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quinta-feira, 2 de julho de 2020

A novela da TAP e as tensões que crescem no governo

Curto

Miguel Cadete

Miguel Cadete

Diretor-Adjunto

02 JULHO 2020

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Bom dia!
Não deve passar de hoje o impasse em torno da TAP. O mais tardar, no Conselho de Ministros que se realiza esta quinta-feira ficará decidido o futuro da companhia aérea portuguesa. O seu destino ficará ligado às decisões que conduziram à sua privatização, durante o governo de Passos Coelho, à reentrada do Estado no capital, quando António Costa já era primeiro-ministro, e, claro, à crise aberta pela pandemia que transtornou decisivamente a vida das companhias aéreas em todo o mundo devido ao corte abrupto no turismo e demais ligações. O caso português, porém, tem várias particularidades.
Nas últimas horas, ficou claro que dentro do governo existem duas fações: aquela que defende a manutenção de privados, apesar do descalabro económico-financeiro, e que é defendida pelo próprio líder do executivo, e uma outra que aposta na nacionalização e que será representada por Pedro Nuno Santos, ministro das Infraestruturas, que tem a tutela daquela empresa. N amanhã de ontem, o Expresso noticiou que a TAP seria nacionalizada devido à falta de entendimento entre o Estado e os privados, isto é David Neeleman e Humberto Pedrosa, quanto ao empréstimo de 1,2 mil milhões de euros necessário para salvar a companhia. A ausência de acordo quanto às condições em que seria aprovado esse empréstimo – e quem ficaria realmente com o poder – estiveram na origem de uma notícia que, ao longo do dia foi conhecendo inúmeros desenvolvimentos no sentido de evitar a drástica decisão. No Parlamento, Pedro Nuno Santos confirmou que a proposta do executivo foi chumbada devido à abstenção dos privados, que detêm 45% do capital. “Não vamos ceder nas nossas condições e estamos preparados para intervencionar e salvar empresa”, disse.
Ainda não tinha chegado a hora do almoço e, em Elvas, onde se encontrava para celebrar a reabertura das fronteiras com Espanha, António Costa declarava aos jornalistas que ainda aguardava um acordo com os privados.
A porta mantinha-se aberta e podia depender da venda dos 22,5% da participação de David Neeleman: ou até à meia noite havia acordo para a venda dos 22,5% da TAP detidos por Neeleman ou avançava a nacionalização forçada daquela participação. O último obstáculo a um acordo, noticiou o Expresso, prendia-se com “o empréstimo obrigacionista que a companhia aérea brasileira Azul, da qual Neeleman é acionista, fez à TAP em 2016. São 90 milhões de euros e o Estado queria que este crédito fosse convertido em capital, abatendo assim a dívida da TAP. Este empréstimo dura até 2026 e tem associada uma taxa de juro de 7,5%. A Azul só admitia transformar este empréstimo em capital se tivesse uma garantia pública. Exigência que o Executivo de António Costa rejeitou liminarmente. A Azul, em caso de insolvência da TAP ou nacionalização, perderia esses 90 milhões de euros”.
Esse desentendimento, no entanto, foi sendo alimentado pelas posições muito divergentes que existem para a TAP defendidas tanto pelo ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, como por Lacerda Machado, representante do Estado na empresa e amigo pessoal de António Costa. O primeiro preconiza a nacionalização, o segundo apostava numa reprivatização da TAP, mas o clima entre ambos azedou. Como nota Ângela Silva em artigo publicado nos Exclusivos do Expresso, “desde a polémica dos prémios, em fevereiro, as relações entre os dois homens fortes do Estado na empresa nunca mais foram produtivas, tendo chegado a haver troca de azedas mensagens e mails entre ambos”.
Às primeiras horas desta quinta-feira, a Sic Notícias anunciava porém um recuo na posição de David Neeleman, ou da Azul na qual também tem uma participação quanto ao empréstimo sobre a TAP. “Companhia brasileira Azul prestes a ceder direitos de transformação em ações do empréstimo que fez à TAP em 2016”, lia-se em notícia publicada por Filipa Crespo Ramos à 1h15 da manhã.
No mesmo canal, o diretor do Expresso, João Vieira Pereira, defendeu que “a insolvência da TAP seria o pior cenário, porque Portugal precisa de uma companhia aérea forte”. “Toda a agente preferia uma solução que não fosse a nacionalização”, disse, alertando para o pior cenário, que seria a insolvência da TAP. Na sua coluna de opinião no Expresso, Ricardo Costa, diretor da SIC Notícias, cuidou de avisar que a nacionalização seria um “problema com asas” para o Governo que, ao contrário do que sucede com as sucessivas injeções de capital no Novo Banco, não teria um privado para o salvar das culpas.
Caso não exista acordo nas próximas horas, o veredicto será a nacionalização, decidida no Conselho de Ministros que tem lugar esta quinta-feira. Porém, o acordo parece estar cada vez mais próximo, segundo as notícias publicadas nas últimas horas.

quarta-feira, 1 de julho de 2020

Beatriz, Pedro: o que andamos a fazer?

por estatuadesal

(Fernanda Câncio, in Diário de Notícias, 27/06/2020)

Não me lembro de ter trocado sequer um sorriso com o ator Pedro Lima, e decerto nunca conheci a estudante Beatriz Lebre, assassinada aos 22 anos. Existiram, porém, e houve quem os amasse e sofresse o pavor da sua perda. Bastava-me isso para ter receio, caso me calhasse como jornalista pegar no assunto, de fazer mal, errado, de agravar a dor.

Não sei aliás se em casos semelhantes não fui culpada disso - já escrevi sobre crimes, sobre desaparecimentos, sobre mortes inesperadas. Já me sentei na cama de filhos assassinados a falar com as mães, já devassei no quarto dela o diário de uma menina morta pelo rapaz que amava. Já ouvi um pai de lágrimas nos olhos enquanto procuravam no rio próximo o corpo da filha e na casa onde não tive coragem de entrar a mãe esperava a notícia fatal. Já liguei, depois de discutir aos berros com um editor a quem dizia que não fazia sentido - e só acedi porque me declarou que se não fosse eu a fazê-lo pediria a outra pessoa - para a família de um estudante Erasmus que desaparecera num rio numa noite de diversão, começando logo por pedir desculpa e esperando que, muito justamente, me desligassem o telefone na cara.

Mas também já recusei fazer coisas que considerava atentarem de modo intolerável contra a minha consciência e sentido ético por de jornalismo, no meu entender, nada terem. Como quando me pediram para seguir os McCann para o Reino Unido ao finalmente abandonarem Portugal - parecia-me que tal mais não seria que voyeurismo e perseguição, e que os leitores do jornal não tinham qualquer direito de saber "o que é que os pais da Maddie andavam a fazer". Não fui e não tenho dúvidas de que fiz bem.

Não é sempre tão claro, porém. Há um código deontológico e há os preceitos da lei do Estatuto de Jornalista, que o emulam, mas não há lá resposta para cada questão que o real e a prática (e as chefias) nos colocam: temos de avaliar por nós e connosco, de cada vez, o que está certo e errado, o que podemos e não devemos fazer, a que dizer sim ou não. Acresce que, sei bem, nem todos, diria aliás muito poucos jornalistas têm hoje em dia a possibilidade e a capacidade (o poder, demos-lhe o nome certo) de dizer não.

Isto dito, e ressalvada a zona de cinzentos em que toda a gente se encontra tantas vezes, há o intolerável. Há aquilo que todos - aqueles que de nós se dedicam, sempre sabendo que vamos falhar muitas vezes, a um esforço de ética e verticalidade - sabemos estar muito para lá da fronteira do erro ou do deslize ou da inconsciência ocasional. Há o nojo puro, a total falta de respeito, a ânsia de devassar, a indiferença e mesmo a deliberação de ferir e destruir. Isso está para lá de tudo aquilo a que se possa chamar jornalismo, é coisa outra: comércio puro, venda de produtos roubados - a vida e a dor dos outros.

Vi com estupor como foi nestes dois casos, o de Beatriz e Pedro, possível fazer descrições atrozes e impossivelmente dolorosas, aventar hipóteses sem qualquer sentido e decerto sem qualquer interesse público, publicar imagens privadas sem um módico de sensibilidade e, a seguir, elencar números de contacto para quem esteja em situação de sofrimento, de perigo ou de necessidade de ajuda - estranho sentido de humor têm os responsáveis destas publicações.

Quem publica tais coisas não consegue, nem por um milionésimo de segundo, colocar-se no lugar da mãe, do pai, dos filhos, da mulher, marido, namorados, amigos? Não consegue imaginar o que será ter de se haver com o incomensurável da perda e ainda com a ofensiva infrene das capas, das peças de TV, das descrições malvadas? Não conseguirá pensar o que sentiria ao saber, ao mesmo tempo que o país todo, o que alegadamente diz a autópsia, se o ente querido morreu logo ou agonizou longamente, se tinha estes ou aqueles ferimentos, se estava vestido ou nu, se deixou cartas ou mensagens e o que diziam?

Que direito se arroga quem isto publica de agravar assim, por dinheiro, lucro, domínio de mercado e até vontade de vingança - como frisa João Pedro Vala num artigo noObservador em que acusa o diretor executivo da Cofina, Octávio Ribeiro, de instrumentalizar a morte de Pedro Lima contra a TVI - o sofrimento dos outros, chafurdando sem piedade no sangue de mortos e vivos?

E que direito temos nós, que assistimos a tal degradação, de nada fazer, de deixar passar, de encolher os ombros e até de arranjar justificações ou álibis do tipo "as pessoas querem saber" ou "a culpa é da polícia e dos agentes judiciários, que lhes contam estas coisas, e eles claro está aproveitam porque vende"? Que direito temos de assistir a este massacre e virar a cara? Que direito temos de achar que isto não é connosco porque desta vez (ainda) não foi connosco? Que direito temos, têm, os que de nós são contribuintes líquidos e cúmplices ativos destes crimes, ao consumi-los, ao validar o seu cometimento, ao encorajar e premiar quem os perpetra, ao não votar ao opróbrio os seus fautores, de ignorar que o sangue mancha também as nossas mãos?

Que direito têm os tribunais e os reguladores de caucionar isto com a sua inação?

Se nada mais nos interpela, se nada nos comove, leiamos, oiçamos o "grito sufocado de dor" de Paula Lebre, a mãe de Beatriz, que no Público, num texto admirável de lucidez e cidadania nos adverte para que "o serviço social de informar, a pretexto da liberdade de expressão a qualquer preço, passa a ser, ele próprio, um veículo perverso de disseminação da violência e do crime."

E nos pergunta: "O que andamos a fazer? Queremos ou não um mundo melhor?"

Tão generosa, Paula, a dar-nos assim, no meio do seu impossível desgosto, o crédito de sermos capazes de distinguir bem e mal e de querermos mesmo um mundo melhor para todos e não apenas para cada um nós. Tão alta e grande, Paula, por no meio do seu martírio olhar para nós e acreditar que a vemos, que queremos saber, que Beatriz não é só uma história que nos é vendida hoje e esqueceremos amanhã, que não a deixaremos ser, como Pedro, mais um produto usado e deitado fora por quem fez dela cifrões, cliques, espaços publicitários e "damos primeiro", "veja aqui", "saiba por nós".

Perdoe-me Paula por não acreditar. Perdoe-me por pensar que a maioria nem sabe do que está a falar e continuará a sintonizar alegremente o canal da Cofina, a comprar as revistas que se deleitam com as desgraças e as devassas, e a fazer campeão de vendas do diário que faz do nojo a sua vitória. Mas muito obrigada por tentar.

A urgência de um estatuto do SNS

Posted: 30 Jun 2020 03:23 AM PDT

«Sem a existência do Estatuto do Serviço Nacional de Saúde (ESNS) a Lei de Bases da Saúde (LBS) é um conjunto de artigos que pouco contribui para a causa da saúde dos portugueses. Porque, e bem, aquela lei tem em vista melhorar a organização e funcionamento do SNS. Assim sendo, na ausência do coração que lhe dá vida e justifica a sua existência, a LBS está a tornar-se numa espécie de bugiganga que se compra nas feiras a um preço bastante convidativo. Tinham sido escusadas tanta discussão, tantas versões, tantas opiniões, tanta disputa, para tudo acabar em meia dúzia de páginas do Diário da República e por lá ficarem a azedarem.

O ESNS é o conjunto articulado de disposições que organiza, ordena e dá sentido ao SNS. Sem ele, tudo quanto agora se faz, faz-se à luz da experiência dos mais de quarenta anos que já leva o SNS. Faz-se com uma mão aqui e outra mão acolá, às apalpadelas, na expectativa de acertar à primeira. Mas o que se tem visto é que a mão aqui tem servido os interesses estranhos ao bem público, e nisso a mão aqui acerta quase sempre à primeira, ao contrário da mão acolá que farta-se de errar para encontrar o que é preciso. Com o vazio criado pela ausência do ESNS, cada um procura fazer à sua maneira, o melhor que pode e sabe, mas o resultado não deixa de ser uma manta de retalhos, sem que os retalhos tenham já qualquer nexo entre eles, sem que exista já qualquer coerência entre as suas peças. Se quiséssemos encontrar um caso em que o todo é menor do que a soma das partes, o SNS seria o melhor exemplo que poderíamos encontrar.

Estando assente que através do MEE, Portugal tem acesso a 500 milhões de euros para ajudar a financiar algumas despesas da luta contra o coronavírus e sendo o SNS o principal actor dessa luta, o risco de a aplicação desse financiamento não obter os resultados desejáveis é grande se o SNS não dispuser de um guião que oriente a melhor utilização desse dinheiro. É que no actual estado das coisas, lançar dinheiro para cima de uma estrutura que se vai aguentando mas que já não consegue ter a agilidade que se exige no seu funcionamento, que é à custa de um esforço exagerado dos seus profissionais que ainda se consegue responder às necessidades da população, é correr o risco de não se ter em conta a melhor e mais útil aplicação desse dinheiro. E bem pode vir a acontecer que uma fracção importante desses 500 milhões de euros vá parar aos bolsos do sector privado, que não deixará agora de estar disponível para ajudar no apoio à pandemia.

Ao considerarmos que é urgente meter mãos à obra e elaborar tão depressa quanto possível o ESNS é também porque não se deve desperdiçar a ocasião para incluir nele as lições retiradas do que correu bem e do que falhou na concepção da resposta à pandemia. Se em muitos aspectos, sobretudo na sua fase de instalação e desenvolvimento, as soluções se mostraram ajustadas ao risco, já na fase de desconfinamento não aconteceu a mesma coisa. O seu planeamento tinha de ter começado muito antes, o envolvimento das comunidades locais tinha sido indispensável e era obrigatória a participação das lideranças informais. É também por isso que é urgente que o SNS seja dotado de um Estatuto que inclua a resposta a todos estes aspectos. Desde a pandemia à dor de dentes.»

Cipriano Justo

Já 'Schengen'. Fronteiras começam hoje a reabrir

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Joana Pereira Bastos

Joana Pereira Bastos

Editora de Sociedade

01 JULHO 2020

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Bom dia,
Pela primeira vez desde a sua criação, a União Europeia esteve fechada ao resto do mundo nos últimos meses. Desde 17 de março que, salvo motivos excecionais, estava proibida a entrada de cidadãos de países terceiros no espaço europeu devido à pandemia de covid-19, que já provocou cerca de 180 mil mortes no Velho Continente. O isolamento começa hoje a chegar ao fim, com o início de um processo lento e gradual de reabertura das fronteiras. Mas, para já, são muito poucos os “bem-vindos”.
A UE finalizou à última hora a curtíssima lista de 14 países cujos cidadãos são considerados “seguros” para entrar no espaço comunitário. Pode ainda vir a juntar-se a China, mas apenas se Pequim garantir a reciprocidade e aceitar a entrada de europeus em solo chinês.
A esmagadora maioria dos cidadãos não europeus continuará a ficar à porta, incluindo o Brasil e todos os PALOP, assim como EUA, Rússia ou Índia, por exemplo. No total, mais de 150 estados permanecem na “lista negra”.
O processo de escolha dos países “seguros” esteve muito longe de ser pacífico. A média de infeções por 100 mil habitantes nos últimos 14 dias foi um dos principais critérios, mas em jogo esteve e está muito mais do que a saúde pública. Interesses políticos e económicos e muita diplomacia pesaram na decisão, que não conseguiu aprovação por unanimidade e não é vinculativa.
Portugal vai acatar a recomendação da UE para barrar a entrada de todos os cidadãos que ficaram de fora da lista, ainda que autorize excecionalmente a chegada de voos com origem em países de língua portuguesa e nos EUA, desde que os passageiros tenham um teste negativo à covid-19 e somente no caso de "viagens essenciais".
Nada consensual foi também o processo de reabertura das fronteiras dentro da própria UE. Sem coordenação de Bruxelas, cada país definiu por si que vizinhos europeus deixava ou não entrar no seu território. E Portugal, outrora sinónimo de sucesso no combate ao novo vírus, não está particularmente bem visto lá fora e não conseguiu livre-trânsito. Devido ao aumento de casos nas últimas semanas – só ontem houve 229 novos infetados e mais oito mortes -, há ainda vários países europeus que fecham as portas ou impõem restrições a portugueses.
Potencialmente dramática para Portugal será a decisão do Reino Unido, que adiou para o final desta semana a divulgação da lista sobre os países que considera seguros para os britânicos viajarem neste verão. Se Portugal ficar de fora, as perdas serão avassaladoras.
Também determinantes para o turismo nacional são os espanhóis e, esses, Portugal espera ansiosamente já a partir de hoje. E sem qualquer tipo de controlo sanitário.
A reabertura das fronteiras terrestres terá honras de estado, com o Presidente da República, o rei de Espanha e os primeiros-ministros dos dois países juntos numa cerimónia entre Elvas e Badajoz. Mas o clima entre os vizinhos ibéricos está longe de ser o melhor. Portugal e Espanha, dois dos principais destinos de praia na Europa, são concorrentes diretos na luta pelos escassos turistas que viajarão este ano. E Marcelo e Costa não se têm coibido nos últimos dias de lançar indiretas a Espanha, garantindo que, por cá, ao contrário do que fazem nuestros hermanos, “não há esquecimentos do número de óbitos, nem há dias em que não se mostram os números” para se “ficar bem na fotografia internacional”.

terça-feira, 30 de junho de 2020

O réptil

por estatuadesal

(Carlos Esperança, 29/06/2020)

O réptil tem a pele grossa e respira por pulmões. Não controla a temperatura. Aquece-se nos média e foge do calor para o ar condicionado do escritório ou da AR. É exímio na arte de se camuflar, mas é um carnívoro que não larga as presas. Põe um cravo na lapela quando lhe convém, e abomina-o se o beneficia. Defende os Direitos Humanos para ter um diploma e serve-se desse diploma para os combater.

O réptil é viscoso e repelente, e consegue atrair as presas. O réptil não tem passado, tem fome de futuro. E adapta-se muito bem ao ambiente terrestre.

O réptil passa pelas pessoas e parece normal. Psicopatas, marginais e cadastrados veem no réptil a luz que os ilumina, o arauto da nova ordem que germina no ódio à liberdade, o aríete contra as minorias e a democracia.

O réptil foi, em Portugal, o primeiro animal a conquistar um lugar na casa da Liberdade, para a combater, fazendo jus à história evolutiva, em que os répteis foram os primeiros vertebrados a conquistarem o ambiente terrestre.

O réptil adora a ditadura e defende a democracia, odeia a diferença e alicia indiferentes. Grita que é perseguido quando persegue e continua ruidoso quando lacera as vítimas.
O réptil desfila na Avenida da Liberdade, alheio ao nome que pretende extinguir. Finge apreço pela diferença e faz da manifestação de força a força da provocação que deseja.
O réptil defende a lei para a modificar, a ordem para a subverter, as forças de segurança para as atrair para a vingança e a violência.

O réptil mente e atribui aos outros a indignidade própria. É um traste que evita referir as avenças de que vive, o biltre que atribui aos outros a náusea que é, fazendo das intrigas factos e das calúnias verdades.

O réptil é um professor dispensado da docência para insultar o Governo ou o escriba em comissão de serviço nos média para corroer a democracia.

O réptil não nasceu réptil. Fez-se, debitou baba e peçonha nas televisões e cevou-se com os detritos que bolçou. Entrou na política através de um imbecil e acabou a rastejar por conta própria, a regurgitar calúnias e a atribuir aos adversários os retratos de si próprio.

O réptil é um invejoso e vingativo sem escrúpulos. É filho do acaso. Despreza a justiça e apresenta-se como justiceiro. Se não aprovarem a justiça que apregoa, dispõe de outra. Como não tem moral, a moral não conta. Tem a moral que lhe convém. Por isso defende qualquer moral. E finge que tem moral. Faz mal aos outros, e gosta, e, depois, faz-se de sonso. O réptil rouba a honra que não tem e que dispensa.

O réptil é um cobarde perverso quando ofende e ataca políticos. O réptil não tem pudor. Ouve marginais úteis e senis raivosos e tira conclusões. Depois diz que não concluiu e esconde-se atrás do que ouviu. O réptil é labrego nos jornais, grosseiro nas televisões e boçal nas entrevistas. O réptil é um político que é mestre a rastejar.

O réptil é um furúnculo recheado de pus. É a cabeça de uma infeção em marcha que se alimenta do ódio e das feridas que escarafuncha. É a metáfora da nostalgia salazarista.

O réptil é o talibã que fere e mata, mas larga os explosivos depois de esconder o corpo. O réptil não é monárquico nem republicano, de esquerda ou de direita, ateu ou crente, é um animal que roja o ventre e rasteja ao sabor do vento.

O réptil é perigoso porque nos habituamos a conviver com ele.