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sábado, 11 de julho de 2020

O SNS e as parcerias

Posted: 10 Jul 2020 03:41 AM PDT

«Desde há longos anos que as entidades privadas da saúde no nosso país, apesar de estarem sempre a apregoar as “virtudes” do mercado, têm vivido em grande medida dos dinheiros públicos.

Desde 2008, se não fossem os acordos de algumas dessas entidades com a ADSE e outros subsistemas de saúde de origem pública, diversos hospitais privados já teriam cessado a sua actividade.

Por outro lado, o aparecimento de clínicas como “cogumelos” está directamente relacionado com a forte diminuição da capacidade de resposta dos serviços públicos de saúde nessas zonas.

Desde 1990 até há cerca de um ano atrás esteve em vigor uma lei (n.º 48/90) publicada por um governo presidido pelo dr. Aníbal Cavaco Silva que estabelecia que o Estado apoiava o desenvolvimento do sector privado da saúde em concorrência com o sector público, a atribuição de incentivos à criação de unidades privadas e a fixação de incentivos ao estabelecimento de seguros de saúde.

Este enorme descaramento parasitário dos dinheiros públicos e de favorecimento dos negócios privados foi inaceitavelmente tolerado ou incentivado por alguns quadrantes político-partidários. Com o brutal embate provocado pela pandemia em curso, as unidades privadas eclipsaram-se, deixando o SNS (Serviço Nacional de Saúde) quase sozinho nesta luta violenta em defesa da vida dos cidadãos do nosso país.

Importa desde já sublinhar que ao contrário de outros países europeus, no nosso país houve, desde o início deste processo, uma acção de rigor no registo dos números de casos de infecção e das mortes que foram ocorrendo. Nesses países, durante grande parte do tempo só foram contabilizadas as mortes verificadas em meio hospitalar. Na generalidade dos países esta pandemia veio colocar à prova a capacidade de resposta dos respectivos sistemas de saúde e dos suportes sociais.

O facto de dispormos de um Serviço Nacional de Saúde (SNS) como pilar central de toda a actividade assistencial e da prestação de cuidados de saúde, possibilitou atenuar as debilidades decorrentes da falta crónica de investimento adequado nos serviços públicos de saúde.

O nosso país, nos aspectos essenciais, tem aguentado bem o confronto com a pandemia e tem suscitado reacções de surpresa e de elogio por parte de órgãos de comunicação social de diversos países. Se após a superação desta pandemia os nossos órgãos de Poder não conseguirem retirar as correctas ilações do que se tem passado, o próximo embate pode ser devastador. Basta olhar para a Grã-Bretanha, Espanha e Itália para podermos idealizar um cenário aproximado do que nos pode esperar.

Nesses países, as últimas três décadas têm constituído um deplorável processo de ampla ofensiva privatizadora e de asfixia financeira dos seus serviços públicos de saúde. O número de mortes aí verificado é uma tragédia revoltante de desprezo pela vida humana e de glorificação criminosa dos negócios.

Deste modo, urge desencadear no nosso país um enérgico programa de reorganização do SNS, preparando-o para cenários futuros que não são difíceis de adivinhar.

Ainda recentemente, o Presidente da República, a propósito da morte de um médico por covid, afirmou que “os profissionais de saúde merecem os adequados meios e carreiras no Serviço Nacional de Saúde”.

É curioso que tenha sido durante um mandato do seu pai (dr. Baltazar Rebelo de Sousa) como ministro da saúde e assistência que, em 1971, o seu secretário de estado da saúde, prof. dr. Gonçalves Ferreira, tenha desencadeado uma reforma da saúde que definiu os cuidados primários e a criação de centros de saúde como prioridades, além de estabelecer o regime legal para a estruturação progressiva e o funcionamento regular das carreiras dos profissionais de saúde (DL 414/71).

Neste contexto, tem de haver a decência republicana de promover uma política de delimitação de sectores na saúde. O sector privado na saúde no nosso país nunca foi hostilizado na sua livre acção empresarial tendo sempre usufruído, pelo contrário, de um constante e generoso fluxo de dinheiros públicos. A questão de fundo que se coloca, e que não pode continuar a ser escandalosamente escamoteada, é que o nosso dinheiro de contribuintes não pode servir para assegurar os lucros de accionistas privados à revelia dos próprios contribuintes.

Nesta perspectiva de transparência da gestão dos dinheiros públicos, as PPP (parcerias público-privadas) na saúde não devem ter os contratos prorrogados. Esse modelo chegou ao nosso país, tendo como um dos seus grandes entusiastas o então ministro da saúde, Luís Filipe Pereira, num governo presidido por Durão Barroso, quando em vários países, nomeadamente Grã-Bretanha e Canadá, diversos estudos mostravam já os seus resultados desastrosos. Nestes anos de existência das PPP na saúde do nosso país, não se vislumbra nenhuma vantagem em relação à gestão pública.

Por outro lado, é urgente pôr fim à situação escandalosa de grande parte das administrações dos serviços públicos de saúde que recorrem indiscriminadamente a empresas privadas para contratar profissionais pagos à hora, numa afronta intolerável e ilegal à contratação colectiva, e para realizar um grande volume de exames complementares de diagnóstico sem fazerem qualquer prova efectiva de que a capacidade instalada nessas unidades esteja esgotada.

O SNS deve estabelecer parcerias com entidades sem fins lucrativos e com uma clara componente social como são, por exemplo, as Misericórdias. Ao longo desta pandemia, as Misericórdias, que gerem cerca de metade dos lares sociais, estiveram sempre activas, tendo conseguido minimizar o número de óbitos de idosos sob a sua responsabilidade, com uma percentagem muito reduzida.

Se esta situação for comparada com o cenário dantesco dos lares na Espanha, França e Itália, onde o número de óbitos foi muito elevado, podemos ter uma ideia mais real da importância do papel na sociedade portuguesa das entidades sem fins lucrativos e do seu contributo insubstituível para o reforço da coesão social, sem a qual a própria democracia e a liberdade correrão riscos que não podem, nunca, ser subestimados.

A estruturação de uma plataforma de articulação e complementaridade na prestação de cuidados de saúde que facilite, em tempo útil, a acessibilidade dos cidadãos e promova uma gestão mais transparente dos dinheiros públicos destinados à Saúde, torna-se uma medida crucial nos tempos actuais.»

Mário Jorge Neves

O alerta à DGS. O alerta a Costa. E o mistério resolvido de um grande poeta

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David Dinis

David Dinis

Director-adjunto

11 JULHO 2020

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Bom dia, e seja bem-vindo ao seu Expresso de sábado. Hoje, as primeiras notícias são alertas sobre a crise em que estamos - com um mês marcado no calendário: outubro.
Primeira crise, a pandémica, com um alerta para o perigo de um novo aumento exponencial de casos, três semanas depois do regresso às aulas. O alerta é contado por um dos principais especialistas com quem se aconselha a DGS e que está explicado aqui. Como também está explicado o plano do Ministério da Saúde para o outono, porque esse será o momento em que a covid-19 vai conviver com a gripe. E o alerta das escolas, dizendo que não vão conseguir cumprir as regras que lhes foram dadas.
Segunda crise, a económica, que leva António Costa Silva a fazer um alerta ao Governo - e outra a empresários, parceiros sociais e partidos: "O que vem aí vai ser ainda pior".
Sobre a pandemia, ainda aconselho a leitura do texto que conta como Portugal dispensou um software da OMS para contar os números da pandemia; assim como o nosso estudo que mostra como Portugal foi dos países que aplicaram medidas mais restritivas; e a entrevista com uma diretora de um hospital de Lisboa ("Sinto-me quase agredida quando vejo ajuntamentos").
Quanto à outra crise, vale a pena ler o texto que explica como outubro pode ser um teste decisivo a António Costa, tal é a acumulação de perigos que se juntam nesse mês.
Noutras paragens, vale muito a pena saber como se financiam os neonazis portugueses (não é bonito de saber). Mas também conhecer a operação secreta de Nicolás Maduro que passou por Cuba e Bissau. E, de caminho, leia a entrevista do ex-ministro da Saúde de Bolsonaro, que explica como a "polarização e polinização" do combate à pandemia estão a deixar o Brasil numa situação desesperada.

sexta-feira, 10 de julho de 2020

A TAP e o PIB da popularidade

por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 10/07/2020)

Daniel Oliveira

Fui acompanhando o exercício de cinismo do comentário nacional das últimas duassemanas. Como explicou Ricardo Costa, a maioria dos portugueses não quer meter dinheiro na TAP. Com desemprego e em crise, é natural. E é por isso que muitos optaram por uma posição de compromisso: a falência é péssima e a nacionalização é um escândalo. Como não queriam que o Estado injetasse dinheiro sem o controlar, ficaram na confortável posição de não ter posição. Só não são capazes de dizer “deixa falir” porque sabem o que isso significaria. Soa bem falar da TAP como um anacrónico sorvedouro de dinheiro. Até olhar para o impacto que ela tem na economia.

Usemos sempre dados de 2019, compilados pelo Ministério das Infraestruturas, que tutela a TAP. Os números são públicos por via da TAP, ANAC, McKinsey, Banco de Portugal, INE, Ministério do Ambiente e Ministério das Finanças. E vale a pena olhar para eles.

A TAP transportou 17 milhões de passageiros, um terço dos que chegaram aos aeroportos nacionais, metade dos que chegaram a Lisboa. Pesa mais do que as três companhias seguintes juntas. O que quer dizer que dificilmente seria substituída por uma estrangeira, num momento de cortes no sector. Ou demoraria demasiado tempo. 80% dos turistas chegam a Portugal de avião. Os turistas estrangeiros transportados pela TAP gastam mais de 1,9 mil milhões de euros em Portugal.

A TAP faturou 3,3 mil milhões, 80% de clientes estrangeiros. O que quer dizer que exportou 2,6 mil milhões. Se a empresa fosse estrangeira, isto não entraria na balança comercial. Pelo contrário, a compra de bilhetes por nacionais passaria a importação.

O hub de Lisboa funciona como o centro de uma rede. Sem esse centro, muitas rotas, que não têm partida e chegada final em Portugal, deixariam de passar por cá. Provavelmente iriam por Madrid. A TAP tem uma quota de 48% de ligações continente-ilhas e de 60% dos voos intercontinentais a partir dos aeroportos portugueses (81% para a América do Sul). Um dado importante quando sabemos que um dos principais mercados de turismo que cresceu em Portugal foi o norte-americano e o brasileiro. No caso do primeiro, são turistas que gastam mais dinheiro, ficam mais tempo e usam hotéis de quatro e cinco estrelas. Quem acha que as low-cost resolvem tudo, prestou pouca atenção a este mercado em crescimento.

A TAP contribui, direta e indiretamente, para 1,7% do PIB nacional e para 7 mil milhões de euros em exportações. Faz compras de 1,3 mil milhões de euros a mais de mil empresas nacionais – mais do que vamos injetar agora. A manutenção e engenharia, em que a TAP é referência, fatura mais de 200 milhões por ano, sendo metade exportações.

A TAP é responsável, direta e indiretamente, pelo pagamento de mais de 1,8 mil milhões de euros em impostos e contribuições para a segurança social que em parte, com os desempregados, passariam a ser despesa. E com os despedimentos que se avizinham, uma parte será mesmo.

Esqueçam o papel que a TAP tem na ligação às regiões autónomas, na relação com parceiros económicos das nossas empresas e com os países de língua oficial portuguesa e a emigração. Fiquem-se pelo impacto económico devastador que a falência da TAP teria.

É claro que estes não serão os números dos próximos anos, com a crise do turismo e na aviação. Faz sentido deixar cair o instrumento que nos sobra, numa crise global, para a maior atividade exportadora do país? Há quem acredite que se nos livrarmos de toda a despesa estaremos livres para construir um futuro. A receita é absurda mas popular.

Mas quando estivermos realmente leves, sem qualquer grande empresa nacional exportadora, olharemos para a nossa balança comercial e perguntaremos o que raio nos aconteceu. Os mesmos comentadores aparecerão a culpar um governante à escolha e a coisa fica feita. Não sei quanto contribui para o PIB, mas a popularidade é das atividades que mais emprega em Portugal.

O voo cego do Brasil

Sexta-feira, 10 de julho de 2020

Olá,

O Brasil de 2020 faz lembrar um avião voando às cegas com um piloto sem qualquer controle sobre a aeronave, e sem parte essencial da tripulação: o ministro da Saúde e o da Educação.
Hoje, em meio à maior crise sanitária do século, a pasta da Saúde completou 57 dias desnorteada, ocupada por um ministro interino militar sem qualquer formação ou experiência na área. O presidente não parece ter pressa de indicar um quarto nome para o cargo e os laboratórios do Exército acumulam quase 2 milhões de comprimidos de cloroquina — um remédio rejeitado por médicos ao redor do mundo devido aos riscos colaterais à saúde do paciente.
Com o mesmo número de titulares escalados e riscados (quem se lembra do Vélez Rodríguez?) , a Educação, historicamente sucateada no Brasil, parece ter encontrado no governo atual seu pior momento. Como João Filho lembrou em sua coluna desta semana no Intercept, o último nome cotado para assumir o ministério, o secretário de Educação do Paraná, Renato Feder, é um neoliberal ferrenho que vê no privatismo o futuro para o ensino no Brasil. Em uma reportagem de Hyury Potter, revelamos que seu grande feito foi deixar alunos de 165 cidades paranaenses sem aulas nesta pandemia.
Se o Brasil, há pouco tempo, era uma aeronave ganhando altitude, neste momento ficou claro para todos que as turbinas travaram sob o peso das milhares de vidas perdidas por conta da covid-19 (316 Boeings 737 cheios) e como disse, o piloto já não tinha nada sob controle . Eu ainda acredito que o país tem salvação, embora cada pronunciamento do ex-capitão Bolsonaro seja uma esperança a menos. Mesmo assim, a imprensa e milhões de brasileiros dos serviços essenciais, como médicos e enfermeiros, entregadores, educadores, sepultadores e tantos outros guerreiros anônimos seguem lutando para manter a gente no ar.
Mesmo sem anunciantes ou patrocinadores, estamos trabalhando diariamente para que as instituições entrem na rota certa, e você pode nos ajudar nessa missão. Apoie o jornalismo que não tem medo de abrir as caixas pretas do poder. O TIB não vai parar de trabalhar pela mudança.

Ora agora fechas tu, ora agora fecho eu… ora agora fechas tu, fechas tu mais eu

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Cristina Peres

Cristina Peres

Jornalista de Internacional

10 JULHO 2020

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“Um pau de dois bicos” e “uma faca de dois gumes” são expressões que se ouvem repetidas a toda a hora nesta fase crítica que atravessamos. A Conceição Antunes não lhes escapou no 2:59 , a peça de jornalismo de dados desta semana, na qual explica os dilemas do setor do turismo perante a oportunidade que parece fugir das mãos: queremos turistas, mas temos medo deles e eles têm medo de nós. O podcast da Economia, Money, Money chegou ao #40 com uma pergunta temível: será que a economia sobrevive a um verão sem turistas? Dados apurados pelo Instituto Nacional de Estatística em abril dizem que o turismo cedeu 97% face ao ano anterior.
Depois de achatadas as curvas, houve quem não conseguisse evitar que os planaltos não viessem a resultar em subidas pronunciadas e indesejáveis. Esta conversa parecida com corridas refere-se aos novos números de novos contaminados pelo coronavírus e a duplicidade das expressões a referirem a angústia de quem deseja ver o turismo a salvar, senão as economias, pelo menos o pequeno negócio do qual tanta gente depende. A realidade tem-se interposto, como é seu apanágio, neste caso com numerosas zonas, distritos, cidades e regiões a não saber o que fazer com a angústia que provoca voltar ao lockdown. É imperioso conter o contágio. Tanto quanto tentar repor as coisas em marcha.
A Grécia escapou na primavera aos piores cenários que a covid-19 impôs a alguns países europeus, como Itália e Espanha, porém o verão, a chegada de turistas às suas costas, está a obrigar Atenas a fazer marcha atrás. As autoridades gregas estão prontas a reestabelecer restrições públicas e relativas a viagens já a partir da semana que vem, avisando que as diretivas de segurança para evitar a contaminação estão a ser frequentemente ignoradas. É um sinal que se traduz numa cifra: mais de 3.600 casos de coronavírus.
Infelizmente não é só a Grécia. Na quarta-feira, a decisão de voltar a restringir as pessoas para evitar a contaminação afetava 9,2 milhões de pessoas em todo o mundo (incluindo Portugal, Espanha, Itália, Alemanha e Reino Unido na Europa). E já há quem sancione o seu governo pela confusão trazida pelas medidas contraditórias, em Belgrado, Sérvia, a revolta popular que exige responsabilidades aos ziguezagues do Governo, já provocou numerosos feridos.
Por cá, não passou despercebido o mal-estar por Portugal ter sido excluído do corredor turístico do Reino Unido, e a Bélgica colocou Lisboa na “zona vermelha”, obrigando a teste e quarentena no regresso a casa. Não será fácil tomar decisões sobre férias. Veja aqui onde pode ir sem e com condições.