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quarta-feira, 22 de maio de 2019

Entre as brumas da memória


Diz que é uma espécie de “frente progressista”

Posted: 21 May 2019 12:00 PM PDT

«Se procurar na comunicação social portuguesa, dificilmente encontrará uma referência à “frente progressista” que Costa terá proposto a Macron para o próximo Parlamento Europeu. Não deixa de ser surpreendente. Os arautos do “nós somos Europa” escondem meticulosamente este imbróglio de alianças com que dividem a sua própria família política e que os parece levar para terra incógnita. As eleições devem ser um “referendo” ao Governo, resume Carlos César, mas apresentar aos crédulos eleitores um plano para a União Europeia, isso já parece estar fora de cogitação pelos seus mais ardentes defensores. Mas olhe que merecia.

Uma recente insinuação pública sobre esta “frente” terá sido a mensagem que o primeiro-ministro português enviou a um comício eleitoral do partido de Macron, em que sugere que “as forças progressistas (se) devem unir para permitir a mudança necessária”. Qual mudança, isso logo se verá. A fórmula até poderia ser interpretada como um rendilhado diplomático mas, interrogado sobre o assunto, Costa enviou à Lusa uma nota em que explica que, no seu entender, “a Europa precisa de uma grande frente progressista” e está “empenhado em ajudar a construir as pontes necessárias”. O encontro desta segunda-feira entre Macron e Costa em Paris confirma este vaivém para uma prometida convergência. Tudo desejos e boas intenções?

Ao contrário da discrição com que o assunto é tratado neste cantinho à beira-mar plantado, a imprensa francesa diz que a preparação do casamento já vai em juras solenes e aliança no dedo. Garance Pineau, um dos chefes do empreendimento de Macron, diplomata e responsável pelas consultas com outros partidos, veio a Lisboa e registou que o PS está “muito interessado” na “frente”. As mensagens emitidas do Largo do Rato confirmam-no. O Partido Socialista Europeu esclareceu seraficamente que “não está incomodado” com esta iniciativa. Ela parece ambiciosa, pretendendo juntar alguns dos socialistas (que tinham 185 deputados, mas estão em perda) com os eleitos de Macron e dos partidos seus aliados (ninguém sabe quantos serão), que por sua vez prometeram integrar uma aliança com os liberais (atualmente 69 deputados) para enfrentar a direita europeia do PPE (que tem agora 216 deputados, mas divididos entre os merkelianos e a extrema-direita do Grupo de Visegrado).

Ora, o projeto é duvidoso pelo menos por três razões. A primeira é que se trata em todo o caso de uma inversão de rumo, pois implicaria que Macron e Costa procurassem vencer o PPE de Merkel e deixassem de buscar a sua complacência para entendimentos do dia a dia. Havendo uma coligação governamental na Alemanha entre a CDU e os social-democratas, esse putativo afastamento parece atrevimento. A segunda é que chamar a isto “frente progressista” é uma bizarria. Os liberais, que já assinaram com Macron um protocolo que curiosamente declarava que pretende “romper com o bipartidismo” europeu entre os socialistas e a direita merkeliana, são conduzidos por Mark Rutte, o primeiro-ministro, e representam o tradicional programa neoliberal da direita. Seria mais fácil vê-los numa associação com Passos Coelho do que com Costa, pelo que chamar a isto “progressista” é em qualquer caso um floreado extravagante. A terceira razão é que esta frente divide os socialistas. Estes já foram destroçados em França pelo sucesso inicial de Macron e pode até admitir-se que Costa despreze os seus camaradas locais. Mas em Espanha isto é um problema, porque Macron se aliou ao Ciudadanos, e não vejo como possa haver um grupo europeu que tenha simultaneamente o PSOE, que está no Governo, e esse partido de direita, na oposição, sendo, por sua vez, aliado da extrema-direita na Andaluzia. É uma salganhada impossível, o que significa que, se Macron leva os seus, o PSOE fica de fora.

Assim, a “frente progressista” pode vir a ser uma frente (juntando partidos tão diferentes mas afastando uma parte dos socialistas), mas duvido que seja progressista (os liberais defenderam arduamente sanções contra Portugal e é de esperar que voltem a fazer o mesmo na primeira oportunidade) e, sobretudo, que configure uma alternativa razoável para a União Europeia. A não ser que o programa neoliberal à Rutte e Macron seja o novo oásis. Só que isso não se pode dizer em Portugal, pois não? Alguém se poderia lembrar de perguntar se esta aliança em Bruxelas não é o contrário do que promete o Governo em Lisboa, que por isso mesmo quer ser plebiscitado no meio da santa ignorância sobre estas aventuras casamenteiras. Entretanto, em Portugal o PS continua a repetir a promessa de um “novo contrato social europeu”. Mas isso vai ser com os liberais? Será que houve milagre da reconfiguração das almas e Macron deixou de ser o presidente dos milionários, Renzi o homem do ataque à segurança social, Rivera o nacionalista espanholista e Rutte o arauto dos mercados?

Como dizia Tyrion Lannister no último episódio do “Game of Thrones”, “não há nada no mundo mais poderoso do que uma boa história. Nada a pode travar. Nenhum inimigo a pode vencer”. A questão é que, neste caso, a história da “frente progressista” não é boa, não é nova e nem sequer sei se chega a ser uma história, pois já aterra com um cadastro demasiado pesado. Talvez seja simplesmente a prova da incoerência dos seus inventores, reduzidos à manobra por falta de um projeto apresentável. Por alguma razão a escondem meticulosamente dos eleitores.»

Francisco Louçã
P.S. - A ver e ouvir.

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João Bénard da Costa

Posted: 21 May 2019 07:27 AM PDT

João Bénard deixou-nos há 10 anos. O tempo passa depressa.
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Marisa vs. Blackrock

Posted: 21 May 2019 02:46 AM PDT

«Em junho de 2015 o vice-presidente da Comissão Europeia, Vladis Dombrovskis, veio a Portugal exigir "ajustamentos" no sistema de pensões antes de serem necessárias ações "mais dramáticas" no futuro.

Na mesma conferência de Imprensa, Maria Luís Albuquerque, ministra das Finanças do PSD, fazia segredo sobre as medidas planeadas para obter uma "poupança" de 600 milhões de euros nas pensões em 2016. A pressão era tanta que, também em 2015, o PS concorreu às eleições prometendo o congelamento das reformas de velhice durante a legislatura.

Sabemos hoje que estavam errados. O descongelamento das pensões a partir de 2016 - uma das condições do Bloco para viabilizar um Governo do PS - permitiu aumentos anuais pelo menos ao nível da inflação, acrescidos de aumentos extraordinários para as pensões mais baixas. Cerca de metade dos pensionistas da Segurança Social conseguiram mesmo recuperar o poder de compra perdido com a troika. E tudo isto sem colocar em causa a sustentabilidade da Segurança Social, que está hoje mais robusta graças ao crescimento do emprego.

Mas, para além dos maus pressupostos económicos, o tempo também nos revelou outros interesses que se têm movido por uma transformação radical do nosso sistema de pensões. Em fevereiro de 2015, a Blackrock - a maior gestora de fundos do Mundo - propôs à União Europeia a criação de um fundo de pensões privado. Em 2017, Vladis Dombrovskis apresentava a proposta de um fundo europeu privado de pensões.

A ideia, que já foi defendida por PSD e CDS, consiste em atribuir a fundos privados uma parte (ou a totalidade) dos descontos para a Segurança Social. Passaríamos assim de um modelo de solidariedade, em que os descontos atuais suportam as reformas atuais (para além de um fundo de capitalização de reserva) para um modelo misto, ou inteiramente baseado em contas individuais.

É fácil perceber o apetite de empresas como a Blackrock por este maná. A sua esperança é somá-lo aos 159 mil milhões de dólares que já gere, deixando as pensões à mercê dos mercados financeiros. Para isso conta com o apoio da União Europeia, e espera também o acolhimento dos parlamentos nacionais.

O impacto da crise de 2008 em fundos de pensões em todo o Mundo não foi suficiente para afastar o espetro da privatização da Segurança Social. Este é por isso um dos temas essenciais nestas eleições europeias e não pode haver lugar a hesitações. Defender as pensões da predação dos gigantes da finança será uma das tarefas dos eurodeputados eleitos. E para o fazer, não consigo pensar em ninguém melhor que Marisa Matias.»

Mariana Mortágua

terça-feira, 21 de maio de 2019

Coisas do Carvalho

por estatuadesal

(Por Valupi, in Blog Aspirina B, 21/05/2019)

Manuel Carvalho

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«No Portugal deslumbrado com os fundos europeus, do dinheiro fácil e da promiscuidade barata, bastava ser rico, estar de pé firme na oligarquia da capital para se merecer uma distinção. Berardo não foi o criador dessa cultura; foi sim uma das suas mais exuberantes criações. Puni-lo por se ter tão perfeitamente integrado nesse caldo venal de vícios e favores faz todo o sentido – até para que não continue a gozar com os brandos costumes e com a impunidade alimentada pela lentidão da Justiça. Mas jamais apagaremos esses dias [que] levaram o país até perto da bancarrota com gestos simbólicos.

Caímos assim na essência da Operação Marquês. No julgamento dessa nódoa da história nacional recente, nessa tentativa de uma elite plutocrata criar um sistema de poder tentacular. Se Berardo entrou nesse jogo a convite, se hoje pode dizer que não tem dívidas e se não se vislumbram meios de a Justiça o forçar à verdade é porque, no essencial, nada mudou. Pior: enquanto os tribunais se limitarem a arrastar os processos, enquanto não tiverem meios eficazes, enquanto não forem capazes de punir os “golpes de estado” de pessoas como Berardo, nada mudará. É bom que Portugal seja um Estado de Direito, mas o que o circo do empresário madeirense veio revelar é que, numa questão essencial para a defesa dos valores colectivos, esse Direito se continua a escrever por linhas tortas. Vamo-nos, por isso, contentando com a retirada das comendas.»

Editorial do Público de 18 de Maio


O actual director do Público, em representação da Redacção e do accionista (posto que recorre ao estatuto do “editorial”, assim institucionalizando a sua opinião), considera que a “Operação Marquês” consiste no julgamento “de uma elite plutocrata” que terá tentado “criar um sistema de poder tentacular”. Onde é que já lemos e ouvimos a mesma denúncia, precisamente com o mesmo léxico? Na Cofina, no Grupo Impresa, no Observador, nos meios de comunicação social da Igreja Católica (inclusive nos mais recônditos e supostamente dados ao aprofundamento de temáticas religiosas, teológicas e espirituais). Recentemente, imaginando ter ganhos eleitorais ou por desvairo canalha, Rui Rio juntou-se a esta súcia, assim acabando com as dúvidas que pudessem existir a respeito da sua honestidade intelectual, integridade cívica e qualidade de estadista.

Há tectónicas consequências em se entender a “Operação Marquês” não como um processo de investigação objectiva sobre eventuais crimes factuais da responsabilidade de indivíduos a quem se concede o direito de defesa e passar a vê-la como o combate final contra um inimigo que ameaça a liberdade, os direitos fundamentais e o futuro imediato da comunidade. Ao se recorrer à mais pulha das falácias, a petição de princípio, fica-se com carta branca para qualquer violação da lei e qualquer violência que se consiga cometer contra aqueles que, ainda antes do julgamento e mesmo antes da inquirição judicial, já eram pintados como os monstros que se garante que são anos e anos depois de ainda nada ter sido provado em tribunal contra eles. Mas as vantagens não se esgotam na auto-justificação para os imparáveis e compulsivos discursos de ódio, também desta forma se garante uma inevitável vitória política aconteça o que acontecer no desfecho do processo intencionalmente transformado em julgamento político: com condenações pesadas e exemplares mesmo que nada seja provado directamente, como se fez a Vara, o sucesso será retumbante – o PS ficará como o partido dos corruptos para as próximas décadas; com condenações de severidade mediana e adequadas aos eventuais crimes provados directamente, será possível manter o discurso da monstruosidade que ficou por punir por causa de tudo e de todos; e com absolvições para a totalidade da acusação ou quase, especialmente para as acusações de corrupção, o sucesso volta a ser retumbante pois será possível repetir o discurso da calúnia e do ódio e alargá-lo a certos elementos da Justiça, especialmente magistrados judiciais que ficarão associados aos “corruptos” como seus protectores.

Entretanto, enquanto se espera pelo trabalho insano de Ivo Rosa, e tal como vimos publicamente logo em Julho de 2014 (ainda não existiam arguidos na “Operação Marquês”), os crimes cometidos em nome do combate ao crime continuam e são aplaudidos por uma claque que domina o espaço mediático. Atribuir natureza maligna a outrem em contexto de conflito sobre recursos valiosos, como se faz na política mas não só, impele a passar-se ao ataque mesmo sem sinal de movimento ameaçador do inventado inimigo. Pensemos: como é que se poderia, na prática, julgar uma “elite plutocrata”, especialmente a respeito de algo que se define como “tentativa” de não sei quê? Se foi uma tentativa, então não chegou a realizar-se. E se está em causa quem se alega já estar no topo de um poder financeiro corrupto, então os únicos “tentáculos” que interessam são aqueles que se diz não terem chegado a existir em vez dos outros, reais, que lhes deram e permitiram manter esse suposto poder sabe-se lá desde quando?

Não é só esta história que está muito mal contada, é a evidência de que se quer contar esta história fantástica para abafar as outras de uma verosimilhança já inscrita na História. Por exemplo, a história das relações de Ricardo Salgado/BES com o PSD e o CDS, com Cavaco, com Durão Barroso, com Carlos Moedas, para só dar exemplos ao correr da teclado e sem entrar na “sociologia da Comporta” que abraça pela cintura o actual Presidente da República.

O vale tudo de agentes da Justiça e de jornalistas contra os seus alvos políticos e mediáticos caídos em desgraça – espiados, devassados e expostos para linchamento popular – ocorre com a aprovação do regime. Abafam-se as versões declaradas sob juramento, ou voluntariamente, que apresentem explicações dos protagonistas na berlinda contrárias às calúnias e faz-se debochadamente a diabolização hiperbólica onde o nome “Sócrates” é repetido em êxtase bacante.

Manuel Carvalho sabe que seria impossível julgar “elites plutocráticas”, fosse lá pelo que fosse, num Estado de direito. Esses delírios jacobinos ocorrem em sociedades que saem ou entram em guerras civis ou que estão sob o domínio de tiranos repressivos. Ele também sabe que acordou para o suposto colossal problema não pelo que andou a fazer como jornalista desde 1989 mas porque alguém resolveu prender Sócrates para ser investigado. A partir deste acto fundador, onde se desconhece se algum crime ocorreu mas se trata o suspeito como culpado do que qualquer macaco se lembre de imaginar, o paradigma da “Operação Marquês” ficou estabelecido. Era impossível voltar atrás, sequer impedir o vendaval de perfídias a caminho. A lógica passou a ser a de garantir a condenação, e para isso nada como tratar do assunto pelas próprias mãos não vá o Diabo fazer das suas no último momento. Pela sua parte, em nome de um accionista que é parte interessada na “Operação Marquês”, como director de um semipasquim onde se paga a caluniadores profissionais, este senhor faz a sua parte. Despacha editoriais do Carvalho.

O elogio de Lage

por estatuadesal

(Martim Silva, in Expresso Diário, 20/05/2019)

Bruno Lage

(Ganhou no relvado, não sei se justa ou injustamente. Deixo tal debate para a miríade de especialistas que abundam no espaço público e que dão preleções detalhadas sobre as tácticas e as minudências técnicas do jogo.

Mas com justiça ganhou na palavra para os adeptos e no fair-play para com os adversários na hora da vitória.

Comentário da Estátua, 21/05/2019)


Depois de conquistar o título de campeão nacional de futebol, com uma inédita recuperação de um clube que a meio do campeonato levava sete pontos de atraso para o então líder, não é difícil encontrar adjetivos para realçar o trabalho de Bruno Lage, até ao início do ano um ilustre desconhecido, à frente do Benfica.

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O jovem treinador mudou o esquema tático, mudou alguns dos principais jogadores da equipa, não hesitou em promover e dar destaque a jovens promessas ainda virgens na primeira equipa e, sobretudo, conseguiu imprimir uma alegria de jogo e uma capacidade ofensiva que Rui Vitória já não lograva.

Isto é a parte do futebol.

Mas o elogio a Lage deve ir muito além do futebol ou das quatro linhas. Num futebol feito de casos e questiúnculas, de polémicas e ataques, de ameaças e crispação, as suas palavras no sábado à noite merecem ser muitas vezes sublinhadas.

Claro que o exemplo dado demora a dar frutos e a criar raízes. O treinador do Benfica bem pediu aos adeptos que deixassem o Marquês de Pombal como o encontraram, mas as suas palavras – “Malta, é só para avisar que ninguém vai para casa sem deixar a praça limpa” - caíram em saco roto e no dia seguinte os serviços de higiene urbana da Câmara de Lisboa tiveram de fazer horas extraordinárias.

Da mesma forma que o ódio gera ódio e o ressentimento fomenta o ressentimento, também o respeito pelo outro e o civismo acabam por dar frutos

Mas o que importa é o exemplo dado. É deixar lá a semente plantada. Da mesma forma que o ódio gera ódio e o ressentimento fomenta o ressentimento, também o respeito pelo outro e o civismo acabam por dar frutos quando praticados e apregoados de forma reiterada.

Disse Bruno Lage na hora da vitória: “Tem de partir de nós, do nosso exemplo, começar a olhar para os nossos adversários e, quando eles ganharem, também lhes dar mérito. Só assim é que também eles vão começar a dar-nos mérito.” Mais: “O futebol é apenas o futebol e há coisas mais importantes na nossa sociedade e no nosso país pelas quais temos que lutar”.

Rapidamente as palavras do treinador foram elogiadas pelo próprio Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República.

Se cada jogador, treinador ou dirigente seguir o mesmo caminho, seguramente que o futebol português, que é um espetáculo incrível, move multidões e é um negócio que movimenta muitos milhões, ficará muito melhor.

O ano termina cheio de polémicas à volta das arbitragens. Mas alguém se lembra como era o nosso campeonato antes da existência do videoárbitro? O VAR tem imensas falhas, mas um futebol assético e imune a falhas é algo que nunca teremos. E a ajuda dos meios eletrónicos diminuiu o número de erros existentes. Ponto final.

Bem se pode dizer que é fácil ser magnânimo na hora da vitória. Cá estaremos para ver o que acontece em dias menos felizes. Mas não é difícil reconhecer que nestes meses Lage teve quase sempre um discurso muito sereno e positivo. Ou seja, as palavras de sábado não são propriamente uma surpresa.

Para o futuro, o que fica é isto: mil vezes ter treinadores com um discurso positivo e carregado de civismo e exemplos pedagógicos do que aqueles que preferem a arruaça e o insulto e uma crispação permanente que só nos puxa mais para baixo.

O Benfica tem um Lage. Os outros clubes precisam de muitos Lages também. Os clubes e não só...

Diz que é uma espécie de “frente progressista”

por estatuadesal

(Francisco Louçã, in Expresso Diário, 21/05/2019)

Francisco Louçã

(Mas que grande imbróglio. Há dois Costas, o Costa cá dentro para consumo interno e o Costa lá fora, para consumo externo?! Fico na dúvida: qual deles é o Mr. Hyde e qual deles é o Dr. Jekyll?

Comentário da Estátua, 21/05/2019)


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Se procurar na comunicação social portuguesa, dificilmente encontrará uma referência à “frente progressista” que Costa terá proposto a Macron para o próximo Parlamento Europeu. Não deixa de ser surpreendente. Os arautos do “nós somos Europa” escondem meticulosamente este imbróglio de alianças com que dividem a sua própria família política e que os parece levar para terra incógnita. As eleições devem ser um “referendo” ao Governo, resume Carlos César, mas apresentar aos crédulos eleitores um plano para a União Europeia, isso já parece estar fora de cogitação pelos seus mais ardentes defensores. Mas olhe que merecia.

Uma recente insinuação pública sobre esta “frente” terá sido a mensagem que o primeiro-ministro português enviou a um comício eleitoral do partido de Macron, em que sugere que “as forças progressistas (se) devem unir para permitir a mudança necessária”. Qual mudança, isso logo se verá. A fórmula até poderia ser interpretada como um rendilhado diplomático mas, interrogado sobre o assunto, Costa enviou à Lusa uma nota em que explica que, no seu entender, “a Europa precisa de uma grande frente progressista” e está “empenhado em ajudar a construir as pontes necessárias”. O encontro desta segunda-feira entre Macron e Costa em Paris confirma este vaivém para uma prometida convergência. Tudo desejos e boas intenções?

Ao contrário da discrição com que o assunto é tratado neste cantinho à beira-mar plantado, a imprensa francesa diz que a preparação do casamento já vai em juras solenes e aliança no dedo. Garance Pineau, um dos chefes do empreendimento de Macron, diplomata e responsável pelas consultas com outros partidos, veio a Lisboa e registou que o PS está “muito interessado” na “frente”. As mensagens emitidas do Largo do Rato confirmam-no. O Partido Socialista Europeu esclareceu seraficamente que “não está incomodado” com esta iniciativa. Ela parece ambiciosa, pretendendo juntar alguns dos socialistas (que tinham 185 deputados, mas estão em perda) com os eleitos de Macron e dos partidos seus aliados (ninguém sabe quantos serão), que por sua vez prometeram integrar uma aliança com os liberais (atualmente 69 deputados) para enfrentar a direita europeia do PPE (que tem agora 216 deputados, mas divididos entre os merkelianos e a extrema-direita do Grupo de Visegrado).

Ora, o projeto é duvidoso pelo menos por três razões. A primeira é que se trata em todo o caso de uma inversão de rumo, pois implicaria que Macron e Costa procurassem vencer o PPE de Merkel e deixassem de buscar a sua complacência para entendimentos do dia a dia. Havendo uma coligação governamental na Alemanha entre a CDU e os social-democratas, esse putativo afastamento parece atrevimento. A segunda é que chamar a isto “frente progressista” é uma bizarria. Os liberais, que já assinaram com Macron um protocolo que curiosamente declarava que pretende “romper com o bipartidismo” europeu entre os socialistas e a direita merkeliana, são conduzidos por Mark Rutte, o primeiro-ministro, e representam o tradicional programa neoliberal da direita. Seria mais fácil vê-los numa associação com Passos Coelho do que com Costa, pelo que chamar a isto “progressista” é em qualquer caso um floreado extravagante. A terceira razão é que esta frente divide os socialistas. Estes já foram destroçados em França pelo sucesso inicial de Macron e pode até admitir-se que Costa despreze os seus camaradas locais. Mas em Espanha isto é um problema, porque Macron se aliou ao Ciudadanos, e não vejo como possa haver um grupo europeu que tenha simultaneamente o PSOE, que está no Governo, e esse partido de direita, na oposição, sendo, por sua vez, aliado da extrema-direita na Andaluzia. É uma salganhada impossível, o que significa que, se Macron leva os seus, o PSOE fica de fora.

Assim, a “frente progressista” pode vir a ser uma frente (juntando partidos tão diferentes mas afastando uma parte dos socialistas), mas duvido que seja progressista (os liberais defenderam arduamente sanções contra Portugal e é de esperar que voltem a fazer o mesmo na primeira oportunidade) e, sobretudo, que configure uma alternativa razoável para a União Europeia. A não ser que o programa neoliberal à Rutte e Macron seja o novo oásis. Só que isso não se pode dizer em Portugal, pois não? Alguém se poderia lembrar de perguntar se esta aliança em Bruxelas não é o contrário do que promete o Governo em Lisboa, que por isso mesmo quer ser plebiscitado no meio da santa ignorância sobre estas aventuras casamenteiras. Entretanto, em Portugal o PS continua a repetir a promessa de um “novo contrato social europeu”. Mas isso vai ser com os liberais? Será que houve milagre da reconfiguração das almas e Macron deixou de ser o presidente dos milionários, Renzi o homem do ataque à segurança social, Rivera o nacionalista espanholista e Rutte o arauto dos mercados?

Como dizia Tyrion Lannister no último episódio do “Game of Thrones”, “não há nada no mundo mais poderoso do que uma boa história. Nada a pode travar. Nenhum inimigo a pode vencer”.

A questão é que, neste caso, a história da “frente progressista” não é boa, não é nova e nem sequer sei se chega a ser uma história, pois já aterra com um cadastro demasiado pesado. Talvez seja simplesmente a prova da incoerência dos seus inventores, reduzidos à manobra por falta de um projeto apresentável. Por alguma razão a escondem meticulosamente dos eleitores.

Da impossibilidade de reformas estruturais à esquerda

por estatuadesal

(Ricardo Paes Mamede, in Diário de Notícias, 21/05/2019)

Paes Mamede

Os entendimentos entre o PS, o BE e o PCP em matérias estruturais é impossível", escrevia há dias Pedro Marques Lopes na sua coluna do DN. A tese instalou-se há algum tempo no debate público em Portugal e ninguém parece sentir necessidade de a demonstrar. Mas há muitas razões para a pôr em causa.

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Seria, de facto, impossível obter acordos à esquerda em várias "matérias estruturais". PS, PCP e BE nunca se entenderiam para privatizar a Segurança Social ou perverter a sua lógica redistributiva. Não se espera um acordo que institua o "cheque-ensino" ou outras formas de financiamento público de colégios privados. O desvirtuamento do carácter público do SNS ou a sua transformação num sistema baseado em seguros de saúde são incompatíveis com os princípios da universalidade e da solidariedade defendidos pelas esquerdas. Não há entendimento possível para alterações à lei do trabalho que liberalizem o despedimento individual ou o emprego precário. O mesmo se aplica a medidas que reduzam a progressividade fiscal e ponham em causa o financiamento do Estado (por exemplo a descida dos impostos sobre os mais ricos ou sobre as grandes empresas).

Há quem defenda que aquelas são algumas das "reformas estruturais" necessárias ao desenvolvimento do país. Para esses, o Estado social é um peso financeiro, uma fonte de ineficiência e uma limitação à liberdade de escolha. A regulação do mercado de trabalho é considerada uma fonte de rigidez, que limita o empreendedorismo e o ajustamento da economia a choques externos. A redistribuição dos rendimentos por via fiscal é vista como um desincentivo à criação de riqueza.

Segundo esta forma de ver o mundo, a privatização, a desregulamentação e a liberalização são as vias para o progresso. Para quem assim pensa, nunca será possível haver acordos à esquerda para fazer as reformas consideradas necessárias.

É um facto: não se podem esperar entendimentos entre partidos de esquerda para implementar um programa de direita. Mas há outras formas de pensar o desenvolvimento do país.

Há quem acredite que o elevado nível de desigualdade constitui um problema-chave em Portugal. Que a coesão social se constrói com serviços públicos universais e de qualidade. Com mecanismos de proteção social abrangentes e solidários. Com regras que contrariam o desequilíbrio de poderes na relação entre empregadores e assalariados. Com um sistema fiscal que exige um esforço mais do que proporcional a quem tem mais rendimentos e riqueza.

Construir um modelo de desenvolvimento assente nestes princípios nunca foi fácil, ainda o é menos com as regras em vigor. Para que o Estado social seja sustentável, os seus custos não podem exceder as receitas fiscais, sob pena de pôr em causa outras funções do Estado e/ou a sua viabilidade financeira. Por sua vez, a sustentabilidade financeira do Estado não pode ser obtida através de uma pressão fiscal de tal forma elevada que inviabilize o investimento privado ou a competitividade das empresas portuguesas nos mercados globais. Da mesma forma, a proteção da parte mais fraca nas relações laborais - os trabalhadores - tem de ter em conta as condições internacionais de comércio e produção.

As mudanças estruturais são também dificultadas por centros de poder e grupos de interesse - nacionais e estrangeiros, públicos e privados - que resistem à perda de privilégios. São grupos influentes, que exercem pressão sobre os decisores públicos para preservar e reforçar benefícios, recorrendo a meios de que poucos dispõem.

Nenhum dos partidos que sustenta a atual maioria ignora as dificuldades descritas, mesmo quando divergem sobre a possibilidade de as ultrapassar. Ou quando uns e outros se mostram vulneráveis a diferentes grupos de interesses.

Nos últimos quatro anos, PS, PCP e BE procuraram soluções para avançar no sentido desejado, no quadro das regras e das condições existentes. Com maior ou menor impacto, foram dados passos importantes em áreas como o financiamento da Segurança Social, a organização do sistema de ensino, a redistribuição dos rendimentos e da riqueza, a proteção social, a prevenção de doenças, a promoção dos transportes públicos ou o direito à habitação. A legislatura iniciada em 2015 mostra que são possíveis entendimentos à esquerda para lidar com aquelas e outras "matérias estruturais".

Ainda há muito por fazer na construção de uma sociedade decente em Portugal - e os obstáculos a enfrentar não são pequenos. Não é certo que as esquerdas consigam entender-se sobre as matérias decisivas. Muito trabalho tem ainda de ser feito para construir um caminho partilhado. Mas quem exclui à partida a possibilidade desses entendimentos está a exprimir um desejo - e não uma tese já demonstrada.

Economista e professor do ISCTE-IUL