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sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Sai procuradora , entra procuradora…

  por estatuadesal

(António Gil, 20/09/2018)

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Não vou aqui procurar razões para zurzir a futura ex-procuradora nem dar grandes pinotes de alegria, mas rir-me vou.

Já comecei a rir, aliás, imaginando os esgares de pessoas que defendiam a continuidade de Joana M. Vidal quando receberam esta notícia.

Ver os trejeitos desses rostos todos, o João Miguel Tavares, a Cristas, o António Leitão Amaro, o Duarte Marques, o Hugo Soares, a Margarida Balseiro Lopes, o Miguel Morgado e tantos outros era o que eu gostaria de fazer, posso em vez disso usar a minha imaginação fazer algo que se pareça com essa visão mas não é o mesmo é só um ersatz da coisa.

Mas mesmo assim faço-o. Porque sei o que eles sentem. Tanto tempo e - julgam eles - até taaaanto taaaalento aplicado numa causa que verdadeiramente nunca esteve em seus poderes influenciar.

Auch...é doloroso mas pode ainda ficar pior que isso. Até que ponto estes e outros ilustres não se queimaram numa batalha que bem vistas as coisas nunca esteve sob a alçada de suas atribuições - sejam elas as de jornalistas ou políticos.

Dir-me-ão que isso serviu para esgrimir argumentos mas é mentira, serviu apenas de arma de arremesso de natureza especulativa. Nada foi esgrimido, tudo exigido. O que reunia estes senhores não era um apelo, era uma exigencia.

Ver as fuças da bicharada predadora arreliada dá melhor gosto ao café pela manhã, torna as flores mais coloridas e perfumadas e a própria sombra das árvores parece ainda mais fresca.

Em ocasião alguma a vida pareceu tão bela a uma potencial presa como quando sabe que seus predadores começam a deitar continhas à vida e a ter problemas de sobra para a voltarem a chatear.

Uma coisa assim, é ainda melhor que conseguir uma reforma antecipada sem penalização, acreditem.

Com as preocupações ou maleitas dos predadores as presas convivem bem, é claro :

- Ah os leões apanharam a gripe dos felinos? - perguntar-se-ia um jovem gazelo sarcástico - tadinhos, morrerem assim sem medicamentos. Vacinassem-se...

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Desejo naturalmente - para bem de todos nós - um excelente trabalho da futura procuradora Lúcília Gago.

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Dez anos de neoliberalismo mórbido

  por estatuadesal

(Alexandre Abreu, in Expresso Diário, 20/09/2018)

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O colapso do banco Lehman Brothers há precisamente dez anos simbolizou a eclosão da crise financeira que viria a dar origem à maior recessão mundial desde a Grande Depressão. Esta ficaria conhecida como a crise do sub-prime, em virtude da sua origem próxima nos incumprimentos ao nível dos empréstimos para habitação por parte de alguns dos segmentos relativamente mais pobres da população norte-americana. Com efeito, este segmento do mercado de crédito cedeu em primeiro lugar devido à sua especial vulnerabilidade. No período que antecedeu a crise, era comum nos Estados Unidos a concessão de empréstimos a mutuários de baixos rendimentos, com elevado risco de incumprimento e sem garantias reais (nalguns casos extremos conhecidos como empréstimos ninja: “no income, no job, no assets”) com vista à sua posterior titularização em combinação com empréstimos de menor risco. A ideia seria que o risco menor de uns compensasse o risco maior de outros, mas o processo de titularização e revenda sistemáticos fez com que o risco sistémico se tornasse cada vez maior e a vigilância fiduciária por parte das instituições de crédito cada vez menor.

No entanto, esta não é senão a primeira camada da explicação desta crise. Indo um pouco mais fundo, devemos recordar a evolução da política monetária norte-americana, que passou de muito acomodatícia nos primeiros anos deste século em resposta ao pessimismo decorrente da crise do dot.com e do 11 de Setembro a bastante contraccionista no período antes da crise. Entre 2004 e 2006, a taxa directora da Reserva Federal subiu de 1% para mais de 5%, o que terá desencadeado a catadupa de incumprimentos que levaria ao pânico generalizado e ao congelamento do crédito. Mas o Fed não esteve sozinho na adopção de uma orientação de política que, em retrospectiva, quase parece desenhada para provocar uma recessão: na zona euro, o BCE também subiu gradualmente a sua taxa directora de 2% para 4,25% entre 2005 e 2008.

Por outro lado, é também verdade que a crise financeira não teria tido as características ou a magnitude que teve sem a profunda desregulamentação do sistema financeiro que teve lugar nas décadas anteriores, cujo exemplo mais acabado terá sido provavelmente a revogação em 1999, pela administração Clinton, da Glass-Steagall Act, que datava do tempo da Grande Depressão e que impunha a separação entre as actividades de banca comercial e de investimento. Foi esta desregulamentação que permitiu a acumulação e ocultação de um risco sistémico cada vez maior a coberto de instrumentos financeiros cada vez mais bizantinos e opacos, sem contrapartidas adequadas ao nível da solidez das instituições financeiras.

Mais profundamente, porém, o enorme aumento do endividamento cuja insustentabilidade subitamente desvendada provocou a crise financeira não pode deixar de ser considerado uma consequência do projecto político de transferência de rendimento e restabelecimento do poder das elites cuja implementação remonta ao início da década de 1980 e a que damos o nome de neoliberalismo.

Em grande medida, este endividamento sem precedentes correspondeu à reciclagem, sob a forma de concessão de crédito, da parte do rendimento crescentemente apropriada e acumulada pelas elites em resultado do aprofundamento da desigualdade. É nesse sentido que se pode afirmar que a crise financeira de 2007-2008 e a Grande Recessão que se lhe seguiu constituem a primeira grande crise do neoliberalismo: porque resultaram directamente da conjugação dos processos de desregulação, sobre-endividamento, financeirização e aumento da desigualdade que são característicos do neoliberalismo.

É a esta luz, mais do que com base na evolução conjuntural das taxas de crescimento, que faz sentido analisar até que ponto é que a economia global superou a crise. Se tomarmos como critério a alteração ou manutenção destes factores mais profundos, somos forçados a concluir que esta não foi ultrapassada. Embora a regulação e supervisão financeiras tenham sido aprofundadas tanto nos Estados Unidos como na Europa, a tendência actual é novamente de desregulação (por exemplo, com o processo em curso nos EUA de revogação de parte substancial dos requisitos introduzidos em 2010 pela Dodd-Frank Act em resposta à crise). E mais fundamentalmente ainda, nem os níveis de desigualdade, nem os níveis globais de endividamento, nem o enorme poder da finança sofreram qualquer tipo de redução significativa desde a crise – antes pelo contrário. A crise demonstrou os limites e vulnerabilidades do neoliberalismo, mas ao contrário do que chegou a supor-se não o pôs verdadeiramente em causa.

Entretanto, a nível político, as ondas de choque da Grande Recessão incluíram a chegada ao poder por parte de um conjunto diverso de líderes de perfil iliberal e autoritário, na maior parte dos casos cavalgando o descontentamento popular resultante da própria crise. Porém, independentemente do carácter frequentemente populista dos seus discursos, as agendas políticas destes líderes continuam a servir as elites, muitas vezes de forma especialmente agressiva, pelo que eles próprios não deixam de contribuir para acentuar os factores profundos da crise. São, no fundo, sintomas mórbidos de um regime velho que resiste enquanto o novo não consegue nascer.

Conservadorismo paramilitar europeu

20/09/2018 by João Mendes

Fotografia via Vice

Na Bulgária, estado-membro da União Europeia, existe um grupo paramilitar, que opera a partir de uma sucata em Yambol e que dispõe de um pequeno exército, sete tanques e um helicóptero para patrulhar a fronteira com a Turquia, com o objectivo de “caçar” migrantes. Em resposta à pergunta “O que é que fazem exactamente”, o líder do Movimento Nacionalista Búlgaro (MNB), Dinko Valev, responde sem rodeios: “Caçamos refugiados, na Bulgária é um desporto”.

Seria de esperar, independentemente de quem estes cavalheiros “caçam”, que este tipo de prática não seria permitida numa União Europeia democrática, fundada no estado de direito. Porém, não só são publicamente homenageados e apresentados como heróis nacionais na imprensa nacional, detida por accionistas norte-americanos, como o próprio primeiro-ministro búlgaro, o conservador Boyko Borisov, já agradeceu publicamente o “contributo” do MNB, que não se inibe em afirmar que espanca alguns dos migrantes que caça, antes de os entregar à polícia, optando pelo silêncio quando a pergunta é “Já mataram alguém?”

Felizmente para ele, Boyko Borisov não é de esquerda. Lidera um partido conservador e nacionalista, que, dita o politicamente correcto, é de centro-direita. Como tal, foi acolhido pelo Partido Popular Europeu, onde cabe tudo e mais alguma coisa, dos falsos sociais-democratas do PSD à extrema-direita do Fidesz de Viktor Orbán. Claro que, qualquer pessoa de bem sabe isso, fascistas violentos conservadores fofinhos, como Orbán, Borisov ou Duda são uma bênção dos deuses, que desceram à Terra para nos salvar das agruras de uma sociedade livre e democrática e para combater as verdadeiras ameaças à segurança e à estabilidade do Velho Continente: o Tsipras da Grécia e os Estalines da Geringonça. E daí se um bando de grunhos com armamento militar se diverte a fazer caça ao homem, quando a esquerdalhada totalitária quer aumentar o salário mínimo e a tributação sobre as grandes fortunas?

A guerra eterna

Opinião

Vítor Santos

Hoje às 00:23

ÚLTIMAS DESTE AUTOR

A batalha dos taxistas voltou pela enésima vez às ruas e pode transformar-se numa espécie de Guerra dos Cem Anos, ou pelo menos com contornos comuns ao conflito da Idade Média. Não é o trono francês que está em causa, obviamente, e nos nossos dias nada dura um século a não ser as pessoas, mas a guerra entre os serviços convencionais de transporte de passageiros e os que funcionam com recurso a plataformas online tarda em sair do sítio.

O Parlamento legislou no sentido de conferir enquadramento legal àquilo que nos habituamos a chamar "Uber" e, à segunda, a lei lá recebeu a bênção do presidente da República, mas nem isso pacificou o setor. Os taxistas argumentam que as condições continuam a não ser iguais. E, de certa forma, até têm razão, designadamente no que concerne à existência de uma tarifa mínima, que se aplica no caso dos táxis e não se verifica nos outros. Nem sempre são compreendidos, é verdade. Mas, sejamos claros, qualquer um se queixaria no lugar deles.

Acompanhar a evolução e defender os consumidores são deveres e prioridades intocáveis. Ou seja, este tipo de serviço, com recurso a plataformas digitais, é uma realidade positiva e irreversível, que nunca será eliminada enquanto negócio. A tendência é, até, de expansão, pois todos os dias somos confrontados com este tipo de solução nas mais diversas áreas. Mas a coexistência tem de se reger por padrões de igualdade. Ou nunca funcionará. E, nesse sentido, chegamos a um problema que afeta muitos setores da sociedade portuguesa e, no limite, nos atrasa: a falta de qualidade das leis. Os políticos que legislaram sobre este tema deviam ter produzido uma lei à prova de bala, o que não se verifica, sendo que isso acontece com uma frequência preocupante. Excluída a hipótese de má vontade, provavelmente, o problema é mesmo a falta de jeito dos deputados.

* EDITOR-EXECUTIVO-ADJUNTO

A Uber encontrou uma brecha em Portugal

  por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 19/09/2018)

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À hora que escrevo este texto as manifestações dos taxistas ainda não acabaram. Não sei se alguma coisa acontecerá que volte a ensombrar a razão que têm. Se tiver acontecido, é mesmo de uma sombra que se trata. O que interessa, o que me interessa, é que a manifestação de hoje, mesmo que os seus atores não o saibam, corresponde a uma luta que nos envolve a todos, mesmo que a maioria não o entenda.

Claro que é excelente usar o telemóvel para ter tudo imediatamente. Mas como já são várias as aplicações disponíveis para os táxis com todas as valências que a Uber oferece, não é o avanço tecnológico que está em causa. Estão em causa três coisas: a utilização destas plataformas para destruir qualquer atividade económica regulada, a deslocalização duma parte substancial das receitas provenientes de atividades totalmente locais e a desregulação laboral, tornando todos os trabalhadores em “empreendedores” à jorna, sem qualquer direito e com rendimentos miseráveis.

Os transportes públicos, sejam coletivos ou individuais, são das atividades mais reguladas em qualquer sociedade desenvolvida. É normal a atividade de transportes urbano de passageiros ser entregue ao empreendedorismo de cada um em cidades do chamado “terceiro mundo”. É assim em Maputo, com os “capas”, em Luanda com os “candongueiros”, ou em Bombaim, com os tuk-tuk. Em cidades do chamado “primeiro mundo” há forte regulação para garantir a racionalidade de todo o sistema de mobilidade. Uma parte importante dos transportes públicos costumam estar a cargo do Estado e os privados estão sujeitos a regulação pouco habitual noutras atividades. Aceitar que há empresas que podem concorrer com outras, oferecendo exatamente o mesmo serviço (quem diz que a Uber faz aluguer de curta duração com motorista está só a brincar com as palavras), respondendo a regras diferentes é aceitar a concorrência desleal. Só há ultraliberais a defendê-lo porque veem aqui a oportunidade das empresas menos reguladas matarem as mais reguladas, impondo a desregulação económica como norma.

A desregulação tem sido filha da globalização. E isso resulta de uma contradição que ainda não conseguimos resolver: quem regula são os Estados nacionais numa economia global. O que quer dizer que não temos regulador eficaz, com poder político e capacidade de coação, para regulados globais. Só que isso não acontece com o transporte urbano. Porque opera localmente e não é deslocalizável. É uma atividade facilmente regulável. Ao contrário do que acontece com outras atividades, a riqueza que produz fica no país. Uma das características de fenómenos com a Uber é conseguirem retirar dos mercados locais boa parte dos rendimentos conseguidos por atividades não deslocalizáveis. É um processo de concentração mundial de riqueza que, neste caso, não resulta de qualquer inevitabilidade. Ele só é possível com a cumplicidade dos Estados. Se não quiserem carros da Uber nas ruas eles desaparecem.

Por fim, o tipo de relação contratual que a Uber define com os motoristas, transformando-os não em trabalhadores, não em colaboradores, nem sequer em fornecedores de serviços, mas em seus clientes (chamam-lhes “parceiros”, mas é uma parceria em que só um dos lados decide) corresponde a uma desvinculação entre as empresas e quem realmente faz o trabalho. Este tipo de relação laboral impede qualquer tipo de regulação ou defesa de quem trabalha.

Um estudo do “The Australia Institute” comparou os ganhos de motoristas do Uber com o salário mínimo previsto pela legislação do país e concluiu que se os preços cobrados subissem o suficiente para pagar o salário mínimo quase toda a vantagem de preço do UberX relativa a táxis tradicionais desapareceria. Um dos negócios da Uber é transformar os motoristas em “parceiros”, pô-los a pagar todas as despesas e concorrer com outras empresas sem assumir qualquer investimento para além da plataforma digital. Se esta forma de fazer negócios se impuser, mesmo em atividades locais, perderemos todas as conquistas sociais que nos permitem ter salário, férias, fins de semana, família, descanso, lazer, vida. A Uber pode ter um ar moderníssimo mas é, no tipo de relações laborais que impõe, mais antiga que do carro ou o telefone.

A adesão de muitos cidadãos, sobretudo jovens, à Uber é um daqueles clássicos em que o escravo contribui para a sua própria escravidão. De cada vez que usa a Uber está a criar as condições para que o seu futuro seja miserável, precário e totalmente desprotegido. Não condeno porque, como já escrevi várias vezes, não moralizo o comportamento dos atores económicos. Quem tem de prevenir os efeitos que este tipo de atividade têm na sociedade, na economia, na cidade e nas relações laborais são os que elegemos para regular a vida em comunidade: os políticos.

Vários países europeus estão a tomar medidas para limitar a concorrência desleal da Uber, Cabify, Chauffeur Privé e outras empresas do género, limitando o seu espaço de manobra, tentando manter os proveitos do negócio do transporte urbano na economia local e protegendo os motoristas que ficam com as migalhas do lucro multimilionário destas multinacionais. É por isso paradoxal que seja um dos poucos Governos de esquerda da União Europeia a dar a primeira grande vitória à Uber e derivados.

Assumindo a mentira da Uber – que presta um serviço diferente do dos táxis –, deram-lhe uma vitória que esta empresa celebrou com estrondo, passando Portugal a ser apresentado como um exemplo.

Num momento em que vários Estados, regiões e municípios europeus resistem e apertam o cerco à Uber, a maior brecha foi aberta por um Governo socialista. Uma brecha que, tendo seguimento noutras atividades a que eufemisticamente chamamos de “economia da partilha”, teria efeitos devastadores para as economias nacionais por essa Europa fora. Querem continuarem a dar vitórias à extrema-direita é este o caminho.

Nem as alterações impostas pelo Presidente da República escondem o óbvio: o ministro do Ambiente, com o apoio do PS e do PSD, fez uma lei à medida de empresas que entraram no mercado, desrespeitando as regras previamente estipuladas. E funcionaram fora da lei durante anos, não cumprindo sequer decisões judiciais. É o que dá a websummitização do PS: os ministros começaram a acreditar na sua própria propaganda.

Curiosamente, a Associação Nacional de Parceiros das Plataformas Alternativas de Transportes (aquela que organizou uma “greve” em defesa do “patrão”), protestou contra a taxa fixa de 5% sobre a receita obtida com cada viagem: “Não faz sentido criar esta taxa especial, que será só implantada numa parte do sector. Sentimos que estamos a ser discriminados, que existe dois pesos e duas medidas”. Também acho que não faz sentido. Por isso defendo regras iguais para todos: relações contratuais, salário, a mesma carteira profissional, tabelas de preços, contingentação, licenciamento, alvarás, limites na área de atividade. Ou tudo à balda para todos. Mas claro que isto tornaria o negócio da Uber, que vive da existência de dois pesos e duas medidas, muito menos interessante.