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quinta-feira, 9 de julho de 2020

Até para o ano, no Infarmed!

Curto

Ricardo Costa

Ricardo Costa

Diretor de Informação da SIC

09 JULHO 2020

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No princípio da pandemia, quando tudo parecia seguir uma ordem fácil de acompanhar, muitos (Expresso incluído) dedicaram-se a analogias com guerras e chefes políticos do séc. XX. A precipitação tem destas coisas: tivessem recuado mais um pouco, a Atenas ou a Roma, e teriam percebido que a verdadeira analogia de uma pandemia é… uma pandemia.
Simplificando, vivemos num contexto de total incerteza, com um vírus novo e de comportamento imprevisível, por tempo indeterminado. Nada é mais terrível para os políticos, os que dirigem e os outros. Falar é quase sempre falar cedo demais. Declarar vitória é dar tempo à derrota na curva seguinte. Afirmar é fazer figas. Orientar é tentar manter as coisas a andar.
As reuniões do Infarmed foram o exemplo máximo disso. Começaram como um encontro raro da política e da ciência e acabaram como normalmente acontece à política e à ciência, coisas com tempos e critérios diferentes: foi cada uma à sua vida.
Marcelo, que durante algumas semanas exerceu o cargo de epidemiologista-mor do Reino no final dessas reuniões, anunciou que ontem tinha sido a última, para poucas horas depois o primeiro-ministro dizer que não é bem assim. As reuniões hão de voltar, quando forem necessárias. Parece que coordenaram o tema mas que improvisaram no anúncio. Nada de novo. Os cientistas foram os últimos a saber. Também, nada de novo.
O Expresso exarou assim a declaração de óbito: “Quando, na semana passada, Rui Rio defendeu que estas reuniões entre políticos e epidemiologistas tinham perdido utilidade e deviam acabar, Marcelo achou que a sugestão do líder do PSD devia ser ponderada e ligou ao primeiro-ministro. António Costa achou bem, com uma ressalva: deviam esperar para ver como corria a reunião de hoje”. Pensado, dito e feito.
Depois disto, os políticos podem começar a despedir-se como os judeus fizeram durante séculos: até para o ano, no Infarmed!. A terra prometida da união e da concórdia é agora uma miragem. Resta a pandemia, o seu lento dia a dia e a sucessão de notícias, dúvidas e incertezas.

Empresas loiras, com olhos azuis

Posted: 08 Jul 2020 03:49 AM PDT

«Quando dizemos que a maior parte das empresas portuguesas são PME, nem sempre percebemos o alcance desta afirmação. Se dissermos que elas geram cerca de 60% da riqueza nacional e de 80% do emprego, já sabemos mais. E se, por fim, usarmos um termo de comparação em voga, estamos a falar de 300 vezes a TAP, em matéria de emprego; ou de 20 vezes, se compararmos o seu peso no PIB. Já consegue sentir o cheiro a napalm? Talvez isto ajude: de acordo com um inquérito recente, em resultado da pandemia, 47% das PME portuguesas perdeu mais de metade do seu volume de negócios e 34% recorreu ao layoff. Tic-tac, tic-tac, tic-tac.

É por isso que quando o ministro das Infra-estruturas se inquieta com uma potencial insolvência da TAP, as pernas do ministro da Economia deveriam começar a tremer. O que, aliás, não tem nada de mal: o medo é um dos maiores aliados da sobrevivência e precisamos desse instinto mais do que nunca.

O problema é que os sinais de que alguma coisa esteja, efetivamente, a ser feita para impedir a insolvência das nossas PME são escassos, para não dizer que são nulos. Maio terminou com as insolvências a crescerem 16%, face ao período homólogo. E, para junho, não são esperadas boas notícias. É certo que o governo prometeu criar um processo extraordinário de viabilização empresarial, mas, um mês depois, o silêncio é constrangedor. E o pouco que se conhece sobre o tema também não augura nada de bom.

A ideia de que o acesso a um processo extraordinário para evitar a insolvência esteja limitado às empresas “afetadas pela pandemia” faz soar todos os alarmes. Parece que o governo se prepara para estender a mão a empresas cuja dificuldade económica seja, exclusivamente, consequência da covid-19. Afastando, assim, as empresas que já atravessassem algum tipo de dificuldade no final de 2019.

Esta abordagem é o corolário da conveniente ficção de que vivíamos, no final de 2019, um momento de enorme fulgor económico, com empresas sãs e um futuro risonho. Até pode parecer, à luz do que temos hoje, mas é uma ideia errada, que se pode tornar perigosa.

Como bem sabe quem lida com o tecido empresarial português, os primeiros sinais de crise já se faziam sentir há largos meses e o perfil das nossas PME – a começar pela sua estrutura de capitais próprios – não era, propriamente, auspicioso. É por isso que lançar a bóia apenas às empresas modelo – loiras, com olhos azuis – é ignorar a maior parte da economia nacional e atirar milhões de trabalhadores para um precipício. No fundo, é como reservar ventiladores aos mais jovens e abandonar à sua sorte os mais velhos. Uma espécie de eugenia económica, que tem tudo para dar errado.

De resto, até a própria Comissão Europeia percebeu isso, quando admitiu alargar o Quadro Temporário de auxílio às micro e pequenas empresas que já se encontravam em dificuldades antes de 31 de dezembro de 2019, reconhecendo que estas empresas são cruciais para a recuperação económica da União e atendendo a que o impacto do atual surto veio agravar as dificuldades que já sentiam, por exemplo, no acesso ao financiamento.

A nacionalização de uma TAP falida é apenas a exceção que confirma a regra. Ou a triste confirmação de que, para empresas de sangue azul, não importa a cor do cabelo.»

Paulo Valério

O nacional-parolismo

por estatuadesal

(Henrique Monteiro, in Expresso Diário, 08/07/2020)

Henrique Monteiro

Comecemos pelo drama inglês. É uma conspiração, só pode ser! Os números não querem dizer nada! Já quiseram, quando éramos um milagre, mas agora? E logo os nossos mais antigos aliados a fazerem-nos uma destas! Ponham os olhos nos senhores da UEFA (que por acaso não pagam impostos) e vejam lá se eles não nos escolheram… Logo agora, que a TAP passou em 72,5% para as mãos do povo (como diria Pedro Nuno Santos) é que os ingleses nos fazem uma destas!

Sem desprimor para a estimável e prejudicada classe profissional, esta espécie de conversa de taxista não é diferente da conversa governamental e, em certos casos, presidencial. Até o raio do acordo de Windsor foi chamado ao barulho. Porquê? Porque somos parolos, vivemos de um turismo de parolos e paralisamos quando todo o nosso esforço se começa a esboroar.

Vamos por partes: durante o confinamento, o tuga portou-se impecavelmente. De tal forma que se antecipou ao Governo e à DGS em casos como o uso de máscaras, meter-se em casa e guardar distâncias. A curva dos infetados achatou, e foi a época em que fomos campeões. Olhávamos com desgosto, mas certa sobranceria, as trapalhadas da Itália, nomeadamente das ricas Lombardia e Toscânia, ou as da Espanha e da Bélgica; deitámos as mãos à cabeça com a displicência sueca e com a ousadia (mais tarde corrigida) de Boris Johnson. Tínhamos um milagre, diziam os jornais estrangeiros. Tínhamos! Repetia-se por cá.

Foi pouco depois que chegaram as boas notícias. De um canto de um jardim de Belém as três figuras mais altas do Estado, acompanhadas das mais altas do futebol, anunciavam com pompa e circunstância que a fase final da Champions jogar-se-ia nos dois magníficos estádios da segunda circular, em Lisboa. Ditosa pátria que tem dois estádios modernos a um quilometro de distância. E isto era importantíssimo! Não porque houvesse a certeza de os jogos não serem (como são os nossos do campeonato) à porta fechada, mas pelo dinheiro que valia como propaganda turística. Não há – não há meus caros senhores – dinheiro no mundo que pague esta publicidade gratuita ao nosso país, ao seu turismo, à sua serenidade e salubridade das ruas, praças, restaurantes, hotéis, barracas de comes e bebes e esplanadas – ao sol retemperador de um país milagroso.

Porém… a curva achatou-se, mas persistiu em não agachar. No resto da Europa, os novos casos vão descendo. Na Itália, em Espanha, no Reino Unido, em França, na Alemanha… mas não cá (nem na Suécia, que continua com a sua política que parece desconfinadamente absurda, mas pode não ser).

A Europa escolheu um indicador para coisas como retomar as viagens ou possibilidades de férias. E o Reino Unido que já nem da União é membro, seguiu esse indicador. Qual deveria ser? Para nós convinha ser o número absoluto de mortos, porque somos poucos, mas a Europa optou pelo número de casos por cem mil habitantes. E, azar dos Távoras, sem que se possa dizer o que fizemos de errado (salvo responsabilizar uns jovens ou dizer que António Costa e Marcelo correram depressa de mais para cafés e restaurantes no fim do Estado de Emergência) somos, à exceção da Suécia, o país da Europa ocidental com mais casos por cem mil habitantes nos últimos 14 dias. Se virem acima o mapa do Centro Europeu para o Controlo e Prevenção de Doenças (ECDC) verão que a nossa cor destoa de todos os países à nossa volta, e só é encontrada lá para a Turquia, Roménia, Bielorrússia… Na Rússia é mais carregada e na Suécia mais ainda. Isso significa que o Reino Unido, a Espanha, a Itália, a França, a Alemanha, a Bélgica, a Holanda, têm menos de 20 casos por 100 mil habitantes e Portugal, tal como a Turquia, tem entre 20 e 60. A Rússia entre 60 e 120 e a Suécia mais de 120.

Pode ser injusto, mas sendo assim, para que queremos a final da Champions, se os ingleses e mais alguns não puserem cá os pés? Nós estávamos a ser campeões do turismo, tínhamos perdoado os impostos ao pessoal do futebol e agarrado a TAP para ela não nos fugir (embora a TAP não trouxesse quase turistas, menos de 3% para o Algarve, quase nada para o Porto…).

Mas não, o mundo conspirou contra nós. Nem a D. Filipa de Lencastre nos valeu, ao casar-se com D. João I há 633 anos, um ano depois da mais antiga aliança do mundo ser celebrada com a Inglaterra.

Olhamos e ouvimos, e o que me parece é que estou a escutar os dirigentes do futebol a queixar-se do árbitro quando as equipas jogam mal. Enfim. Parolices!

quarta-feira, 8 de julho de 2020

Uma tourada de elite

Curto

Filipe Garcia

Filipe Garcia

08 JULHO 2020

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Há quem a veja como um bailado, uma exibição de elegância e coragem, quem elogie a garra e beleza dos animais. Do outro lado, fora das praças de touros, há quem considere o espetáculo bárbaro, violento, digno de tempos em que a crueldade com animais mais não era que piada. Por cá, a tauromaquia divide opiniões, aquece ânimos e esta terça-feira, nas palavras da social-democrata Fernanda Velez, transformou o Parlamento numa “verdadeira tourada”.
Em discussão não estava a proibição do toureio, apenas o fim do seu financiamento público. Ainda assim, do lado de PAN, BE e PEV, gritou-se pelos direitos dos animais, do outro lamentaram-se preconceitos quanto a uma manifestação que dizem ser tradição no país, assinalaram-se as penalizações em vigor - do IVA a 23% à falta de apoio do Ministério da Cultura - e sentenciaram-se as propostas.
Se os ânimos exaltados motivaram comparações com o ambiente das praças, para a votação desta quinta-feira ficou reservada outra semelhança. Não haverá cavaleiros em jogo, tão pouco bandarilhas ou trajes coloridos, mas tal como nas touradas o final está previamente definido: o touro acaba no chão, as propostas chumbam. Como os espetáculos, são melhores os debates a que não se conhece o desfecho.

Uma questão de responsabilidade

Posted: 07 Jul 2020 03:32 AM PDT

«A resposta inicial do Governo à crise sanitária gerou um consenso político raramente visto, mas perfeitamente justificado tendo em conta a natureza e gravidade da situação.

Não espanta, no entanto, que à medida que as crises económica e social se agravam surjam importantes divergências sobre a dimensão e direção das medidas de recuperação. Como se impede uma explosão de pobreza e fome? Como se fortalecem os serviços públicos essenciais? Que lições se tiram da vulnerabilidade causada pela precariedade laboral e o que se faz com essas lições? Como se cria emprego e em que setores? Para onde se dirige o investimento público?

A resposta de cada força política a estas questões vai marcar o debate do Orçamento para 2021, que será apresentado dentro de três meses. Nesse debate, toda a responsabilidade democrática será pouca. O país pagaria caro no futuro se, em outubro, soluções fortes cedessem lugar a consensos falsos.

O Orçamento Suplementar de 2020, por outro lado, serviu para financiar as medidas excecionais e de emergência já tomadas. Sem reabrir ou refazer todo o Orçamento de 2020, aprovado em fevereiro, o Suplementar cumpriu três propósitos relevantes: i) autorizou a Segurança Social a gastar mais 2600 milhões de euros em apoios extraordinários e de emergência; ii) tão ou mais importante: fez uma transferência extraordinária para a Segurança Social de forma a que os apoios de hoje não prejudiquem as pensões futuras; e iii) reforçou o SNS em 500 milhões.

Foi por estas razões que o Bloco cedo anunciou a sua viabilização, mesmo considerando as suas grandes insuficiências. No final do processo de especialidade, essas razões e essas insuficiências mantinham-se, apesar de alguns avanços conseguidos pelos partidos da Esquerda.

É certo que bastariam outros para viabilizar este diploma. Mas o Bloco vota com o seu voto - e não com o dos outros. Votar contra este Orçamento Suplementar seria recusar ao país, num contexto excecional, o urgente financiamento de medidas de emergência, mesmo sendo elas insuficientes. Mas que não se engane o PS. Esta não foi a primeira volta para o Orçamento do Estado para 2021. Esse, para ser viabilizado à Esquerda, tem de responder à crise pela Esquerda. É esse o nosso mandato, e também a nossa responsabilidade.»

Mariana Mortágua