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segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

O nexo finança-habitação

ladroes de bicicletas

Posted: 10 Dec 2017 05:10 PM PST

No recente Relatório de Estabilidade Financeira do Banco de Portugal (BdP) fica finalmente claro para o regulador o modelo em que assentou e continua assentar a economia portuguesa: um modelo baseado numa intrincada relação entre a finança e o imobiliário, por nós descrita num livro recente.
Se se celebra alguma recuperação da economia portuguesa e do sistema financeiro, também se identificam vulnerabilidades e riscos que advêm do elevado endividamento das empresas e famílias, que continua em níveis acima dos registados para o conjunto da União Europeia, e que ameaça a estabilidade do sistema financeiro.

Empréstimos de Empresas e Famílias em percentagem do PIB, 2016

Fonte: Eurostat

Embora reconheça que os incentivos vão em sentido contrário, o BdP limita-se a apelar ao bom senso das instituições financeiras, pedindo-lhes “que continuem a avaliar adequadamente e de forma prospetiva a capacidade de crédito dos mutuários, evitando a assunção de riscos excessivos nos novos fluxos de crédito, nomeadamente no crédito à habitação”.
A timidez daquele apelo surpreende perante a elevada exposição do sector financeiro ao mercado imobiliário, constituindo uma importante vulnerabilidade do sector bancário português, por via do elevado volume da concessão de empréstimos às famílias para compra de casa própria e às empresas dos sectores de construção e das actividades imobiliárias.
Como a crise mostrou, as dificuldades financeiras das famílias e das empresas destes sectores tiveram um impacto devastador no sector financeiro português, levando à acumulação involuntária de imóveis recebidos em dação e de unidades de participação em fundos de investimento imobiliário. Embora o sector comece agora a vender parte dos imóveis, estas transações ainda ocorrem abaixo do seu valor contabilístico e frequentemente com concessão de crédito perpetuando a sua dependência no imobiliário.
A atual especulação imobiliária é um sinal de alerta para as já conhecidas interdependências entre o imobiliário e a finança. Contudo, apesar do crescimento dos preços da habitação em 20%, em termos reais, entre 2013 e 2017, e do contraste deste com a evolução registada para a restante zona euro, 7%, o mesmo relatório de estabilidade financeira conclui que os indicadores apontam “para a ausência de sinais de sobrevalorização no mercado imobiliário residencial”, com a reserva de que tal resultado “não permite afastar a possibilidade de existirem apreciações excessivas em determinadas áreas geográficas, nomeadamente em grandes centros urbanos”.
É prudente notar que a análise de dados agregados pode esconder consideráveis variações. Se assim é para indicadores macroeconómicos, maior prudência se recomenda quando se analisa o sector do imobiliário. O mercado imobiliário residencial tem uma dimensão intrinsecamente geográfica que se perde na escala nacional, regional ou até municipal. Quer isto dizer que as “apreciações excessivas em determinadas áreas” são sinais inequívocos de sobrevalorização no mercado imobiliário residencial, com impactos já conhecidos nas vidas de muitos residentes e localidades. Observe-se a variação do valor das vendas (por metro quadrado) apenas no último ano e em Lisboa. Embora o preço tenha crescido cerca de 15% no município, este valor mediano acomoda variações que oscilam entre 3,4% e os 46,1%.

Taxa de variação homóloga do valor mediano das vendas por m2

Lisboa e freguesias, 2º Trimestre 2017

Fonte: INE

Lidar com o nexo finança-habitação da economia portuguesa exige superar a complacência do BdP. Exige muito mais que o reforço da avaliação, por parte de instituições de crédito, da capacidade creditícia dos mutuários particulares. Exige políticas públicas de regulação robusta do sector bancário e exige políticas que desfinanceirizem o acesso à habitação por parte da população portuguesa, sobretudo nos meios urbanos mais expostos a este nexo. Exige intervir na provisão pública de habitação com rendas controladas. Esta última área é um dos principais desafios para a nova e bem intencionada Secretaria de Estado da Habitação.

Do Consenso de Bruxelas

Posted: 10 Dec 2017 03:06 PM PST

Tenham muita paciência e muita fé em Merkron, num alinhamento do bloco central europeu para realizar reformas que de alguma forma aproximem as economias de um Euro de resto já muito mudado da agilidade de referência das economias anglo-saxónicas nos ajustamentos.
Este é o meu breve resumo da algo arrastada, mas instrutiva, entrevista que Teresa de Sousa fez ontem no Público a Mário Centeno; na realidade, não foi bem uma entrevista, antes uma amena conversa entre dois euro-liberais, sem questões perturbadoras (já basta o espectro de populismos tão necessários...).
Creio que a conversa confirma a hipótese em que temos insistido: Centeno não terá grandes adaptações a fazer para ser um executor das políticas de sempre do Eurogrupo e do resto da tralha institucional do Consenso de Bruxelas, de resto, e esta é a verdadeira mudança no Euro, cada vez mais pesada e condicionadora da soberania democrática.

Desatento, na melhor das hipóteses

Posted: 10 Dec 2017 03:54 AM PST

O suplemento de economia do Expresso deste fim-de-semana inclui uma entrevista com o economista Ricardo Reis acerca da economia portuguesa. O título, chamado à primeira página do suplemento, anuncia o veredicto: “Este ano não é óptimo em termos de crescimento. É medíocre, na melhor das hipóteses”. Fiquei intrigado: que critério seria este à luz do qual um crescimento real de 2,6% é considerado medíocre, na melhor das hipóteses? A experiência recente não seria certamente, já que este é o ano de mais forte crescimento desde 2000.

Fui ver. Explica então Ricardo Reis, logo no início da entrevista, que “Portugal está a crescer mais do que o esperado, mas continua a crescer abaixo da União Europeia”. Bem, isto seria um critério razoável, mas há um problema. É que embora a comparação seja relevante, a afirmação está errada: segundo as previsões de outono da Comissão, o crescimento económico na UE em 2017 será de 2,3% e na zona euro será de 2,2%.

Logo a seguir, porém, o entrevistado parece emendar a mão e introduz uma subtileza: “O resto da Europa está a crescer ainda mais acima do que tinham sido as previsões iniciais. Como tal, o desempenho económico não é particularmente bom”. Ou seja, o desempenho da economia portuguesa não é julgado positiva ou negativamente consoante seja melhor ou pior em termos absolutos; consoante seja melhor ou pior do que o passado recente; ou consoante seja melhor ou pior face à média europeia. Não: a bitola considerada apropriada é até que ponto o desempenho excedeu as previsões iniciais. Um bocado forçado, convenhamos.

Mas logo a seguir surge nova afirmação surpreendente: “As boas notícias são que este crescimento não está a vir do lado do estímulo da procura, mas si do turismo e das exportações”. Foi nesta altura que pensei que devemos estar a olhar para países diferentes. É que se é certo que as exportações, que incluem o turismo, têm tido um crescimento notável, as Contas Nacionais mostram bem que os contributos da procura interna e da procura externa líquida para o crescimento do PIB nos últimos trimestres não são de todo como refere o entrevistado:

(Fonte: INE)

Percebo que Ricardo Reis discorde do rumo do nosso país e que defenda políticas diferentes. Eu próprio acho que há aspectos que devem ser criticados e que podem ser melhorados. Mas recomenda-se um pouco mais de atenção aos factos. A não ser que o problema não esteja tanto na atenção aos factos mas antes, como afirma o próprio entrevistado a certa altura, no facto das coisas que os economistas afirmam serem muitas vezes “mais ideológicas do que científicas”.

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A Roubalheira das Ratazanas

por Cristina Miranda

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E não é que rebenta mais um escândalo com roubalheira descarada, desta vez  na Associação de Solidariedade Social Raríssimas? Não entendo como podem ficar surpreendidos com esta "descoberta". A mim o que realmente me surpreende e deixa completamente atónita é  a passividade do Estado na sua função fiscalizadora não só a estas Instituições como a TUDO em que ele está metido com entrega de fundos. Juro que não entendo ou melhor, se calhar até entendo muito bem o porquê...

Não faz de todo sentido que um Estado que persegue o contribuinte e até o penhora por meia dúzia de euros - ou cêntimos - , que não lhe perdoa 1 euro mesmo que esteja justificado por pobreza, desemprego ou falência sem dolo, que deixe correr a actividade das Instituições que financia, livres como passarinhos, sem as incomodar com auditorias surpresa para fiscalizar e assegurar assim a boa aplicação desses subsídios e donativos. Algo de muito errado se passa aqui.

E a prova está à vista de todos: não era só a Presidente da Raríssimas que usufruía desta gestão generosa. Também havia senhoras deputadas, senhores ministros e secretários de estado da saúde... Ora, como poderiam estas almas denunciar se estavam a beneficiar do banquete? Esta é a triste realidade.

Por isso a senhora Presidente da Raríssimas não se preocupava em esconder que levava 3000€ de salário a que juntava 1300€ de ajudas de custo isentas mais 1500€ de viagens de casa para o trabalho, um PPR de 800€, ainda um leasing de um BMW topo de gama de 900€, despesas em vestidos de 200€, gambas por 230 e tantas outras. Ou seja, tudo extra -salário pago com o subsídio do Estado e donativos entregues à Associação! Muito bem. Não fosse a denúncia destes bravos tesoureiros que não quiseram compactuar com esta gestão ilícita e a senhora Presidente iria continuar tranquilamente a enriquecer à conta da solidariedade.

Não estou a dizer que a culpa é dela. Não é. A oportunidade faz o ladrão. E o Estado ajuda ladrões porque ele próprio o é. É a cultura da roubalheira descarada avalizada pelo Estado que dura desde o 25 Abril de 74. Porque o Estado quando quer sabe ser implacável com aquilo que lhe devem. Experimentem caros cidadãos anónimos atrasar ou deixar de pagar impostos que logo verão comprovada esta teoria.

Só assim se entende como Vieira da Silva ignorou todas as cartas do ex-tesoureiro Jorge Nunes. A primeira em 9 Agosto a pedir inspecção profunda àquela Instituição; a segunda em 15 Setembro onde volta a pedir intervenção da Segurança Social; em 21 Setembro mais um pedido urgente de fiscalização. Tudo sem resposta. Até a TVI denunciar o caso em reportagem...

Não faltaram reacções  que já conhecemos aquando Predrógão, Tancos e Incêndios de Outubro do estilo " Governo vai avaliar situação e agir em conformidade" ou " Marcelo quer apuramento dos factos" blá blá blá. Tudo a "encher pneus" para entreter enquanto se pensa num spin que possa distrair a malta deste escândalo. Mas a verdade é que se não for o Ministério Público a tratar deste assunto rapidamente, a máquina do sistema conseguirá abafar o caso enquanto se desmarca e desresponsabiliza esta gente sem escrúpulos que deveria conhecer a porta da rua para depois sentar no banco dos réus.

Mas nós comuns cidadãos já sabemos o que a casa gasta: 85% dos crimes de colarinho branco por cá são arquivados. Vai-se lá saber porquê, não é?

Obviamente que o caso Raríssimas não é único no país. Mas também não representa a realidade total. Há de facto muitas Instituições bem geridas e que desempenham suas funções com transparência e responsabilidade. E precisamente porque fazem falta e são extremamente úteis no seu papel social, que deve em nome da boa reputação dessas, haver um Estado que cumpra sua função fiscalizadora para que estas ratazanas e outras, não contaminem um trabalho que muitos executam com seriedade.

Ora, o problema é quando o próprio Estado estimula a roubalheira descarada protagonizando-a a toda a hora. Sem a limpeza  desse tipo de gente no Parlamento, a "ratazanagem" continuará e jamais conseguiremos uma sociedade séria que respeite o erário público.

É por aí que devemos começar.

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A Cimeira África – UE: Esbracejando no alto mar da hipocrisia

por Ana Moreno

Meia despercebida, teve lugar a 29 e 30 de Novembro passado em Abidjan, capital da Costa do Marfim, a 5° Cimeira entre a União Europeia e a União Africana, destinada a “definir o rumo futuro da cooperação entre os dois continentes”.

No final da cimeira, chefes de estado e de governo de 55 estados africanos e de 28 países europeus assinaram uma declaração de encerramento que já tinha sido depenada de passagens desconfortáveis: pelos africanos, de partes relativas a democracia, estado de direito, salvaguarda da alternância do poder e ao Tribunal Penal Internacional para crimes de lesa humanidade, genocídio e guerra; pelos europeus, de compromissos financeiros concretos. O comunicado conjunto da cimeira refere, num rol de boas intenções, quatro domínios estratégicos para o reforço da cooperação: oportunidades económicas para os jovens, paz e segurança, mobilidade e migração e cooperação em matéria de boa governação. O que o comunicado não revela é de que forma isto deverá acontecer na prática.

Plano de resgate de migrantes

O único resultado palpável da Cimeira foi o anúncio de medidas de resgate de 3.800 refugiados da Líbia - onde são tratados pior que animais, torturados, violados, vendidos como escravos, conforme um filme da CNN mostrou  aos líderes europeus e africanos presentes. A essa realidade, há muito conhecida, andaram os líderes europeus que agora se mostram muito indignados a fazer vista grossa, pois a Líbia serve de carcereiro à saída para a Europa. Ler mais deste artigo

sábado, 9 de dezembro de 2017

PS sobe nas intenções de voto. PSD com o melhor resultado desde Fevereiro

POLÍTICA

Depois de três meses consecutivos a perder nas sondagens, o PS volta a subir nas intenções de voto. Mas não é o único. O PSD subiu, pelo terceiro mês consecutivo. É a CDU que mais se ressente na sondagem da Aximage de Dezembro, registando o pior desempenho desde Março.

PS sobe nas intenções de voto. PSD com o melhor resultado desde Fevereiro












Miguel Baltazar
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Sara  Antunes
Sara Antunes saraantunes@negocios.pt08 de dezembro de 2017 às 20:30

O PS conquistou mais intenções de voto em Dezembro. 39,9% dos inquiridos pela Aximage, numa sondagem realizada para o Correio da Manhã e para o Negócios, revelaram intenção de votar no partido de António Costa. Um valor que corresponde a um aumento face aos 39,1% registados em Novembro.
Este é o primeiro aumento das intenções de voto no PS desde Julho. Nos últimos meses, os eleitores terão reflectido nas suas intenções de voto episódios que acossaram o Governo, com especial incidência nos incêndios que, desde Junho, vitimaram mortalmente mais de 100 pessoas.
Já o PSD voltou a conquistar mais eleitorado, com 26,1% dos inquiridos a mostrarem vontade de votar no partido que está em processo de escolha do seu líder: Pedro Santana Lopes ou Rui Rio. Este é o terceiro mês consecutivo de melhoria das intenções de voto do PSD, com o partido a conseguir mesmo o melhor resultado de sondagen desde Fevereiro.
A crescer está também o Bloco de Esquerda, com o partido liderado por Catarina Martins a conquistar 9,3% das intenções de voto. Em Novembro, o partido tinha conseguido 8,7%.
Já a CDU surge em quarto lugar, registando uma queda acentuada. Na sondagem de Novembro, a coligação PCP/Verdes registava 8,6% das intenções de voto. No inquérito publicado esta sexta-feira, esta percentagem desc para 7,5%, o pior resultado desde Março.
O CDS também perdeu votos, conquistando 6,5% dos inquiridos, menos do que os 6,7% registados em Novembro.
No que respeita aos líderes partidários, Catarina Martins é a que recolhe melhor avaliação, conquistando 11 valores, numa escala de 0 a 20. E só há mais um líder a conseguir nota positiva: António Costa, com 10,9 pontos. O líder do PCP registou uma nova quebra na avaliação, com Jerónimo de Sousa a conquistar 9,1 valores. Assunção Cristas também tem uma avaliação negativa (8,7 pontos), mantendo assim a mesma nota de Novembro. Passos Coelho continua a merecer dos eleitores a pior nota: 5,2 pontos. Ainda assim, o ainda líder do PSD viu subir a sua avaliação.
Há um político que continua a merecer uma avaliação muito positiva dos portugueses: Marcelo Rebelo de Sousa.
Apesar de se ter afastado dos 19 valores que há um ano verificava, o Presidente da República continua a ter uma nota amplamente positiva: 17,9, com 84,8% dos inquiridos a considerarem que o chefe de Estado esteve "bem" no último mês. Apenas 6,9% dos inquiridos considera que esteve "mal".
No que se refere aos ministros, Mário Centeno continua a dominar a percepção dos portugueses, conquistando, de longe, a melhor avaliação face aos seus colegas de Governo.


(Correcção: Onde se lia Pedro Passos Coelho ou Rui Rio deve ler-se Pedro Santana Lopes ou Rui Rio)


A falência de 2015

João César das Neves

DN – 09/12/217

Portugal está no bom caminho. Depois da quase-falência de 2011, que teria destruído a reputação internacional, conseguiu recuperar o equilíbrio, graças ao apoio dos parceiros e violenta austeridade, lançando um crescimento de que colhe os primeiros frutos. Certo?

Errado. A nossa doença financeira, após quinze anos de endividamento galopante de 1992 a 2008, está longe da cura. O recente clima de alívio e crescimento, que tantos insistem em confundir com prosperidade, pouco passa de inércia, depois do violento aperto e, sobretudo, efeito de uma aberrante situação internacional. A enxurrada de liquidez, com que os bancos centrais evitaram o colapso em 2008, ainda continua. Na falta de verdadeiras reformas, nove anos após a emergência, o planeta mantém-se encharcado em dinheiro, com taxas de juro quase nulas. É isso que permite aos protagonistas da crise, como Portugal, evitar enfrentar a realidade da sua situação, maquilhando-a com ilusões. Mas o cancro está lá, e de vez em quando dá sinal de si. No passado dia 28 de Novembro mostrou que, afinal, é mesmo maligno.

O sinal passou quase despercebido. O BCP foi ao mercado internacional com uma pequena emissão de dívida de 300 milhões de euros, totalmente subscritos. Mais um sintoma da boa imagem do país. Mas seis fundos internacionais de investimento - Attestor Capital, CQS, River Birch Capital, York Capital e os gigantes BlackRock e Pimco - fizeram um comunicado conjunto, declarando boicotar a emissão. A razão invocada é assustadora: "Cada um de nós decidiu que os riscos associados a investir activamente em dívida portuguesa, pública ou privada, são proibitivos, dado o Banco de Portugal ainda não ter lidado com a retransferência de obrigações do Novo Banco para o Banco Espírito Santo em 2015."

O comunicado foi largamente ignorado, não só porque destruiria a versão oficial do sucesso lusitano, mas por não ter tido efeitos práticos. A procura dos títulos do BCP foi três vezes superior à oferta e grande parte dela veio de investidores externos. Como se vê, está tudo bem. Mas esta ligeireza apenas confirma a ilusão que se vive por cá. Porque o sinal alertava para a pior das doenças financeiras, uma falência internacional. Aquilo que evitámos in extremis em 2011 graças aos milhões da troika, aconteceu quatro anos depois. Afinal pertencemos mesmo ao grupo das economias arruinadas, como Grécia e Argentina, enfrentando a difamação dos credores. Portugal faliu em 2015.

Será o comunicado espúrio, mera vingança mesquinha de capitalistas despeitados? Os acontecimentos falam por si. A nossa emergência de Abril de 2011, que despoletou o programa de ajustamento, esteve centrada nas contas do Estado, ignorando o facto evidente de que o nosso problema financeiro é ainda mais privado que público. Insolitamente, só após a saída da troika começaram a rebentar os bancos. A 3 de Agosto de 2014 o Banco de Portugal resolveu o BES, liquidando totalmente os accionistas, vários deles estrangeiros e alguns entrados menos de dois meses antes, no aumento de capital de Junho. Mas não é este facto, apesar de dramático e até único nos anais da finança mundial, que agora é invocado. Tratou-se de uma medida indispensável, e quem perdeu foram accionistas, que sabem ter de suportar o risco.

Ano e meio depois, a 29 de Dezembro de 2015, dias antes de mudarem as regras pela União Bancária, o Banco de Portugal «completou a resolução», retransmitindo para o BES obrigações não subordinadas. Desta vez quem perdia eram, não donos, mas credores. Pior, a medida atingia apenas alguns deles, limitando-se a investidores institucionais. Havia assim uma aberta discriminação entre aplicações, prejudicando apenas fundos e organizações similares.

Trata-se, sem dúvida, de uma falência, e é claramente nacional. É verdade que estavam em causa não títulos públicos, mas obrigações de uma empresa privada. Só que esta pertencia a uma entidade criada pelas autoridades, o Fundo de Resolução, então financiado por empréstimo do Estado. E foi assumidamente para poupar os contribuintes que este repudiou as responsabilidades que assumira. Não há dúvida que se tratou de um acidente de crédito de magna dimensão.

Mas, afinal, qual é o mal? A verdade é que o comunicado não teve consequências reais. A emissão do BCP seguiu normalmente e tudo acabou bem. Assim, este repúdio da dívida do BES parece mesmo um almoço grátis. Essa é, de novo, a fantasia que nos anima. Claro que numa situação aberrante de excesso de liquidez, com muito dinheiro em busca de remuneração razoável, todas as aplicações têm sucesso e até Grécia e Argentina se conseguem financiar. Mas o estigma está lá e, quando as condições mudarem, o que já se vislumbra, as consequências serão inelutáveis.

A doce ilusão embala-nos mais algum tempo, mas os sintomas são assustadores. O governo não se preocupa, pois espera que, quando desmoronar, as culpas desta tola apatia já fiquem no sucessor.

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Trabalhadores da Sorgal em greve devido a salários sem aumento há 10 anos

GREVE

Trabalhadores da Sorgal em greve devido a salários sem aumento há 10 anos

Sorgal, Ovar. D.R.Sorgal, Ovar. D.R.

Dinheiro Vivo/Lusa
07.12.2017 / 12:33

Para exigirem a atualização dos salários, que dizem sem aumentos há 10 anos, os trabalhadores da Sorgal, em Ovar, estiveram em greve.

Trabalhadores da empresa Sorgal, unidade de rações em Ovar do grupo Soja de Portugal, manifestaram-se hoje à porta da empresa no âmbito de uma greve pela atualização dos salários, que dizem sem aumentos há 10 anos.
A paragem laboral teve início esta quarta-feira às 22:00, abrange os três turnos da produção, prolonga-se até às 23:59 de hoje e, segundo o Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Alimentação do Norte (STIANOR), está a registar uma adesão de 95% entre a força laboral da empresa – que contará, em Ovar, com um total de cerca de 60 funcionários.
“Estamos há 10 anos sem aumentos salariais e a ser nivelados pelo salário mínimo nacional, quando antes estávamos bem acima disso”, declarou o dirigente sindical Alfredo Teixeira, que é funcionário da unidade em greve, à Lusa.
“A empresa tem dinheiro e está bem, mas prefere fazer festas de Natal em que paga a artistas de renome para lá irem quando devia é remunerar-nos a nós melhor”, defendeu esse responsável, para aprovação geral dos colegas que o rodeavam.
José Lapa, que também é dirigente do STIANOR, mas não exerce funções na unidade, afirmou que “o objetivo da Sorgal é deixar caducar o contrato coletivo de trabalho”, porque “não há nenhuma negociação de jeito a decorrer”.
“A administração anda a protelar o encontro para analisar as reivindicações dos trabalhadores e, com isso, quer arranjar forma de não atualizar o salário a ninguém”, acrescentou.
O aumento agora reclamado pelos grevistas é de 10%, valor que o sindicato reconhece como “diferente do habitual”,
mas atribui à necessidade de “compensar os trabalhadores por 10 anos sem nenhuma melhoria nas suas remunerações”.
Além disso, “este trabalho é penoso e um bocado complicado, e muitas pessoas foram saindo da unidade ao longo dos anos sem que se repusessem esses postos laborais”, pelo que “a empresa tem que começar a assumir as suas responsabilidades”.
Já quanto à situação financeira da Sorgal, para avaliar se esse aumento salarial será possível, vários trabalhadores garantiram que “é boa” e que a unidade de Ovar “está muito bem”. “De segunda a sexta-feira a fábrica trabalha 24 horas por dia e estamos sempre a fazer horas extraordinárias para conseguir responder a todos os pedidos”, fundamenta Alfredo Teixeira. “A seca deste ano também serviu para aumentar o volume das vendas de rações”, salienta.
Contactada pela Lusa, a Sorgal – Sociedade de Óleos e Rações S.A. não tinha nenhum membro da administração disponível para comentar o assunto.
A empresa produz rações para animais de criação, animais de estimação, peixes, aves e caracóis. Integra o grupo mais vasto da Soja Portugal, que, além da empresa homónima e da Sorgal, inclui ainda a Avicasal, Savinor, Granja Avícola de S. Tiago, Sociedade Avícola do Freixo e SPA, detendo as marcas Sojagado, Pronuti e Aquasoja.






Havia mesmo alternativa. Uma alternativa socialmente mais justa


Um post rapinado ao 365forte e publicado com o devido reconhecimento ao autor, a que acrescentamos um gráfico.

Todos nos recordamos que nos diziam não haver alternativa. Diziam até que nenhum governante é sádico, nenhum governante tira rendimentos por tirar. Transformaram a sua convicção ideológica na austeridade numa certeza que é agora desmentida pela realidade.

Sabemos hoje que era mesmo possível devolver rendimentos, não cortar as pensões, aliviar os impostos para a classe média e repor os apoios sociais. Tal como era possível recuperar os serviços públicos no seu acesso e na sua qualidade.

Mas sabemos mais. Sabemos não apenas que era possível. Sabemos também que as políticas da maioria permitiram um maior desenvolvimento económico. Ninguém acredita que sem a reposição de rendimentos a economia teria crescido três trimestres acima do crescimento da Zona Euro e o emprego teria sido criado a um ritmo sem paralelo histórico. Boas políticas produzem mesmo bons resultados. A devolução de rendimentos permitiu um alívio na procura interna e foi essencial para a recuperação da confiança. A direita, após quatro anos de instabilidade, prometia continuar com a instabilidade nos rendimentos com o corte de 600 M€ na pensões e a tentativa de tornar permanentes os cortes na função pública.

Mas sabemos ainda mais. Sabemos desde a semana passada que a alternativa da maioria é também socialmente mais justa. Diziam-nos que as alterações nos impostos especiais sobre consumo ou sobre a reposição dos vencimentos na função pública seriam regressivos. Os dados do INE denunciam a falácia da direita: não é possível isolar uma medida do seu conjunto para afirmar que a política é regressiva.

Os dados revelados na semana passada pelo INE mostram-nos um recuo em todos os indicadores de desigualdade. Mas mostram também uma redução bastante significativa dos indicadores de pobreza. Mais revelador das políticas do governo são os indicadores de privação material para os quais já contam 2 anos da governação: 2016 e 2017. A taxa de privação material severa caiu de 9,6% em 2015 para 6,9% em 2017, aproximando-se da média da Zona Euro de 6,6%.

Contra tudo o que nos disseram sobre o que era necessário à sustentabilidade das contas públicas. Contra todos os que nos queriam fazer acreditar numa austeridade perpétua. Esta maioria demonstrou que havia mesmo uma alternativa. E mais importante que isso: que a alternativa era socialmente mais justa.

Nuno Oliveira

Fonte: Geringonça

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Mulheres Fotógrafas na Palestina: Tanya Habjouqa

Fonte: Esquerda.net

Num tempo em que a paz no Médio Oriente sofre um novo revés, o premiado trabalho de Tanya Habjouqa, Occupied Pleasures, vê renovado o seu sentido de homenagem ao povo palestiniano que, apesar dos 50 anos de ocupação israelita, não se deixou vencer na sua humanidade.

9 de Dezembro, 2017 - 16:19h

Hayat (à esquerda) ensina yoga às residentes da sua aldeia, Zataara, nos arredores de Bethelehem, na Cisjordânia. Foto de Tanya Habjouqa/ Panos Pictures.

Hayat (à esquerda) ensina yoga às residentes da sua aldeia, Zataara, nos arredores de Bethelehem, na Cisjordânia. Foto de Tanya Habjouqa/ Panos Pictures.

O primeiro ciclo do tema arte&resistência iniciou-se com a divulgação do trabalho fotográfico de Monique Jacques. Como foi anunciado, trata-se de um ciclo onde a fotografia e a Palestina são o pretexto para dar a conhecer cinco mulheres artistas, cuja obra é exemplo de uma conciliação emancipatória: a que reúne o poder da imagem e a experiência de um corpo que resiste num território ocupado.

Fotografando e documentando, o gesto artístico de Tanya Habjouqa realiza-se também na conjugação desses quatro ventos que nos servem de guia e critério na escolha: o da visibilidade, o da denúncia, o da resistência e o da vida.

Tanya Habjouqa nasceu na Jordânia, em 1975. O seu trabalho de fotografia e documentário foca-se em questões sociais, de género e sobre direitos humanos, privilegiando o contexto do Médio Oriente e uma particular sensibilidade e gosto pelas histórias que fogem à abordagem dominante. De uma forma geral, a sua obra reflete o desejo de traçar a imagem sempre diversa de uma humanidade comum. Formada em jornalismo e antropologia, Habjouqa é membro da NOOR(link is external)(palavra árabe que significa ‘luz’), uma agência de fotografia comprometida com a visibilidade das lutas por justiça-social, e fundadora do Rawiya(link is external), o primeiro coletivo de mulheres fotógrafas do Médio Oriente. Neste momento, vive em Jerusalém Oriental, com os seus dois filhos e o seu companheiro, um advogado palestiniano com cidadania israelita.

O seu trabalho fotográfico Occupied Pleasures [Prazeres Ocupados] foi premiado pelo World Press Photo 2014 e o livro, que veio a publicar posteriormente, foi também aclamado pela revista TIME e pela Smithsonian Institution, nos EUA, que lhe atribuíram o título de ‘melhor livro de fotografia de 2015’.


  • A série de fotografias que compõe a obra Occupied Pleasures está inteiramente disponível para visualização aqui(link is external).

As fotografias de Tanya Habjouqa têm sido expostas um pouco por todo o mundo e integram as coleções do Museu de Belas Artes de Boston e do Museu de Arte de Carnegie, nos EUA, e do Instituto do Mundo Árabe, em França.

Prazeres Ocupados

“Occupied Pleasures apresenta um retrato matizado e multidimensional sobre a capacidade humana de encontrar prazer, mesmo quando diante das difíceis circunstâncias da Cisjordânia ocupada, de Gaza e Jerusalém. Occupied Pleasures percorre sentidos passivos e ativos: ser ocupado por Israel e ocupar-se, alegremente e em modo desafiante, com passatempos e pequenos prazeres. Mais de quatro milhões de palestinianos vivem na Cisjordânia, em Gaza e em Jerusalém Oriental, onde a situação política, muitas vezes, se intromete nos momentos mais mundanos. A mobilidade encontra-se circunscrita e, frequentemente, a ameaça de violência paira sobre as cabeças. Este contexto gera os desejos mais fortes pelos mais pequenos prazeres, e também um aguçado sentido de humor sobre as absurdidades que uma ocupação de 47 anos produziu”, lê-se no site de Tanya Habjouqa, na apresentação deste seu trabalho, escrita há três anos.

A estratégia de Habjouqa para denunciar a realidade da Palestina ocupada, na sua mais intensa e totalitária complexidade, não é a mais comum e, se considerada na superfície, poderá até surgir como despeito. Porém, as suas fotografias resistem a uma visão fechada, estigmatizante e injusta, essa que se alimenta da normalização da violência, da guerra ou da morte, e também da banalidade das imagens do irrepresentável. Permitir que os palestinianos e as palestinianas sejam mais do que apenas vítimas ou proponentes de violência, é abrir corajosamente a porta às suas identidades, às suas contradições, às suas justas aspirações, aos seus desejos e à sua humanidade.

“Permissão para narrar”

Tanya Habjouqa
Foto de Middle East Institute.

“Eu senti mesmo que precisava de encontrar outra maneira de contar uma história, não apenas para que fizesse sentido para mim, mas para lhe dar sentido, e também para poder contá-la aos meus filhos, uma vez que esta é também a sua casa”, explicou a fotógrafa, numa entrevista ao The New York Times, em janeiro de 2014.

Numa outra entrevista, publicada em 2016, no The Arts Desk, Tanya Habjouqa afirma que “ao ter casado” com aquele conflito e tendo tido ali os seus filhos, essa condição conferiu-lhe uma “permissão para narrar”, tomando para si a expressão do autor palestiniano Edward Said. Sente que pode e deve falar diretamente e empenhar-se num trabalho de documentário social mais aberto, mostrando o que é a vida na Cisjordânia ocupada por Israel, ou na Faixa de Gaza controlada pelo Hamas.

Tudo começou numa entrevista que realizou, em 2009, na qual ouviu a história de um noivo palestiniano que se apaixonou pela sua noiva jordana, através do Skype. Este acabou por conseguir que ela chegasse, já vestida de noiva, pelos túneis que ligam ao Egipto. No momento de a receber, apesar da situação (o contexto subterrâneo, a areia que caía nos cabelos e as luzes trémulas), correu para ela, abraçou-a e beijou-a arrebatadoramente. Como numa desencantada cena de “Bollywood”, contou ele, acrescentado depois: "Não importa o que esta ocupação nos faz ou nos leva, iremos sempre encontrar uma forma de viver e de amar, talvez de rir. Encontraremos sempre uma forma de manter a nossa dignidade e não apenas de sobreviver”.


Por Sofia Roque.

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Mas qual é o mal do passado?

(José Pacheco Pereira, in Público, 09/12/2017)

JPP

Pacheco Pereira

O passado tem má imprensa, o presente é o melhor que há e o futuro então não se fala, é o período da felicidade perfeita, tanto mais perfeita quando todos já estaremos mortos.


No início de um livro de L. P. Hartley há uma frase que eu cito bastante e vou fazê-lo de novo: “O passado é um país estrangeiro, lá fazem-se as coisas de forma diferente”. Em inglês é ainda melhor: “The past is a foreign country; they do things differently there“. E cito-a pela obsessão absurda que existe nos dias de hoje na política e na comunicação social, de achar que “voltar ao passado” é um coisa tenebrosa e um insulto. Este tipo de frases são o pão nosso de cada dia na competição eleitoral no PSD, em que cada candidato atira ao outro ou aos seus apoiantes a acusação de que são o passado. Na verdade, o candidato mais do passado é que o faz com mais denodo e falta de vergonha, tanto mais que os “jovens” que apresenta são infinitamente mais velhos do que os “velhos” que eles atacam de senectude. Presumo que eles acham que tem um DeLorean ao seu dispor, visto que a probabilidade de entenderem alguma coisa do passado, presente e futuro dificilmente passa do Back to the Future.

Mas se fosse só nestes conflitos de menores, passávamos bem. Mas é no debate parlamentar, no comentário, na moda, e nessa ecologia em que vivemos no tempo presente e que se chama “comunicação social”. A obsessão pela “novidade” da comunicação social, é da mesma natureza destes jogos retóricos. Estão sempre a descobrir génios jovens e prometedores cuja fama não dura um ano, e que em muitos casos são os amigos deles, ou noutros são os que estão na “moda”, essa tenebrosa forma de identidade fugaz, cujas raízes no passado são aliás sempre mais importantes do que as folhas do presente. Resumindo e concluindo: o passado tem má imprensa, o presente é o melhor que há e o futuro então não se fala, é o período da felicidade perfeita, tanto mais perfeita quando todos já estaremos mortos.

Mas ainda me hão-de explicar o que é que tem de fascinante o presente, e como é que sabem que o futuro vai ser melhor. Nem o presente é brilhante, o que acontece é que estamos presos nele, temos que viver nele, e nem ninguém sabe o que vai ser o futuro porque a essência da história é a surpresa. Pelo contrário, no passado podemos escolher algum proveito e exemplo, mesmo que saibamos que ele nunca se repete, e se se repete, como dizia Marx, tem sempre tendência para ser como comédia. Corrijo aqui o velho Karl, nos nossos dias há uma alta probabilidade de começar como comédia e acabar como tragédia outra vez. Veja-se Donald Trump.

O passado tem imensas virtualidades, exactamente porque nós vivemos no presente e podemos escolher as “formas diferentes” como se faziam as coisas nesse “país estrangeiro”, usando a frase de Hartley. E é porque o passado transporta, no seu uso, a possibilidade de uma moral, de uma escolha, que é tão incómodo para aqueles que pensam que apenas podem beneficiar do presente, sem essa maçada de ter limites às suas acções. Os limites são aquelas coisas malditas como seja o saber, em vez da ignorância, a virtude em vez do vale tudo, a prudência em vez do meia bola e força, e o parar para pensar em vez do imediato e do “já” que cada vez mais pesa numa sociedade onde a adolescência se prolonga pelo Facebook e ersatzes de vida similares.

Não admira por isso que haja nos nossos dias algo que não tem precedente na nossa civilização ocidental, a que nos fez e ainda remotamente nos faz, que é o ataque aos mais velhos. Nos anos do “ajustamento”, os pseudo-jovens que tiveram a sua oportunidade nesses anos de lixo, dedicaram-se a querer empobrecer os seus avós e os seus pais, em nome de uns longínquos e putativos filhos e netos, pelos quais mostravam tanto mais amor quanto na realidade o que faziam era tirar a uns pais e avós para dar a outros pais e avós, só que da classe certa.

Tudo quanto é argumento neo-malthusiano foi usado para explicar a “injustiça geracional”, em que pais e avós hipotecam o futuro dos filhos e netos, para viverem bem no presente. Eles que eram “passado” viviam bem no presente e punham em causa o futuro. E o futuro destinado aos jovens era não ter casa, nem emprego, nem dinheiro, nem pensões, nem reformas, porque os malvados dos pais e avós não queriam perder os “direitos adquiridos”, nem as leis que protegiam o emprego, nem as suas reformas, nem o Estado Providência. Todo um argumentário conservador, que desaguava depois nos excessos da direita radical, se desenvolveu para dar um lugar ao sol não a todos os jovens, porque continuavam a ser precisos soldadores, mecânicos de automóveis, electricistas, padeiros e empregados de mesa, mas aqueles que nas elites se sentiam deserdados de um estatuto ou de um poder que lhes parecia devido, por família ou riqueza natural, ou aqueles que invejavam este estatuto de poder. Já repararam como este argumentário tem sucesso ou em jovens políticos profissionais das “jotas”, ou em pessoas que participam em “think tanks” de fundações e universidades bem providas, ou em pessoas com empregos como “consultores”, “assessores”, jovens advogados de negócios, e jornalistas da imprensa económica ou colaboradores dessa mesma imprensa ou afim. Há excepções, mas não invalidam a regra.

Um dos aspectos desta nova forma de luta de classes, na verdade a mesma de sempre, foi a minimização do saber e da experiência, tudo coisas que vem com a vida e o trabalho árduo, combate que assumiu e assume todo o seu esplendor naqueles que vivem nas chamadas “redes sociais” onde há uma ideia igualitária sobre o conhecimento, ou seja, uma apologia da ignorância. Se todos se podem pronunciar sobre tudo e por isso mesmo tudo o que dizem tem o mesmo valor, não vale a pena estudar, nem trabalhar para conhecer uma determinada matéria, basta só escrevinhar umas frases que pretendem ser engraçadas. Esta nova forma de ignorância agressiva, tem sido um instrumento para minimizar não só as hierarquias profissionais e académicas, como para dar o mesmo papel na sociedade a exercícios vulgares e superficiais mais ou menos intuitivos que se tornam virais e pela comunidade cultural entre as “jotas” políticas e as “jotas” jornalísticas que usam as “redes sociais” deles, os seus Facebooks e Twitters para “interpretar” movimentos colectivos que são dos mesmos de sempre, sendo esses mesmos muito poucos.

Há igualmente um ataque à memória, com o encolhimento sistemático do que se lembra no presente a um passado de escassos meses e anos. No limite, apenas ao que se encontra nas pesquisas do Google, ou está na Internet. O que acontece é que esse “passado” para além de ser considerado arqueológico, e portanto inútil de lembrar, afunda-se nas trevas do esquecimento. Por sobre esta memória de passarinho, crescem mitos, falsidades e memórias selectivas quase sempre instrumentais para as necessidades dos conflitos do presente. Os mais velhos são também um incómodo porque se lembram de coisas demais e de como, nesse “país estrangeiro” do passado, alguns dos próceres do presente, já mostraram o que valiam ou o que não valiam, os defeitos de carácter ou de incompetência, ou por semelhança de atitudes, podem conduzir aos mesmos sucessos ou, mais comummente aos mesmos desastres.

Eu sei bem que isto já foi tantas vezes dito, quantas gerações passaram sobre a terra. O passado está cheio de previsões sobre de como as coisas se degradam entre os mais velhos e os mais jovens. É verdade, é quase um lugar-comum. Mas isso não significa que às vezes, às vezes, possa ser verdade. Suspeito que hoje é.

Não sou, por isso, um fã do presente, onde vivo, principalmente quando se quer esconjurar o saber, a experiência e a memória, que são coisas que precisam do tempo do passado. Não é para as pessoas voltarem à lanterna mágica, ou às televisões de caixa, ou ao Pacman, nem tenho qualquer nostalgia do stencil ou do verniz corrector, nem da máquina de escrever. Mas já tenho de homens como o esquecido e frágil Mem Verdial, com a sua gravata à Lavaliére, já então tão fora do tempo, e que levou um paralelepípedo escondido para um comício da oposição a Salazar, patrulhado por um capitão qualquer que numa mesa podia interromper qualquer orador. E quando foi interrompido por dizer coisas subversivas sobra a democracia, perguntou ao homúnculo do canto: “O senhor representante da autoridade quer que eu ponha uma pedra sobre o assunto?”. E pegou na pedra e colocou-a em cima dos seus papéis. É este passado que me faz falta

Assinado: Matusalém.

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Marcelo Rebelo de Sousa

por estatuadesal

(In Blog O Jumento, 09/12/2017)

barbeiro

(O que é demais enjoa. Em tempos que já lá vão comentava uma vez por semana em diálogo com a Tia Judite. Hoje comenta todos os dias e em qualquer lado. Até no barbeiro, se preciso for.

Estátua de Sal, 09/12/2017)


Este Presidente (ainda com letra grande) é o mesmo que há um par de meses parece ter feito um julgamento privativo de Mário Centeno, tendo mesmo chamado a Belém o seu conselheiro Lobo Xavier, a crer na comunicação social, para lhe mostrar as mensagens SMS privadas de Mário Centeno. Isto é, Marcelo está muito preocupado porque o tal ministro, que poderia ser achincalhado pelo seu conselheiro, poderá agora ter menos tempo para o país.

Não estará Marcelo Rebelo de Sousa mais preocupado com o protagonismo internacional de Mário Centeno, o que condicionará a linguagem de um Presidente da República, que não se cansou de dizer que iria analisar o OE com muito cuidado, isso umas semanas depois de falar em eleitoralismo?

Sejamos honestos, com todo este protagonismo do ministro das Finanças ninguém vai sugerir que o crescimento da economia é motivado pelos likes, afetos, beijinhos, jantares dos pobres e abracinhos do Presidente. O Marcelo da Linha de Cascais ganha imagem no meio rural português, enquanto o provinciano Mário Centeno ganha destaque internacional, reduzindo o primeiro à sua verdadeira dimensão.

Um bom exemplo das dificuldades de Marcelo lidar com esta situação está no facto de ainda hoje ter feito comentários em relação ao OE para ... 2019. Isto é, ainda não promulgou o de 2018, ainda nada se disse sobre 2018, e depois de tantas ameaças de análise pormenorizada e atenta do OE acabado de aprovar, já lança a sugestão de que o OE de 2019 pode ser eleitoralista.

Parece que sem incêndios e sem jantares de sem-abrigos o Presidente da República tem de inventar temas e o melhor que encontrou foi um em que pode dizer umas patacoadas que parece serem dirigidas a Centeno.

«A eleição de Mário Centeno para a presidência do Eurogrupo trará “consequências inevitáveis” para a condução do Ministério das Finanças em Lisboa. Esta é a leitura feita pelo Presidente da República que, segundo o Jornal Expresso, está preocupado com o impacto que a dupla missão terá na equipa das Finanças, sobretudo na preparação do próximo Orçamento do Estado. Este processo será marcado pelo ambiente pré-eleitoral e por um crescendo nas reivindicações por parte dos sindicatos, funcionários públicos e parceiros à esquerda.» [Observador]

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