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quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

Um negócio multimilionário

Posted: 09 Dec 2020 03:34 AM PST

«Chama-se Margaret, tem 90 anos, foi a primeira pessoa no Mundo a receber a vacina da Pfizer/BioNTech. A mesma que, esperamos todos, chegará aos portugueses nos primeiros dias de janeiro.

Foi às 6.45 horas de ontem, em Coventry, no Reino Unido, país onde se prevê que sejam administradas quatro milhões de vacinas só até ao final deste mês.

É um momento simbólico e de esperança. Mas é também um momento em que se confirma que a pandemia não atinge todos por igual. A vacinação começa por um dos países mais ricos do Mundo, como foram os países mais ricos do Mundo (Estados Unidos e União Europeia) a arrebanhar a maior parte do número limitado de primeiras doses desta e de outras vacinas (a da Moderna é a segunda na fila).

O alerta é de Sidney Wong, dos Médicos Sem Fronteiras, que não terá nunca o impacto mediático de Margaret. Um alerta e um apelo, porque, como acrescenta, é urgente que multinacionais farmacêuticas como a Pfizer e a Moderna partilhem com outros a propriedade intelectual e a tecnologia que permita a produção massiva de vacinas à escala global.

Por outras palavras, as vacinas que permitem salvar vidas e retirar a humanidade de uma crise sanitária, económica e social sem precedentes, não podem ser apenas mais um negócio multimilionário. Sucede que o simples facto de o alerta estar a ser feito nesta altura é a melhor prova de que assim será.

Há alguns dados dispersos sobre quanto estarão a cobrar as farmacêuticas por cada cidadão vacinado (40 euros a Pfizer, 60 euros a Moderna, tendo em conta que são necessárias duas doses), mas nada sabemos sobre qual é a sua margem de lucro. Como não sabemos até que ponto estão as farmacêuticas a incorporar nos seus proveitos os milhares de milhões de fundos públicos canalizados para as diferentes investigações. Ou o conhecimento científico que é património comum e público.

Ao contrário, sabemos que, entre março e dezembro, a BioNTech, parceira da Pfizer, valorizou 258% em bolsa (de 28 para 99 euros por ação), e que cada ação da Moderna passou, no mesmo período, de 25 para 125 euros. Vale uma aposta que nas próximas listas de bilionários globais algumas fortunas vão engordar substancialmente?»

Rafael Barbosa

Resposta de um eleitor do BE a Boaventura Sousa Santos

por estatuadesal

(Carlos Marques, 08/12/2020)

(Este texto é resposta ao artigo de Boaventura Sousa Santos que publicámos aqui: https://estatuadesal.com/2020/12/08/lenine-e-nos/

Estátua de Sal, 09/12/2020)


Todo o texto do “Boaventura PSousa PSantos” cai quando confrontado com qualquer argumento que use um pingo de lógica:
1- para que serviria um BE se aprovasse um orçamento do PS em que o PS não aprovou uma única proposta do BE?
2- para que serviria o BE se aprovasse um orçamento que, em vez de contra-cíclico à boa maneira Keynesiana, tem como prioridade o ajustamento orçamental ainda com a pandemia a meio?
3- para que serviria um discurso diário de defesa dos trabalhadores, se depois o BE se aliasse a um PS que mantém a lei laboral da troika e de Passos Coelho, que condena tantos à precariedade e pobreza?
4- para que serviria o BE se fizesse de conta que António Arnaut e José Semedo nunca existiram nem concluíram que era preciso salvar o SNS da lógica a que o PS o condenou?
5- para que serviria um BE Socialista (por oposição a um PS Capitalista) se continuasse a aceitar colocar dinheiro num off-shore de um fundo abutre para tapar buracos de “imparidades” inventadas com suspeita de crime?

E a resposta a todas é: não serviria para nada. Ora, era exactamente esse o objectivo do PS desde 2019, quando rejeitou o acordo escrito com o BE: fazer todos os possíveis, de teatro em teatro, até provocar uma crise política estéril, convocar eleições antecipadas e repetir até à exaustão durante os 15 dias da campanha: “estão a ver que o BE não serve para nada? Dêem-nos a maioria absoluta”.

O problema é que o BE abriu os olhos a tempo. Por mim falo: se o BE continuasse a ser bengala desta política desastrosa e governo desastrado, eu deixaria de votar BE.

Eu, eleitor do BE, queria mais investimento, mas o PS só olha para uma descida ilusória do défice. Queria uma lei laboral decente, mas o PS encosta-se à Direita-Radical. Queria um SNS com o financiamento adequado, mas o PS cativa. Queria que o ROUBO da Lone Star parasse, mas o PS escolhe o fanatismo ideológico NeoLiberal. E queria também uma continuação da Geringonça, mas o PS recusou-a logo em 2019.

E a prova dos 9 são os resultados eleitorais. O BE tem-se mantido no seu máximo histórico (10%), enquanto o PCP está a definhar e vai em várias derrotas consecutivas. Nestas eleições presidenciais suspeito que a tendência se manterá. E acrescento que a principal razão para o PS não apoiar um candidato(a) da sua área, e em vez disso ir atrás da miss popularidade, Marcelfie, é só tacticismo: não ter uma derrota estrondosa, e fazer de conta que a popularidade de Marcelfie é a sua.

Mas reconheço um erro ao BE: na votação inicial do orçamento devia ter-se abstido. E só após o PS rejeitar as suas 12 propostas, aí sim o BE devia ter estado contra na votação final. Foram com demasiada sede ao pote, e para já até pode haver gente que, apesar de votar no mesmo partido que eu, tem outro ponto de vista e ficou descontente. Mas no médio e longo prazo, será uma questão de tempo até se fazer justiça e se perceber que o contra foi o voto certo.

Assim como em 2011 o BE foi castigado por “não dar a mão a Sócrates e ao PEC 4”, veio depois o castigo inicial no mau resultado nas eleições logo a seguir, mas logo 4 anos depois o BE voltou ao máximo e, como se tem visto, tirando de forma sistémica votos ao PS, e que nunca voltarão ao PS.

É por isso que os “Boaventuras PSousas PSantos” desta vida andam tão irritados e se fartam de escrever e comentar contra o BE, mas sempre com o cuidado de nunca analisar as propostas e sentidos de voto, pois aí fica demasiado óbvio o erro histórico que é o apoio da Esquerda ao àquilo em que o António Costa transformou o PS, de forma menos óbvia desde 2018, de forma mais descarada desde 2019, e de forma escandalosa desde o chumbo das 12 propostas do BE e o ataque raivoso no debate orçamental de 2020.

Então aquela semana em que PS e seus comentadores andaram diariamente a chamar irresponsável e “encostado à Direita” ao BE e a elogiar o PCP por causa da questão dos 480 milhões para a Lone Star (Novo Banco), foi o cúmulo da desonestidade intelectual, uma vez que ambos os partidos votaram da mesmíssima forma.
E se o PS (e o Marcelfie) rasgassem as vestes desta maneira por causa da precariedade, desigualdade (de classe, e territorial), pobreza, sub-orçamentação do SNS, +40h/semana no sector privado e horas extraordinárias que nunca mais acabam, pensões miseráveis para os nossos idosos, e falta de condições para os jovens terem filhos cá em vez de emigrarem? Isso é que era de valor!
Mas como não o fazem, suspeito que a lição de Lenine tenha o sentido exactamente oposto ao que o “Boaventura PSousa PSantos” lhe quis dar…

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Zona Franca da Madeira: licença para abusar

Posted: 08 Dec 2020 03:57 AM PST

«Todos os anos, Portugal perde 850 milhões de euros devido ao abuso fiscal proporcionado por offshores e jurisdições semelhantes, dados da Tax Justice Network (TJN). É o equivalente ao salário anual de quase 50 000 enfermeiros.

Nem é preciso falar aqui do branqueamento de capitais. A simples evasão fiscal já é uma corrida para o fundo. Não se trata de eficiência económica, mas de concorrência desleal por parte de algumas empresas e indivíduos, com a consequente delapidação das receitas fiscais globais, com particular incidência nos países mais pobres.

Esta constatação não impediu Portugal de criar o seu próprio offshore, disfarçado de apoio económico à região ultraperiférica da Madeira. Em 2011, ano de crise e austeridade, foi publicado o livro "Suite 605". Nele, João Pedro Martins relata as histórias de fraude e evasão que levaram centenas de empresas a registarem-se na mesma suite 605, no Funchal. Alguns desses casos são bem conhecidos: Isabel dos Santos, apanhada no escândalo Luanda Leaks, a filha do ditador da Guiné Equatorial ou futebolistas famosos em fuga ao fisco. Outros casos, menos mediáticos, passam pela criação de empresas falsas para onde rendimentos de grupos económicos são canalizados, aproveitando as isenções e reduções de taxa, sendo depois distribuídos das formas mais criativas. Neste sistema, perdem os países de origem mas também a Madeira, que viu o seu PIB falsamente inflacionado, com redução de acesso a apoios comunitários.

Dirão que o offshore da Madeira já não tem a agressividade de outros tempos. É certo, mas nem por isso deixa de ocupar lugares respeitáveis nos índices que medem os graus de sigilo financeiro e facilitação fiscal em todo o Mundo. O prejuízo global causado pelo regime deverá rondar os 450 milhões de euros.

Os defensores da Zona Franca da Madeira argumentam com os benefícios para a criação de emprego e riqueza na região. Mas era há muito evidente que estes critérios não eram cumpridos. Os postos de trabalho eram falsos, assim como as empresas e, por isso, logo em 2016, o Bloco quis criar regras de cumprimento e verificação desses critérios. Essa proposta foi rejeitada por PS, PSD e CDS, os mesmos partidos que juravam que o regime servia para... criar emprego e riqueza na Madeira. Também a Comissão Europeia decidiu investigar e acaba de confirmar que houve fraude às regras, tal como há anos denunciamos.

Veremos se é desta que a hipocrisia do PS acerca do abuso na Madeira é abalada. Refere a imprensa que, na confusão das votações orçamentais sobre a medida do Novo Banco, quando a publicação destas conclusões estava iminente, o Governo terá tentado alterar o voto dos deputados do PSD Madeira com promessas sobre a Zona Franca, não se sabe bem quais. É um mau prenúncio num tema em que tanta transparência e rigor têm faltado.»

Mariana Mortágua

terça-feira, 8 de dezembro de 2020

Lenine e nós

por estatuadesal

(Boaventura Sousa Santos, in Público, 07/12/2020)

Durante o período de discussão e votação do orçamento voltei a ler uma das obras de Lenine, A Doença infantil do “esquerdismo” no comunismo, escrita há precisamente cem anos. É uma obra datada que reflecte tempos bem diferentes dos nossos e luta por uma sociedade mais justa em que não nos revemos hoje. Mas, apesar disto, tem uma actualidade flagrante quando observamos o comportamento dos partidos de esquerda no período mais recente. Lenine escreveu este texto em vésperas do II Congresso da Internacional Comunista com o objectivo de chamar a atenção para o que designava como desvios esquerdistas por parte dos partidos revolucionários ocidentais. Esses desvios consistiam na recusa destes partidos em participar nas lutas sindicais e nos parlamentos, por considerarem tratar-se de formas caducas e atrasadas de actuação política, e na recusa de compromissos com partidos socialistas ou burgueses por verem nisso uma traição aos objectivos revolucionários da classe operária.

Como é fácil de ver, nada disto está na agenda política dos nossos dias. Apesar disso, o texto de Lenine pode ser-nos muito útil para entender as negociações e os compromissos que tiveram ou não tiveram lugar durante as recentes discussões do orçamento 2021 e para avaliar as consequências que podem daí advir. Impressiona neste texto o profundo conhecimento das dinâmicas sociais, a grande lucidez sobre prioridades e processos, o enorme pragmatismo com que se deve fazer avançar as lutas (considerando que terão avanços e recuos) e como se deve avaliar os erros a que todas as organizações políticas estão sujeitas.

Uma leitura atenta deste texto mostra, talvez sem surpresa, que o PCP segue com muito atenção as advertências e análises de Lenine, enquanto o BE as ignora ou recusa levianamente. Se dermos a Lenine o crédito de estar certo, os dois partidos vão ter trajectórias muito distintas nos tempos mais próximos. Para a maioria dos cidadãos, que não pertencem nem a um nem a outro partido, o que importa saber é quais serão as consequências disso para o país no seu conjunto.

Compromissos e compromissos. Usando a metáfora do assalto, Lenine distingue “o homem que deu aos bandidos o dinheiro e as armas para diminuir o mal causado pelos bandidos e facilitar a captura e o fuzilamento dos bandidos, do homem que dá aos bandidos o dinheiro e as armas para participar na partilha do saque”. Ou seja, Lenine distingue entre compromissos que evitam um mal menor (que ele recomenda sempre que necessário) e compromissos que implicam rendição (que ele condena em todas as situações). Tudo leva a crer que a decisão do PCP de viabilizar o orçamento foi orientada pela ideia do compromisso do primeiro tipo, e a posição contrária do BE, pela do segundo tipo. Na análise que se segue procuro mostrar que o PCP tomou a melhor decisão, quer para o partido, quer para o país.

O desejo e a realidade. Diz Lenine, “os ‘esquerdas’ da Alemanha tomaram o seu desejo, a sua atitude político-ideológica, por realidade”; e acrescenta, pedagogicamente, “tendes a obrigação de acompanhar com sensatez o estado real da consciência… precisamente de toda a massa trabalhadora (e não só dos seus elementos mais avançados)”. As sondagens de opinião sempre disseram que os eleitores do BE (como certamente também os do PCP) queriam que o BE fosse parte da solução e não parte da crise. A liderança decidiu em sentido contrário, e isolou-se. Por outro lado, com pouco conhecimento sociológico, chegou a pensar que era útil uma oposição de esquerda. Esqueceu-se que foi assim que pensaram as esquerdas do Brasil nos protestos de 2013. Nos dias subsequentes, os big data das redes sociais mostravam que a direita e a extrema-direita se tinham apropriado da mensagem. A confusão do desejo com a realidade leva a não valorar o contexto de ascensão do conservadorismo e do reaccionarismo em que nos encontramos.

Alianças e oposição. Diz Lenine “há que aproveitar qualquer possibilidade, mesmo a mais pequena, de conseguir um aliado de massas, ainda que temporário vacilante, instável, pouco seguro e condicional… com os mencheviques estivemos formalmente vários anos sem nunca interromper a luta ideológica”. Ao contrário do que dizem os comentaristas, a “geringonça" foi modelar neste aspecto de promover alianças pragmáticas e eficazes, precisamente por serem limitadas. O PCP, mais uma vez, leu melhor a situação do que o BE e, por isso, ao contrário deste, pode ser simultaneamente oposição e imprescindível.

Cometer erros, perseverar no erro. Diz Lenine: “de um pequeno erro se pode sempre fazer um erro monstruosamente grande, se se insiste no erro, se se o fundamenta aprofundadamente, se se o ‘leva até ao fim’.” E, mais adiante, sublinha que “reconhecer abertamente o erro, pôr a descoberto as suas causas, analisar a situação que o engendrou e discutir atentamente os meios de o corrigir, isto é o indício de um partido sério, o cumprimento das suas obrigações”.

O que está em jogo é o aprofundamento da crise política que as forças políticas de direita tanto querem porque sabem que vão ganhar com ela. E querem a crise tanto mais avidamente quanto sabem que o que verdadeiramente conta não é o orçamento 2021, mas os dinheiros europeus no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (2021-2026). Se conseguirem os seus objectivos, serão elas, mais uma vez, e tal como no tempo Cavaco Silva, a gerir os dinheiros da abundância, do desperdício e da corrupção. Em suma, a gestão do atraso a que pela segunda vez o país será condenado.

À luz do que está em jogo, o PCP não cometeu agora um erro, mas pode vir a cometer no futuro. Pode, por exemplo, trocar um mal menor (talvez as eleições autárquicas) por um mal maior (eleições gerais antecipadas). Se tal acontecer, terá lido mal as possíveis consequências do crescimento da ideologia anti-comunista. Essa ideologia não se circunscreve aos partidos de direita e está bem presente em toda a opinião publicada nos media. É por isso que, embora o peso eleitoral do PCP oscile como o de qualquer outro partido, os comentaristas não se cansam de falar do “declínio inexorável” do partido, e falam do seu envelhecimento fatal apesar de a militância ter vindo a rejuvenescer-se.

Por sua vez, o erro do BE, se não foi pequeno, pode ainda tornar-se “monstruosamente grande” (a vitória da direita em eleições antecipadas) se nele perseverar. Se tal acontecer, pagará um preço alto, sobretudo tendo em conta que o seu eleitorado é oscilante. Muitos se perguntarão: se o partido não foi útil para ajudar a enfrentar uma gravíssima crise sanitária e, ainda por cima, contribuiu para cairmos nas mãos de uma direita revanchista, para quê votar nele? Marisa Matias pode, assim, transformar-se num cordeiro do sacrifício. Imerecidamente, dado o seu notável talento político e a sua larga experiência de compromissos no Parlamento Europeu.

Um texto de Vasco Lourenço que desmascara muitas mentiras da direita

por estatuadesal

(Vasco Lourenço, 05/12/2020)

Junto texto, sobre o 25 de Novembro e também sobre a passagem dos 40 anos da morte de Sá Carneiro. Saliento tratar-se de um texto pessoal, da minha inteira responsabilidade, que estamos a divulgar, como divulgamos outros textos, a pedido ou não dos respectivos autores, que consideramos de possível interesse para vocês.

Cordiais saudações de Abril

Vasco Lourenço


Indignação? Desprezo? Apenas um desabafo, de quem está farto de tanta hipocrisia...

Indignação? Desprezo? Confesso que julgava já ter idade e experiência que me deveriam permitir não me espantar e, muito menos, indignar.

Lamentavelmente, tenho de confessar que, de tudo isso, só é uma realidade a minha provecta idade. Porque, do resto, não reza a história...

Tudo isto vem a propósito da passagem dos 45 anos sobre o 25 de Novembro e dos 40 anos sobre a trágica morte de Sá Carneiro.

O que vi escrito e proferido em vários órgãos da comunicação social, surpreendendo-me (apesar de tudo) e indignando-me, faz-me pensar que não há limites, nem para a ignorância, nem para a leviandade, nem para a má fé!

Muito já se escreveu sobre esses dois acontecimentos, muito já se dissecou sobre a natureza dos mesmos e sobre as características pessoais dos actores em causa.

Não vou tratar especificamente o dito e escrito sobre os acontecimentos do 25 de Novembro - fui um interventor directo, bem no centro do vulcão, já escrevi alguma coisa sobre o que aconteceu, tomei há algum tempo conhecimento de "pormenores" fundamentais para um mais correcto conhecimento de toda a trama desse marco da história do processo do 25 de Abril (ainda que não duvide de que, mesmo eu, ainda não sei tudo) - apetecia-me fazer alguns comentários, tais foram as barbaridades deitadas "boca fora", ou lançadas para o papel!

Decidi limitar-me a aconselhar jornalistas, comentadores e historiadores, como Filipe Luis da revista Visão: "antes de escreverem, sobre acontecimentos históricos, informem-se bem, para evitar dizer tantas asneiras, como fizeram, desta vez"! É que, para além do mais, vão baralhar e confundir, dando-lhes bastante mais trabalho, os futuros historiadores...

Quanto ao aniversário da morte de Sá Carneiro, não comento as homenagens, de roupagens várias, que os seus admiradores lhe fizeram. Estão no seu pleno direito, cada um tem os ídolos e os heróis que quer ter!...No entanto, tendo-me sido chamada a atenção para o programa Expresso da meia noite, na estação televisiva SIC-Noticias, tive o trabalho de o ver e, desde logo, não posso deixar de fazer um comentário , nomeadamente aos aí dois defensores desse mito (Maria João Avilez e Pedro Santana Lopes) que, mito "apenas" porque morreu como morreu, deve ser a personagem que tem o seu nome em mais ruas, avenidas, praças ou ruelas do País (para já não falar num aeroporto...).

Comentário simples: "para elogiar as virtudes do vosso herói, não precisam de deturpar o que se passou! Sejam honestos! Ainda não vale tudo"!

Não sei se os dois pensarão que "uma mentira repetida à exaustão, passa a ser verdade"?

Vejamos:

"Sá Carneiro era pela Democracia plena, quem fosse contra, tinha de se haver com ele"! Como???!!!

Então não foi ele que afirmou que a sua maioria de 56% (de deputados, não de votos que não chegaram aos 48%), obtida através da AD, valia mais do que a maioria de 92% que aprovara a Constituição da República?

Não foi isso que fundamentou as suas três tentativas de violar a referida Constituição da República, com a reprivatização dos sectores básicos da economia? Não hesitando mesmo em recorrer a subterfúgios sujos, ao jogar com as férias dos juízes da Comissão Constitucional! Que importava que a Constituição preconizasse que "só com uma maioria superior a 2/3 dos deputados se poderiam alterar determinadas leis"? A "sua maioria" é que interessava!...

Ou será que a Democracia só vale, se nós tivermos a maioria? Ah, grande democrata!

Tutela militar?

Aí, felizmente, João Soares pôs os pontos nos iis, deixando os outros intervenientes sem argumentos - nenhum ousou contradizê-lo!... (Oh João, então você foi lá estragar o arranjinho tão bem preparado!? Isso não se faz!...).

Falemos claro! Os Capitães de Abril demonstraram, no seu conjunto, ser mais civilistas do que a maioria dos políticos civis!

Demonstraram-no, no terreno, ao transmitirem, num prazo que até o historiador presente no programa "aceitou" ser único no mundo, apesar de ainda ter chamado à colação o caso da transição pacífica em Espanha. (Esquecendo, ou não querendo lembrar-se, que, como hoje é consensual no seio dos estudiosos desse processo, nomeadamente de reputados especialistas espanhóis, que "A transição pacífica para a Democracia, em Espanha, só foi possível, porque houve o 25 de Abril")!

E fizeram-no, mesmo tendo passado por rupturas entre si, com prisões temporárias de uns pelos outros!

Se há uma afirmação que não "admito" ouvir e me faz "ir aos arames e sair de mim" é precisamente a de "Os militares foram obrigados a regressar a quartéis"!

Não, os militares regressaram a quartéis porque essa foi sempre a sua vontade, foi desde o início a promessa que fizeram aos portugueses! Que, como todas as outras, cumpriram exemplarmente! E se não o fizeram mais cedo - a previsão era em 1981 - foi da total responsabilidade dos políticos, que se não entenderam para fazer a revisão da Constituição no prazo previsto!

Ah!!!, há quem afirme que o Pacto MFA - Partidos foi assinado pelos partidos, porque tiveram medo, vendo-se coagidos a fazê-lo !... Mas que coragem!

Participei na discussão e aprovação dos dois Pactos, fui um dos defensores da revisão do Primeiro, não admito que alguém venha dizer que foi obrigado a assiná-lo!

O estudo da situação, que então fizeram, levou-os a considerar que deviam assinar? Mas, onde e quando, não é o estudo da situação, feita em cada momento, que determina as opções tomadas? Ou será que se considera que "vale tudo", a palavra e a ética não têm valor, é preciso é atingir o poder, seja com que custo for? Pessoalmente, considero que nem na guerra os fins justificam todos e quaisquer meios!

Sá Carneiro queria acabar com a tutela militar!

Essa só contaram para vocês!

Ele queria era substituir a tutela militar em vigor, por uma outra tutela militar diferente!

Sintomaticamente, através de um militar da "velha guarda", serventuário e defensor do regime de ditadura derrubado pelo 25 de Abril, responsável no mesmo pela abertura de um "segundo Tarrafal", o Campo de S. Nicolau, em Angola!

Isto é, queria substituir a tutela militar dos outros, pela sua própria tutela militar!

Ou cabe na cabeça de alguém que, se Soares Carneiro vencesse, a transmissão do poder para os eleitos democraticamente se teria processado, como se processou?

De forma pacífica, porque fora sempre essa a vontade, a decisão dos Capitães de Abril!?

E porque, natural e felizmente, foi Ramalho Eanes - um militar de Abril - a vencer as eleições!

E a presidir a essa transferência de poder!

Mesmo sem pretender "fazer futurologia" é fácil imaginar como teria sido a transmissão do poder, coordenada pela extrema-direita na Presidência da República!

Permita-se-me um aparte: confio não assistir à repetição do que então se passou. Falo do apoio do PPD/PSD a um candidato de extrema-direita a Presidente da República!...

Passados estes anos todos, já não pedimos que se limpem da sujeira que então fizeram, ao tentar demonstrar que nos estavam a forçar a regressar aos quartéis!

Mas, exigimos que deixem de ser cínicos e desonestos, como sempre o foram, no que a isto diz respeito! É tempo de não continuar a mentir, para a História!

Falo em relação não só ao PPD, nessa altura já crismado de PPD/PSD, mas também ao PS! PS que, decidido a não apoiar Ramalho Eanes para o segundo mandato de Presidente da República, convidou outro militar a ser o seu candidato! ...

Por isso, podem dizer que houve 4 pais civis da Democracia! Não o contesto! A construção da Democracia em Portugal é fruto da acção de muitos e muitos cidadãos, do povo em geral, logicamente também dos diversos partidos políticos e dos seus dirigentes, com diferentes responsabilidades, como em tudo.

Mas, se querem encontrar um Pai para a Democracia, olhem para o colectivo de militares que constituiu o Movimento dos Capitães, mais tarde estendido ao Movimento das Forças Armadas!

Vasco Lourenço


P. S. Permitam-me que, como rodapé, teça alguns comentários e deixe algumas perguntas:

1. João Soares, o seu pai nunca lhe contou que Sá Carneiro o tentou convencer a sair do País, quando ele saiu para "se tratar", alegando que tudo estava perdido, que os comunistas iam tomar conta do País, se ficassem seriam presos, era necessário saírem, para organizar a luta, no estrangeiro? A mim, contou-mo, mais que uma vez...

2. Maria João Avilez, pode perguntar ao filho de Sá Carneiro se ele ainda tem o autógrafo que o pai me pediu (para o filho...), no Porto, durante uma grande manifestação de apoio ao VI Governo Provisório, no mês de Outubro/Novembro (?) de 1975?

E importa-se de repetir, sem se rir, que "a comunicação social , em Portugal, nunca foi, nem é amável e atenta à direita e extrema direita"? É que, repito o que já disse atrás, "essa só contaram para você"!

3. Realço a frescura, o banho de juventude, protagonizado pelo Adolfo Mesquita Nunes! Estou convicto de que se Adelino Amaro da Costa assistiu, onde quer que esteja, se terá sentido altamente satisfeito com a sua intervenção, nomeadamente quando meteu na ordem um jornalista que envergonha a classe dos membros de uma comunicação social que se deseja idónea e isenta. E, Adelino Amaro da Costa bem merece o tributo que, com a sua intervenção, lhe prestou!

4. Por fim, não gostei de ver o Presidente da República deitar achas para a fogueira, sobre as circunstâncias da morte de Sá Carneiro. Sou dos que, ao longo dos tempos, me fui convencendo de que se tratou efectivamente de um acidente! Apesar de todas as manipulações, apesar de todos os ingredientes (que hoje seriam chamados de fake news), com deputados do PPD/PSD a presidir às várias comissões de inquérito, como foi possível não demonstrar a teoria do atentado? Na minha opinião, continua-se com essa teoria fundamentalmente porque ela é essencial à continuação do mito! "O herói que morre assassinado, cobardemente, pelos vilões"!