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terça-feira, 14 de julho de 2020

Partido de Bolsonaro entregou assinaturas falsas e de mortos para se legalizar

Só 3,2% das assinaturas necessárias para constituir um partido foram validadas até ao momento. A maior parte das assinaturas entregues pelo Aliança pelo Brasil estavam irregulares.

14 de Julho, 2020 - 15:29h

Jair Bolsonaro em ação do Aliança pelo Brasil em janeiro de 2020. Foto de José Cruz/Agencia Brasil.

Jair Bolsonaro em ação do Aliança pelo Brasil em janeiro de 2020. Foto de José Cruz/Agencia Brasil.

O Aliança pelo Brasil, o partido que o presidente brasileiro quer constituir, precisa de 492 mil assinaturas, em nove das 27 unidades federativas do país, para se legalizar. Mais de meio ano depois de ter sido anunciado, apenas conseguiu entregar 3,2% das assinaturas regulares necessárias.

Das assinaturas que foram verificadas, apenas 15.721 foram aceites pelo Tribunal Superior Eleitoral brasileiro. Mais de 25 mil foram rejeitadas. Ou seja, a maior parte das assinaturas entregues (61%) não estava em situação regular. Entre as irregularidades estavam assinaturas de 150 eleitores não existentes, de 44 pessoas que já tinham falecido, 1.284 duplicadas, inúmeras assinaturas falsas e de 18.112 pessoas filiadas noutros partidos.

A justiça eleitoral brasileira está ainda a verificar mais 98.873 assinaturas. Depois de conseguir atingir o patamar requerido pela lei, há ainda um período de impugnação para outros partidos que pode arrastar o processo.

Jair Bolsonaro foi eleito em 2018 pelo Partido Social Liberal mas acabou por se desentender com o oitavo partido a que pertenceu ao longo da sua carreira políticas. Uma vez que o PSL era um partido relativamente pequeno e que o seu crescimento eleitoral se tinha devido ao fenómeno Bolsonaro, pareceria à primeira vista que seria fácil o presidente da República dominar o campo político da extrema-direita brasileira. Mas as coisas não lhe estão a correr bem. O novo partido colocara como prazo para terminar o processo abril deste ano, de forma a concorrer às próximas eleições municipais, mas não conseguiu cumpri-lo.

Também não correm bem porque parte da direção do novo partido está já a ser investigada pela Justiça. Numa das investigações está em causa o apoio às manifestações que defendiam um golpe de Estado no país. A outra é a do chamado “gabinete do ódio”, a máquina de criação e difusão de mentiras nas redes sociais. Entre os investigados estão o vice-presidente da Aliança pelo Brasil, Luis Felipe Belmonte, o responsável pela publicidade, Sergio Lima, e mais onze parlamentares.

O acusado disto tudo

Curto

Rui Gustavo

Rui Gustavo

Jornalista de Sociedade

14 JULHO 2020

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Imagine por um momento que aquela jovem que simboliza a Justiça é mesmo uma mulher eternamente vendada a pesar nos dois pratos da balança os interesses que se confrontam em tribunal. Hoje, no penúltimo dia de trabalho, talvez troque as pesadas vestes que usa habitualmente por um fresco vestido de verão e deite mãos aos últimos trabalhos antes das férias judiciais que vão durar um mês e meio, até ao final de agosto. (Na verdade, contra o que parece ser o entendimento geral, os tribunais não fecham para os casos urgentes e, na maior parte dos casos, os magistrados têm direito aos mesmos 22 dias de férias de todos os funcionários públicos).
Hoje, em Coimbra, um homem vai ser sentenciado por, alegadamente, ter obrigado a mulher a prostituir-se para além de a espancar regularmente como forma de motivação para o trabalho; um burlão do OLX saberá se vai ter de cumprir pena de prisão por vender iPhones falsificados; o Ministério Público pôs mais uma acha espetacular na fogueira da EDP, ela própria suspeita de corrupção por, alegadamente, ter comprado os favores de um ex-secretário de Estado, Artur Trindade, a troco de um lugar para si e outro para o pai, já falecido.
A sempre cega Justiça está a investigar-se a si própria no caso Lex, que tem como arguidos o ex-juiz Rui Rangel e envolve outros magistrados como Vaz das Neves e Fátima Galante. A acusação está quase pronta e deverá acusar os desembargadores de corrupção.O presidente do Benfica, Luís Filpe Vieira, é um dos arguidos no processo que só deverá ter um despacho depois das férias.
Mas a grande pasta que a jovem eternizada na capa de um dos melhores discos dos Metallica “…Anda Justice For all” quer fechar já tem o nome do antigo dono disto tudo, Ricardo Salgado, o banqueiro a quem ninguém dizia não e que nos últimos seis anos se viu envolvido em processos judiciais por ter levado à queda do grupo Espírito Santo, que dirigiu durante mais de vinte anos.
Nos últimos dias, a equipa de procuradores dirigida por José Ranito está a dar tudo para acabar a acusação contra Ricardo Salgado e os outros 48 arguidos antes das férias judiciais, que começam na próxima quinta-feira e levarão, em princípio, a que o processo fique suspenso até setembro. O documento já terá mais de quatro mil páginas (o despacho da Operação Marquês tem 4083) e deverá acusar o banqueiro de quase todos os crimes económicos previstos no código penal e de liderar uma associação criminosa que levou à queda do grupo. A investigação tem já seis anos e vai dar origem a um mega processo que atravessará muitas férias judiciais, aberturas de anos judiciais, ministros da Justiça e procuradores-gerais da República.
Salgado, que já esteve em prisão domiciliária durante cinco meses, é um dos acusados na Operação Marquês (é suspeito de corromper Sócrates para que o ex-primeiro ministro favorecesse os interesses do grupo GES) e é ainda arguido na Operação Monte Branco, que começou em 2011 e não tem ainda acusação; também é arguido no caso EDP.
O Banco de Portugal, mais célere, já lhe aplicou multas num total de cerca de seis milhões de euros e a inibição de trabalhar na banca por oito anos. A defesa do banqueiro pode resumir-se a uma frase: “Eu nunca na minha vida corrompi ninguém”, disse o acusado disto tudo à saída do tribunal depois de ter sido ouvido pelo juiz Ivo Rosa.

A natureza da “besta” que é a União Europeia?

Posted: 13 Jul 2020 03:33 AM PDT

«No final de Junho, Angela Merkel deu uma interessante entrevista a seis jornais europeus que revela o profundo domínio dos temas europeus, bem como o à vontade – quase descontracção – com que encara a crise causada pelo vírus SARS-CoV-2, a enésima crise da sua carreira como chanceler da Alemanha.

Na entrevista, Merkel deixa transparecer que está confiante que a União Europeia e a Zona Euro serão capazes, como no passado, de responder de forma satisfatória a mais esta crise. Reconhece de modo pragmático e correcto que esta é uma enorme crise e que são necessárias medidas extraordinárias de solidariedade. Por isso, argumenta, propôs em conjunto com o presidente Macron um fundo de recuperação europeu de 500 mil milhões de euros de transferências (e não empréstimos), que seria financiado pelo Orçamento da União Europeia.

Essa proposta está na génese do Fundo de Recuperação Europeu de 750 mil milhões de euros que, no entanto, viu a componente de transferências diminuída e a componente de empréstimos aumentada. E, mesmo assim, a Holanda quer atrasar uma decisão sobre esse fundo de recuperação europeu.

No entanto, a experiência de Merkel na gestão de crises e o facto que essas crises foram, de forma mais ou menos satisfatória, ultrapassadas, poderá levá-la a subestimar a gravidade da crise actual.

Ainda no âmbito dessa entrevista, referindo-se ao problema suscitado pela decisão do Tribunal Constitucional da Alemanha (TCA) – ao deliberar que se o BCE não provar satisfatoriamente, até 5 de Agosto, que os respectivos programas de expansão quantitativa cumprem o teste de proporcionalidade económica, o Bundesbank se deve retirar desse programa –, nota que os Estados-membros nunca aceitaram transferir todas as competências e poderes para a União Europeia. O Tribunal Europeu apenas é a última instância judicial para as competências e poderes que foram explicitamente transferidos dos Estados-membros para a União Europeia. Nas restantes matérias, o Tribunal Europeu – eu diria, felizmente – não é o tribunal superior mas sim os tribunais constitucionais de cada Estado-membro.

E Merkel remata a sua avaliação do conflito legal que resulta da decisão do TCA dizendo “é essa a natureza da besta”, isto é, é essa a natureza da União Europeia tal como foi construída pelos Tratados Europeus.

MEGA (idiotas)?

A Wikipedia em português descreve a liga hanseática como “uma aliança de cidades mercantis — alemãs ou de influência alemã — que estabeleceu e manteve um monopólio comercial sobre quase todo o norte da Europa e Báltico, em fins da Idade Média e começo da Idade Moderna (entre os séculos XII e XVII). Abrangeu cerca de 100 cidades, com Lübeck como centro. De início com carácter essencialmente económico, desdobrou-se posteriormente numa aliança política”.

A nova liga hanseática é uma aliança de Estados-membros da Zona Euro e da União Europeia (Holanda, Bélgica, Irlanda, Dinamarca, Suécia, Finlândia, Letónia, Lituânia e Estónia), que inclui os países ditos frugais (leia-se, sovinas), com representação formal em Bruxelas.

A nova liga hanseática conseguiu uma enorme (mas pírrica) vitória ao eleger para a presidência do Eurogrupo o irlandês Paschal Donohoe, vencendo a candidata espanhola, Nadia Calviño, que parecia inicialmente a favorita e que contava com o apoio dos maiores países da Zona Euro (Alemanha, França, Itália, Espanha), bem como de Portugal, da Grécia, da Finlândia e de Malta. Um dos dez países que tinha prometido o voto a Nadia Calviño não votou nela na primeira ronda de votos, tendo esta perdido na ronda final contra Paschal Donohoe, que recebeu o apoio da maioria dos países (pequenos) daquela nova liga.

No dia 7 de Julho, de forma inacreditável, um tweet dessa nova liga hanseática (NLH) advoga uma escolha sábia na eleição da presidência do Eurogrupo. Parafraseando a sigla dos apoiantes do Presidente Trump (“Make America Great Again”, ou MAGA), símbolo da profunda divisão em que os EUA estão mergulhados, coloca uma fotografia de um boné com a sigla MEGA (Make Eurogroup Great Again), e as escolhas que essa presidência irá defender: défices públicos de 3%; empréstimos com condicionalidade estilo troika através do Mecanismo Europeu de Estabilidade; o pacto de estabilidade (e crescimento) europeu (SGP) – leia-se continuação do espartilho orçamental e regras orçamentais arbitrárias a la carte duramente aplicadas aos Estados-membros devedores da Zona Euro – ; “Asset Quality Review”, i.e., uma análise aos activos do sector bancário (dos Estados-membros do sul); uma reforma das cláusulas de acção colectiva para garantir que os Estados-membros credores controlam a reestruturação de dívida dos Estados-membros devedores e para aumentar a pressão sobre o mercado de dívida soberana destes últimos; mais reformas ditas estruturais; e resiliência, seja lá o que isso quer dizer.

Os acrónimos tecnocráticos herméticos e incompreensíveis para a generalidade da população (“3%”, “ESM”, “SGP”, “AQR”, CAC”, “Reform”, “Resilience”), i.e., as causas advogadas pela NLH, no detalhe, têm profundas implicações. Na realidade, afiguram-se quase racistas, revelando ignorância, indiferença pelo sofrimento causado, e desconfiança de tudo quanto provém dos Estados-membros do sul da Zona Euro, o grupo de países que foram no passado designados “PIGS” (porcos). Quase parece que se pretende levar os PIGS para o matadouro.

A Zona Euro e a União Europeia estão num diálogo de surdos e assusta porque as prioridades da NLH sinalizam muito: a NLH não parece ter a noção de quão duras e retrógradas são as medidas que advogam, nem a insensibilidade que é utilizar o chapéu MEGA para defender a eleição do seu representante para a presidência do Eurogrupo (a Suécia e a Dinamarca não fazem parte da Zona Euro). Não parecem compreender que retiram mais benefícios da Zona Euro e da União Europeia do que os Estados-membros do sul.

Donohue defenderá taxas de impostos baixas para as empresas, será contra a taxação de multinacionais dos sectores digitais (que têm as suas sedes para efeitos fiscais na União Europeia precisamente na Irlanda) e tenderá a defender alguns pequenos países que constituem paraísos fiscais no seio da Zona Euro: Irlanda, Luxemburgo e Holanda. Um mau princípio de uma presidência do Eurogrupo que se afigura será muito atribulada e que se arrisca a ser a última?»

Ricardo Cabral

segunda-feira, 13 de julho de 2020

A máscara é uma arma

Curto

Martim Silva

Martim Silva

Diretor-Adjunto

13 JULHO 2020

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Bom dia, este é o seu Expresso Curto de 13 de Julho de 2020, início de mais uma semana de calor em Portugal. Venha daí comigo. Com ou sem máscara.
Um dia, quando tudo isto passar, porque há-de seguramente passar, dificilmente haverá símbolo visível mais marcante da pandemia de covid-19 que vivemos do que as máscaras de protecção social, que se tornaram parte integrante das nossas vidas de um dia para o outro, e em todo o planeta.
Essas máscaras serão a arqueologia deste período.
Nada simboliza melhor este tempo que vivemos que aqueles pedaços de pano que nos cobrem o rosto quando saímos de casa.
Mas a máscara vai ficar também como símbolo dos debates, dúvidas e contradições que se viveram nestes tempos (quem já esqueceu a discussão sobre se se devia ou não usar, que chegou a envolver a Organização Mundial de Saúde?).
E vai seguramente ficar como arma política, pelo menos nos Estados Unidos da América, a maior potência do planeta mas também o país mais afetado e flagelado, com mais de 50 mil casos por dia e um número absurdo de mais de três milhões de mortos. Agora, finalmente e ao fim de quatro meses em que sempre se recusou a usar uma máscara, como símbolo da desvalorização da doença e de rejeição das medidas de proteção e de confinamento, Donald Trump foi finalmente forçado a usar uma e a aparecer publicamente com ela. Nada como estar políticamente 'apertado' e a poucos meses de uma eleição que em tempos pareciam favas contadas mas cada vez mais se afiguram como muito difíceis.
Nos meus destaques dos Expressos Curtos aparecem muitas vezes referências a Donald Trump.
Perdoem-me a insistência, mas o que tem de ser tem muita força. Por um lado, e finalmente ao fim de quatro meses de dislates e políticas contraditórias, o presidente dos EUA apareceu num evento público com uma máscara de protecção colocada no rosto. "Penso que é uma grande coisa usar uma máscara", afirmou o Presidente dos EUA de visita a um hospital militar.
Isto numa altura em que os números continuam estratosféricos (um quarto do total de casos de infecções no planeta são no país; na Flórida ontem registou-se um recorde de 15 mil casos detetados num só dia).
Quem parece estar sob fogo dos próximos de Trump é o dr. Anthony Fauci, especialista médico que aconselhou o Presidente no início da pandemia. Agora, os dois nem se falam, segundo conta a CNN.
Mas a grande história dos últimos dias envolvendo Trump é mesmo a forma absolutamente inacreditável como decretou um indulto presidencial a um seu antigo conselheiro que tinha sido condenado pela justiça norte-americana a uma pena de prisão.
O perdão presidencial já motivou um coro de críticas, embora a maioria dos Republicanos opte pelo silêncio (a excepção é Mitt Romney).
Roger Stone devia cumprir três anos e quatro meses de prisão por ter mentido ao Congresso. O perdão presidencial é uma figura possível nos EUA, mas que nunca tinha sido usado num caso em que o próprio chefe do Estado tem um interesse direto ou um conflito de interesses (Stone mentiu na investigação sobre o conluio entre Trump e a Rússia).

No mundo todo, e de acordo com a OMS, este domingo assistiu ao recorde de casos registado num só dia, mais de 230 mil. Os países em pior situação nesta altura são os EUA, a Rússia, a Índia e o Brasil. Curiosamente, as duas superpotências e dois dos mais relevantes países emergentes do planeta.

Estrangeiro rico, estrangeiro pobre

Posted: 12 Jul 2020 02:27 AM PDT

«O turismo valeu, em 2018, 14,6% da economia nacional. Portugal é, na Europa, o quinto país mais dependente deste setor e a pandemia tem efeitos devastadores, bastando olhar para a taxa de desemprego no Algarve para perceber a dimensão do tombo.

Por mais receios sanitários que a movimentação de pessoas provoque, a economia precisa de turistas como de pão para a boca. Literalmente.

Como estamos dependentes do mercado externo, queremos que os estrangeiros venham. Incluindo de países que viveram, ou ainda vivem, cenários epidemiológicos com elevadas taxas de prevalência de covid-19. Os estrangeiros podem entrar, desde que tenham dinheiro para ajudar a reanimar a atividade económica. O caso muda de figura quando se trata dos estrangeiros residentes no país e associados a comunidades desfavorecidas.

Os indicadores apresentados esta semana na reunião de especialistas e responsáveis políticos, no Infarmed, mostram que um quarto dos novos infetados em Lisboa é imigrante. Um certo discurso alimentado nas últimas semanas em torno das medidas restritivas e das ações de policiamento nas freguesias mais afetadas contribui, contudo, para estigmatizar estes cidadãos. O estrangeiro pobre, quando adoece, não é vítima, é responsabilizado pelo comportamento que o levou a adoecer.

Acicatados pelo medo, muitos dos sentimentos de discriminação e de desconfiança em relação ao outro agravaram-se nos últimos meses. O pior é quando as próprias autoridades e entidades que deveriam proteger os valores essenciais em democracia contribuem para alimentar preconceitos. Como o Ministério Público de Faro que, ao divulgar a detenção de um jovem que tinha violado o confinamento obrigatório e foi acusado de desobediência agravada - a primeira acusação do género conhecida publicamente -, fez questão de escrever no comunicado que se trata de um homem de "nacionalidade estrangeira".

Os estigmas não ajudam no combate à doença. Nem os perigos se dominam fechando portas a cadeado. Teremos de aprender a conviver com a doença, sem deixar que outros vírus de intolerância e medo ganhem igualmente tamanho.»

Inês Cardoso