noites de tumultos" como "terroristas".

Trump, de quem alguns esperam um discurso à Nação mas para apaziguar as hostes, através das redes sociais exige o restabelecimento, imediato, da lei e da ordem e quer que seja pedida a intervenção da Guarda Nacional.

Foi em Mineápolis, no estado do Minnesota, que tudo começou. Foi também aqui que no domingo um camião se lançou, aparentemente de forma deliberada, contra a multidão mas sem fazer feridos.

Uma cidade em ebulição que levou o governador a pedir a intervenção da Guarda Nacional mesmo antes de Trump. Desde que George Floyd - desarmado, algemado - foi morto por um polícia que colocou o joelho sobre o seu pescoço e que não cedeu aos seus pedidos para parar porque não conseguia respirar, que Mineápolis não dorme. O agente será julgado por homicídio.